Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01302/16
Data do Acordão:05/31/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
FALTA DE ENTREGA DE IMPOSTO
Sumário:Não incorre em erro de julgamento a decisão recorrida que, perante a multiplicidade de processos semelhantes em que figura como arguida a recorrente, determina que o Serviço de Finanças apure da possibilidade de se verificar “contra-ordenação continuada”, pois que nem a natureza do imposto não entregue (IVA), nem o disposto do artigo 25.º do RGIT, in limine exclui tal possibilidade.
Nº Convencional:JSTA00070212
Nº do Documento:SA22017053101302
Data de Entrada:11/21/2016
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INS LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO
Legislação Nacional:RGIT01 ART3 B ART25.
RGCO ART32 ART36 N1.
CP95 ART30 N2 ART79.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0928/08 DE 2009/01/21.; AC STA PROC0757/10 DE 2011/03/30.; AC STA PROC0766/15 DE 2015/10/14.; AC STA PROC01247/15 DE 2015/11/11.
Referência a Doutrina:GERMANO MARQUES DA SILVA - CURSO DE PROCESSO PENAL 2000 PAG196.
JORGE DE SOUSA E MANUEL SIMAS SANTOS - RGIT ANOTADO 2ED PAG77-78 PAG102-104.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira – AT recorre para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa de 13 de Julho de 2016, que, no recurso de contra-ordenação que correu termos naquele Tribunal sob o n.º 725/15.6BELRS, interposto por A…………., Lda, com os sinais dos autos, contra decisão administrativa de aplicação de coima no valor de €2.197,27 pela prática da infracção prevista pelos artigos 27.º n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea a) do CIVA (falta de pagamento do imposto) e punida pelos artigos 26.º, n.º 4 e 114.º, n.º 2 e n.º 5, alínea a) do RGIT, anulou a decisão administrativa sindicada e determinou a remessa dos autos ao serviço de finanças para que profira nova decisão que pondere a eventual prática de contra-ordenação continuada.
A recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
I. Está imputada à recorrente a prática de contra-ordenação p.p. nos artigos 40.º/1/a) e 26.º/1 do CIVA e 114.º/2 e 26.º/4 do RGIT.
II. Porquanto estando registada em IVA no regime normal de periodicidade mensal, fez a entrega da declaração periódica do IVA relativa ao período de Abril de 2014, sem a prestação necessária para satisfazer o imposto exigível, sendo que este comportamento se repetiu ao longo do ano de 2014.
III. Na douta sentença a quo qualifica-se este comportamento da Recorrente como se tratando da prática de uma infracção de carácter continuado, devendo ser-lhe aplicado o mesmo regime que decorre do disposto nos arts. 30.º, n.º 2 e 79.º, n.º 1 do Código Penal, aplicável ao processo de contra-ordenação tributária ex vi do art.º 3.º, alínea b) do RGIT, conjugado com o artigo 32.º do RGCO.
IV. Porém, ressalvado o devido respeito por este entendimento, com o mesmo não se pode concordar, porquanto e desde logo, não foi relevado o facto de o imposto em causa consistir no IVA, ou seja, trata-se de um imposto que é devido de cada vez que é realizada uma operação tributável, pelo que estamos perante um imposto de obrigação única, resultante de eventos que mesmo que se repitam, são tratados tributariamente como factos autónomos ou instantâneos.
V. Destarte, se o facto tributário que esteve na génese da obrigação de imposto incumprida é tratada como facto autónomo, não repetitivo e não duradouro, também não se pode atribuir à infracção que dele dimana o carácter de infracção continuada.
VI. Motivo pelo qual, ao invés de se estar perante uma infracção continuada, deve antes considerar-se que se está perante tantas contra-ordenações quantos os períodos a que respeita a obrigação tributária.
VII. Para além do antecedentemente exposto, outro argumento concorre para que não seja de qualificar a presente contra-ordenação como continuada.
VIII. Com efeito, para que se verifique uma contra-ordenação continuada necessário se torna que se verifiquem os seguintes pressupostos: a) – Realização plúrima do mesmo tipo de infracção (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico; b) – Homogeneidade da forma de execução; c) – Unidade de dolo; as diversas resoluções devem conservar-se dentro de uma linha psicológica continuada; d) – Lesão do mesmo bem jurídico; e) – Persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.
