Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01228/06
Data do Acordão:02/15/2007
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BAETA DE QUEIROZ
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL.
RECURSO PARA MELHORIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO.
NULIDADE INSUPRÍVEL.
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA.
SANAÇÃO.
Sumário:I - O n.º 2 do artigo 73º do Regime Geral das Contra-Ordenações é aplicável subsidiariamente ao Regime Geral das Infracções Tributárias, abrangendo tanto as decisões vazadas em sentença como as consubstanciadas no despacho a que se refere o seu artigo 64º.
II - O recurso aí previsto visa não apenas a uniformidade da jurisprudência como também a melhoria da aplicação do direito, compreendendo casos de erros claros na decisão judicial.
II - Decretada, em processo judicial de contra-ordenação tributária, a nulidade insuprível resultante da ausência de fundamentação da decisão administrativa que aplica a coima, não há lugar à absolvição da instância, mas à baixa dos autos à autoridade que aplicou a coima, para eventual renovação do acto sancionatório.
Nº Convencional:JSTA00064042
Nº do Documento:SA22007021501228
Data de Entrada:12/14/2006
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LOURES DE 2005/03/10.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART63 N1.
DL 433/82 DE 1982/10/27 ART64 N2 ART73 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC50/03 DE 2003/06/18.; AC STA PROC1115/06 DE 2006/12/20.; AC STA PROC1507/02 DE 2002/11/06.; AC STA PROC1747/03 DE 2004/02/18.; AC STA PROC531/04 DE 2004/09/22.; AC STA PROC115/06 DE 2006/12/20.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1. O MINISTÉRIO PÚBLICO recorre da sentença de 10 de Março de 2005 do Mmº. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa II que julgou nula a decisão administrativa que aplicou coima por contra-ordenação fiscal a A... LDA., com sede na Marinha Grande, absolvendo-a da instância e não conhecendo do mérito da causa.
Formula as seguintes conclusões:
«1
Não obstante a coima aplicada à arguida pela autoridade administrativa não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1ª instância e não ter sido aplicada sanção acessória – cfr. artigo 83° do RGIT - o que impediria a interposição do presente recurso,
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Sucede que o mesmo se mostra, manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito e visa, inequivocamente, a uniformidade da jurisprudência relativa à questão em causa que é
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Saber se a consequência de ser decretada a nulidade insuprível decorrente da falta de requisitos essenciais da decisão da autoridade administrativa que aplicou à arguida uma coima,
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Que tem sido objecto de decisões, transitadas em julgado, proferidas por este Tribunal em sentido não coincidente com a decisão judicial sob recurso a saber, entre outras: decisão proferidas nos autos de recurso de contra-ordenação n°s 166/05.3BELRS, 219/05.8BELRS, 129/05.9BELRS, 133/05.7BELRS.
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Bem como de Acórdãos do STA a saber Ac nº 0531/04, de 22.9.2004, 01507/02, de 6.11.2002.
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Importando, pois uniformizar a jurisprudência,
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Sendo certo que a decisão sob recurso contem claro erro de direito sendo, comprovadamente, duvidosa a solução jurídica preconizada na decisão sob recurso, sendo pois o presente recurso, manifestamente, necessário à melhoria da aplicação do direito e à promoção da uniformidade da jurisprudência.
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São, pois, esses objectivos que a recorrente pretende alcançar através deste recurso.
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Assim requer-se que o mesmo seja admitido, nos termos do artigo 73° nº 2 do RGCO, aplicável, subsidiariamente, ao RGIT, por força do disposto no artigo 3° al. b) do RGIT conforme Ac. do STA de 18.6.2003, rec. nº 0503/03
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Quanto à questão sob recurso, diremos:
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A declaração de nulidade da decisão de aplicação da coima não tem, como efeito, a absolvição dos arguidos da instância, como refere o Mm° Juiz na decisão sob recurso;
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A declaração de nulidade da decisão de aplicação de coimas, nos termos do disposto no artigo 63° do RGIT tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que dela dependam absolutamente, devendo, porém aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos;
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As nulidades previstas no artigo 63.° do RGIT não são, susceptíveis de constituir excepção dilatória determinante da absolvição da instância, figura jurídica não existente no processo contra-ordenacional, nem no processo penal.
