Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0279/19.4BEVIS
Data do Acordão:03/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:FORMA DE PROCESSO
Sumário:I - O meio processual adequado, para os interessados atacarem, contenciosamente, as decisões de rejeição/indeferimento de processos/procedimentos administrativos (v.g., reclamação graciosa) e, concomitantemente, verem analisados os vícios colados ao ato de liquidação (de impostos, taxas….) em causa, é, unicamente, o processo de impugnação judicial, com as condições e trâmites, positivados nos artigos (arts.) 99.º a 133.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
II - O meio processual da ação administrativa só pode utilizado, quando as questões tributárias levantadas (no procedimento administrativo e no tribunal) não impliquem apreciar-se da legalidade do ato de liquidação.
III - O art. 70.º n.º 4 do CPPT consubstancia uma típica norma, destinada a salvaguardar situações limite, esporádicas, pouco comuns e frequentes, de superveniência de elementos, documentais ou judiciais (exigentemente, sentenças), relacionados com a esfera jurídico-tributária, privativa, de qualquer contribuinte, com capacidade para alicerçar um pedido de ilegalidade, em particular, do ato tributário de liquidação, por razões, fundamentos, inexistentes, não operacionais, nas datas, normais, regra, para acionamento do procedimento de reclamação graciosa.
Nº Convencional:JSTA000P27305
Nº do Documento:SA2202103100279/19
Data de Entrada:11/26/2020
Recorrente:A......, S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;
# I.

A………..., S.A., …, recorre da sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Viseu, a 4 de junho de 2020, em que se decidiu: «

I. Absolve-se da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira no que tange ao pedido de anulação parcial do ato de liquidação, por impropriedade do meio processual;

II. No demais, julga-se a presente ação administrativa improcedente, absolvendo-se a entidade demandada do pedido formulado;
III. (…). »
A recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões: «

a) Atendendo à posição sufragada pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 07.11.2018, processo n.º 01900/12.0BELRS, a Impugnante detetou que a autoliquidação de IRC por si efetuada, com base nas orientações genéricas publicadas pela Autoridade Tributária referente ao exercício de 2010 (e, bem assim, o ato de liquidação n.º 2012 2010018130), padece de ilegalidade;

b) O Acórdão referido, embora emitido por referência a outro sujeito passivo, afigura-se extremamente relevante para a situação sub judice porquanto, configura um facto que não podia ser invocado nos prazos a que alude o n.º 1 do artigo 70.º do CPPT;

c) Através de uma análise articulada dos artigos 70.º e 131.º do CPPT é possível concluir que (i) estando em causa autoliquidação de imposto norteada por orientações genéricas emanadas pela Autoridade Tributária, é aplicável ao caso em análise o n.º 3 do artigo 131.º do CPPT (e não o n.º 1 do mesmo preceito legal) e, bem assim, que (ii) o n.º 4 do artigo 70.º do CPPT é especial face aos n.ºs 1 (e também n.º 3) do artigo 131.º do CPPT;

d) O n.º 4 do artigo 70.º do CPPT prevê que, em caso de sentença superveniente, o prazo de 120 dias previsto para a apresentação de reclamação graciosa conta-se a partir da data em que se tornou possível conhecer da mesma, devendo entender-se que o legislador se expressou corretamente, prevendo tudo o que pretendia, pelo que do facto de nele não ser feita qualquer referência expressa à limitação dos factos relevantes a situações relativas ao próprio contribuinte resulta a conclusão óbvia e única possível de acordo com as normas interpretativas: o legislador não pretendeu limitar o recurso ao instituto;

e) Assim, se o legislador não incluiu no n.º 4 do artigo 70.º do CPPT qualquer limitação a que os factos e sentenças supervenientes devam respeitar a situações relativas ao próprio contribuinte é porque assim o pretendeu, sendo que qualquer interpretação diversa não terá qualquer suporte na lei, nem mesmo no pensamento legislativo (cfr. n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil);

f) Qualquer interpretação que pugne pela não aplicação do n.º 4 do artigo 70.º do CPPT ao caso sub judice, viola diversos princípios fundamentais em matéria tributária, todos com assento constitucional, a saber: o princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade e, bem assim, os princípios do acesso aos tribunais, à justiça e a uma tutela jurisdicional efetiva, previstos nos artigos 13.º, 266.º, 20.º e 268.º da CRP, circunstância essa ilegal, por inconstitucional, sendo a suscitação da inconstitucionalidade efetuada de modo processualmente adequado, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional;

g) A apresentação de Pedido de Revisão Oficiosa - em detrimento de Reclamação Graciosa - não era, à data (06.02.2019), possível uma vez que, atendendo a que a Recorrente teve direito a reembolso (e, portanto, o imposto encontra-se pago para todos os efeitos) o prazo para a Recorrente se socorrer ao referido mecanismo legal terminou volvidos “quatro anos após a liquidação”, i.e., em 22.05.2016;

h) À luz do disposto do n.º 1 do artigo 5.º do CPTA, a cumulação de pedidos formulada pela Recorrente deveria ter sido admitida pelo Tribunal a quo pois, estão em causa pedidos diretamente conexos, e, bem assim, o Tribunal a quo - por cumular as funções jurisdicionais em matéria administrativa e fiscal - tem competência para a apreciação do peticionado.

i) Verifica-se, portanto, que deve ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser substituída por nova decisão que contemple os argumentos ante referidos, com todas as consequências legais inerentes, nomeadamente o reconhecimento de que a Reclamação Graciosa apresentada a 06.02.2019 é tempestiva porquanto é inequívoco que o n.º 4 do artigo 70.º do CPPT é aplicável ao caso sub judice, devendo o presente recurso ser dado como procedente, por provado.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente recurso ser dado como procedente, por provado e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, tudo com as legais consequências.