IX. E no caso concreto, manifestamente, não se verifica o último dos pressupostos antecedentemente referidos, atento o facto de o imposto em causa não ter sido suportado pela infractora, mas antes pelos seus clientes, apenas tendo aquela a obrigação de o entregar nos cofres do Estado.
X. E se não fez entrega desse mesmo imposto ao estado é porque deu outro destino (indevido) ao respectivo montante, o qual se encontrava à sua guarda.
XI. Sendo certo que a Recorrente, tanto quanto se julga alcançar do probatório, nem sequer aventa qualquer justificação para este comportamento.
XII. Quer isto dizer que não se verifica um dos pressupostos da continuação criminosa, consistente na persistência de uma situação exterior ao infractor que facilita a resolução criminosa e diminui consideravelmente a sua culpa.
XIII. Não ocorre ainda uma situação de contra-ordenação na forma continuada pelo facto de, quer na data em que foram praticadas as infracções tributárias, quer na altura em que foi proferida a decisão recorrida, se encontrar em vigor a norma pela qual as sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre objecto de cúmulo material (cfr. o artigo 25.º do RGIT).
XIV. E perante várias coimas aplicadas e reportadas a várias contra-ordenações, cometidas pelo mesmo infractor, nos termos do disposto no art. 25.º do RGIT, as mesmas a serem cumuladas, são-no materialmente, o que, ressalvado melhor entendimento, também obsta à punição por contra-ordenação continuada.
XV. Porquanto, daquele cúmulo material deriva a aplicação de uma única coima resultante das coimas aplicadas a cada uma das contra-ordenações, não havendo lugar a qualquer redução, o que se afigura incompatível com a punição por contra-ordenação continuada.
XVI. Assim, a douta sentença recorrida, ressalvada a devida vénia, fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei, tendo violado, nomeadamente, os normativos constantes dos artigos 19.º do RGCO e 30.º, 12.º e 79.º do Código Penal e art.º 25.º do RGIT.
TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO; DEVE A DECISÃO SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR ACÓRDÃO QUE DECLARE COMO NÃO VERIFICADA A OCORRÊNCIA DE UMA INFRACÇÃO DE CARÁCTER CONTINUADO E; CONSEQUENTEMENTE, DETERMINAR PELA IMPROCEDÊNCIA DO PRESENTE RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO.
PORÉM, V. EXAS. DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA


2 – Contra-alegou a recorrida, pugnando pela improcedência do recurso.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: sentença anulatória da decisão de aplicação de coima pela autoridade tributária no montante de €2 197,27

FUNDAMENTAÇÃO
1. Apesar de expressamente prevista apenas no domínio criminal, a jurisprudência dos tribunais superiores e a doutrina têm sustentado a aplicação da figura da infracção continuada no domínio das contra-ordenações tributárias, com observância dos pressupostos exigidos no domínio penal criminal:
- realização plúrima do mesmo tipo legal de infracção ou de vários tipos legais que protejam o mesmo bem jurídico;
- execução por forma essencialmente homogénea;
- circunstancialismo exógeno que estimula ou facilita a conduta do agente, diminuindo consideravelmente a sua culpa
Legislação: arts. 30.º n.º 2 e 79.º CPenal; aplicáveis subsidiariamente às contraordenações tributárias nos termos do art. 32.º RGCO e do art. 3.º al. b) RGIT
Jurisprudência: acórdãos do TCA Sul-SCT 20.10.2009 processo n.º 3258/09; 10.11.2009 processo n.º 3362/09; 20.01.2013 processo nº 1079/08; 15.02.2013 processo n.º 1097/08
Doutrina: Jorge Lopes de Sousa/Manuel Simas Santos Regime Geral das Infracções Tributárias anotado 2.ª edição 2003 anotação ao art. 5.º RGIT pp. 77/78; anotação ao art. 10.º RGIT pp. 102/104
Nenhum obstáculo de natureza ou normativo existe à aplicação da figura da infracção continuada ao tipo legal de contra-ordenação imputado à arguida, p.e p. nos termos conjugados dos arts. 26.º n.º 1 e 40.º n.º 1 al a) CIVA, 26º nº 4 e 114º n.º 2 e 5 al. a) RGIT
2. O actual regime de cúmulo material das sanções nas contra-ordenações tributárias não é incompatível com a prática de infracções sob forma continuada, na medida em que aquele pressupõe o concurso real de infracções, como resulta da expressão “em concurso” constante da previsão do preceito (art. 25.º RGIT, redacção da Lei n.º 55-A/2010, 31 dezembro)
3. A recorrente Fazenda Pública não questiona a conveniência nem a competência do Tribunal tributário, em sede de recuso, para determinar à administração tributária a apensação dos diversos processos pendentes contra a mesma arguida (onde lhe são imputadas plúrimas violações do tipo legal de infracção que justificou a aplicação da coima no presente processo) para aplicação da sanção correspondente, segundo o regime do cúmulo material ou segundo o regime da infracção continuada, em conformidade com a avaliação das características da globalidade da sua conduta.
