Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0370/08.2BELRS-R1
Data do Acordão:12/12/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23938
Nº do Documento:SA2201812120370/08
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......., BV
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
*
1.1. A Representante da Fazenda Pública reclamou, no Tribunal Tributário de Lisboa, nos termos do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17/04, das notas discriminativas e justificativas das custas de parte, no montante de € 841,50€ e € 36 577,93.
*
1.2. Aquele Tribunal, por despacho de 03/05/2018, entendeu que a reclamação apresentada, em 18-12-2017, da primeira nota era intempestiva pelo que julgou a reclamação apresentada procedente.
O mesmo despacho entendeu que a reclamação apresentada, em 09-02-2018, da segunda nota foi tempestivamente apresentada pelo que julgou a reclamação apresentada improcedente.
*
1.3. Pelo requerimento de fls. 8 arguiu a FP a nulidade do referido despacho no que respeita a esta última reclamação.
Entendeu o despacho de fls. 6 e V não conhecer de tal nulidade uma vez que da referida decisão, proferida sobre a segunda reclamação, cabia recurso e que tal nulidade só podia ser invocadas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso.
*
1.4. O mesmo despacho de fls. 6 e 7 entendeu não admitir o requerimento de interposição de recurso uma vez que o mesmo não vinha acompanhado das alegações.
*
1.5. É deste despacho que vem interposta a presente reclamação com a seguinte fundamentação:
«1.º Foi a Fazenda Pública notificada do despacho proferido pelo Tribunal a quo que entendeu que “(…) nos termos das disposições legais citadas, indefiro o requerimento de interposição de recurso”.
2.º Sendo que alega o Tribunal “a quo” que “(…) o requerimento de interposição de recurso deve conter as alegações (…)”, por aplicação do art. 285.º do CPPT que tem como epígrafe “Recursos dos despachos interlocutórios na impugnação”.
Ora, entende a recorrente que, “in casu”, se verificou erro na determinação da norma a aplicar.
Senão Vejamos:
3.º Dispõe o artigo 285.º do CPPT sob a epígrafe “Recursos dos despachos interlocutórios na impugnação” que:
“1 – Os despachos do juiz no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal podem ser impugnados no prazo de 10 dias, mediante requerimento contendo as respetivas alegações e conclusões, o qual subirá nos autos com o recurso interposto da decisão final.
2 – O disposto no número anterior não se aplica se a não subida imediata do recurso comprometer o seu efeito útil e quando o recurso não respeitar ao objeto do processo, incluindo o indeferimento de impedimentos opostos pelas partes, caso em que deve ser igualmente apresentado no prazo de 10 dias, por meio de requerimento contendo as respetivas alegações e conclusões.
3 – Em caso de acumulação de impugnação do despacho interlocutório com fundamento em matéria de facto e de direito da impugnação judicial da decisão final com fundamento exclusivamente em matéria de direito, o recurso do despacho interlocutório é processado em separado.”
4.º Ora, a decisão da qual a RFP pretendia recorrer, consiste num despacho que decidiu a reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, não tendo a natureza de “despacho interlocutório”.
5.º Os despachos interlocutórios são proferidos antes da decisão final de fundo, tendo, por isso, “carácter meramente instrumental relativamente à decisão final”.
6.º A decisão da qual a RFP pretendia recorrer não consubstancia um despacho interlocutório, nem tem carácter meramente instrumental, sendo antes um despacho/decisão final que conhece da questão de fundo suscitada na reclamação apresentada pela FP contra a nota discriminativa e justificativa elaborada pela impugnante.
7.º Estabeleceu o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 06606/13, de 25-06-2013 o seguinte:
“Sumário: (…)
2. Os despachos interlocutórios são todos proferidos no processo antes da decisão final e que visam a preparação da mesma. E recorde-se que o processo deve ser visto como uma sequência ordenada de actos pré-determinados para a realização do direito pretendido fazer valer através da acção interposta. E tais despachos interlocutórios, uma vez proferidos e não atacados através de recurso, formam caso julgado formal nos termos do art.º 672, n.º 1, do C.P.Civil, tendo força obrigatória dentro do processo.
