Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01377/13
Data do Acordão:09/25/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
MUNICÍPIO
GARANTIA
INEXIGIBILIDADE
Sumário:I - A lei impõe a instauração da execução tão logo finde o prazo de pagamento voluntário e, em regra (e a menos que o pagamento da dívida exequenda e do acrescido esteja assegurado pela constituição de garantia, pela penhora ou pela nomeação de bens à penhora), não admite a suspensão da execução fiscal (cfr. arts. 85.º, n.º 3, e 88.º, do CPPT) quando o executado deduz oposição, a não ser mediante a prestação de garantia que assegure o pagamento da totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos, o que bem se compreende uma vez que o legislador quis assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido enquanto o executado discute a legalidade ou a exigibilidade da dívida exequenda e prevenir a eventual dissipação de bens enquanto a oposição está pendente.
II - No entanto, a exigência da garantia não é absoluta: a lei permite que, verificadas que estejam determinadas condições, o executado seja dispensado da prestação de garantia em razão da sua situação económica ou das graves consequências que lhe adviriam dessa prestação (arts. 52.º, n.º 4, da LGT e 170.º do CPPT), como admite que não seja exigida a prestação, em razão da elevada probabilidade de sucesso da impugnação da dívida exequenda (cfr. art. 98.º, n.º 2, da LGT), como permite também que, determinados executados, em razão da sua natureza de entidades de direito público, não estejam sujeitos a essa exigência (cfr. art. 216.º do CPPT).
III - Nesta última situação contam-se os municípios, como decorre do disposto no art. 216.º, n.º 1, in fine: basta-lhes a mera dedução da oposição à execução fiscal para a suspensão da respectiva execução, não se lhes exigindo a prestação de garantia.
IV - Essa solução legislativa bem se compreende, uma vez que relativamente a essas entidades não faz sentido a exigência da prestação de garantia; por um lado, porque estão sujeitas a uma disciplina própria, que exclui o risco de dissipação ou de ocultação do património e, por outro lado, porque essa exigência poderia comprometer a prossecução das actividades de interesse público que lhe estão legalmente cometidas
Nº Convencional:JSTA00068371
Nº do Documento:SA22013092501377
Data de Entrada:08/28/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE GONDOMAR
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:LGT98 ART52 N4
CPPT99 ART216 N1 ART170
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED ÁREAS EDITORA PAGS694-695
DIOGO LEITE DE CAMPOS E OUTROS - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADA 4ED ENCONTRO DA ESCRITA 2012 PAG816
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 475/13.8BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 O Município de Gondomar(a seguir Executado, Reclamante ou Recorrido), invocando o disposto nos arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou junto do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto da decisão da Directora de Finanças Adjunta, da Direcção de Finanças do Porto, que indeferiu o pedido – formulado na sequência da notificação que lhe foi efectuada pelo Serviço de Finanças de Gondomar, de que a isenção da garantia caducaria no final do ano, pelo que teria de pagar a dívida, prestar garantia ou requerer a dispensa da sua prestação – de que fosse declarada inexigível a prestação de garantia ou, subsidiariamente, dispensada dessa prestação, mantendo-se a suspensão do processo executivo na sequência da oposição que deduziu.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a reclamação procedente e anulou o acto reclamado. Para tanto, em resumo, considerou que na parte final do disposto no n.º 1 do art. 216.º do CPPT se «prevê um regime especial de suspensão da execução» relativamente às execuções instauradas contra as autarquias locais (e outras entidades de direito público aí indicadas), nos termos do qual «a mera dedução de oposição à execução fiscal, independentemente do seu recebimento e da prestação de garantia, paralisará a prática de actos tendentes à cobrança coerciva», pelo que se deverá considerar que o Reclamante não tem que prestar garantia nem requerer a isenção dessa prestação.

1.3 A Fazenda Pública não se conformou com essa sentença e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A. A Fazenda Pública discorda da interpretação e aplicação do direito efectuada na douta sentença recorrida, por no seu entendimento não se poderem extrair do art. 216.º do CPPT as conclusões que fundamentaram a procedência da acção de seguida transcritas:

“Relativamente às execuções movidas contra autarquias locais e outras entidades de direito público, indicadas no art. 216.º, n.º 1 do CPPT, a mera dedução de oposição à execução, independentemente do seu recebimento e da prestação de garantia, paralisará a prática de actos tendentes à cobrança coerciva, como se infere da condição aí colocada de que depende a prática dos actos aí indicados.
Portanto, daqui resulta que basta a mera dedução da oposição à execução fiscal, por parte das autarquias locais, para a suspensão da respectiva execução, dispensando-se o seu recebimento ou a prestação de garantia”.

B. O art. 216.º do CPPT estipula que, quando o executado seja uma autarquia local ou outra pessoa de direito público, posteriormente à citação, se não tiver sido deduzida oposição nem efectuado o pagamento, deve ser remetida aos órgãos de representação ou gestão do executado a certidão da importância em dívida e acrescido, a fim de que aqueles possam promover o seu pagamento ou a inclusão da verba necessária no primeiro orçamento posterior.

C. O Tribunal, de acordo com a decisão exarada nesta reclamação vê nesta disposição legal o estabelecimento de um “regime especial de suspensão” que impede a AT de prosseguir com a execução ou proceder à penhora, por se encontrar pendente acção de oposição deduzida no processo executivo em causa.