Legislação: art. 36º nº 1 RGCO (aprovado pelo DL nº 433/82, 27 outubro) / art. 3º al. b) RGIT
Jurisprudência (no sentido propugnado): acórdãos STA- SCT 21.01.2009 processo nº 928/08; 30.03.2011 processo n.º 757/10; 14.10.2015 processo n.º 766/15; 11.11.2015 processos nºs 923/15, 1188/15 e 1247/15
Doutrina: Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal, Lisboa, 2000, p. 196)
4. Contrariamente à tese da Fazenda Pública o tribunal tributário não ordenou à autoridade tributária a aplicação imperativa do regime da infracção continuada; limitou-se a determinar que, após a apensação de todos os processos pendentes, fosse averiguada a verificação do preenchimento dos pressupostos de uma determinação psicológica semelhante no cometimento de cada uma das infracções e a existência de um mesmo quadro externo que diminua consideravelmente a culpa do agente (sentença fls. 12/13 paginação própria)
Em abstracto, a necessária avaliação global da conduta da arguida deve fundamentar a opção entre a aplicação do regime sancionatório do cúmulo material ou da infracção continuada
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação –
4 – Questão a decidir
É a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, violando designadamente os normativos constantes dos artigos 19.º do RGCO e 30.º, 12.º e 79.º do Código Penal e art.º 25.º do RGIT, ao ter anulado a decisão administrativa de aplicação da coima e determinado a baixa dos autos ao serviço de finanças para que profira nova decisão que pondere a eventual prática de contra-ordenação continuada, perante requerimento da sociedade arguida pedindo a apensação aos autos de vários processos de contra-ordenação pendentes no Tribunal ou ainda no Serviço de Finanças todos eles pela prática da mesma infracção e que, na sua perspectiva, atento o condicionalismo que rodeou a prática continuada das alegadas acções ilícitas, constituiria “infracção continuada”

5 – Na decisão do Tribunal Tributário de Lisboa objecto do presente recurso encontram-se fixados os seguintes factos:
a) No dia 22/07/2014, foi lavrado auto de notícia, imputando-se à arguida, ora recorrente, a não entrega, até 11/06/2014, de Iva no montante de €6.327,66, respeitante ao período 2014/04 – auto de notícia de fls. 2 e 3 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, para todos os legais efeitos.
b) Em 13/09/2014, foi proferida, pelo chefe do serviço de finanças de Odivelas, decisão administrativa que a condenou, na coima de €2.197,27 (dois mil, cento e noventa e sete euros e vinte e sete cêntimos), pela prática da infracção prevista pelos artigos 27.º n.º 1 e 41.º n.º 1 alínea a) do CIVA (falta de pagamento do imposto) e punida pelos artigos 26.º n.º 4 e 114.º n.º 2 e n.º 5 alínea a) do CIVA, cuja ocorrência respeita ao seguinte período: 2014/04 – decisão administrativa de fixação de coima de fls. 7 e 8 dos autos, cujo conteúdo aqui dou por reproduzido.
c) Da decisão recorrida, consta taxativamente a seguinte fundamentação de facto e de direito:
“Descrição Sumária dos factos:
À arguida foi levantado auto de notícia pelos seguintes factos: 1. Montante do imposto exigível: €6.327,67; 2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00 Eur.; 3. Valor da prestação tributária em falta: €6.327,67; 4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2014/06/11; 5. Período a que respeita a infracção: 2014/04; os quais se dão como provados.