Nos restantes casos terá aplicação o disposto no art. 282º do CPPT que prevê que a interposição do recurso se faz por meio de requerimento em que se declara a intenção de recorrer, sendo posteriormente o recorrente notificado do despacho de admissão de recurso, dispondo de um prazo de 15 dias para apresentar as alegações (n.º 3 do art. 282º do CPPT)”.
8.º Não se tratando de despacho interlocutório (nem se tratando de processo urgente nos termos do art. 283º do CPPT), as alegações não tinham de acompanhar desde logo o requerimento de interposição de recurso.
9.º Tendo pois aplicação do art. 282º do CPPT que fixa as regras gerais relativas à interposição de recurso.
10.º Assim, incorreu o Tribunal “a quo” em erro quanto à norma aplicável, pois que, “in casu”, tem aplicação o disposto no art. 282º e não o art. 285º do CPPT, motivo pelo qual o recurso apresentado pela ora reclamante é legalmente admissível, o que se requer que seja determinado por este Venerando Tribunal.
11.º Mais se requer que a presente reclamação seja instruída, nos termos do disposto no art. 643º n.º 3 do CPC com o requerimento de interposição de recurso, a decisão recorrida e o despacho objecto de reclamação, bem como o articulado de arguição de nulidade apresentado na mesma data que o requerimento de interposição de recurso (também indeferido na decisão reclamada).
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis … deverá a presente reclamação ser recebida e, em consequência ser revogado o despacho que não admitiu o recurso e substituído por outro que admita, por tempestivo e legalmente admissível, o recurso apresentado a este Venerando Tribunal.
Assim se fazendo a tão costumada Justiça.».
*
1.6. Sem vistos, cabe decidir.
*
2. O Despacho recorrido tem, na parte relevante, o seguinte teor:
«I

II
A Representante da Fazenda Pública veio, pelo requerimento de 17/05/2018, interpor recurso do despacho de 03/05/2015, que decidiu a reclamação da nota justificativa das custas de parte.
Para a apreciação do requerimento de interposição de recurso importa considerar as seguintes ocorrências processuais:
A) Por despacho de 03/05/2018, foi indeferida a reclamação da nota justificativa apresentada em 09/02/2018, pela Representante da Fazenda Pública.
B) Por carta de 04/05/2018 foi o despacho a que se refere a alínea anterior notificado eletronicamente à Impugnante.
C) Em 17/05/2018, foi apresentado o requerimento de interposição de recurso.
D) Com o requerimento a que se refere a antecedente alínea não foram apresentadas as alegações de recurso.

Por força do disposto no artigo 285.º, n.º 1, do C.P.P.T., os despachos do juiz no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal podem ser impugnados no prazo de 10 dias, mediante requerimento contendo as respetivas alegações e conclusões.
Em anotação ao artigo 285º, escreve SOUSA, Jorge Lopes, in Código do Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume IV, 6.ª edição, 2011, págs. 494-495:
«d) Despachos proferidos depois da decisão final
Não é tão claro, porém, se é de aplicar também tal regime a despachos proferidos depois da decisão final.
Por um lado, não será decisivo para afastar tal aplicação a referência a «despachos interlocutórios» contida na epígrafe do artigo, pois esta expressão não é reproduzida no texto do n.º 2, nem no do n.º 1, para que este remete.
Por outro lado, o n.º 2 deste artigo, ao prever a interposição do recurso em requerimento contendo as alegações e conclusões também em casos em que o recurso não respeita ao objeto do processo (e em que, portanto, não estão em causa preocupações de celeridade relacionadas com a eventual invalidação da decisão final que poderá derivar do provimento do recurso do despacho) conduz à conclusão de que o regime especial de interposição de recurso e apresentação de alegações, mais célere que o previsto nos arts. 280.º e 282.º se justifica pela normal simplicidade das questões, de natureza processual, que são discutidas nos recursos desses despachos.
Sendo assim, tal regime deverá aplicar-se também aos recursos jurisdicionais interpostos de quaisquer decisões sobre questões processuais que se suscitem antes da decisão final sem relevância para esta decisão, para além das que se suscitem depois de proferida a decisão final, mas antes do seu trânsito (como, por exemplo, atinentes à deserção ou não de recurso que tenha sido interposto) e também a recursos de despachos proferidos depois do trânsito em julgado (em que, por exemplo, se apreciem pedidos de reforma da conta).
