Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0645/12
Data do Acordão:02/14/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
JUROS COMPENSATÓRIOS
FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
TAXA DE JUROS
JUROS LEGAIS
Sumário:Não se encontram insuficientemente fundamentados os actos de liquidação de juros compensatórios dos quais consta a referência ao período de tempo sobre o qual incidem os juros, e não o concreto número de dias tidos em conta do cálculo destes, e que, quanto à taxa de juro aplicável ao período, refere que é “a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil”
Nº Convencional:JSTA000P15300
Nº do Documento:SA2201302140645
Data de Entrada:06/08/2012
Recorrente:A......, LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório-
1 – A………, Lda., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 24 de Janeiro de 2012, que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra liquidações de juros compensatórios no valor total de €6.962,37, apresentando as seguintes conclusões:
A) O presente recurso é deduzido contra a decisão proferida no processo supra referenciado, onde o Meritíssimo Juiz do tribunal a quo julgou improcedente a impugnação, mantendo as liquidações em causa.
B) Em síntese, a recorrente alegou, na petição inicial, que nas liquidações não constavam a taxa de juros aplicada pela Administração Tributária.
C) E consequentemente a falta de tal requisitos acarretava a anulação das presentes liquidações.
D) O meritíssimo Juiz do Tribunal a quo concluiu, na douta sentença, que as liquidações se encontravam devidamente fundamentadas.
E) Salvo devido respeito por opinião em contrário, a Recorrente entende que através da fundamentação plasmada nas liquidações não se consegue saber qual a fórmula de cálculo matemático que foi utilizada pela Administração Tributária para chegar ao montante de juros compensatórios a que chegou e que lhe imputa.
F) Na verdade, nas liquidações, aqui colocadas em crise, falta a indicação da taxa ou taxas de juros aplicadas e o n.º de dias.
G) Pelo que a fundamentação do(s) ato(s) é insuficiente para que a recorrente conheça as razões que levaram à prática do ato e assim compreender o “iter cognoscitivo” que determinou a liquidação do tributo apurado.
H) Segundo o Acórdão do STA de 21 de Abril de 2010, proc. n.º 743/10, a “mínima fundamentação exigível em matéria de atos de liquidação de juros compensatórios terá de ser constituída pela indicação da quantia sobre que incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa aplicada, para além da indicação das normas legais em que assenta a liquidação desses juros e que esses elementos devem ser indicados na liquidação, directamente ou por remissão para algum documento anexo”.
I) Também a jurisprudência mais recente do STA vai no sentido que o conteúdo mínimo da declaração fundamentadora deverá fazer referência ao montante de imposto sobre o qual foram liquidados os juros compensatórios, à taxa ou taxas aplicáveis e ao período de tempo em que tais juros são exigíveis (Acórdão do STA de 30 de Novembro de 2011, Proc. 619/11, e acórdão do STA de 29 de Fevereiro de 2012, proc. n.º 0928/11).
J) No caso sub judice, a fundamentação das liquidações não dá a conhecer à Recorrente a taxa aplicada, nem o número de dias que foram imputados para o seu cálculo.
K) Pelo que a Recorrente não pode conhecer o (iter) cognoscitivo e valorativo percorrido pela Administração Tributária.
L) Nestes termos, a Administração Tributária não preencheu os requisitos previstos no artigo 35.º da LGT, pelo que as presentes liquidações deverão ser anuladas.
Nestes termos e nos demais em Direito permitidos, deverão V. Exas. proferir douto Acórdão, julgando o presente recurso procedente, por provado, anulando-se a douta sentença recorrida e consequentemente, anulando as liquidações dos juros compensatórios colocadas em crise.