Espera deferimento »


*

A recorrida (rda) formalizou contra-alegação, onde conclui: «

1.ª A Recorrente interpôs Recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, apontando-lhe exclusivamente erros de julgamento em matéria de direito;

2.ª Começa por alegar que o acórdão do STA aqui em causa, apesar de emitido por referência a outro sujeito passivo, configura um facto que podia ser invocado nos prazos do artigo 70.º/1 do CPPT;

3.ª A Recorrente invoca um acórdão, mas sem sequer demonstrar que o mesmo encontra-se transitado em julgado;

4.ª O acórdão em causa não constitui Jurisprudência firmada ou consolidada;

5.ª O acórdão em causa não foi proferido pelo Pleno do STA;

6.ª A Jurisprudência constitui um precedente meramente persuasivo (cfr. artigos 1.º e 8.º, n.º 3 do Código Civil), sendo que aquele será tanto mais forte quanto mais elevado for o grau hierárquico do tribunal que ditou a decisão e quanto mais repetitiva for a orientação seguida;

7.ª A jurisprudência não é fonte imediata de direito (artigo 1.º do Código Civil);

8.ª As decisões dos tribunais somente têm eficácia no caso concreto, apenas valendo como meio mediato ou derivado do conhecimento do direito;

9.ª Contrariamente aos países que perfilham um sistema jurídico de common law, as decisões dos tribunais não constituem precedente vinculativo, mas precedente meramente persuasivo (artigo 8.º/3 do Código Civil);

10.ª O acórdão em causa nem sequer conduziu à revisão a que alude o artigo 68.º-A/4 da LGT;

11.ª A invocação do acórdão em causa resume-se a um mero argumento especulativo, não possuindo qualquer força vinculativa na concreta relação jurídico-tributária que existe entre a Recorrente e a Recorrida;

12.ª Alega a Recorrente que, da articulação dos artigos 70.º e 131.º do CPPT, é possível retirar a conclusão que é aplicável ao caso o artigo 131.º/3 do CPPT e, bem assim, que o artigo 70.º/4 do CPPT é especial face aos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT;

13.ª O fundamento teleológico do artigo 70.º/4 do CPPT reside em estabelecer um mecanismo de salvaguarda ao sujeito passivo de uma relação jurídico-tributária que, pretendendo apresentar uma Reclamação Graciosa, tem necessidade de, previamente ou a montante, obter um documento ou uma sentença que é pressuposto essencial para a Reclamação (cfr. acórdão do STA n.º 0329/11, proferido a 2011-11-02);

14.ª O caso vertente não se insere neste fundamento teleológico do legislador fiscal;

15.ª O que a Recorrente pretende retirar do artigo 70.º/4 do CPPT é uma extensão dos efeitos de uma sentença (sem observar, minimamente, os pressupostos legais exigidos por este instituto jurídico) ao seu caso concreto, mas quando este já estava consolidado na ordem jurídica, em resultado da sua própria inércia procedimental e processual;

16.ª O legislador nunca pretendeu colocar no limbo toda e qualquer relação jurídico-tributária, na expetativa que os tribunais tributários portugueses (aliada à elevada pendência com que estes publicamente se debatem) proferissem, entretanto, decisões favoráveis aos sujeitos passivos;

17.ª O resultado da tese da Recorrente é de tal forma aberrante que invalida qualquer argumento que ela teça em torno daquilo que, pretensamente, a norma legal não revela, mas que o legislador na verdade quis dizer.

18.ª A Recorrente alega que o artigo 70.º/4 do CPPT não contém nenhuma limitação expressa no sentido de que os factos e sentenças supervenientes devam respeitar a situações relativas ao próprio contribuinte;

19.ª Tal alegação resulta de uma sobreposição do elemento literal sobre os demais elementos da interpretação jurídica;

20.ª Na tarefa interpretativa tem também lugar o elemento lógico, o qual integra os subelementos histórico, sistemático e teleológico;

21.ª A exceção ao prazo geral, consagrada no artigo 70.º/4 do CPPT, só aproveita a quem era parte processual no processo que deu origem à sentença superveniente;

22.ª A interpretação veiculada pela Recorrente não só é claramente ofensiva do elemento sistemático, como coloca em causa a própria ordem jurídica;

23.ª A intenção do legislador nunca foi (nem poderia ser) alargar, até aos limites das pendências nos tribunais portugueses, o prazo regular de reclamação ou de impugnação a todo e qualquer sujeito passivo;

24.ª A intenção do legislador foi, em determinadas circunstâncias, permitir ao sujeito passivo alegar factos supervenientes que se repercutem na concreta causa de pedir do reclamante (ou impugnante) e que, por conseguinte, são aptos a constituir, modificar ou extinguir o direito à tributação invocado pela Recorrida;