D. Analisadas as páginas 10 (parte final) e 11 da sentença exarada, verificamos que o Tribunal se estriba nas palavras do Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, no Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, anotação ao art. 216.º, Áreas Editora, 6 edição, Lisboa, 2011, página 587, contudo, entendemos que o Ilustre Conselheiro não pretendeu exprimir o sentido que pela sentença foi concluído, especificamente no que respeita à nota 3: “Como se constata pela parte final do n.º 1 deste artigo, basta que seja deduzida oposição à execução, independentemente do seu recebimento e da prestação de garantia, para deixarem de se realizar as diligências aqui previstas tendentes à cobrança coerciva da dívida
Trata-se, assim, de um regime de suspensão da execução especial, relativamente ao genericamente previsto nos arts. 169.º e 212.º do CPPT” (destacado a negrito de nossa autoria).

E. De acordo com o disposto no art. 11.º da LGT, as normas hão-de ser interpretadas de acordo com as técnicas ou cânones interpretativos usados no direito civil, sendo o art. 9.º do Código Civil o preceito fundamental, incluindo os elementos de ordem histórica, racional ou teleológica e sistemática e, de acordo com os mesmos, interpretamos o preceito legal sob análise e também o comentário do Ilustre Conselheiro como referindo, tão só, que mediante a interposição de acção de oposição (ou realização do pagamento) na execução intentada contra autarquia local ou outra pessoa de direito público, a entidade exequente fica desonerada de realizar as diligências previstas no art. 216.º n.º 1 tendentes à cobrança coerciva da dívida (“deixarem de se realizar as diligências aqui previstas”).

F. Ou seja, as diligências previstas no n.º 1 – envio da certidão da importância em dívida ao executado para que o mesmo providencie pelo pagamento ou a faça inscrever no próximo orçamento, previamente à realização da penhora –constituem em si mesmas o regime especial de suspensão da execução, e apenas têm lugar quando “não tenha sido efectuado o pagamento nem deduzida oposição no prazo posterior à citação” (destacado nosso).

G. O preceito em causa insere-se, em termos sistemáticos na Subsecção II (Da Penhora), da Secção VII (Da apreensão de bens), do Capitulo II (Do processo), do Titulo IV (Da execução fiscal), que abre com o art. 215.º, que tem por epígrafe “penhora, ocorrências anómalas, nomeação de bens à penhora” no qual se determina como regra que “findo o prazo posterior à citação sem que tenha sido efectuado o pagamento, procede-se à penhora”.

H. Assim, os executados podem pagar a dívida (ou deduzir oposição ou requerer pagamento em prestações ou dação em pagamento) no prazo de 30 dias subsequente à citação, apenas se procedendo à penhora findo esse prazo, nos termos do disposto no art. 215.º, n.º 1 do CPPT e encontram-se tipificados, nos termos dos artigos 169.º e 212.º do CPPT e 52.º da LGT, os termos genericamente previstos de suspensão da execução, designadamente, na circunstância de ter sido deduzida oposição à execução, sendo prestada garantia ou concedida a dispensa da sua prestação, em que findo o prazo do n.º 1 do art. 215.º, não se procede à penhora.

I. No artigo seguinte, o 216.º do CPPT, aquele que nos ocupa, foi introduzido um regime especial, relativamente à regra do 215.º, n.º 1 (findo o prazo posterior à citação sem que tenha sido efectuado o pagamento, procede-se à penhora), para os executados que sejam autarquias locais ou pessoas colectivas de direito público, estabelecendo obrigação de a entidade exequente promover, antes de realizar a penhora, determinadas diligências previstas no n.º 1 (envio da certidão da importância em dívida ao executado para que o mesmo providencie pelo pagamento ou a faça inscrever no próximo orçamento).

J. A obrigação de promover a realização destas diligências tendentes à cobrança previamente à realização da penhora, com o eventual diferimento do pagamento através da inscrição da verba necessária no primeiro orçamento a efectuar que constitui o regime especial de suspensão da execução estabelecido pelo preceito, porque a execução fica, neste entretanto, sustada no seu prosseguimento para penhora, porém, a última parte do n.º 1 do art. 216.º, concretiza que a realização de tais diligências apenas terá lugar desde que não tenha sido efectuado pagamento ou deduzida oposição.

K. Então o “regime especial de suspensão da execução” (consubstanciado em promover uma segunda oportunidade de pagamento) previsto no art. 216.º n.º 1 do CPPT, aplica- se apenas quando não tenha sido efectuado pagamento nem deduzida oposição no prazo posterior à citação e pretender que o referido artigo institui um regime especial de suspensão da execução para as situações em que tenha sido deduzida oposição, como conclui a sentença recorrida – “Portanto, daqui resulta que basta a mera dedução da Oposição à execução fiscal, por parte das autarquias locais, para a suspensão da respectiva execução, dispensando-se o seu recebimento ou a prestação de garantia” – é subverter o sentido da disposição legal analisada.

L. Inferir do dito preceito que basta a mera dedução da oposição à execução fiscal por parte das autarquias locais para suspender a respectiva execução2[2Cfr. terceiro e quarto parágrafos da página 12 da sentença recorrida], como fez o Tribunal, não encontra abrigo nas técnicas ou cânones interpretativos, por carecer de correspondência nos elementos literal, teleológico e sistemático e deturpa o sentido preconizado na doutrina invocada – “como se constata pela parte final do n.º 1 deste artigo, basta que seja deduzida oposição à execução, independentemente do seu recebimento e da prestação de garantia, para deixarem de se realizar as diligências aqui previstas tendentes à cobrança coerciva da divida” – porque no texto citado apenas se expressa que a dedução da oposição basta para que não se realizem as diligências de cobrança previstas no n.º 1 do art. 216.º (aqui previstas), não se referindo à paralisação da realização de actos tendentes à cobrança coerciva3[3Cfr. segundo parágrafo da página 12 da sentença recorrida].

