Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02238/20.5BELSB
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROTECÇÃO INTERNACIONAL
PAÍSES TERCEIROS
PAÍS SEGURO
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão do TCA que manteve juízo firmado pelo TAC - que havia julgado improcedente a pretensão deduzida na ação administrativa deduzida para impugnação do ato de indeferimento de pedido de proteção internacional - se as questões que concretamente se mostram colocadas não assumem relevância social e jurídica fundamental e se não nos deparamos com um juízo que reclame claramente a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para melhor aplicação do direito já que em linha com a jurisprudência produzida sobre a matéria.
Nº Convencional:JSTA000P28824
Nº do Documento:SA12022011302238/20
Data de Entrada:12/21/2021
Recorrente:A´.............. COM NOME SOCIAL A.............
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA – SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A’………….. [com nome social de A…………..] [doravante A.] invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 07.10.2021 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 581/626 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso de apelação que o/a mesmo/a deduziu, por inconformado/a, com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [doravante TAC/LSB] - cfr. fls. 461/526 -, que havia julgado improcedente a ação administrativa de impugnação por si instaurada contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA [SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS (SEF)], da decisão proferida pelo Diretor Nacional Adjunto do SEF, de 26.10.2020, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional formulado, peticionando que lhe seja «concedida autorização de residência» [cfr. petição inicial, a fls. 04/17].

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 634/647] na relevância jurídica e social da questão/objeto de litígio [relativa ao conceito de «país terceiro seguro» ante situação em que o retorno àquele país só possa ser realizada após retorno ao país da nacionalidade do/a recorrente, país este que em nenhum momento foi ou pode ser considerado como «país terceiro seguro» e, bem assim, ao controlo jurisdicional exercido no preenchimento do conceito] e, bem assim, «para uma melhor aplicação do direito», invocando, mormente, a incorreta aplicação da al. d) do n.º 1 do art. 19.º-A, da al. r) do n.º 1 do art. 02.º e do n.º 1 do art. 20.º todos da Lei n.º 27/2008, de 30.06 [alterada e republicada pela Lei n.º 26/2014, de 05.05 - doravante «Lei do Asilo»] e, bem assim, do princípio da confiança mútua entre os membros da União Europeia.

3. Não foram produzidas quaisquer contra-alegações [cfr. fls. 648 e segs.].
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAC/LSB julgou totalmente improcedente a pretensão do/a A., aqui recorrente, considerando no seu discurso fundamentador, nomeadamente, que a relação do/a mesmo/a com os Estados Unidos da América [EUA] «está para lá disso pois trata-se de um país que a acolheu como estrangeira, malgrado a sua entrada e posterior permanência irregulares em solo americano durante um período muito prolongado - é um país onde pode viver legalmente, caso assim pretenda fazê-lo, como ventilado pela própria Autora, ainda que implicando um retorno às Honduras e uma subsequente reentrada legal em território americano. É um país onde já residiu durante 13 anos, com a sua mãe, depois enquanto casada com o seu cônjuge e novamente com a sua mãe. Está, pois, assegurada a exigência de ligação aos EUA resultante daquela definição [cfr. proémio e alínea i)]; também não existem evidências de que a sua segurança nesse país esteja particularmente ameaçada, malgrado as alegações meramente genéricas e não densificadas quanto à sua segurança pessoal por pertencer à comunidade transexual», razão pela qual sempre os EUA deveriam ser considerados como «país terceiro seguro» para os efeitos do previsto nos arts. 02.º, n.º 1, al. r)- i, e 19.º-A. n.º 1, al. d), da Lei do Asilo.