25.ª Subjacente à norma está o surgimento de uma concreta decisão judicial que, uma vez transitada em julgado, influi reflexamente na relação jurídico-tributária entre o sujeito passivo e a Recorrida, e não entre todo e qualquer sujeito passivo e a Recorrida (cfr. acórdão do STA, proferido a 2010-12-07, no âmbito do processo n.º 0753/10 e acórdão do STA, proferido a 2017-11-29, no âmbito do processo n.º 0914/14);

26.ª Alega a Recorrente que qualquer outra interpretação, que não a sua, será violadora dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, do acesso aos tribunais, à justiça e a uma tutela jurisdicional efetiva;

27.ª A arguição destas pechas não é compreensível à luz dos contornos do presente caso, dado que: (i) a Recorrente foi regularmente notificada da liquidação de IRC aqui em causa, sendo que nada quis ou soube fazer e (ii) a Recorrente deixou precludir todos os prazos de que dispunha para reagir contra o ato tributário (120 dias para reclamar, 3 meses para impugnar e 90 dias para deduzir pedido de pronúncia arbitral);

28.ª Nenhuma relação de prejudicialidade havia (ou há) entre o acórdão aqui em causa e a concreta relação jurídico-tributária existente entre a aqui Recorrente e aqui Recorrida;

29.ª A Recorrente esteve nas mesmas condições iniciais que o sujeito passivo que deu origem ao acórdão do STA aqui em causa, mas nada fez; a Recorrente teve ao seu dispor os mesmos meios que o sujeito passivo que deu origem ao acórdão do STA aqui em causa, mas nada fez; e a Recorrente teve ao seu dispor os mesmos prazos que o sujeito passivo que deu origem ao acórdão do STA aqui em causa, mas nada fez;

30.ª Perante estes factos, é indefensável pretender-se obter as mesmas consequências jurídicas, perante situações que são totalmente distintas, uma vez que quem nada (processualmente) fez não está no mesmo plano de quem (processualmente) fez;

31.ª Por inércia, incompetência ou excesso de confiança, a Recorrente não quis reagir dentro do prazo legal contra a liquidação de IRC (como efetivamente fez o sujeito passivo que potenciou o acórdão do STA sub judice), sendo que nenhuma razão plausível ou sequer prejudicial a impedia de o fazer.

32.ª A interpretação veiculada pela Recorrente em torno do artigo 70.º/4 do CPPT é atentatória dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança;

33.ª A acolher-se a tese da Recorrente, cessa qualquer confiança, segurança jurídica, expetativa ou estabilidade no sistema jurídico;

34.ª A ser acolhida tal “ultra-garantística” tese, risca-se o caso julgado administrativo, o efeito preclusivo e a caducidade do direito de ação, uma vez que basta aguardar que outrem reaja judicialmente, a fim de que outros reajam posteriormente em função do vencimento de causa que venha ali a ocorrer;

35.ª A acolher-se esta visão “ultra-garantística”, teremos o regresso da (inconstitucional) figura do Assento, mas à completa revelia do instituto da extensão dos efeitos da sentença (no pressuposto de que este seria aplicável aos atos tributários, o que nem sequer é líquido);

36.ª Alega a Recorrente que a apresentação de Pedido de Revisão Oficiosa, em detrimento de Reclamação Graciosa, já não seria possível à data;

37.ª Tal argumento não foi por ela suscitado na Ação Administrativa, resulta de uma linha de raciocínio empreendida pelo tribunal a quo na sua fundamentação;

38.ª Os recursos destinam-se a reapreciar a matéria que foi discutida pelas partes na ação, não se destinam a apreciar novas questões que as partes, entretanto, resolveram suscitar;

39.ª Independentemente de tal argumento se mostrar correto, ou não, do ponto de vista jurídico, certo é que o mesmo não passou de um argumento de reforço, a latere;

40.ª Tal argumento não tem a virtualidade de permitir à Recorrente suscitar, agora, uma questão cuja arguição não foi feita até ao termo do prazo para a apresentação da sua petição inicial;

41.ª Mesmo a ser admitido, tal argumento não conduziria a solução diferente da que foi proferida, pois não atinge o cerne ou a economia da decisão judicial;

42.ª Finalmente, conclui a Recorrente que o tribunal a quo andou mal ao decidir pela não cumulação de pedidos formulada pela Recorrente, quando estão em causa pedidos diretamente conexos;

43.ª A Ação Administrativa teve por objeto um ato em matéria tributária: a decisão de indeferimento liminar da Reclamação Graciosa;

44.ª Dos artigos 38.º a 58.º da petição inicial, é manifesto que a Recorrente invoca (também) fundamentos em torno da legalidade de um ato tributário, a saber, a (pretensa) errada interpretação e aplicação do direito aplicável em torno da liquidação de IRC, referente ao exercício de 2012, no que tange ao cálculo da Derrama Estadual;

45.ª Uma decisão de indeferimento liminar da Reclamação Graciosa (i.e., ato em matéria tributária) não se confunde com a liquidação de IRC (i.e., ato tributário).