M. A sentença recorrida deve ser anulada, por errada interpretação e aplicação de direito, uma vez que:

· O art. 216.º do CPPT não estabelece a inexigibilidade da prestação de garantia ao executado, com a suspensão do PEF, pelo tempo em que a oposição se encontrar pendente, sem que seja prestada garantia ou concedida dispensa da sua prestação a requerimento do executado.

Termos em que, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida»(Porque usamos o itálico na transcrição, as partes que no original estavam em itálico surgem aqui em tipo normal, a fim de se respeitar o destaque que lhes foi concedido pela Recorrente.
As notas de rodapé do original, foram transcritas no próprio texto entre parêntesis rectos.)
1.4 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.5 O Recorrido contra alegou, requerendo a título subsidiário a ampliação do objecto do recurso. Resumiu a alegação em conclusões do seguinte teor:
«
i. A douta Sentença em apreço não merece censura devendo ser mantida nos seus exactos termos;

ii. De acordo com o artigo 216.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, basta que o Município deduza oposição à execução fiscal – como sucedeu no caso em apreço e é expressamente reconhecido pela Administração tributária na decisão em apreço –, para que execução seja suspensa, sustando-se todas as diligências tendentes à cobrança da dívida.

iii. Com efeito, “Como se constata pela parte final do n.º 1 deste artigo, basta que seja deduzida oposição à execução, independentemente do seu recebimento e da prestação de garantia, para deixarem de se realizar as diligências aqui previstas tendentes à cobrança coerciva da dívida. Trata-se, assim, de um regime de suspensão da execução especial, relativamente ao genericamente previsto nos arts. 169.º e 212.º do CPPT”(SOUSA, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, III Volume, página 587, Áreas Editora).

iv. Conforme a posição defendida pelo Recorrido, a Sentença objecto de contestação presente recurso, não merecendo qualquer censura, veio concluir pela inexigibilidade de prestação da garantia, com fundamento no artigo 216.º do CPPT. Pois “as autarquias locais estão dispensadas de prestar garantia, suspendendo-se a execução com simples apresentação da Oposição”.

v. Verifica-se, pois, que a Sentença em apreço limitou-se a aplicar a Lei aos factos, tendo feito o único julgamento possível, pelo que não merece qualquer censura devendo ser mantida nos seus exactos termos.

vi. Conforme referido supra, a douta Sentença recorrida, em face da – correcta – solução alcançada, não conheceu todos os fundamentos avançados pelo ora Recorrido na sua petição inicial, designadamente, a violação da lei, a verificação dos pressupostos para dispensa de constituição de garantia e a incompetência do autor da decisão de indeferimento do pedido apresentado pelo Recorrido.

vii. Pelo que, a título subsidiário, e prevenindo a necessidade da sua apreciação, o ora Recorrido requer a ampliação do objecto do recurso, em conformidade com o disposto no artigo 684.º-A, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicado ex vi do artigo 1.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com o seguinte fundamento, não apreciado em primeira instância, e que quer, agora, caso tal se venha a mostrar necessário, ver apreciado para sustentar a anulação do Despacho ora em apreço, sendo certo que a apreciação por parte deste Venerando Tribunal, destes vícios, sempre se afigura resultar do artigo 715.º, n.º 2, do Código do Processo Civil.

viii. No caso concreto, não está em causa, em bom rigor, a dispensa de prestação de garantia, mas a sua inexigibilidade em função da qualidade da Autora.

ix. Em face do que se deixa exposto, a anterior decisão de suspensão do processo de execução fiscal sem prestação de garantia não é susceptível de caducidade à luz do disposto nos n.ºs 4 e 5, do artigo 52.º, da LGT tendo este dispositivo legal sido violado no despacho cuja legalidade se contesta e que, também por este motivo é ilegal, não se podendo manter na ordem jurídica.

x. A ratio subjacente à obrigação de prestação de garantia para suspensão de processo de execução fiscal é a de salvaguardar os créditos do exequente – o Estado – nas situações em que os devedores optam por discutir a legalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda.

xi. O caso concreto é, no entanto, caracterizado por, quer o credor, quer o devedor assumirem natureza pública, prosseguindo interesses e objectivos convergentes.

xii. Inexiste, pois, o risco que motivou o legislador a impor a prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal.

xiii. Com efeito, o Município não vai, como é óbvio, desaparecer ou dissipar património, sendo o mesmo público e gerido em função dos mesmos interesse do Estado credor.

xiv. Verifica-se, pois, a situação singular de o credor ser o “Estado Central” e o devedor o “Estado Local”, mas não deixa de ser o Estado pelo que na cobrança do alegado “crédito” vai-se verificar um aumento da “res publica” por contrapartida da mesma “res publica”.

xv. Mas mais: ao contrário do que se verificava na data em que foi suspenso o processo sem prestação de garantia, o presente caracteriza-se, como é facto público e notório, por uma grande incerteza económica e de, quase, impossibilidade de acesso ao crédito.

xvi. Ora se a este estado de coisas se adicionar a exigência de garantia idónea para suspensão da presente execução fiscal estar-se-á a criar um entrave adicional e intransponível à obtenção de crédito por parte do Município Executado que inviabilizará a prossecução dos interesses públicos da sua responsabilidade.

