Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0125/09
Data do Acordão:04/02/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
TEMPESTIVIDADE
PRAZO
CASO DECIDIDO
CASO RESOLVIDO
Sumário:I - Das decisões de indeferimento de reclamações graciosas cabe sempre impugnação judicial, a deduzir no prazo referido no n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, independentemente de nelas ter sido ou não apreciada a legalidade do acto de liquidação que foi administrativamente impugnado.
II - Só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, neste caso, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a sua extemporaneidade da reclamação ainda que não consequencie a extemporaneidade da impugnação conduz à sua necessária improcedência, por se reagir, então, contra um caso decidido ou resolvido.
Nº Convencional:JSTA00065667
Nº do Documento:SA2200904020125
Data de Entrada:02/05/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART67 N1 ART70 N1 ART97 N1 C D N2 ART102 N1 A N2.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED VI PAG676 - PAG679.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A..., Lda., com os sinais dos autos, veio deduzir impugnação judicial no seguimento do indeferimento da reclamação graciosa referente ao IRS e juros compensatórios dos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006.
Por sentença da Mma. Juíza do TAF de Leiria, foi julgada verificada a excepção da caducidade da acção e absolvida a Fazenda Pública da instância.
Não se conformando com tal decisão, dela vem agora a impugnante interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
A)- A douta sentença recorrida julgou verificada a excepção da caducidade da acção invocada na contestação, absolvendo a Fazenda Pública da instância.
B)- Contudo, não se determinou quando é que foram notificadas à recorrente as liquidações de imposto e juros compensatórios, nem qual a data limite para se proceder ao seu pagamento voluntário.
C)- A falta de determinação destes dois elementos não permite concluir, como se concluiu na douta decisão recorrida, que a reclamação graciosa foi intempestiva.
D)- A discussão da tempestividade da reclamação não tem que ser efectuada necessariamente através de recurso hierárquico, uma vez que a lei confere a este carácter facultativo, sendo a impugnação judicial meio próprio para apurar se a mesma é ou não tempestiva.
E)- A douta sentença proferida não esgotou a apreciação da questão da tempestividade, uma vez que nesta não foi concretamente apurada a data limite para se proceder ao pagamento voluntário das liquidações.
F)- Pelo que não podia a reclamação graciosa ter sido considerada intempestiva se faltou apurar o elemento essencial para determinar a sua tempestividade, ou seja, a data em que se iniciou a contagem do prazo para apresentar reclamação graciosa.
G)- É, pois, evidente que não deve proceder a excepção de caducidade do direito de acção.
H)- Assim, a douta sentença recorrida violou os artigos 67.º, n.º 1, 70.º, n.º 1 do CPPT e o artigo 660.º do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostra-se assente a seguinte factualidade:
1. A sociedade “A..., Lda.” dedica-se à actividade de “Cristalaria”, com o CAE 026132 e encontra-se registada no regime geral de tributação para efeitos de IRC – cfr. pág. 3 do relatório de inspecção e fls. 12 dos autos.
2. Na sequência da ordem de serviço n.º O1200600489 de 14/03/2006, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Leiria procederam a uma acção inspectiva, cujo motivo ou fundamento específico da inspecção, com o cód. PNAIT: 221,22 – SP com falta de entrega de retenção de IR, teve origem em informação para análise externa e incidiu sobre o exercício de 2003 e 2004 no âmbito das retenções na fonte de IRS – cfr. pág. 3 do relatório de inspecção e fls. 12 dos autos.
3. A acção foi alargada aos exercícios de 2005 e 2006 – cfr. pág. 3 do relatório de inspecção e fls. 12 dos autos.
4. Os Serviços de Inspecção concluíram em 29/08/2006 que se encontrava em falta IRS retido nos seguintes valores e períodos:
200343.333,00 €
200455.177,00 €
20054.380,00 €
2006280,00 €

Tudo conforme consta de pág. 7 e 8 do relatório de inspecção e fls 16 e 17 dos autos.
5. A sociedade impugnante tomou ainda conhecimento, por carta registada com aviso de recepção, datada de 06/09/2006, do teor do relatório de inspecção, conforme documento n.º 2 que junta à petição inicial.