2 - Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência da impugnação judicial deduzida contra liquidação de juros compensatórios de IVA (anos 2005 a 2008) no montante global de €6 962,37
FUNDAMENTAÇÃO
1. O princípio constitucional da fundamentação dos actos administrativos (art. 268.º n.º 3 CRP) foi densificado nos arts. 124.º e 125.º do CPA e no art. 77.º n.ºs 1 e 2 LGT (acto administrativo tributário)
Especificamente, a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (art. 77.º n.º 2 LGT)
O dever legal de fundamentação do acto administrativo cumpre uma dupla função:
- endógena, ao exigir ao decisor a expressão dos motivos e critérios determinantes da decisão, assim contribuindo para a sua ponderação e transparência
- exógena, ao permitir ao destinatário do acto uma opção esclarecida entre a conformação e a impugnação graciosa ou contenciosa
A jurisprudência do STA-SCT tem consolidado o entendimento de que a mínima fundamentação exigível para os actos de liquidação de juros deve indicar a quantia sobre a qual incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicáveis, com menção desses elementos no próprio acto de liquidação ou por remissão para documento anexo (acórdãos STA-SCT 21.04.2010 processo n.º 743/09; 16.19.2010 processo nº 830/10; 30.11.2011 processo nº 619/11, 29.02.2012 processo n.º 928/11)
2. No caso concreto estão verificados os requisitos exigíveis para a validade do acto de liquidação, onde constam os elementos supra assinalados, necessários ao cumprimento da dupla função do dever legal de fundamentação, ainda que a indicação das taxas de juro aplicadas seja feita por remissão para a taxa dos juros legais fixados nos termos do art. 559.º n.º 1 CCivil por sucessivas portarias conjuntas dos Ministros da Justiça e das Finanças
DECISÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.

4 – Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 89 a 91 dos autos) nada vieram dizer.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
5 – Questão a decidir
É a de saber se, como decidido, as liquidações de juros compensatórios impugnadas se encontram suficientemente fundamentadas ou se, como alega a recorrente, enfermam do vício de falta de fundamentação por não darem a conhecer à Recorrente a taxa aplicada, nem o número de dias que foram imputados para o seu cálculo.

6 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto objecto de recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1 – Em 03.11.2009 a impugnante foi notificada para proceder ao pagamento das liquidações adicionais respeitantes a juros compensatórios/IVA provenientes dos quatro trimestres dos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008.
2 – As notas de liquidação referidas em 1), encontram-se a fls. 19 a 34 destes autos e dão-se aqui por integralmente reproduzidas.
3 – Nas liquidações em causa, encontra-se em resumo a seguinte fundamentação: “(…) Juros compensatórios liquidados nos termos do n.º 1 do artº 96º do Código do IVA e do art. 35.º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo, (…)Período a que se aplica a taxa de juros de 2005/05/31 a 2009/09/15, (…) Taxa de juro aplicável ao período - a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º 1 do art. 559.º do Código Civil (…) Valor dos juros 408,77 (…)”
4 – A petição inicial foi apresentada no Serviço de Finanças do Porto, 5, em 31.03.2010, cfr. fls. 7 destes autos.