46.ª Toda e qualquer discussão sobre um pretenso vício, erro ou ilegalidade em torno de um ato tributário não pode ter lugar em sede de Ação Administrativa, dado que esta visa a discussão de vícios, erros ou ilegalidades em torno de atos em matéria tributária;

47.ª Por opção do legislador, é assim que está estruturado o nosso contencioso administrativo-tributário: à Ação Administrativa cabem os atos em matéria tributária e à Impugnação Judicial cabem os atos tributários;

48.ª Não é o facto de os pedidos estarem diretamente conexos quer permite à Recorrente enxertar, ao arrepio da Lei e da dicotomia entre o Contencioso Administrativo e o Contencioso Tributário, uma Impugnação Judicial numa Ação Administrativa;

49.ª Por tudo isto, a sentença recorrida, ao julgar improcedente a Ação Administrativa, fez uma correta interpretação e aplicação da lei, motivo pela qual deve ser mantida na ordem jurídica.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve ser negado provimento ao Recurso interposto, com todas as legais consequências. »


*

A Exma. Procuradora-geral-adjunta emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida nos seus precisos termos.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

*******

# II.


Na sentença, em sede de julgamento factual, encontra-se exarado: «

A) Em 14 de maio de 2012 foi apresentada a declaração M22 referente ao ano de 2010 por “A………… SA”

[cfr. declaração que faz fls. 2 a 7 da peça n.º 004675117 do SITAF]

B) A declaração referida no facto precedente deu origem à liquidação n.º 2012 2010018130, emitida em 22/05/2012, onde foi apurado valor a reembolsar

[cfr. liquidação que faz fls. 22 da peça n.º 004683949 do SITAF]

C) Em 12 de dezembro de 2016 foi proferida sentença no processo de impugnação judicial n.º 1900/12.0BELRS, instaurado no Tribunal Tributário de Lisboa e que opôs a B…….. Portuguesa SA à Autoridade Tributária e Aduaneira, onde se determinou a anulação da derrama estadual na parte relativa ao primeiro semestre de 2010 com fundamento na formação sucessiva do facto tributário e de harmonia com o n.º 2 do art.º 12.º da LGT.

[cfr. resulta de fls. 4 a 26 da peça n.º 004675122 do SITAF]

D) Em 7 de novembro de 2018 foi proferido aresto pelo STA que negou provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da decisão referida no facto precedente

[cfr. ponto 5 da reclamação graciosa, posição das partes expressa nos autos e consulta a dgsi.pt]

E) Em 8 de fevereiro de 2019 foi apresentada pela A……… reclamação graciosa contra a liquidação de IRC n.º 2012 2010018130 referente ao exercício fiscal de 2010 e com fundamento na ilegalidade da liquidação da derrama

[cfr. resulta da peça n.º 004675119 do SITAF]

F) Em 12 de abril de 2019 foi proferida decisão de rejeição liminar da reclamação

[cfr. decisão que faz fls. 39 da peça n.º 004683950 do SITAF]

G) A decisão referida no facto precedente sustentou-se na seguinte proposta:

“(…) Alega a reclamante que o entendimento constante do projeto de decisão «carece de fundamento legal, não podendo de modo algum ser aceite».

Para sustentar a sua conclusão, alega, em resumo, o seguinte:

1. «Ora, a verdade é que nos termos do disposto no n° 4 do artigo 70° do CPPT o legislador não consagrou expressamente qualquer exceção ou limitação que determine que a sentença tem de ser proferida num processo respeitante ao sujeito passivo, referindo apenas "em caso de documento ou sentença superveniente"»;

2. «Nessa medida, partindo do princípio que o legislador previu tudo o que queria prever, não existindo qualquer referência expressa à limitação dos factos relevantes a situações relativas ao próprio contribuinte, a conclusão óbvia e única possível segundo a aplicação das regras gerais de interpretação é a seguinte: o legislador não pretendeu limitar o recurso reclamação graciosa aos sujeitos passivos que não foram objeto da decisão superveniente»;

3. «Todavia, vem a Autoridade Tributária referir que a abertura de tal possibilidade, "constituiria uma violação do princípio da segurança e certeza jurídica" (...)».

4. «No entanto a par do princípio da segurança e da certeza jurídica existem outros princípios fundamentais - corolários do Estado de Direito Democrático - nomeadamente o princípio da igualdade previsto nos artigos 55° da LGT, 13° e 266º, n° 2, da Constituição da República Portuguesa.»;

5. «E no caso vertente, acresce que a "suposta" certeza jurídica foi errónea e ficcionadamente criada com base numa Informação Vinculativa sancionada por despacho de SEAF que, enquanto orientação pública e genérica, induziu os destinatários a proceder erradamente, contra os seus interesses e com base numa interpretação ilegal, como declarou o Supremo Tribunal Administrativo.»;

6. «Ora, como referido, de acordo com a interpretação feita pela Autoridade Tributária do disposto no nº 4 do artigo 70° do CPPT, segundo o qual a abertura do recurso à reclamação Graciosa ao abrigo do referido preceito legal é apenas permitida nos casos em que a decisão superveniente diga respeito à parte que a invoca colide frontalmente com o princípio da igualdade.»,

7. «No que ao direito fiscal respeita, o princípio da igualdade tributária consiste no tratamento igual de situações jurídico tributárias iguais e no tratamento desigual de situações jurídico tributárias desiguais.»;