xvii. Com efeito, no enquadramento actual é imperioso assegura a regularidade e estabilidade financeiras do Município, na medida em que este está adstrito ao cumprimento escrupuloso do orçamento aprovado e uma derrapagem; no valor da garantia em apreço, pode custar aos munícipes a perda significativa da qualidade de vida, situação de consequência irreversíveis.

xviii. A prestação de garantia desnecessária como vimos e que, como tal, constitui medida desproporcional e violadora do artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, 55.º da LGT e 5.º, n.º 2, do CPA, provocaria, atenta a situação económica da República Portuguesa e da própria Autora, danos de imagem acrescidos e entraves à, já de si difícil, obtenção de crédito que poderá inviabilizar, prejudicando-o de forma irreparável, a prossecução de actividades de interesse público da sua responsabilidade. Para além do mais, e como é do conhecimento público as entidades bancárias não se mostram disponíveis para prestar garantia no montante da dívida exequenda.

xix. Por último, importa sublinhar que a Administração tributária não logra demonstrar que o Autor se tenha colocado em situação de impossibilidade de prestação de garantia, o que sempre seria impossível por não corresponder à verdade dos factos, o que se invoca.

xx. Na verdade, e como demonstrado pelo Recorrido, não obstante a crise sem precedentes que atravessa sempre se pautou pela prudente e cuidada gestão do seu património e dos seus activos, com vista ao escrupuloso cumprimento dos seus deveres, não lhe podendo ser imputada a impossibilidade de prestação de garantia.

xxi. Acresce que, sobre esta matéria a jurisprudência tem sustentado que, se deve operar, neste âmbito, a uma verdadeira inversão do ónus da prova: uma vez demonstrado o preenchimento de um dos dois primeiros pressupostos de aplicação do artigo 52.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária, é sobre a Administração tributária que impende a prova do facto positivo de que a insuficiência ou inexistência de bens do Executado é imputável a este último, por os ter dissipado em prejuízo dos credores.” (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15 de Maio de 2007, proferido no processo n.º 1780/07), o que a Administração tributária, no caso vertente não logrou fazer (nem, como resulta do supra exposto, poderia demonstrar).

xxii. Em face do exposto, deverá o processo de execução fiscal n.º 1783200701009877 continuar suspenso, até ao trânsito em julgado da decisão no processo de Oposição n.º 1315/07.2BEPRT, com dispensa de prestação de garantia.

xxiii. De acordo com o disposto no artigo 150.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, “É competente para a execução fiscal a administração tributária através do órgão periférico local”.

xxiv. A decisão do pedido de dispensa de prestação de garantia apresentada pelo recorrido foi proferido pela Senhora Directora de Finanças Adjunta, da Direcção de Finanças do Porto.

xxv. Na referida decisão conforme resulta da informação que sustenta essa mesma decisão, refere-se que a competência para sua prolação é do órgão periférico regional na medida em que a quantia exequenda excede 500 unidades de conta:

xxvi. [em branco no original]

xxvii. Admitindo que a Senhora Directora de Finanças Adjunta considera aplicável o disposto no artigo 197.º n.º 2, do CPPT, importa referir que esta disposição legal define, apenas, a competência para os pedidos de pagamento em prestações.

xxviii. A competência para o pedido de dispensa de garantia não se mostra abrangida pela supra referida disposição legal mas antes pelo disposto nos artigos 170.º, n.º 1, e 149.º e 150.º, todos do CPPT, e que atribuem competência para este efeito ao órgão periférico ou local, ou seja, o Serviço de Finanças.

xxix. Em suma, o artigo 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, atribui a competência para apreciar os pedidos de dispensa de prestação de garantia, no âmbito da execução fiscal, independentemente do valor em dívida, ao órgão de execução fiscal.

xxx. Em face do anteriormente exposto deverá concluir-se que a Senhora Directora de Finanças Adjunta, da Direcção de Finanças do Porto, é incompetente para a prolação da decisão cuja legalidade se contesta, pelo que é a mesma é ilegal, devendo ser anulada em conformidade.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, e assim, confirmada a douta sentença recorrida que determinou a anulação do despacho da Senhora Directora de Finanças Adjunta, da Direcção de Finanças do Porto, de 21 de Dezembro de 2012, por forçado qual foi indeferido o pedido de renovação da dispensa de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal n.º 1783200701009877.

Assim não se entendendo, o que por mera cautela de Patrocínio se admite, requer-se, a título subsidiário, que seja determinada a ampliação do objecto do recurso, ao abrigo dos n.ºs 1 e 2, do artigo 684.º-A e 715.º do Código do Processo Civil nos termos supra expostos, assim se concluindo pela anulação do supra referido despacho da Senhora Directora das Finanças adjunta, do Porto, de 21 de Dezembro de 2012».

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, a Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu visto.