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O Mmo. Juiz “a quo” ao decidir como decidiu, absolvendo a arguida da instância, violou, claramente, o disposto no art° 63 do RGIT,
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Para além de ter decidido em sentido contrário ao de outras decisões deste TAF e de Acórdão do STA sobre a mesma matéria. — cfr. certidões juntas.
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A decisão recorrida deve ser revogada e substituída outra que, declarando a nulidade da decisão da Autoridade Administrativa declare a nulidade dos termos que lhe são subsequentes e ordene a remessa do processo de contra-ordenação ao Serviço de Finanças competente para ser proferida decisão que dê cumprimento ao disposto nos artigos 63° nº 3 e 79° nº 1 do RGIT.
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Normas jurídicas violadas: artigos 63º, nºs 1 al. d) e 3 e 79º nº 1 do RGIT».
1.2. Não há contra-alegações.
1.3. O processo tem os vistos dos Exmºs. Adjuntos.
***
2.1. A primeira questão que nos deve ocupar é a da admissibilidade do presente recurso, face à inferioridade do montante da coima aplicada relativamente a um quarto da alçada da 1ª instância.
Nos termos do disposto no artigo 73º nº 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações, «Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência».
Tal possibilidade estende-se aos despachos judiciais em que, nos termos do artigo 64º nº 2 do mesmo diploma, pode consubstanciar-se a decisão final.
De acordo com a jurisprudência deste Tribunal, a necessidade manifesta do recurso para melhoria da aplicação do direito referida no apontado artigo 73º nº 2 «não deve restringir-se, ao contrário do que parece resultar da sua letra, aos casos em que apenas estejam em causa questões de interpretação ou aplicação da regra jurídica, propriamente ditas», mas «em termos de “permitir o controle jurisdicional dos casos em que haja erros claros na decisão judicial ou seja comprovadamente duvidosa a solução jurídica” ou em que “se esteja perante um manifesta violação do direito”» - vd. o acórdão de 18 de Junho de 2003 no processo nº 50/03, e, seguindo-o de perto, o de 20 de Dezembro de 2006, no processo nº 1115/2006.
Deve, pelo exposto, admitir-se o presente recurso, como, aliás, em caso em que se debatia idêntica questão aconteceu no último dos indicados processos.
2.2. Quanto à questão de fundo, consiste ela em saber se, quando o tribunal declara a nulidade insuprível da decisão administrativa que aplicou uma coima, deve absolver o arguido da instância e não conhecer do mérito da causa – conforme decidiu o Mmº. Juiz a quo –, ou se deve ordenar a remessa do processo à autoridade administrativa para que profira nova decisão, indemne à nulidade detectada – como propõe o recorrente.
Também sobre este ponto há já jurisprudência consolidada deste Tribunal: é ver os arestos de 6 de Novembro de 2002, 18 de Fevereiro de 2004, 22 de Setembro de 2004 e 20 de Dezembro de 2006, nos processos nºs. 1507/02, 1747/03, 531/04 e 115/06, respectivamente.
O Tribunal tem atribuído à expressão «nulidade insuprível» utilizada no corpo do nº 1 do artigo 63º do RGIT, com referência à sua alínea d), este sentido: «não significa que ela não possa ser sanada, mas antes, que o decurso do tempo não tem esse efeito. Pelo que a sanação respectiva só pode concretizar-se com a supressão da deficiência ou irregularidade, designadamente com a prática, de acordo com a lei, do acto omitido ou da irregularidade praticada».
Como se aponta no aresto de 22 de Setembro de 2004, citado, «não pode impedir-se a Administração de renovar o acto anulado por vícios procedimentais, como é o caso».
Os fundamentos dos identificados arestos continuam válidos, não invocando a sentença recorrida outros a nossos olhos de melhor valia.
Procedem, consequentemente, os fundamentos do recurso.
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3. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, concedendo provimento ao recurso, revogar a sentença impugnada, no segmento em que absolveu a arguida da instância, mantendo-a, no demais, e determinando a remessa do processo à entidade que aplicou a coima.
Sem custas.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2007. – Baeta de Queiroz (relator) – António Calhau – Pimenta do Vale.