Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0143/06
Data do Acordão:03/29/2006
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL.
DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA.
DESCRIÇÃO DOS FACTOS.
DIREITO DE DEFESA.
Sumário:I – A «descrição sumária dos factos» prevista no art. 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, como requisito da decisão administrativa de aplicação de coima não consiste na «a enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal», referida no art. 374.º, n.º 2, do C.P.P. para as sentenças proferidas em processo criminal.
II – O que exige aquela alínea b) do n.º 1 do art. 79.º, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (art. 32.º, n.º 10, da CRP) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente.
III – Satisfaz o requisito da descrição sumária, exigido pelo referido art. 79.º, n.º 1, alínea b), a indicação de que o arguido não entregou simultaneamente com uma declaração periódica (que se identifica), apresentada em certa data (que se indica) uma determinada prestação tributária (cujo valor se refere).
Nº Convencional:JSTA00062951
Nº do Documento:SA2200603290143
Data de Entrada:02/10/2006
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LOULÉ PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART41 ART79 ART83.
CPP87 ART374.
CONST97 ART32.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – O MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs o presente recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que anulou uma decisão administrativa de aplicação de coima.
O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé apresentou motivação do recurso com as seguintes conclusões:
a) a decisão administrativa que aplicou a coima contém todos os requisitos legais enunciados nas alíneas do n.º 1 do art. 79.º do R.G.I.T: concretamente, os da sua alínea b);
b) já que ali se imputa à arguida a prática de uma conduta — acto/omissão –, referenciada no tempo e no espaço, e a sua integração na norma violada e punitiva;
c) a não enumeração dos factos provados (ou não provados) não é requisito legal na decisão de aplicação da coima, nos termos do art. 79.º do R.G.I.T.;
d) pelo que a sua omissão, quanto à não indicação dos factos provados, não pode ser cominada de nulidade insuprível, nos termos do art. 63.º, n.º 1. al. d) do R.G.I.T.;
e) a decisão de aplicação da coima não tem que obedecer às mesmas exigências de uma sentença criminal, pois, não sendo uma sentença, não implica uma audiência de julgamento, donde resulte a enumeração de factos provados e não provados;
f) não enferma pois, de nulidade insuprível a decisão que aplicou a coima, por alegada ofensa ao disposto no art. 79.º, n.º 1, al. b) e 63.º, n.º 1, al. d), ambos do R.G.I.T.:
g) ao decidir como o fez, a sentença “a quo” violou, por erro de interpretação. O disposto nos art. 63.º, n.º 1, al. d) e 79.º, n.º 1, al. b) do R.G.I.T. e os art. 374.º, n.º 2 e 379.º, al. a), ambos do C. P. Penal.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Na decisão recorrida deu-se como único facto provado a decisão administrativa de aplicação de coima ter dado como provado que o arguido cometeu a infracção não apresentou defesa, pagou antecipadamente nem requereu o pagamento voluntário da coima.
3 – A questão que é objecto do presente recurso jurisdicional é a de saber se a decisão administrativa de aplicação de coima enferma de nulidade insanável por não constarem dela quaisquer factos provados susceptíveis de integrarem uma contra-ordenação.
Antes de mais, importa referir que, embora na decisão recorrida se tenham referido como factos relevantes a interpretação que se fez da decisão administrativa de aplicação de coima e ela não seja coincidente com a do Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público Recorrente, a apreciação da questão que é objecto do presente recurso jurisdicional envolve apenas matéria de direito, pois constando a decisão administrativa do processo, o que está em causa é apenas a questão jurídica de saber se ela, tal com está proferida e não como foi interpretada, satisfaz ou não os requisitos exigidos pelo art. 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, quanto à indicação dos factos imputados ao arguido.
Por isso, a apreciação da questão referida, insere-se nos poderes de cognição deste Supremo Tribunal Administrativo, restritos a matéria de direito (art. 83.º, n.º 2, do RGIT).
4 – Na referida alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT que «a decisão que aplica coima contém «a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas».
Trata-se de uma norma especial sobre os requisitos da decisão administrativa de aplicação de coima, que, por isso, afasta a necessidade de aplicação do regime do C.P.P., que é de aplicação meramente subsidiária, nos termos dos arts 3.º, alínea b), do RGIT, e 41.º. n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações.
A «descrição sumária» referida naquele art. 79.º, n.º 1, alínea b), não exige «a enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal», que é exigida pelo art. 374.º, n.º 2, do C.P.P. para as sentenças proferidas em processo criminal.
Trata-se, naquele art. 79.º, n.º 1, alínea b), de estabelecer um regime de menor solenidade para as decisões de aplicação de coimas comparativamente com as sentenças criminais, regime esse justificável pela menor gravidade das sanções contra-ordenacionais contra-ordenações.
O que exige aquela alínea b) do n.º 1 do art. 79.º, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (art. 32.º, n.º 10, da CRP) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente.
No caso em apreço, ao contrário do que se diz na sentença recorrida, em matéria de descrição factual não consta da decisão de aplicação de coima apenas que «o arguido cometeu a infracção, não apresentou defesa, pagou antecipadamente nem requereu o pagamento voluntário da coima», pois nessa decisão refere-se expressamente que o arguido
(...)«responde pelos seguintes factos que lhe são imputados:
Não entregou simultaneamente com a declaração periódica (0309T) que apresentou em 2004/08/12, a prestação tributária na quantia de € 12.2.58,15»,
Por outro lado, na parte da decisão de aplicação de coima em que se refere na decisão recorrida como matéria de facto provada, não se refere apenas que
«o arguido cometeu a infracção, não apresentou defesa, pagou antecipadamente nem requereu o pagamento voluntário da coima»,
mas sim que
«o arguido cometeu a infracção supra mencionada, não apresentou defesa, não utilizou a possibilidade do pagamento antecipado, nem requereu o pagamento voluntário nos termos do art. 78º do RGIT»
Como é óbvio, «a infracção supra mencionada» é a constituída pelos «factos que lhe são imputados» que são «Não entregou simultaneamente com a declaração periódica (0309T) que apresentou em 2004/08/12, a prestação tributária na quantia de € 12.2.58,15»,
Esta referência aos factos que são imputados ao arguido satisfaz o requisito de «descrição sumária dos factos», exigido pela alínea b) do n.º 1, do art. 79.º do RGIT, pois através dela o arguido pode identificar os factos que lhe são imputados que são o de em 12-8-2004 ter enviado a referida declaração periódica e não ter entregue simultaneamente a quantia referida.
Por isso, está-se perante uma «descrição sumária» dos factos imputados ao arguido que é suficiente para assegurar adequadamente o seu direito de defesa, como se comprova, aliás, pela extensa e pormenorizada defesa que apresentou ao Tribunal Tributário no recurso da decisão de coima, bem como no documento que com ela juntou, dirigido ao Senhor Director-Geral dos Impostos.
Assim, tem de se concluir que a decisão de aplicação de clima, não enferma de nulidade por omissão da exigida «descrição sumária» dos factos imputados ao arguido.
Termos em que acordam neste Supremo Tribunal Administrativo em
– conceder provimento ao recurso jurisdicional;
– revogar a sentença recorrida;
– ordenar a baixa ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé a fim de ser proferida nova decisão que não seja de declaração da nulidade da decisão de aplicação de colima pelo motivo que baseou a declaração contida na sentença recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 29 de Março de 2006. – Jorge de Sousa (relator) – Baeta de Queiroz – Pimenta do Vale.