7. O TCA/S confirmou este juízo decisório, perfilhando-o e reiterando-o in toto, extraindo-se da motivação que o «que, claramente, se quis dizer na sentença ora posta em crise foi que os EUA são um país seguro, ainda que se admitisse, como pretende o Recorrente, que pudesse, daí, ter de regressar às Honduras para depois regressar de novo aos EUA», mas que «tal seria uma conjetura do Recorrente. Nunca uma certeza. Muito menos uma certeza que seja assumida na decisão em crise», sendo que «[e]ssa conjetura do Recorrente, aliás, basear-se-ia numa lógica que teria por base políticas de emigração da administração Trump, algo que é público e notório que vem sendo desconstruído com a eleição dos Democratas e com a completa reestruturação ao aparelho governativo norte-americano», pelo que «sendo inequívoco que os EUA são um - país terceiro seguro -, às Autoridades Portuguesas não cabe antecipar a atuação das Autoridades Norte-Americanas. Um pouco à semelhança do que sucede no âmbito da União Europeia, com a princípio da confiança mútua (que impõe que, no que respeita ao espaço de liberdade, segurança e justiça, que cada um dos Estados Membros considere, salvo em circunstâncias excecionais, que todos os outros Estados Membros respeitam o direito da União e, muito em especial, os direitos fundamentais reconhecidos por esse direito), teremos de assumir que ali se respeitarão os direitos fundamentais do ser humano e, neste caso em particular, os do Recorrente», e isso «[t]anto mais que os EUA, enquanto signatários, em 1968, do Protocolo das Nações Unidas relativo ao estatuto de refugiado, datado de 1967 e, posteriormente, em 1984, da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (e sem prejuízo da subsequente subscrição de outros tratados internacionais que incorporaram o princípio do non refoulement), estarão vinculados ao respeito pelo princípio do non-refoulement, consagrado no art. 33.º da Convenção de Genebra de 1951, e que proíbe que um refugiado seja forçado ao retorno ao país ou território em que sejam ameaçadas a sua vida e liberdade».

8. O/A A., ora Recorrente, insurge-se contra o juízo de improcedência da sua pretensão, acometendo-o de erro de julgamento, mercê da incorreta aferição, pelas instâncias dos elementos de conexão imperativos e prescritos na legislação nacional, nomeadamente, dos arts. 02.º al. r)- i, 19.º-A, n.º 1, al. d), e 20.º, n.º 1, da Lei do Asilo.

9. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar, «preliminar» e «sumariamente», se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação, por este Supremo Tribunal, é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

10. E entrando nessa análise refira-se, desde logo, que não se mostra persuasiva a motivação/argumentação expendida pelo/a A., aqui recorrente, não se descortinando uma qualquer relevância jurídica e social fundamental na questão colocada, nem quanto ao juízo sobre a mesma firmado ora em causa se revela uma necessidade de melhor aplicação do direito.

11. Assim, não se vislumbra, por um lado, que a questão a tratar, que contende com a verificação in casu daquilo que são os requisitos insertos nos arts. 02.º al. r)- i, e 19.º-A, n.º 1, al. d), da Lei do Asilo na sua concatenação, mormente com o princípio de non-refoulement e, bem assim, com o demais quadro principiológico convocado nos autos, reclame labor de interpretação, ou que se mostre de elevada complexidade jurídica em razão da dificuldade das operações exegéticas a realizar, de enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, ou cuja análise venham suscitando dúvidas sérias, aliás não sinalizadas, antes se apresentando com um grau de dificuldade comum dentro das controvérsias judiciárias sobre tal temática.

12. Para além do manifesto interesse que o caso concreto terá para o/a recorrente não se vislumbra no mesmo uma especial relevância social ou indício de interesse comunitário significativo que extravase os limites do caso e a sua singularidade, tanto mais que o juízo nele firmado se mostra, em grande medida, assente nas particularidades factuais do caso e daquilo que, quanto às questões em dissídio, constitui um posicionamento e uma alegação hipotética e conjetural e sem que resulte estribado ou apoiado em elementos estruturados e credíveis.

13. Por outro lado, não se descortina a necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito, pois a alegação expendida pelo/a A., ora recorrente, não se mostra persuasiva, tudo apontando, presentes os contornos do caso sub specie, no sentido de que primo conspectu as instâncias decidiram com pleno acerto, tanto mais que o juízo firmado, mormente o do TCA/S no acórdão sob censura, não aparenta padecer de erros lógicos ou jurídicos manifestos, visto o seu discurso mostrar-se, no seu essencial, fundamentado numa interpretação cuidada, coerente e razoável das regras e princípios do direito aplicáveis, o que torna desnecessária a intervenção do Supremo para melhor aplicação do direito.

14. Em suma, no presente recurso não se mostram colocadas questões que assumam relevância social e jurídica fundamental, nem nos deparamos com uma apreciação feita das mesmas pelas instâncias que reclame claramente a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para melhor aplicação do direito, pelo que tudo conflui para a conclusão de que a presente revista se apresenta como inviável, não se justificando submetê-la à análise deste Supremo, impondo-se in casu a valia da regra da excecionalidade supra enunciada.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Sem custas [cfr. art. 84.º da Lei n.º 27/2008].
D.N..

Lisboa, 13 de janeiro de 2022. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.