Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02149/18.4BELSB
Data do Acordão:09/09/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24852
Nº do Documento:SA12019090902149/18
Data de Entrada:07/12/2019
Recorrente:MINISTÉRIO DAS FINANÇAS
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do STA:

I. RELATÓRIO

A………… requereu, no TAC de Lisboa, a intimação do Ministério das Finanças para lhe facultar o acesso aos seguintes documentos:
- Relatórios anuais de aplicação do regime de auxílios da Zona Franca da Madeira, período de 2007 a 2017;
- Informação estatística relativa ao número de entidades em actividade na Zona Franca da Madeira no fim de cada ano do período de 2007 a 2017;
- Informação estatística relativa ao número de postos de trabalho directos existentes nas empresas licenciadas na Zona Franca da Madeira em cada ano do período de 2007 a 2017;
- Resultados e imposto liquidado pelas entidades presentes na Zona Franca da Madeira em cada ano do período de 2007 a 2017;
- Valor da despesa fiscal decorrente da isenção ou redução de taxa de IRC a entidades em actividade na Zona Franca da Madeira em cada ano do período de 2007 a 2017.”

O TAC indeferiu essa pretensão.

Decisão que o TCA Sul revogou, julgando procedente o pedido e intimando o recorrido a facultar ao recorrente, no prazo legal, o acesso à documentação pretendida.
Inconformado, o Ministério das Finanças interpôs esta revista.

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O Requerente solicitou ao Ministério das Finanças o acesso aos documentos acima referidos tendo-o este informado que iria indeferir o seu pedido por os documentos solicitados estarem conexionados com um procedimento de fiscalização movido pela Comissão Europeia mas que logo que o mesmo terminasse a informação solicitada ser-lhe-ia facultada.
A CADA, a solicitação do Requerente, pronunciou-se no sentido de que o que estava em causa era “um pedido de acesso a relatórios de aplicação do regime de auxílios da ZFM, diversa informação estatística, resultados e imposto liquidado pelas entidades e valor da despesa fiscal decorrente da isenção ou redução da taxa de IRC a entidades da ZFM no período de 2007 a 2017”, o que significava que não tinha sido peticionado “o acesso ao procedimento de investigação aos benefícios fiscais concedidos na ZFM ou a outro procedimento pendente de “decisão final por parte da Comissão Europeia”. Daí que tivesse concluídoDeverá ser facultada a informação solicitada existente.”
Todavia, e apesar disso, a Requerida não satisfez de imediato a pretensão do Requerente, diferindo o acesso à solicitada informação para o momento em que fosse proferida decisão final no processo pendente na Comissão Europeia.
O que o forçou a intentar a presente intimação.

O TAC indeferiu a pretensão do Requerente com a seguinte fundamentação:
“ …
Não se pode olvidar, que os documentos solicitados pelo Requerente dizem respeito ao objecto do processo de investigação. Pois que, o Requerente pretende ter acesso a relatórios de aplicação do regime de auxílios da Zona Franca da Madeira, a diversa informação estatística [concessão dos apoios e despesa fiscal com essa concessão], resultados e imposto liquidado pelas entidades para os períodos de 2007 a 2017. Por outras palavras, o Requerente pretende aceder a documentação que se insere, ou pelo menos se conexiona [podendo aí ser valorados], num processo de investigação promovido pela Comissão Europeia e que se encontra em curso. Sendo certo, que a própria Comissão afirma que apenas irá divulgar a versão não confidencial da sua decisão.
Assim sendo, não é líquida a afirmação vertida no parecer da CADA, e segundo a qual o Requerente não peticionou o acesso ao procedimento de investigação aos benefícios fiscais concedidos no âmbito da Zona Franca da Madeira ou a um qualquer procedimento pendente de decisão final, dado que os referidos documentos respeitam, precisamente, ao objecto da investigação.
Se é verdade que, em concreto, não requereu o acesso ao procedimento de investigação, também é verdade que pretende aceder a documentos que estão conexionados com o mesmo.
........
O Requerente não é parte no procedimento, antes lhe sendo estranho. O que o Requerente pretende é que, na sua qualidade de jornalista, lhe seja facultado o acesso à documentação que integra o procedimento em curso, com vista ao exercício do direito de informar. E dever-lhe-ia, em princípio, ser facultado o acesso pedido, para o qual tem interesse legítimo, enquanto jornalista, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 8º do Estatuto do Jornalista [aprovado pela Lei nº 1/99, de 1/01].
Sucede que, o acesso a tal documentação havia sido diferida pela Entidade Requerida até à conclusão do respectivo procedimento, ou seja, até à tomada de decisão, precisamente ao abrigo do nº 3 do artigo 6º da LADA, o qual, sob a epígrafe “restrições ao direito de acesso”, dispõe que “o acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos pode ser diferido até à tomada de decisão, ao arquivamento do processo ou ao decurso de um ano após a sua elaboração.”
....
Assim sendo, conclui-se que a conduta da Entidade Requerida não merece qualquer censura, assim como, que será de manter vedada aquela documentação até ao fim do processo de investigação levado a cabo pela Comissão Europeia.”