6. Em 08/05/2007 apresentou junto do Serviço de Finanças de Leiria 1 a petição que deu origem à instauração do processo de reclamação graciosa n.º ..., onde solicita anulação das liquidações de IRS e juros compensatórios aqui em conflito, conforme consta dos respectivos autos aqui em anexo.
7. Por despacho do Director de Finanças de Leiria de 04/12/2007, a reclamação supra foi indeferida por extemporaneidade, tendo deste despacho a aqui impugnante tomado conhecimento por carta registada com aviso de recepção que assinou em 06/12/2007, conforme consta dos respectivos autos aqui em anexo.
8. A presente impugnação foi deduzida em 18/12/2007.
III – Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pela Mma. Juíza do TAF de Leiria que julgou verificada a excepção de caducidade da impugnação deduzida pela ora recorrente no seguimento do indeferimento da reclamação graciosa referente ao IRS dos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006.
Considerou, para tanto, a Mma. Juíza “a quo” que, indeferida, por intempestiva, a reclamação graciosa deduzida contra as liquidações de IRS, e para mais não tendo a reclamante reagido por meio de recurso hierárquico contra tal decisão, não podia agora a recorrente vir discutir, em sede de impugnação deduzida contra o indeferimento da reclamação, a legalidade de tais liquidações.
Vejamos. A primeira questão que suscita, desde logo, é a de saber se o meio processual utilizado pela recorrente para reagir ao indeferimento da reclamação graciosa que apresentou é ou não o adequado.
É evidente que a recorrente poderia ter logo reagido contra tal indeferimento através de recurso hierárquico, mas, não o tendo feito, não ficava com isso precludido o seu direito de reagir contenciosamente contra aquela decisão, já que os recursos hierárquicos, salvo disposição em contrário das leis tributárias, que aqui não existe, têm natureza meramente facultativa e efeito devolutivo (artigo 67.º, n.º 1 do CPPT).
Sobre esta matéria, refere Jorge de Sousa, no seu CPPT anotado e comentado, a págs. 676/679, que “a impugnação judicial só será o meio processual adequado quando o acto a impugnar contiver efectivamente a apreciação da legalidade de um acto de liquidação. Se no acto praticado em processo desses tipos (processos de revisão oficiosa ou de recurso hierárquico interposto de decisão de reclamação graciosa) não se chegou a apreciar a legalidade do acto de liquidação, por haver qualquer obstáculo a tal conhecimento (como a intempestividade ou a ilegitimidade do requerente ou recorrente), o meio de impugnação adequado será a acção administrativa especial, como decorre do preceituado no n.º 2 do art.º 97.º, pois se tratará de um acto que não aprecia a legalidade de um acto de liquidação. Embora não seja usual a determinação do meio judicial adequado através do conteúdo do acto e não da sua natureza ou do procedimento administrativo ou tributário em que ele foi proferido, é claro que a alínea d) do n.º 1 e o n.º 2 deste art.º 97.º fazem depender a opção pela impugnação ou pela acção administrativa especial (recurso contencioso) do conteúdo do acto e não de qualquer outro factor (v. jurisprudência deste STA, num e noutro sentido, aí citada).
As dúvidas mais relevantes quanto à integral aplicação desta regra geram-se a propósito do indeferimento de reclamações graciosas, por estar especialmente prevista no n.º 2 do art.º 102.º a sua impugnabilidade através de processo de impugnação, sem qualquer restrição derivada do conteúdo do acto, o mesmo sucedendo com a alínea c) do n.º 1 do presente art.º 97.º ao referir «a impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos actos tributários» de forma autónoma em relação aos «actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação» referidos na alínea d).
Após análise das alternativas interpretativas, conclui o autor citado que “não sendo viável encontrar uma solução adequada e congruente para esta questão sem fazer interpretações ab-rogatórias, a opção adequada, para quem tem a função de aplicar o direito nos tribunais, quando está em causa apenas matéria processual, parece ser a de aplicar à letra as disposições legais, pois com tal aplicação consegue-se, ao menos, atingir maior certeza e clareza na utilização dos meios processuais que, decerto, são valores mais importantes para aqueles que vêm aos tribunais pedir tutela para os seus direitos e interesses do que o poderá ser a coerência global do regime de impugnação.”.