8. «Ora, permitir-se a um contribuinte a utilização do recurso à reclamação graciosa nos termos do n° 4 do artigo 70° do CPPT com fundamento numa decisão superveniente e limitar tal acesso a um contribuinte exatamente na mesma situação, cujo aproveitamento determinaria a anulação de um ato ilegal, e sobre o qual o contribuinte se limitou a seguir a orientação publicada pela Autoridade Tributária sobre o tema, viola o principio da igualdade tributária, ao permitir que outros contribuintes aproveitem dessa declaração de anulação.»;

9. «Por seu turno, cumpre sublinhar que a Reclamante procedeu à autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2010, com base na Lei e nas Instruções da Autoridade Tributaria.»;

10. «Aliás, o próprio campo 373 da declaração Modelo 22 não admitia, à data, uma inscrição da autoliquidação "parcial" da Derrama Estadual, pelo que também por essa via - a vinculação e responsabilidade pelo "formulário"- se verifica que a Reclamante foi obrigada a liquidar desta forma o tributo, agora declarado ilegal na parte que respeita ao primeiro semestre de 2010.»;

11. «Acresce que, não pode a Reclamante ser prejudicada no direito de impugnar administrativamente a autoliquidação e a consequente liquidação feita pela Autoridade Tributária com fundamento na decisão superveniente proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, nos termos da qual se julgou ilegal a cobrança da derrama estadual sobre o lucro tributável obtido até 1 de julho de 2010, na medida em que só no momento da prolação da decisão é que a Reclamante teve conhecimento de que a atuação imposta pela Autoridade Tributária padecia de ilegalidade.»,

12. «Em face do supra exposto, é forçoso concluir que se o legislador não incluiu no n° 4 do artigo 70° do CPPT qualquer limitação a que os factos e sentenças supervenientes devam respeitar a situações relativas ao próprio contribuinte é porque assim o pretendeu, sendo que interpretação diversa não terá qualquer suporte na lei, nem mesmo no pensamento legislativo.»;

13. «Por conseguinte, urge atender aos fundamentos aduzidos em sede da presente audição prévia, devendo a Autoridade Tributária rever o projeto de decisão de rejeição liminar ora sob resposta e, em consequência, anular parcialmente o ato de liquidação de IRC n° 20122010018130, no montante de € 8.551,88 (correspondente a metade do valor da derrama estadual apurada em 2010, de € 17.103,76), e ordenar o respetivo reembolso, devendo a Reclamante ser, ainda, ressarcida através de juros indemnizatórios calculados desde a data da apresentação da Reclamação até efetivo e integral pagamento, calculados à taxa máxima legal em vigor.»,

Analisados os argumentos invocados no direito de audição, verifica-se que a reclamante continua a defender uma interpretação exclusivamente literal da norma em causa, descurando outros elementos interpretativos.

Para além do elemento literal - o único utilizado pela reclamante -, haverá que recorrer a outros elementos interpretativos para determinar o sentido da lei.

O recurso ao elemento sistemático permite-nos, desde logo, tomar consciência que o resultado interpretativo a retirar da norma em causa terá necessariamente que obedecer e coexistir com as regras relativas aos efeitos e limites do caso julgado.

Igualmente a interpretação a efetuar da norma deverá respeitar o princípio da segurança e certeza jurídica.

Através de uma interpretação do nº 4 do art.º 70° do CPPT, realizada com o auxílio destes parâmetros obtemos um resultado distinto da reclamante, o qual, por se mostrar infundado, deverá ser rejeitado.

Quanto ao fim que a norma visa realizar, pensamos que neste caso o legislador quis conferir nova possibilidade de impugnação administrativa apenas às situações em que não foi possível reclamar graciosamente no prazo normal por impossibilidade de invocação de documento, sentença ou facto de que posteriormente se vem a ter conhecimento ou a obter.

Conclui-se, assim, que a situação da reclamante não se subsume na previsão do nº 4 do artigo 70° do CPPT.

Com efeito, a reclamante, após a apresentação da primeira declaração de rendimentos referente ao exercício de 2010, poderia ter desencadeado os meios de impugnação administrativa ao seu dispor com vista à anulação do referido ato tributário, com fundamento na invalidade do apuramento da derrama estadual, decorrente da violação do nº 2 do artigo 12° da LGT.

Para isso, não estava a reclamante dependente de qualquer documento ou sentença superveniente.

Por fim, cumpre abordar o novo argumento invocado no direito de audição que se traduz na circunstância de a reclamante ter seguido as instruções publicadas pela Autoridade Tributária (AT) no preenchimento da declaração modelo 22, de IRC, as quais viriam a ser declaradas ilegais por um Tribunal.

Facto que, só por si, na perspetiva da reclamante, legitimaria a apresentação de reclamação graciosa, ao abrigo do nº 4 do artigo 70º do CPPT.