Normas Infringidas e Punitivas
Os Factos relatados constituem violação dos artigos abaixo indicados, punidos pelos artigos do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação.
Normas Infringidas: artigo 27.º, n.º 1 e 41.º n.º 1 alínea a) do CIVA – Falta de pagamento do imposto.
Normas Punitivas: Artigo 114 n.º 2, n.º 5 a) e 26.º, n.º 4 do RGIT – Falta entrega prst. Tributária dentro prazo.
Período Tributação: 201404
Data infracção: 2014-06-11
Coima fixada: 2.197,27.
Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do arguido deriva do artigo 7.º do Dec-Lei n.º 433/82 de 27/10, aplicável por força do art. 3.º do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pela arguida e como autora material da contra-ordenação identificada supra.
Medida da coima
Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da contra-ordenação praticada, para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (art.º 27.º do RGIT):
Requisitos/Contribuintes
Actos de Ocultação Não
Benefício económico 0,00
Frequência da prática Frequente
Negligência Simples
Obrigação de não cometer infracção Não
Situação Económica e Financeira Desconhecida
Tempo decorrido desde a prática da infracção < 3 meses.
Despacho:
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no artigo 79.º do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 2.197,27 cominada nos artigos 114º, nº 2, nº 5 a) e 26 nº 4, do RGIT, com respeito pelos limites do Art. 26 do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas nos termos do n.º 2 do Dec. Lei n.º 29/98 de 11 de Fevereiro.
d) A arguida não entregou nos cofres do Estado a quantia relativa a IVA respeitante ao período 2014/04, no montante de €6.327,66 – citada decisão e facto admitido por acordo das partes.
e) A arguida foi regularmente notificada para proceder ao pagamento da coima, identificada nas alíneas antecedentes, tendo apresentado o presente recurso a 18/11/2014 – documento de notificação de fls. 25 dos autos e articulado de fls. 13 e segs. dos autos, donde consta o respectivo carimbo de recepção, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
f) À ora recorrente foram aplicadas coimas, por decisões administrativas proferidas em 2013 e 2014, por factos idênticos aos referidos em b) e c), relativamente aos períodos 201407 (Recurso de C.O. n.º 851/15.1BELRS) e 12/2012 (Recurso de C.O. n.º 1188/13.6) – Consulta do SITAF, relativamente aos processos de Contra-Ordenação n.ºs 851/15.1 e 1188/13.6, que nos estão distribuídos.

6 – Apreciando.
6.1. Do alegado erro de julgamento da decisão recorrida
Perante requerimento da sociedade recorrente pedindo a apensação aos autos de vários processos de contra-ordenação pendentes no Tribunal ou ainda no Serviço de Finanças, alegadamente todos eles pela prática da mesma infracção e que, na sua perspectiva, atento o condicionalismo que rodeou a prática continuada das alegadas acções ilícitas, constituiria “infracção continuada”, a decisão recorrida, concedendo provimento do recurso, anulou a decisão administrativa de aplicação da coima e determinou a remessa dos autos à Administração Fiscal para que esta proceda à devida apreciação da conduta da ora recorrente, de modo integrado com os restantes processos contra-ordenacionais identificados nos artigos 7.º e 8.º do requerimento antecedente, levando em consideração o quadro jurídico de referência conforme explicitado (cfr. fls. 13 da decisão recorrida).