1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.8 As questões suscitadas no recurso são as de saber

(i) se (a sentença fez correcto julgamento quando considerou que) as autarquias locais não estão sujeitas à prestação de garantia para obterem a suspensão da execução fiscal após a dedução de oposição e até que esta esteja decidida (questão suscitada pela Recorrente); na negativa, haverá que apreciar as questões suscitadas pelo Recorrido em sede de ampliação do objecto do recurso, quais sejam as de saber

(ii) se é aplicável ao caso sub judice a figura da caducidade da isenção da prestação de garantia prevista 52, n.ºs 4 e 5, da LGT, uma vez que a situação será, não de isenção da prestação de garantia, mas de inexigibilidade de prestação de garantia; sem prescindir,

(iii) se a alteração legislativa de que resultou a caducidade da isenção da prestação de garantia (introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)é aplicável ao caso sub judice, o que passa por indagar da aplicação dessa nova redacção no tempo;

(iv) se a Directora de Finanças Adjunta tinha competência para a prática do acto reclamado.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
«
1. Em 12.04.2001, no Serviço de Finanças (SF) de Gondomar foi instaurado o PEF n.º 1783200701009877, contra o reclamante Município de Gondomar (fls. 1 e ss.);

2. Por dívidas à Direcção Geral de Desenvolvimento Regional, no montante de €6.222.828,00;

3. A Reclamante deduziu a Oposição que corre termos neste Tribunal, sob o n.º 1315/07 (sitaf);

4. Em 17.05.2007 a Reclamante requereu ao OEF a suspensão da execução fiscal com dispensa da prestação de garantia (fls. 41 e ss);

5. Por despacho do Chefe do SE de Gondomar, de 21.05.2007, foi deferida a pretensão da reclamante (fls. 133);

6. Por ofício de 08.11.2012 o OEF notificou a Reclamante, informando-a que a isenção de garantia caducaria em 31.12.2012, pelo que teria de pagar a dívida, prestar garantia ou requerer a isenção da prestação (fls. 235 e ss.);

7. Em 27.11.2012 a reclamante requereu ao OEF que considerasse inexigível a prestação de garantia ou subsidiariamente a sua dispensa para suspensão da execução (fls. 290 e ss.);

8. Por despacho da Directora de Finanças Adjunta, de 21.12.2012, foi indeferida a pretensão da Reclamante (fls. 239 e ss.);

9. Do referido despacho consta o teor seguinte: Concordo. Indefiro o pedido. Notifique.

10. A anteceder aquela decisão encontra-se a informação de fls. 239 verso e 240 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais;

11. Deste despacho o reclamante deduziu a presente reclamação;

12. Por despacho da Directora de Finanças Adjunta, de 13.02.2013, foi mantido o despacho reclamado (fls. 303)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Numa execução fiscal instaurada contra o Município de Valongo, este deduziu oposição à execução e pediu a dispensa da prestação de garantia, que lhe foi concedida no ano de 2007 pelo Chefe do Serviço de Finanças de Valongo (cfr. n.ºs 1. a 5. dos factos provados).
Ulteriormente, em 2012, o órgão da execução fiscal notificou o município de que a isenção da garantia caducaria no final desse ano, motivo por que deveria pagar a dívida, prestar garantia ou requerer a isenção da prestação (cfr. n.º 6. dos factos provados).
Na sequência dessa notificação, o município pediu ao órgão da execução fiscal que considerasse inexigível a prestação de garantia ou, subsidiariamente, que o dispensasse dessa prestação e mantivesse suspensa a execução. O pedido foi apreciado e decidido pela Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças do Porto que, em síntese, entendeu que não se verificavam os pressupostos de que o n.º 4 do art. 52.º da Lei Geral Tributária (LGT) faz depender a isenção da prestação de garantia (cfr. n.ºs 7. a 10. dos factos provados).
O Executado reclamou judicialmente dessa decisão e conseguiu a sua anulação. A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, anuindo à primeira ordem de fundamentos invocados pelo Reclamante, considerou que as autarquias locais estão sujeitas a um regime especial quando sejam executadas no âmbito da execução fiscal: esse regime contempla a possibilidade de suspensão do processo executivo com base na mera dedução de oposição, não lhes sendo exigível a prestação de garantia, como decorre do disposto no art. 216.º, n.º 1, do CPPT.
A Fazenda Pública interpôs recurso da sentença para este Supremo Tribunal Administrativo, sustentando que a sentença faz errada interpretação do n.º 1 do art. 216.º do CPPT. Se bem interpretamos a motivação do recurso, a Fazenda Pública sustenta que aquela norma legal não tem o alcance que a sentença lhe conferiu, qual seja o de que a dedução da oposição pelas entidades enumeradas no n.º 1 daquele artigo tem como efeito a suspensão da execução, independentemente da prestação de garantia, que não é exigível àquelas entidades.
Em contra alegações o Recorrido, para além de pugnar pela manutenção da sentença, que considera fazer a melhor interpretação do disposto no art. 216.º do CPPT, requereu subsidiariamente a ampliação do âmbito do recurso, pedindo que, se necessário, sejam agora conhecidas as questões de que a sentença não conheceu, porque prejudicadas pela solução que adoptou, e que respeitam à ilegalidade do acto reclamado. A saber: ilegalidade (i) por não lhe ser aplicável o regime da caducidade da isenção da prestação de garantia, uma vez que a situação em causa é de inexigibilidade da prestação de garantia, e não de isenção da sua prestação; sem prescindir, ilegalidade (ii) por indevida aplicação no tempo do regime da caducidade da isenção da prestação da garantia, que apenas foi introduzido pela Lei do Orçamento do Estado para 2012 (Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro); ilegalidade (iii) por incompetência da Directora de Finanças Adjunta para a prática do acto reclamado.
Assim, as questões a apreciar e decidir são as que deixámos enunciadas em 1.8.