Daí que se entenda, assim, caber sempre impugnação judicial das decisões de indeferimento de reclamações graciosas, a deduzir no prazo referido no n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, independentemente de nelas ter sido ou não apreciada a legalidade do acto de liquidação que foi administrativamente impugnado.
No caso em apreço, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa fundou-se, efectivamente, na sua extemporaneidade, porquanto terá sido apresentada para além do prazo de 120 dias, previsto nos artigos 70.º, n.º 1 e 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, contado a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas.
Desta decisão de indeferimento cabia, pois, de acordo com o que acima se expôs, impugnação judicial a deduzir no prazo referido no n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, ou seja, 15 dias após a sua notificação.
Ora, tendo a recorrente sido notificada da mesma em 6/12/2007 (v. ponto 7 do probatório), e apresentado impugnação em 18/12/2007 (v. ponto 8 do probatório), a impugnação judicial é, por isso, tempestiva porque deduzida no prazo legal.
A eventual irrelevância dos fundamentos invocados pode reflectir-se na apreciação do seu mérito mas não prejudica a sua tempestividade.
A sentença recorrida incorreu, assim, neste erro de análise.
Mas, por outro lado, a sentença recorrida refere também que, ainda que, em tese, pudesse ser admitida a impugnação, por tempestiva, acabaria por não poder conhecer do mérito da mesma, já que, em tal situação, o pedido sempre teria que se cingir ao próprio despacho de indeferimento, o que, em seu entender, não acontece, pois a causa de pedir é o próprio acto tributário de liquidação.
Para a Mma. Juíza “a quo” a impugnante olvida os fundamentos de ordem adjectiva que obstaram ao conhecimento do mérito e continua a querer esgrimir a legalidade das liquidações, a qual não foi apreciada em sede de reclamação graciosa.
Todavia, também neste ponto não assiste razão à Mma. Juíza “a quo”.
É certo que, só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, neste caso, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações, pois a confirmar-se a intempestividade da reclamação tudo se passa como se esta não tivesse existido.
E se, como supra se disse, embora a eventual extemporaneidade da reclamação não consequencie a extemporaneidade da impugnação, não há dúvida que a extemporaneidade da reclamação conduz à necessária improcedência da impugnação, por se reagir, então, contra um caso decidido ou resolvido.
Sucede, porém, que não se pode dizer que a impugnante na petição inicial de impugnação que apresentou se limita a discutir a legalidade das liquidações, desprezando totalmente a decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
Basta atentar nos artigos 19.º a 21.º da referida petição nos quais a ora recorrente alega expressamente que, embora devesse ter sido notificada das liquidações impugnadas, tal não sucedeu, daí a tempestividade deste pedido de reclamação.
Ora, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa (v. PA apenso) sustenta que esta é intempestiva por ter sido apresentada para além de 120 dias contados a partir do termo do prazo de pagamento voluntário das prestações tributárias em causa, o qual terá ocorrido em 31 de Outubro de 2006 e constaria das notificações das liquidações efectuadas, com as datas de registo de 27 de Setembro de 2006.
Tais factos não constam, porém, da matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida nem resultam dos próprios autos (à excepção da data limite de pagamento que se extrai dos elementos recolhidos por consulta do sistema informático e juntos no PA apenso).
E sem o apuramento destes factos não é possível, pois, concluir se a reclamação graciosa é, ou não, intempestiva.
Sendo que só após, decidida esta questão, se poderá conhecer, então, do restante mérito da impugnação judicial deduzida.
A sentença recorrida não pode, por isso, manter-se.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, e ordenar a baixa dos autos à instância para, após ampliação da matéria de facto pertinente, conhecer, então, da tempestividade da reclamação graciosa apresentada, com as devidas e legais consequências.
Sem custas.
Lisboa, 2 de Abril de 2009. - António Calhau (relator) - Lúcio Barbosa - Jorge Lino.