Insurge-se contra o decidido a Autoridade Tributária, imputando-lhe erro de julgamento, por violação designadamente dos normativos constantes dos artigos 19.º do RGCO e 30.º, 12.º e 79.º do Código Penal e art.º 25.º do RGIT, alegando, em síntese, e se bem o entendemos, que estando em causa IVA a figura da infracção continuada não logra aplicação pois que trata-se de um imposto que é devido de cada vez que é realizada uma operação tributável, pelo que estamos perante um imposto de obrigação única, resultante de eventos que mesmo que se repitam, são tratados tributariamente como factos autónomos ou instantâneos, porque não se verifica um dos pressupostos da infracção continuada, a saber a persistência de uma situação exterior ao infractor que facilita a resolução criminosa e diminui consideravelmente a sua culpa e porque o artigo 25.º do RGIT, ao determinar que as sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre objecto de cúmulo material, se afigura incompatível com a punição por contra-ordenação continuada.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA no seu parecer junto aos autos e supra transcrito pronuncia-se no sentido de que o recurso não merece provimento, pois que nem a natureza do imposto, nem o disposto no artigo 25.º do RGIT obstam, em abstracto, à aplicação da figura da contra-ordenação continuada no domínio tributário, verificados que sejam os respectivos pressupostos estabelecidos no artigo 30.º, n.º 2 do Código Penal, subsidiariamente aplicável e salientando que o tribunal tributário não ordenou à autoridade tributária a aplicação imperativa do regime da infracção continuada; limitou-se a determinar que, após a apensação de todos os processos pendentes, fosse averiguada a verificação do preenchimento dos pressupostos de uma determinação psicológica semelhante no cometimento de cada uma das infracções e a existência de um mesmo quadro externo que diminua consideravelmente a culpa do agente (sentença fls. 12/13 paginação própria).
Acompanhamos inteiramente o parecer do Ministério Público junto deste STA na interpretação que faz da decisão recorrida, que, aliás, nem sequer parece comportar outra.
Em lado algum se descortina na decisão sindicada que, in casu, se verificam ou deixam de verificar os pressupostos legais da figura da continuação criminosa prevista no n.º 2 do artigo 30.º do Código Penal. Apenas se determina que o Serviço de Finanças, perante a multiplicidade de processos semelhantes em que figura como arguida a recorrente, apure dessa eventual possibilidade que, nem a natureza do imposto não entregue (IVA), nem o disposto do artigo 25.º do RGIT, in limine exclui.
Também nós perfilhamos tal entendimento, que a doutrina e jurisprudência citadas na decisão recorrida e no parecer do Ministério Público sustentam.
O artigo 25.º do RGIT trata da punição do concurso efectivo de contra-ordenações e a sua aplicação pressupõe, logicamente, que tenham sido efectivamente cometidas várias contra-ordenações. Ora, na infracção continuada, verificados os respectivos pressupostos, há uma unificação (legal) de uma pluralidade de condutas, que constituem uma só infracção, e não infracções em concurso. Para a punição do concurso efectivo de contra-ordenações, o RGIT prevê expressamente norma especial, que se afasta da que vigora do domínio do RGCO. Sobre a figura da infracção continuada nada diz, sendo esta aplicável por via da aplicação subsidiária do Código Penal, verificados que seja, in casu, os respectivos pressupostos.
Também não surge evidente, nem a recorrente minimamente demonstra, que o facto de em causa estar o não pagamento atempado do IVA, um imposto de obrigação única, exclua em abstracto a possibilidade de se terem como preenchidos os pressupostos da “continuação criminosa”, a saber e concretamente a verificação de uma determinação psicológica semelhante no cometimento de cada uma das infracções e a existência de um mesmo quadro externo que diminua consideravelmente a culpa do agente. A verificação, ou não, de tais pressupostos terá de ser feita caso a caso, em concreto, e não em abstracto, fundada apenas do facto de em causa estar um imposto de determinada espécie.
Acresce finalmente que, como bem diz a decisão recorrida, citando jurisprudência deste STA, ninguém melhor que a AT se encontra em condições de verificar, prima facie, se estão ou não preenchidos os pressupostos legais da infracção continuada e daí retirar as necessárias consequências, sendo esse o caso, ou, não sendo, e verificando haver in casu um efectivo concurso de contra-ordenações, proceder à respectiva punição através da aplicação de uma coima única, resultante do cúmulo material das sanções aplicadas às várias contra-ordenações em concurso, como prescreve o artigo 25.º do RGIT.

O decidido não merece, pois, censura, estando o recurso votado ao insucesso.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 31 de Maio de 2017. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro Delgado – Dulce Neto.