O regime de subida destes recursos que não têm a ver com o objeto do processo resulta diretamente do n.º 2 do art. 285°, de cuja parte final se concluí que há recurso autónomo (independente do recurso da decisão final) e sem a subida diferida que se prevê no n.º 1, o que supõe a sua subida imediata.»
Assim, o requerimento de interposição de recurso deve conter as alegações.
Porém, o requerimento de interposição de recurso não contem as alegações, nem as mesmas foram apresentadas no prazo de interposição de recurso.
Termos em que não pode ser deferido o requerimento de interposição de recurso,
Assim, nos termos das disposições legais citadas, indefiro o requerimento de interposição de recurso.
Custas do incidente a cargo da Fazenda Pública, com taxa de justiça que fixo no mínimo legal.
Notifique.».
*
3.1. Entendeu a decisão recorrida que o recurso interposto de despacho que indeferiu reclamação da nota discriminativa e justificativa em que foi solicitado o montante de € 36 577,93 a título de compensação com as despesas de honorários do mandatário deve, nos termos do artigo 285º do CPPT, ser acompanhado das alegações.
Diversamente entende a reclamante FP que as alegações podiam ser apresentadas, nos termos do artigo 282º 3 do CPPT, no prazo de 15 dias após a notificação ao recorrente do despacho que admite o recurso.
É incontroverso que o requerimento de interposição de recurso não foi acompanhado das alegações.
É, por isso, questão que importa apreciar e resolver a de saber se o requerimento de interposição de recurso deve ou não ser acompanhado das alegações.
*
3.2. Invoca a reclamante FP, em apoio da sua tese, o acórdão do TCAS de 25-06-2013, proc. 06606/13.
Neste acórdão afirmou-se que o despacho identificado no nº.3 do probatório do presente recurso deve considerar-se um despacho de natureza interlocutória.
Consta do referido nº 3 que, em 16/1/2013, no âmbito do processo de impugnação … a Mmª. Juíza …, exarou despacho através do qual indeferiu a diligência probatória de requisição de informações solicitada pela ora recorrente e identificada no nº.2, dado considerar desnecessária e sem relevo para o exame e decisão da causa a mesma diligência.
Referiu o mesmo acórdão que os despachos interlocutórios são todos os proferidos no processo antes da decisão final e que visam a preparação da mesma devendo o processo ser visto como uma sequência ordenada de atos pré-determinados para a realização do direito pretendido fazer valer através da ação interposta.
Acrescentou, ainda, o acórdão referido que tratando-se de despacho interlocutório, o regime normal de subida do respetivo recurso é o da subida diferida, só assim não sucedendo se se verificar a exceção prevista no artº.285, nº. 2, do C.P.P.T., isto é, se a não subida imediata do recurso comprometer o seu efeito útil.
O acórdão referido entendeu que o recurso interposto de despacho, proferido antes da decisão final, que indeferiu diligência probatória de requisição de informações, porque interlocutório segue os termos indicados pelo referido artigo 282º do CPPT.
No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do STA de 29/10/2008, proc. 0511/2008, citado naquele acórdão do TCAS.
Estava em causa, igualmente, um despacho interlocutório, e não uma decisão final, que julgou expressamente revogado o mandato conferido pela recorrente.
Entendeu, por isso, este acórdão que o regime de interposição de recurso de despachos interlocutórios, anteriores à decisão final impõe que o requerimento de interposição de recurso tem de conter alegações e conclusões.
Acrescentou que os despachos interlocutórios se definem como aqueles que são proferidos no decorrer do processo antes da sentença, servindo esta para o juiz decidir a causa principal ou algum incidente com a estrutura de uma causa (artigo 156º, n.º 2 do CPC – atual 152º 2 do novo CPC). Afirmou, ainda, que a aludida decisão reveste a natureza de despacho interlocutório.
Concluíram aquele e este acórdão que o requerimento de interposição de recurso de despacho interlocutório, anterior à decisão final, deve incluir as alegações e conclusões, nos termos do artigo 285º 1 do CPPT.
*
3.3. É diversa, contudo, a situação dos presentes autos em que o despacho em apreciação é posterior à decisão final não sendo, por isso, como sustenta a FP, um despacho interlocutório.