Ora, em termos gerais, as circulares consistem em orientações administrativas de caracter genérico, segundo as quais, a AT procede a uma interpretação de normas tributárias. Assim, pelo nº 1 do artigo 55° do CPPT, estas orientações genéricas visam a uniformização da interpretação e aplicação das normas tributárias pelos serviços. Sendo que, pelo nº 2 do mesmo artigo, quando emitidas pelo dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário a quem ele tiver delegado essa competência, vinculam a AT. O nº 3 do mesmo articulado ressalva a sua aplicação à AT que procedeu à sua emissão. Assim, é evidente que as orientações administrativas da AT não vinculam os particulares.

Deste modo a reclamante poderia não ter seguido a interpretação da AT e preencher a declaração de rendimentos segundo o entendimento que entendesse mais correto.

É por isso que carece de sentido a alegação da reclamante de que foi obrigada a liquidar o tributo segundo instruções da AT.

Por outro lado, importa referir que, não obstante a reclamante ter liquidado o tributo segundo instruções da AT, poderia ter apresentado reclamação graciosa ao abrigo do artigo 68° e seguintes e artigo 131°, todos do CPPT.

Não o tendo feito, conformando-se ao invés com a liquidação em causa, não poderá agora a reclamante vir apresentar reclamação graciosa ao abrigo do n° 4 do artigo 70° do CPPT.

Em face do exposto, dado que das alegações apresentadas pelo reclamante não se extraem factos novos, que não tenham sido já analisados, que possam alterar o projeto de decisão já proferido anteriormente, deve ser mantido o despacho de rejeição liminar da presente reclamação.”

[cfr. proposta que faz fls. 36 a 38 da peça n.º 004683950 do SITAF] »


***

A sentença recorrida foi proferida, no âmbito de ação administrativa (Como tal foi, objetivamente, até este momento, tramitada.), proposta (em 15 de julho de 2019) pela, aqui, rte, cuja petição inicial, com a menção primeira de que é apresentada “IMPUGNAÇÃO ADMINISTRATIVA”, termina pedindo: “…, deve ser declarada a ilegalidade da decisão de rejeição liminar da Reclamação Graciosa apresentada e, bem assim, ser determinada a anulação parcial do ato de liquidação de IRC 2012 2010018130, no montante de € 8.551,88 (correspondente a metade do valor da derrama estadual apurada em 2010, de € 17.103,76), e, consequentemente, ser ordenado o reembolso do referido montante, referente à derrama estadual indevidamente liquidada, acrescido dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos, nos termos acima expostos.”.

Para chegar ao veredicto, que no introito reproduzimos, em sede de fundamentação facto-jurídica, o julgador desenvolveu, entre outros, estes argumentos: «

(…).

Conforme decorre do probatório, na sequência de decisão judicial que entendeu ilegal a liquidação de derrama nos termos preconizados pela AT, a Autora deduziu reclamação graciosa contra a liquidação de IRC.

Indeferida por intempestividade aquela Reclamação, pretende a Autora nos presentes autos que seja reconhecida a tempestividade da reclamação e a ilegalidade da decisão reclamada.
A AT entende que o presente meio processual é inapropriado para o conhecimento do segundo pedido e a Autora que estes são compatíveis com o meio processual.
(…).
Da propriedade do meio processual para conhecimento das pretensões da Autora:
É extensa a jurisprudência que se debruçou sobre a propriedade dos meios processuais relativamente à apreciação da legalidade de atos tributários no âmbito da impugnação judicial ou da então ação administrativa especial de condenação à prática de ato devido (atualmente ação administrativa ou, mais vetustamente, o recurso contencioso de anulação).
A jurisprudência tem sido ampla no sentido de que o primeiro meio processual é o adequado ao conhecimento da legalidade da liquidação do tributo, sendo de utilizar o segundo o meio quando tal não ocorra.
A título meramente de exemplo, referiu o colendo STA no processo 01263/13 de 28/5/2014:

(…).
Como decorre cristalino do probatório, o ato administrativo aqui em causa foi de rejeição liminar por intempestividade.
Destarte,
À míngua de pronúncia de mérito sobre as pretensões da Reclamante de anulação parcial da liquidação reclamada graciosamente, é de concluir que o meio processualmente adequado à sindicância judicial de tal ato é a ação administrativa.
Consequentemente,
O presente meio processual é o próprio para o conhecimento da impugnação daquele ato, mas já é impróprio para a apreciação da legalidade da liquidação de derrama.
A cumulação de pedidos apenas seria admissível caso o meio processual fosse o adequado ao conhecimento das duas pretensões deduzidas.
Acresce que os dois meios processuais assumem tramitações distintas, a posição do Ministério Público é diferente, a representação das partes também e, não se encontram regulados pelo mesmo Código.
Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito anteriormente expressos, se julga procedente a exceção de impropriedade do meio processual para o conhecimento do segundo pedido, circunstância que determinará a absolvição da instância da AT quanto a este, porquanto sendo o meio idóneo ao conhecimento do primeiro pedido não se coloca a hipótese de convolação. »