Decisão que o TCA revogou pela seguinte ordem de razões:
“…
O recorrente discorda do decidido e pretende o acesso imediato aos documentos, porque alega que as informações que pretende estão em arquivo no Ministério das Finanças e são públicas, os documentos já existiam antes do processo da Comissão Europeia, não foram criados para o processo e não mudam de natureza se forem considerados ou valorados em procedimentos terceiros.
Na verdade, resulta da factualidade provada que a informação pretendida pelo recorrente não se prende com o andamento e decisão de um procedimento administrativo em que o recorrente seja diretamente interessado (cfr art. 268°, n° 1 da CRP).
.......
Do art 6°, n° 3 da LADA resulta que o diferimento do acesso a documentos atinentes ou constantes de procedimento administrativo em curso pode ser feito até à verificação de uma das seguintes situações: i) até à tomada de decisão; ii) até ao arquivamento do processo; iii) até ao decurso de um ano após a sua elaboração.
Mas, na situação dos autos, o pedido de informação ínsito no requerimento de 17.8.2018, de acesso a relatórios de aplicação do regime de auxílios da Zona Franca da Madeira, a diversa informação estatística, resultados e imposto liquidado pelas entidades para os períodos de 2007 a 2017, dirige-se ao procedimento onde os documentos foram produzidos e que não está pendente. Antes tais documentos estão em arquivo na entidade recorrida.
Pelo que, o pedido do recorrente não está abrangido pelas restrições do art. 6°, n° 3 da LADA e deste modo não lhe pode ser vedado o acesso aos documentos pretendidos até à tomada de decisão no procedimento da Comissão Europeia.
Vejamos ainda, se com fundamento em legislação especial, o acesso à informação e documentos pretendidos pelo recorrente fica vedado, como prevê o art. 1°, n° 4, al. d) e o art. 6°, n° 1 da LADA.
Admitindo, sem que a entidade recorrida o tenha provado, que a informação e documentos pretendidos possam estar a instruir o procedimento da Comissão Europeia, destinado a verificar se Portugal aplicou à Zona Franca da Madeira o regime de auxílios, com finalidade regional, em conformidade com as decisões da Comissão de 2007 e 2013 que aprovaram esse regime. O acesso aos documentos na posse da Comissão está vedado ao recorrente desde que o procedimento esteja sujeito a regime de segredo, nos termos da lei aplicável (cfr art.º 1°, n° 4, al.ª d) da LADA).
A recorrida justificou o diferimento do pedido do recorrente no disposto no art. 103°, n° 2 do Tratado de Funcionamento da União Europeia. Agora, em sede de contra-alegações, aventou o art. 4°, n° 2 do Regulamento (CE) n° 1049/2001, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30.5.2001.
Esta alegação é vaga, genérica e nada concretiza sobre o procedimento em curso na Comissão Europeia.
.......
Efetivamente, não fora a investigação em curso pela Comissão Europeia, e a recorrida teria facultado todas as informações pretendidas — financeiras, fiscais, estatísticas — pelo recorrente.
Não consta da lei nem o recorrido alegou e provou quais os «elementos em causa suscetíveis de afetar, de modo grave, os objetivos de atividades de inspeção e o respetivo processo decisório, considerando as divergências de fundo quanto aos factos alegados e respetivas fundamentações» ........
O que motiva a revogação do assim decidido, já que não se verifica existir qualquer concreta circunstância que justifique o diferimento do acesso à documentação pretendida, nos termos e para efeitos do disposto no art 6°, n° 3 da Lei n° 26/2016, de 22.8, até ao termo do procedimento de investigação da Comissão Europeia. Nem se afigura a existência de qualquer motivo ou razão legítima — cfr art. 1°, n° 4, al d) e art. 6°, n° 1 da LADA — para manter-se reservado o acesso a tal documentação até à conclusão do procedimento.

3. Na presente revista está em causa o direito do Requerente a aceder a determinada documentação administrativa, direito que as instâncias reconheceram de forma unânime o qual, de resto, nem sequer é contestado pelo Recorrente.
Onde a divergência se instalou foi na definição do momento em que a Entidade Requerida estava obrigada a facultá-la, com o TAF a sustentar que, constando as informações pretendidas de um procedimento de fiscalização instaurado pelas autoridades europeias era “absolutamente legítimo que a informação seja vedada até ao termo do processo de investigação em curso, sendo uma possibilidade que a lei confere à Entidade Requerida que, no uso da mesma, informou o Requerente que, assim que estivesse findo o processo de investigação, ser-lhe-ia facultada a informação pretendida”, entendimento que o TCA contrariou argumentando que, muito embora tais informações e documentos pudessem constar de um processo, certo era que os mesmos já existiam aquando da sua instauração e estavam em arquivo na Entidade Recorrente e que, sendo assim, o pedido do Requerente “não está abrangido pelas restrições do art. 6°, n° 3 da LADA e deste modo não lhe pode ser vedado o acesso aos documentos pretendidos até à tomada de decisão no procedimento da Comissão Europeia.”
A questão do direito à documentação administrativa é uma questão sensível onde a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem assumido posições tendentes a reforçar o direito ao acesso àquela documentação e a favorecer a transparência da Administração. Sendo assim, e sendo que a pretendida documentação preexistia à instauração do mencionado processo e não estando abrangida pelo direito ao segredo, tudo indica que o Acórdão sob censura decidiu bem.
Não se justifica, assim, a admissão do recurso pois não só está em causa uma melhor aplicação do direito como a controvertida questão, até pela sua singularidade, é destituída de relevância jurídica.
Decisão
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 9 de Setembro de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.