Contudo o referido artigo 285º do CPPT não é apenas aplicável aos despachos interlocutórios, como parece pretender a recorrente FP.
É certo que a epígrafe deste preceito legal contém essa expressão “despachos interlocutórios” apesar de a mesma não constar nos diversos nºs do mesmo artigo.
Sustenta a reclamante FP (conclusões 4ª, 5ª e 6ª) que a decisão da qual pretende recorrer, consiste num despacho que decidiu a reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, não tendo a natureza de “despacho interlocutório” uma vez que os despachos interlocutórios são proferidos antes da decisão final de fundo, tendo, por isso, “carácter meramente instrumental relativamente à decisão final” e a referida decisão não consubstancia um despacho interlocutório, nem tem carácter meramente instrumental, sendo antes um despacho/decisão final que conhece da questão de fundo, suscitada na reclamação apresentada pela FP, contra a nota discriminativa e justificativa elaborada pela impugnante.
Não se acompanha a FP quando afirma que estamos perante um despacho/decisão final que conhece da questão de fundo pois que não foi este o objeto da lide.
Como a recorrente FP refere estamos perante uma reclamação apresentada pela FP, contra a nota discriminativa e justificativa elaborada pela impugnante.
Entende-se que o artigo 282º do CPPT estabelece a forma de interposição do recurso e as correspondentes regras gerais e que o artigo 285º do mesmo CPPT estabelece o quadro normativo referente aos despachos proferidos no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal o que se justifica pela normal simplicidade das questões, de natureza processual, que são discutidas nos recursos desses despachos, quer nos proferidos antes, quer após a decisão final.
Entende-se, por isso, que é de confirmar a decisão recorrida acompanhando-se o entendimento doutrinal em que a mesma se fundamentou.
Com efeito nesta se escreveu o seguinte:
“Em anotação ao artigo 285º, escreve SOUSA, Jorge Lopes, in Código do Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume IV, 6.ª edição, 2011, págs. 494-495:
«d) Despachos proferidos depois da decisão final
Não é tão claro, porém, se é de aplicar também tal regime a despachos proferidos depois da decisão final.
Por um lado, não será decisivo para afastar tal aplicação a referência a «despachos interlocutórios» contida na epígrafe do artigo, pois esta expressão não é reproduzida no texto do n.º 2, nem no do n.º 1, para que este remete.
Por outro lado, o n.º 2 deste artigo, ao prever a interposição do recurso em requerimento contendo as alegações e conclusões também em casos em que o recurso não respeita ao objeto do processo (e em que, portanto, não estão em causa preocupações de celeridade relacionadas com a eventual invalidação da decisão final que poderá derivar do provimento do recurso do despacho) conduz à conclusão de que o regime especial de interposição de recurso e apresentação de alegações, mais célere que o previsto nos arts. 280.º e 282.º se justifica pela normal simplicidade das questões, de natureza processual, que são discutidas nos recursos desses despachos.
Sendo assim, tal regime deverá aplicar-se também aos recursos jurisdicionais interpostos de quaisquer decisões sobre questões processuais que se suscitem antes da decisão final sem relevância para esta decisão, para além das que se suscitem depois de proferida a decisão final, mas antes do seu trânsito (como, por exemplo, atinentes à deserção ou não de recurso que tenha sido interposto) e também a recursos de despachos proferidos depois do trânsito em julgado (em que, por exemplo, se apreciem pedidos de reforma da conta).
O regime de subida destes recursos que não têm a ver com o objeto do processo resulta diretamente do n.º 2 do art. 285°, de cuja parte final se concluí que há recurso autónomo (independente do recurso da decisão final) e sem a subida diferida que se prevê no n.º 1, o que supõe a sua subida imediata.”.
Assim sendo o requerimento de interposição de recurso referido devia conter as alegações.
É, por isso, de confirmar a decisão recorrida.
*
Por força do disposto no artigo 285.º, n.º 1, do C.P.P.T., os despachos do juiz no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal devem ser impugnados, no prazo de 10 dias, mediante requerimento contendo as respetivas alegações e conclusões.
*
4. Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em indeferir a presente reclamação e confirmar o despacho reclamado.
Custas pela recorrente FP que se fixam em 2UC.

Lisboa, 12 de dezembro de 2018. – António Pimpão (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.