Na sequência disto, passou a conhecer da questão da “tempestividade da reclamação graciosa”, sobre a qual, concludentemente, expressou: “(…).
Mas, mesmo que assim não se entendesse, a reclamação também não foi apresentada dentro do prazo previsto pelo art.º 70.º do CPPT como pretende a Autora.
Se a reclamação graciosa tiver por fundamento documento ou sentença superveniente ou qualquer facto que não tenha podido ser invocado nos prazos referidos, o prazo de reclamação graciosa contar-se-á a partir da data em que tiver sido possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto [cfr. n.º 4 do art.º 70.º do CPPT].
Como está bom de ver, o fundamento da reclamação graciosa não é a sentença superveniente na medida em que esta não introduziu no ordenamento jurídico qualquer facto jurídico novo passível de sustentar a reclamação.
O fundamento da reclamação graciosa é, isso sim, a alegada ilegalidade da liquidação da derrama na autoliquidação, o vício de violação de lei, essa é que é a causa petendi.
A sentença proferida pelo STA não constitui fundamento de reclamação, mas apenas a sustentação por parte daquele colendo Tribunal do entendimento preconizado pela Reclamante.
(…). … pode afirmar-se que não tendo a Autora intentado reclamação graciosa ou impugnação judicial no prazo de 2 anos contados da apresentação da declaração Modelo 22 onde autoliquidou o imposto e a derrama, aquele ato se tornou definitivo pelo decurso dos prazos de impugnação judicial e administrativa. Não obstante, caso a Autora considerasse que as instruções estavam erradas, tal configuraria erro imputável aos serviços e como tal poderia lançar mão do mecanismo de revisão oficiosa, com esse fundamento e no prazo previsto no n.º 1 do art.º 78.º da LGT. À míngua de tal, é de concluir pela extemporaneidade da reclamação e, consequentemente, que a rejeição desta com esse fundamento não enferma do vício de violação de lei que lhe é imputado.”.

Feito este enquadramento, volvendo energia e atenção para a crítica formalizada, pela rte, neste apelo, conferimos que ela assenta num fundamento, com duas incidências; o errado julgamento, em primeira e destacada linha, da questão respeitante à tempestividade da reclamação graciosa e, num segundo e mais tímido ataque - cf. conclusão h), da decisão de absolver da instância a autoridade tributária e aduaneira (AT), no que tange ao pedido de anulação parcial do ato de liquidação, por impropriedade do meio processual.

Desde já, avançamos que o recurso não pode proceder, num duplo enfoque.

O primeiro e mais decisivo, decorre da circunstância de não ser possível retroceder, no julgamento que desaguou na aludida absolvição, da AT, da presente instância.

Efetivamente, para este Supremo Tribunal, o meio processual adequado, para os interessados atacarem, contenciosamente, as decisões de rejeição/indeferimento de processos/procedimentos administrativos (v.g., reclamação graciosa) e, concomitantemente, verem analisados os vícios colados ao ato de liquidação (de impostos, taxas….) em causa, é, unicamente, o processo de impugnação judicial, com as condições e trâmites, positivados nos artigos (arts.) 99.º a 133.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). O exclusivo requisito/condição exigida, para que, sempre, seja esta a forma de processo a utilizar, é a verificação e conclusão de o, prévio, procedimento administrativo, casuisticamente, ativado, envolver, dizer respeito, à liquidação de tributos, estaduais, regionais e/ou locais. Portanto, numa formulação genérica, o meio processual tributário de impugnação judicial é de acionar em todas as situações onde se visem atos relativos a questões tributárias que impliquem, contendam com a apreciação (de qualquer ilegalidade) do ato de liquidação, mesmo que, no mesmo processo se tenham de versar e dirimir questões relacionadas, em exclusivo, com um procedimento de cariz administrativo, quando este tenha tido, previamente, lugar; por contraposição, o meio processual da ação administrativa só pode utilizado, quando as questões tributárias levantadas (no procedimento administrativo e no tribunal) não impliquem apreciar-se da legalidade do ato de liquidação.

Por contraponto, esta jurisprudência não é suscetível de ser afastada, designadamente, pela singela proposta de, neste caso, a cumulação de pedidos formulada, pela autora, ora, rte, na presente ação administrativa, merecer a cobertura do disposto no art. 5.º n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) (Normativo, totalmente, revogado pela Lei n.º 118/2019 de 17 de setembro, mas que, até então, prescrevia no respetivo n.º 1: “A cumulação de pedidos é possível mesmo quando, nos termos deste Código, a algum dos pedidos cumulados corresponda uma das formas da ação administrativa urgente, que deve ser, nesse caso, observada com as adaptações que se revelem necessárias, devendo as adaptações que impliquem menor celeridade do processo cingir-se ao estritamente indispensável.”.). Este comando legal, por um lado, patenteava um âmbito de aplicação restrito, privativo, do contencioso administrativo, stricto sensu, acrescendo, por outro, que o seu (hipotético) funcionamento, em sede de contencioso tributário, jamais, poderia, mesmo com as devidas adaptações, implicar a derrogação da supra inscrita regra de impugnação judicial ser a forma de processo, única, utilizável (sob pena de erro na forma de processo) em todas as situações onde se visem atos relativos a questões tributárias que impliquem, contendam com a apreciação (de qualquer ilegalidade) do ato de liquidação, mesmo que, no mesmo processo se tenham de versar e dirimir questões relacionadas, em exclusivo, com um, precedente, procedimento de cariz administrativo.