7 – Apreciando
7.1 Da suficiência da fundamentação dos actos de liquidação de juros compensatórios impugnados
A sentença recorrida, a fls. 59 a 62 dos autos, considerou inverificado o vício falta de fundamentação dos actos de liquidação de juros compensatórios impugnados, pois que das referidas notas de liquidação consta o período a que se refere a liquidação adicional, o número de dias para efeitos de apuramento do valor em dívida, o valor do imposto, o valor dos juros e a fundamentação legal que esteve na base na liquidação, concluindo, pois, que a liquidação em causa, embora considerada uma liquidação meramente acessória da do imposto, contém uma fundamentação suficiente que permite à impugnante, um esclarecimento cabal acerca da imputabilidade do comportamento que lhe é assacado, designadamente no que respeita à culpa no retardamento da liquidação (cfr. sentença recorrida, a fls. 61 dos autos).
Discorda do decidido a recorrente, alegando que nas liquidações, aqui colocadas em crise, falta a indicação da taxa ou taxas de juros aplicadas e o n.º de dias, pelo que a fundamentação do(s) ato(s) é insuficiente para que a recorrente conheça as razões que levaram à prática do ato e assim compreender o “iter cognoscitivo” que determinou a liquidação do tributo apurado, não tendo a Administração Tributária preenchido os requisitos previstos no artigo 35.º da LGT, pelo que as presentes liquidações deverão ser anuladas.
Vejamos.
As notas de liquidação de juros compensatórios sindicadas nos presentes autos (juntas a fls. 19 a 34) - a primeira das quais reproduzida no n.º 3 do probatório fixado na sentença recorrida -, incluem todas elas, sob a epígrafe “Fundamentação”, um quadro padronizado donde constam as seguintes referências:
- Imposto em falta sobre o qual incidem juros;
- Período a que se aplica a taxa de juro;
- Taxa de juro aplicável ao período;
- Valor dos juros.
O montante do imposto em falta sobre o qual incidem juros e o valor dos juros variam de nota demonstrativa para nota demonstrativa.
No que respeita ao período a que se aplica a taxa de juro, os termos iniciais são diversos de nota para nota, sendo o termo final sempre o mesmo (2009/09/15).
No que respeita à taxa de juro aplicável ao período, as notas demonstrativas das liquidações contêm a seguinte referência: «a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil».
Alega o recorrente que a suficiência da fundamentação exigiria que se indicasse concretamente o número de dias sobre os quais são calculados os juros, pressupondo-se que retira tal exigência do facto de o n.º 3 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária (LGT) estabelecer que “os juros compensatórios contam-se dia a dia” e bem assim que se impunha a expressa e directa indicação da taxa de juro efectivamente aplicada, não sendo suficiente a indicação de que esta é a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil, pois que este artigo também a não fixa directamente, antes remete a sua fixação para portaria conjunta do Ministro da Justiça e das Finanças.
Não nos convence, contudo, a alegação da recorrente.
Nem a lei, nem também a jurisprudência deste Supremo Tribunal, exige que da fundamentação da liquidação dos juros compensatórios conste o número de dias sobre que incidem os juros, antes exigindo a referência ao período de tempo considerado para a liquidação dos mesmos, sendo possível, por operação meramente aritmética, extrair da referência ao período de tempo o número de dias considerado na liquidação.
No que à taxa de juro aplicada respeita, entendeu já este Supremo Tribunal, em Acórdão que subscrevemos como adjunta – Acórdão de 21 de Abril de 2010, proferido no recurso n.º 0743/09 -, que está devidamente fundamentado o acto de liquidação que, quanto ao valor da taxa de juros compensatórios, refere que é a equivalente à taxa de juros legais fixada nos termos do art. 559.º, n.º 1 do Código Civil, porquanto explicitado fica perante o impugnante qual a taxa que serviu para o cálculo dos juros (…) taxa esta, aliás, facilmente cognoscível para uma empresa, como a impugnante, que exerce uma actividade económica lucrativa e que, para além disso, dela pode tomar conhecimento através de uma simples leitura do boletim oficial e que corresponde a um parâmetro de fundamentação objectivo, e claro, suficiente para responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte e, por isso, facilmente sindicável.
Ora, reconhecendo embora que a fundamentação da liquidação dos juros se tornaria imediatamente mais esclarecedora se contivesse não a remissão para a taxa de juro legal, mas a expressa e directa indicação desta - actualmente 4% ao ano, desde a Portaria n.º 291/03, de 8 de Abril -, não nos convence a alegação da recorrente de que a remissão para a taxa de juro legal constante das notas de liquidação a tenha impedido de conhecer o (iter) cognoscitivo e valorativo percorrido pela Administração Tributária no cálculo dos juros compensatórios e menos ainda que tenha de algum modo obstaculizado os seus direitos de defesa, razão pela qual não procede a invocação do vício de falta de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios, que se não verifica.
A lei tributária, na concretização a que procede do direito constitucionalmente garantido à fundamentação dos actos administrativos (artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República), admite especificamente que esta se faça de forma sumária, desde que contenha as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria colectável e do tributo, admitindo-se igualmente que seja efectuada por remissão (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º da LGT), sendo este dever o mais das vezes cumprido pela Administração tributária de forma “padronizada” e “informatizada”, atenta a natureza de “processo de massa” da moderna gestão dos impostos (cfr. J.L. Saldanha Sanches/João Taborda da Gama, «Audição-Participação-Fundamentação: a co-responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária», in Homenagem José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, 2006, pp. 290/297 e J.L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária: Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, Lisboa, 1995, pp. 189/202).
Essencial é que se não frustrem os fins últimos tidos em vista com a exigência de fundamentação: racionalidade da decisão e criação das condições materiais para o adequado exercício dos direitos de defesa por parte dos contribuintes, e não se crê que estes tenham sido frustrados pela forma como, no caso dos autos, o dever de fundamentação das liquidações de juros compensatórios foi cumprido.

Conclui-se, pois, que o recurso não merece provimento.
- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2013. - Isabel Marques da Silva (relatora) Lino Ribeiro – Dulce Neto.