Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01355/15
Data do Acordão:06/15/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P20698
Nº do Documento:SA22016061501355
Data de Entrada:10/20/2015
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A……………., SA, inconformada, recorreu da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 24 de Março de 2015, que julgou improcedente a oposição por aquela deduzida, ao processo de execução fiscal nº 1546201201042050, que o Serviço de Finanças de Mafra lhe moveu por dívidas relativas a IRC do exercício de 2009.

Alegou, tendo concluído como se segue:
I. A aqui Recorrente foi declarada insolvente por sentença proferida a 25.10.2011 no Tribunal de Comércio da Comarca de Grande Lisboa - Noroeste.
II. Em 26.03.2012, a Autoridade Tributária emite certidão de dívida relativa a IRC referente ao exercício de 2009.
III. Na sequência dessa certidão foi instaurado o processo de execução fiscal nº 1546201201042050.
IV. Não concordando com a legalidade dessa mesma execução fiscal a Recorrente deduziu oposição à execução fiscal.
V. Entre os fundamentos expressos em sede de oposição à execução fiscal foi referido que a situação em apreço, a ilegalidade de instauração de execução fiscal, seria enquadrável no âmbito do artigo 204º nº 1 al. i) do CPPT.
VI. Na verdade, estamos perante uma dívida anterior à data da declaração de insolvência, logo, não se poderá instaurar execução fiscal para a cobrança da mesma.
VII. Ora, tendo em conta as disposições legais vigentes, todos os créditos anteriores à data da declaração de insolvência são créditos sobre a massa insolvente.
VIII. Deste modo, o imposto devido referente ao exercício de 2009 deveria ter sido reclamado nos termos e para os efeitos do artigo 128º do CIRE.
IX. Não se pode concordar com o tribunal a quo que julgou improcedente a oposição à execução e considerou ser de aplicar, no caso em concreto, o disposto no nº 6 do artigo 180º do CPPT.
X. Esta disposição legal estabelece que os processos de execução fiscal relativos a créditos vencidos após a declaração de insolvência seguirão os termos normais da execução fiscal até à sua extinção.
XI. Mas, sublinhe-se, que este crédito já se tinha vencido antes da declaração de insolvência.
XII. Pois, o vencimento do crédito fiscal deve ser aferido a partir do momento em que a Autoridade Tributária adquire o direito ao crédito.
XIII. No caso do IRC de acordo com os preceitos legais o vencimento do imposto verifica-se no ano seguinte àquele a que os rendimentos dizem respeito.
XIV. Por outro lado, o que por mera hipótese se concebe, o tribunal a quo deveria ter apreciado a falta de notificação da dívida exequenda.
XV. Confrontando os documentos juntos à execução fiscal não consta nenhuma notificação precedente à citação para a execução.
XVI. Só no momento da execução é que o Recorrente é confrontado com a existência um prazo de pagamento voluntário.
XVII. Assim, esta situação configura uma ilegalidade da execução fiscal, tornando a dívida inexigível.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente Recurso ser considerado totalmente procedente por provada que está a ilegalidade de que a execução enferma, nos termos já alegados e, em consequência, deve ser revogada a decisão recorrida com todas as consequências legais.

Não houve contra-alegações.

Notificado, o Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
Questão decidenda: legalidade da instauração de execução fiscal para cobrança coerciva de créditos vencidos após a declaração de insolvência, transitada em julgado, de sociedade comercial.
1. A sustação dos processos de execução fiscal pendentes e dos que vierem a ser instaurados após a declaração de falência [actualmente insolvência] não se aplica aos créditos vencidos após esta declaração, os quais seguirão os termos normais até à extinção da execução (art. 180° nº 6 CPPT).
Porém, o prosseguimento da tramitação normal não deve inutilizar o esforço de recuperação da empresa e de satisfação equilibrada dos direitos dos credores, interesses públicos e sociais subjacentes à instauração dos processos especiais de recuperação da empresa e de insolvência.
"Assim, a interpretação razoável daquele nº 6, que se compagina com a unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (art.9° nº 1 do Código Civil), é a de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por créditos vencidos após a declaração de falência (...) se forem penhorados bens não apreendidos naqueles processos de falência ou recuperação ou insolvência (...)" (Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 2007 Volume II p.233)
Este entendimento tem sido sufragado por jurisprudência consolidada (acórdãos STASCT 24.10.2001 processo n° 26 344; 15.11.2006 processo nº 625/06; 12.11.2009 processo nº 102/09; 14.04.2010 processo nº 51/10; 6.04.2011 processo nº 981/10; 7.09.2011 processo n° 326/11).
2. A relação tributária constitui-se com o facto tributário, configurado no preenchimento da previsão de uma norma de incidência tributária (art.36° nº 1 LGT).
A obrigação tributária resultante do facto tributário toma-se certa no termo do procedimento de liquidação, com a quantificação da prestação tributária; e exigível mediante cobrança coerciva em processo de execução fiscal após o decurso do prazo para pagamento voluntário (arts.88° nº 1 e 162° al. a) CPPT).
O vencimento da obrigação corresponde ao momento em que o devedor deve cumprir a sua obrigação (Ana Prata, Dicionário Jurídico 2ª edição Almedina p.607).
Nas obrigações tributárias o vencimento do crédito verifica-se no termo do prazo para pagamento voluntário, iniciado com a notificação do contribuinte para pagamento (art.85° nºs 1 e 2 CPPT).
Neste contexto a obrigação tributária exequenda, emergente de liquidação de IRC com termo do prazo para pagamento voluntário em 5.03.2012 corresponde a crédito da Fazenda Pública vencido após a declaração de insolvência, proferida por sentença transitada em julgado em 13.12.2011 (probatório nºs 1, 3 e 4).
Em consequência do vencimento e exigibilidade não existe obstáculo legal à sua cobrança coerciva em processo de execução fiscal.
No sentido propugnado pronunciou-se o acórdão STA-SCT 29.02.2011 processo nº 885/11.
4. A questão enunciada nas conclusões XIV /XVII (inexigibilidade da dívida por falta de notificação para pagamento voluntário) não foi suscitada como fundamento da oposição nem apreciada pelo tribunal recorrido; nesta conformidade, constituindo questão nova, de natureza não oficiosa, não deve merecer apreciação no âmbito do recurso, enquanto meio impugnatório visando a anulação ou a alteração das decisões judiciais (arts.727° nº 1 e 639° nº 1 CPC vigente/art. 2° al. e) CPPT).