Por outras palavras e focando a situação julganda, presente a causa de pedir consubstanciada nos arts. 38.º a 54.º da petição inicial (Sugestivamente, epigrafada de “b) Da ilegalidade da liquidação de IRC”.), com tradução, correspondente, no pedido de anulação parcial do ato de liquidação de IRC …, este processo (judicial) tinha de ter sido apresentado e tramitado, como impugnação judicial, nunca, como ação administrativa, ostentando um pedido de declaração de ilegalidade da decisão de rejeição liminar da reclamação graciosa, pretensamente, cumulado com o de anulação parcial do aludido ato tributário de liquidação.

Só resta mencionar que, neste momento, é, legalmente, inadmissível qualquer possibilidade de intervenção ao nível de uma eventual convolação processual, porquanto, a nulidade correspondente tinha de ser conhecida e foi, na sentença final (decisão de 1.ª instância) - art. 200.º n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), acrescendo, ainda, que, na perspetiva da rte, a ação administrativa continua a configurar a forma processual adequada à sua pretensão (de anular, parcialmente, a liquidação de IRC …).

Neste ponto, estávamos em condições de encerrar a discussão do objeto deste recurso, pois, ao ter de manter-se a sentença neste segmento, resulta, sem mais, prejudicado, qualquer efeito possível de extrair de uma decisão favorável, no que tange à questão da tempestividade da reclamação graciosa; a liquidação pretendida anular, em parte, sempre, havia de subsistir, na ordem jurídica, tal como efetivada. Contudo, relevada a particularidade de, quanto a esta última matéria, a rte invocar a violação de “diversos princípios fundamentais em matéria tributária, todos com assento constitucional” - conclusão f), acedemos a debruçar-nos sobre a mesma.

Fundamentalmente, importa esclarecer se, à reclamação graciosa apresentada, em 8 de fevereiro de 2019, pela, aqui, rte, contra a liquidação de IRC n.º 2012 2010018130, referente ao exercício fiscal de 2010 e com fundamento na ilegalidade da liquidação da derrama (estadual) (Alínea E) dos factos provados.), é aplicável o disposto no art. 70.º n.º 4 do CPPT (“Em caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar no prazo previsto no n.º 1, este conta-se a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto.”). Ou seja, não tendo a reclamação graciosa sido apresentada nos 120 dias contados a partir de qualquer dos factos previstos no art. 102.º n.º 1 CPPT, podia sê-lo, nesse mesmo espectro temporal, mas, com início no dia 7 de novembro de 2018, data em que a reclamante (rte) teve conhecimento da posição sufragada, pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 07.11.2018, processo n.º 01900/12.0BELRS. De forma mais ligeira, o que se questiona é da possibilidade de um contribuinte, não afrontando os atos tributários, destacadamente, de liquidação, que lhe são validamente notificados, com as ilegalidades e dentro dos prazos respetivos, poder, mais tarde e ultrapassados os períodos que tinha, disponíveis, para o efeito, a reboque do resultado de um processo judicial alheio, potencialmente, capaz de conferir fundamento à sua pretensão, vir recuperar legitimação e tempestividade, para atacar a legalidade daqueles, entretanto, casuisticamente, cimentada.

Entendemos, óbvio e objetivo, que, este efeito (do tipo extensão das convenções coletivas de trabalho ou das sentenças favoráveis a trabalhadores sindicalizados aos não inscritos em qualquer sindicato ou, ainda, da instituída, para o contencioso administrativo, no art. 161.º do CPTA) não é o que preside à previsão normativa do versado art. 70.º n.º 4 do CPPT.

Esta consubstancia uma típica norma, destinada a salvaguardar situações limite, esporádicas, pouco comuns e frequentes, de superveniência de elementos, documentais ou judiciais (exigentemente, sentenças), relacionados com a esfera jurídico-tributária, privativa, de qualquer contribuinte, com capacidade para alicerçar um pedido de ilegalidade, em particular, do ato tributário de liquidação, por razões, fundamentos, inexistentes, não operacionais, nas datas, normais, regra, para acionamento do procedimento de reclamação graciosa. Trata-se de uma solução equivalente à de outros ramos do direito, destinada a cobrir a ocorrência de situações excecionais, em que, de um ponto de vista subjetivo, importa, ainda, assegurar tutela (administrativa e/ou contenciosa) ao conhecimento posterior, superveniente, de certos e determinados elementos, potencialmente, relevantes, alargando-se, em conformidade, o prazo normal/inicial, disponibilizado, por lei, para o exercício daquela. Em todos os casos deste cariz, nunca se pretende dar cobertura ao não exercício atempado dos direitos dos interessados na declaração de ilegalidade dos atos, pela via de virem a colher os frutos de lides operadas por outros…

Resta consignar que julgamos não incorporar, esta forma de entender, a positividade do art. 70.º n.º 4 do CPPT, qualquer violação de princípios jurídico-tributários fundamentais e com expressão constitucional, destacadamente, os identificados, arrolados, pela rte, na aludida conclusão f), sobre os quais, aliás, nada mais podemos acrescentar, dada a falta de, detalhada, concretização, substancial, dos correspondentes argumentos, reduzidos à expressão dos pontos 58., 76. e 77., das competentes alegações de recurso.

Em suma, a sentença recorrida não tem de ser revogada.


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# III.


Por este congregado de fundamentos, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos negar provimento ao recurso.

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Custas pela recorrente.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 10 de março de 2021. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.