2.2.2 DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL POR FORÇA DA DEDUÇÃO DE OPOSIÇÃO

Como é sabido, tão logo finde o prazo para o pagamento voluntário, é extraída pelos serviços competentes a certidão de dívida e remetida ao órgão periférico local competente, o qual, com base nessa certidão, instaura e promove a tramitação da execução fiscal, sendo considerado órgão de execução fiscal (arts. 88.º, n.ºs 1 e 4, 148.º, n.º 1, alínea a), 149.º, 150.º, n.º 1, e 152.º, n.º 1, do CPPT).
A execução fiscal, como decorre do n.º 3 do art. 36.º da LGT (A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei».) e está previsto no n.º 3 do art. 85.º do CPPT («A concessão de moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamentos de responsabilidade tributária subsidiária».), não pode ser suspensa, a não ser nas situações em que a lei expressamente o permite (Esta proibição de suspensão da execução fiscal é «um afloramento do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, genericamente enunciado no art. 30.º da LGT, que proíbe à administração tributária, fora de casos especialmente previstos, retardar a cobrança dos tributos» (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 3 ao art. 85.º, págs. 694/695)..
Nos termos do disposto no art. 212.º do CPPT, «[a] oposição suspende a execução, nos termos do presente Código». No entanto, em regra, a suspensão da execução fiscal no caso de dedução (A sentença afirma que «não é a mera dedução da oposição que suspende a execução, sendo necessário que ela seja recebida, como se refere no n.º 5 daquele art. 169.º». No entanto, tal afirmação, válida à luz da redacção original do art. 169.º - cujo n.º 5 dizia «Se for recebida a oposição à execução, aplicar-se-á o disposto nos n.ºs 1,2 e 3» –, já não colhe após a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 18 de Abril, que alterou os n.ºs 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 daquele artigo. Hoje, o n.º 9 do referido artigo dispõe: «Se for apresentada oposição à execução, aplicar-se-á o disposto nos n.ºs 1 a 7» ) da oposição, depende do condicionalismo previsto nos arts. 52.º da LGT e 169.º do CPPT, ou seja, da constituição ou prestação de garantia, nos termos dos arts. 195.º e 199.º, ou da realização de penhora que garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido ou de terem sido nomeados bens à penhora pelo executado no prazo referido no n.º 6 do art. 199.º do CPPT, que sejam suficientes para aquele efeito (n.º 4 do mesmo artigo).
Bem se compreende, em face da natureza das dívidas que podem ser cobradas no processo de execução fiscal (cfr. art. 148.º do CPPT) e do interesse público subjacente à sua cobrança, que o legislador tenha sido particularmente exigente quanto às condições para a suspensão da execução fiscal, designadamente exigindo, em regra, que, se o pagamento da dívida exequenda e do acrescido não estiver já garantido, seja prestada garantia para suspender a execução fiscal na sequência da dedução de oposição. O legislador pretendeu assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido caso o executado não tenha sucesso na discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda, prevenindo o direito do credor (o Estado) contra a eventual alienação ou dissipação de património do executado (Nos termos do disposto no art. 601.º do Código Civil e no art. 821.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, respectivamente, «pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios» e «estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda».) enquanto a oposição está pendente.
No entanto, a exigência da prestação de garantia não é absoluta. Há, desde logo, a possibilidade legal de, verificadas que estejam determinadas condições, o executado ser dispensado da prestação de garantia em razão da sua situação económica («manifesta falta de meios económicos») ou das graves dificuldades económicas («prejuízo irreparável») que lhe possam advir da prestação da garantia (cfr. 52.º, n.º 4, da LGT («A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que em qualquer dos casos a insuficiência ou inexistência de bens não seja da responsabilidade do executado».) e 170.º do CPPT). O legislador admitiu também a atribuição de efeito suspensivo à execução fiscal, independentemente da prestação de garantia, em razão da elevada probabilidade de sucesso da impugnação administrativa ou judicial da liquidação (Como diz JORGE LOPES DE SOUSA, «[a]razão de ser desta norma é a de que, perante tal concordância dos peritos no sentido de uma determinada parte da matéria colectável fixada não dever ser considerada, há uma forte probabilidade de ser errada a decisão de fixação e, por isso, é curial esperar pela decisão final do processo em que se impugna a quantificação para executar o acto de liquidação» (ob. cit., volume III, anotação 17 ao art. 169.º, pág. 225).), quando esta se siga à fixação da matéria tributável e na parte em que o perito independente e o perito nomeado do contribuinte tenham dado pareceres conformes em sentido contrário ao decidido no acto de fixação (Neste sentido, vide DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, 2012, anotação 7 ao art. 92.º, pág. 816. ) (cfr. art. 92.º, n.º 8, da LGT No caso de o parecer do perito independente ser conforme ao do perito do contribuinte e a administração tributária resolver em sentido diferente, a reclamação graciosa ou impugnação judicial têm efeito suspensivo, independentemente da prestação de garantia quanto à parte da liquidação controvertida em que aqueles peritos estiveram de acordo».). A lei permite ainda que determinados executados, em razão da sua natureza, não estejam sujeitos a essa exigência – prestação de garantia – para conseguirem a suspensão da execução enquanto a oposição estiver pendente. É o que resulta do disposto no art. 216.º do CPPT, que estipula:

«1 - Se o executado for alguma autarquia local ou outra entidade de direito público, empresa pública, associação pública, pessoa colectiva de utilidade pública administrativa ou instituição de solidariedade social, remeter-se-á aos respectivos órgãos de representação ou gestão certidão da importância em dívida e acrescido, a fim de promoverem o seu pagamento ou a inclusão da verba necessária no primeiro orçamento, desde que não tenha sido efectuado o pagamento nem deduzida oposição no prazo posterior à citação.

2 - A ineficácia das diligências referidas no número anterior não impede a penhora em bens dela susceptíveis».