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1) Foi proferida sentença, a 25.10.2011, no Juízo do Comércio da comarca da Grande Lisboa - Noroeste, no âmbito do processo n.° 17879/11.3T2SNT na qual a sociedade A……….., SA, foi declarada insolvente, tendo sido nomeado como administrador judicial o Dr. B..... (cfr. fls. 11 a 24).
2) Na sequência do mencionado em 1), foi publicado no Diário da República, n.° 225, 2ª Série, de 23.11.2011, o anúncio n.° 17412/2011, de publicidade da sentença mencionada em 1) (cfr. fls. 9 e 10).
3) A sentença mencionada em 1) transitou em julgado a 13.12.2011 (cfr. fls. 12).
4) Foi emitida, pela AT, liquidação de IRC e juros, relativa ao exercício de 2009, em nome da oponente, cuja data de termo para pagamento voluntário foi 05.03.2012 (cfr. fls. 8, dos autos, e fls. 2, do PEF apenso).
5) Foi emitida, pela AT, certidão de dívida, a 26.03.2012, respeitante à liquidação mencionada em 4) (cfr. fls. 8, dos autos, e fls. 2, do PEF apenso).
6) Na sequência da certidão de dívida mencionada em 5), foi instaurado, pelo SF de Mafra, a 26.03.2012, o PEF n.° 1546201201042050 (cfr. fls. 1, do PEF apenso).
7) No âmbito do PEF mencionado em 6), foi remetido ofício, designado de “Citação Pessoal”, via correio postal registado com aviso de receção, dirigido a “A……………, SA - Em Liquidação, na pessoa do administrador de insolvência - B…………. // R. …………. ……… // 2770-………. Paço D’Arcos” (cfr. fls. 10 a 12, do PEF apenso).
8) No aviso de receção mencionado em 7), foram apostas, no campo para preenchimento pelo destinatário, assinatura e a data 07.05.2012 (cfr. fls. 10 a 12, do PEF apenso).
Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
Lido atentamente o recurso que nos vem dirigido e a sentença recorrida, facilmente podemos concluir que na decisão recorrida, perante a matéria de facto selecionada e que não é controvertida, se decidiu adequadamente, face à jurisprudência uniforme que este Supremo tribunal tem editado sobre a matéria -momento em que se considera vencido o crédito da AT.
Da vasta jurisprudência elencada na sentença recorrida, bem como no parecer do Ministério Público, não resta qualquer dúvida que a questão aqui colocada pela recorrente foi bem decidida, incumbindo apenas a este Supremo Tribunal confirmar a mesma, relembrando o que se sumariou no acórdão datado de 06.04.2011, recurso n.º 0981/10, “A instauração da execução fiscal por créditos vencidos posteriormente à declaração de falência, como são os créditos exequendos, encontra expresso apoio legal no disposto no n.º 6 do artigo 180.º do CPPT, preceito que há-de ser, contudo, interpretado razoavelmente, atenta a unidade do sistema jurídico, no sentido de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por créditos vencidos após a declaração de falência se forem penhorados bens não apreendidos naquele processo”.
Improcedem, assim, as conclusões I a XIII.

Quanto à questão suscitada nas conclusões XIV a XVII, a mesma trata-se de questão nova que não pode ser conhecida por este Supremo Tribunal, considerando os poderes que lhe estão cometidos pelo disposto nos artigos 727°, nº 1 e 639°, nº 1, ambos do CPC, na verdade, os recursos jurisdicionais visam a reapreciação de decisões de tribunais de grau hierárquico inferior, tendo em vista a sua alteração ou anulação por erro de facto ou de direito das mesmas, não sendo admissível no recurso o conhecimento de questões que não foram colocadas nem apreciadas na decisão recorrida e que não são de conhecimento oficioso, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 28.04.2010, recurso n.º 01020/09.

Nestes termos e com estes fundamentos, acorda-se em negar provimento ao presente recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 15 de Junho de 2016. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.