Em anotação a este artigo, diz JORGE LOPES DE SOUSA, designadamente, o seguinte:

«2 – Execução contra entidades de direito público

Prevê-se neste artigo um regime especial para execução coerciva contra autarquia local e outras pessoas colectivas de direito público, que se consubstancia em dar uma segunda oportunidade à entidade executada para efectuar o pagamento, eventualmente com diferimento, através da inscrição da verba necessária no primeiro orçamento a efectuar.
É um regime que se justifica, por um lado, em face dos fins de interesse público visados por aquelas entidades e, por outro, pela capacidade económica que, normalmente, tais entes têm para satisfazer as dívidas fiscais.
Assim, quando não é feito o pagamento na sequência da citação, no prazo previsto para a oposição, nem esta é deduzida, é remetida aos órgãos de gestão da entidade executada uma certidão da importância em dívida e acrescido, a fim de promoverem o pagamento ou fazerem inscrição da mesma no primeiro orçamento subsequente.
Se tal pagamento ou inscrição não forem efectuados, pode proceder-se à penhora, com as restrições genericamente impostas à penhorabilidade de bens do domínio público [art. 822.º, alínea b), do CPC] e bens que se encontrem especialmente afectados à realização de fins de utilidade pública (art. 823.º, n.º 1, do CPC).

3 – Regime especial de suspensão da execução

Como se constata pela parte final do n.º 1 deste artigo, basta que seja deduzida oposição à execução, independentemente do seu recebimento e da prestação de garantia, para deixarem de se realizar as diligências aqui previstas tendentes à cobrança coerciva da dívida
Trata-se, assim, de um regime de suspensão da execução especial, relativamente ao genericamente previsto nos arts. 169.º e 212.º do CPPT» (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotações 3 e 4 ao art. 216.º, pág. 587)..

Sustenta a Recorrente que a regulamentação prevista no art. 216.º do CPPT – que admite constituir um regime especial de suspensão da execução fiscal no caso de o executado ser uma das entidades enumeradas no n.º 1 daquele artigo (Note-se que, para além das autarquias locais, também as demais entidades de direito público aí referidas, relativamente às quais há que ter conta as alterações legislativas ocorridas após a entrada em vigor do CPPT (em 1 de Janeiro de 2000, nos termos do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, diploma que o aprovou), estão, todas elas, sujeitas a uma disciplina própria de prossecução de interesses públicos e que o Estado assegura, mesmo que subsidiariamente, o pagamento das respectivas dívidas.) – não tem o alcance que lhe foi conferido pela sentença recorrida, qual seja o de que a mera dedução de oposição suspende a execução fiscal, independentemente da prestação de garantia.
Na tese da Recorrente, o regime especial de suspensão aí previsto é apenas para as situações em que não tenha havido oposição e resume-se ao seguinte: nessas situações, o órgão da execução fiscal não deve avançar para a penhora sem previamente cumprir com as diligências aí previstas, ou seja, remeter aos órgãos de gestão da entidade executada uma certidão da importância em dívida e acrescido, a fim de promoverem o pagamento ou fazerem inscrição da mesma no primeiro orçamento subsequente.
Para a Recorrente, considerar, como considerou a sentença com base no n.º 1 do art. 216.º do CPPT, que, nos casos em que foi deduzida oposição à execução fiscal, esta se suspende pela mera apresentação da oposição, independentemente da prestação de garantia, constitui uma interpretação errónea do preceito legal. Na tese da Recorrente, se foi deduzida oposição, o órgão da execução fiscal fica desobrigado de, previamente à penhora, remeter aos órgãos de gestão da entidade executada uma certidão da importância em dívida e acrescido, a fim de estes promoverem o pagamento ou fazerem inscrição da mesma no primeiro orçamento subsequente; e nada mais: a dedução da oposição, por si só, não determina a suspensão da execução fiscal, designadamente, não obsta à imediata realização da penhora.
Não concordamos e entendemos que a sentença fez a melhor interpretação da lei.
De acordo com o referido art. 216.º do CPPT, no caso de execução fiscal contra uma das entidades enumeradas no n.º 1, as diligências de cobrança coerciva iniciam-se pelas diligências aí referidas e só se estas fracassarem se passa à penhora.
É certo, como salienta a Recorrente, que, caso tenha sido deduzida oposição à execução fiscal, essas diligências não terão lugar; mas (e é neste ponto que não discordamos da Recorrente) não só essas diligências, como todas as demais tendentes à cobrança coerciva enquanto a oposição não estiver finda. Isso mesmo é salientado por JORGE LOPES DE SOUSA, que afirma sem margem para dúvida: «No que concerne às execuções movidas contra autarquias locais e outras entidades de direito público, indicadas no art. 216.º, n.º 1, do CPPT, a mera dedução de oposição à execução, independentemente do seu recebimento e da prestação de garantia, paralisará a prática de actos tendentes à cobrança coerciva, como se infere da sua parte final» (Ob. e vol. cit., anotação 16 ao art. 169.º, pág. 225.).
Na verdade, nenhum sentido faria dispensar a prática dessas diligências, que o legislador entendeu deverem preceder a penhora (como uma segunda oportunidade de pagamento), e permitir a realização da própria penhora. Aliás, daí resultaria uma penalização injustificada da entidade pública executada em virtude do exercício do direito de oposição.
E bem se compreende por que o legislador entendeu que, no caso de serem executadas as entidades de direito público enumeradas no n.º 1 do art. 216.º do CPPT, a mera dedução de oposição à execução fiscal suspende a execução fiscal, não se exigindo a prestação de garantia. É que, relativamente a essas entidades, porque estão sujeitas a uma disciplina própria e porque se não coloca a possibilidade de dissipação ou de ocultação do património, não faz sentido a exigência da prestação de garantia que, ademais, poderia comprometer a prossecução das actividades de interesse público que lhe estão legalmente cometidas.
Afigura-se-nos ser esta a melhor interpretação do art. 216.º do CPPT, sabido que na tarefa hermenêutica, para além do elemento gramatical, que constitui ponto de partida e limite para extrair o sentido da norma (Com a função de «eliminar aqueles sentidos que não tenha qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei» (BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 182 e 189).), há ainda e sobretudo que atender ao elemento lógico, exigindo este, designadamente, que se considere o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma (elemento teleológico) e que se atente nas demais disposições que regulam a suspensão da execução fiscal por efeito da dedução da oposição, designadamente a fim de perscrutar a compreender o lugar que aí ocupa a norma interpretanda (elemento sistemático), sendo que apenas da conjugação de todos esses elementos interpretativos surgirá o verdadeiro sentido da norma (Cfr. BAPTISTA MACHADO, Idem, págs. 175 a 192.), sendo o elemento decisivo a «unidade do sistema», nos termos do n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.
Assim, relativamente ao elemento literal, diremos que o mesmo não obsta à interpretação adoptada na sentença recorrida, que também nós subscrevemos, e, pelo contrário, até parece dar-lhe apoio, na medida em que, ao afirmar que sendo deduzida oposição deixam de se praticar os actos que devem preceder a penhora, comporta o entendimento, por maioria de razão, de que também não haverá lugar a esta.
Mas é do ponto de vista da teleologia da norma e da unidade do sistema que extraímos o entendimento de que do art. 216.º do CPPT resulta que a oposição deduzida por uma das entidades de direito público referidas no n.º 1 daquele artigo suspende a execução fiscal, não sendo exigível para esta suspensão que seja prestada garantia.
Na verdade, admitindo a lei, como admite, a dispensa da prestação de garantia (arts. 52.º, n.º 4, da LGT e 170.º do CPPT) e até a sua não exigibilidade no caso previsto no n.º 8 do art. 92.º da LGT, não faria sentido que a lei impusesse àquelas entidades de direito público a prestação de garantia para a suspensão da execução fiscal na sequência da dedução de oposição. Relativamente a essas entidades, não se verificam os motivos justificativos dessa exigência e, pelo contrário, existem relevantes motivos de interesse público no sentido da inexigibilidade.
Poderá, é certo, questionar-se a “inserção sistemática” do preceito, como o faz a Recorrente. Reconhecemos, seria mais ajustada a inclusão da norma na Secção VII do Capítulo I do Título IV do CPPT, mas esse argumento será aquele a que deve conceder-se menor relevância e que, por si só, nunca será decisivo. Aliás, salvo o devido respeito, não são raros os casos de menos feliz inserção sistemática de normas no CPPT (O exemplo mais flagrante será o das medidas cautelares a favor do contribuinte, rectius, do obrigado tributário, norma que surge “perdida” no n.º 6 do art. 147.º do CPPT, artigo que tem como epígrafe «Intimação para um comportamento» e se encontra inserida no Capítulo VI – «Da intimação para um comportamento» – da Secção V – «Da impugnação das providências cautelares adoptadas pela administração tributária». Sobre a questão, JORGE LOPES DE SOUSA, Cadernos da Justiça Administrativa, n.º 54, pág.72.).
Assim, concluímos que a sentença recorrida não merece censura.

2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A lei impõe a instauração da execução tão logo finde o prazo de pagamento voluntário e, em regra (e a menos que o pagamento da dívida exequenda e do acrescido esteja assegurado pela constituição de garantia, pela penhora ou pela nomeação de bens à penhora), não admite a suspensão da execução fiscal (cf. arts. 85.º, n.º 3, e 88.º, do CPPT) quando o executado deduz oposição, a não ser mediante a prestação de garantia que assegure o pagamento da totalidade do crédito exequenda e legais acréscimos, o que bem se compreende uma vez que o legislador quis assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido enquanto o executado discute a legalidade ou a exigibilidade da dívida exequenda e prevenir a eventual dissipação de bens enquanto a oposição está pendente.
II - No entanto, a exigência da garantia não é absoluta: a lei permite que, verificadas que estejam determinadas condições, o executado seja dispensado da prestação de garantia em razão da sua situação económica ou das graves consequências que lhe adviriam dessa prestação (arts. 52.º, n.º 4, da LGT e 170.º do CPPT), como admite que não seja exigida a prestação, em razão da elevada probabilidade de sucesso da impugnação da dívida exequenda (cf. art. 98.º, n.º 2, da LGT), como permite também que, determinados executados, em razão da sua natureza de entidades de direito público, não estejam sujeitos a essa exigência (cf. art. 216.º do CPPT).
III - Nesta última situação contam-se os municípios, como decorre do disposto no art. 216.º, n.º 1, ir fine: basta-lhes a mera dedução da oposição à execução fiscal para a suspensão da respectiva execução, não se lhes exigindo a prestação de garantia.
IV - Essa solução legislativa bem se compreende, uma vez que relativamente a essas entidades não faz sentido a exigência da prestação de garantia; por um lado, porque estão sujeitas a uma disciplina própria, que exclui o risco de dissipação ou de ocultação do património e, por outro lado, porque essa exigência poderia comprometer a prossecução das actividades de interesse público que lhe estão legalmente cometidas.

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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 25 de Setembro de 2013. - Francisco Rothes (relator) - Valente Torrão - Ascensão Lopes.