Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01079/12
Data do Acordão:02/27/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:IVA
INVERSÃO DO SUJEITO PASSIVO
DUPLICAÇÃO DE COLECTA
Sumário:I – Por aplicação das regras gerais, o prestador de serviços é o sujeito passivo de IVA, mas nas denominadas situações reversão da dívida tributária ou inversão da sujeição ou do sujeito passivo (reverse charge) o adquirente dos serviços ou dos bens torna-se o sujeito passivo do imposto pela respectiva aquisição, devendo proceder, em conformidade, à liquidação do imposto, sendo-lhe atribuído o direito à dedução do IVA pago pela aquisição dos serviços.
II – A duplicação da colecta, prevista no art. 205º do CPPT, resulta da aplicação do mesmo preceito legal mais do que uma vez ao mesmo facto tributário ou situação tributária concreta, sendo que a não exigência de segundo pagamento, a que a invocação da duplicação de colecta se reconduz, apenas se pode justificar se o primeiro era devido, pois, se não o foi, o que foi pago poderá ser ulteriormente reembolsado, através dos meios adequados de impugnação e revisão do acto tributário e, numa situação desse tipo, não se justifica que se prescinda do segundo pagamento, que é efectivamente devido.
Nº Convencional:JSTA00068148
Nº do Documento:SA22013022701079
Data de Entrada:10/16/2012
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IVA
Legislação Nacional:CIVA08 ART26 ART19 N1 A
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I - RELATÓRIO

1. A…………….., Lda., identificada nos autos, na sequência de indeferimento de reclamação graciosa sobre a liquidação adicional do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), juros compensatórios e consequente coima, deduziu impugnação judicial no TAF de Leiria, que decidiu julgar a impugnação improcedente.

2. Inconformada com tal decisão, a recorrente veio interpor recurso para este STA, apresentando as seguintes Conclusões das suas Alegações:
“1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente a impugnação da liquidação adicional de IVA nº. 08086532, referente ao 2º trimestre de 2007, no montante de € 3.691,80 acrescida de 112,88 de juros.
2. Face à factualidade provada (e aos elementos documentais que constam dos autos), o que está no âmbito do presente recurso consiste, muito resumidamente em saber se:
a) a Apelante tem direito a dedução do imposto liquidado e já entregue nos cofres do Estado pelo prestador de serviços
b) e se, ao impedir o direito a dedução do imposto, existe ilegalidade da liquidação, por duplicação da colecta.
3. A Apelante suportou o IVA constante das facturas emitidas pela prestadora de serviços B…………, Lda que por seu turno entregou ao Estado o IVA liquidado à Apelante conforme imposto pelo art. 26º do CIVA.
4. Posteriormente por força de uma acção inspectiva levada conduz da pela AT, a Apelante foi impedida de deduzir o IVA suportado a montante (posto que o IVA havia sido indevidamente liquidado pela prestadora de serviços por força do regime de inversão dos sujeitos passivos nas aquisições de serviços de construção civil).
5. Verifica-se no entanto que estão reunidos todos os requisitos, objectivos e subjectivos, de que depende o exercício ao direito a dedução do imposto pelo que a Apelante tem direito a deduzir o imposto suportado a montante – cf. art. 19° do CIVA, na redacção vigente à data dos factos. Tanto mais que esse IVA deu entrada nos cofres do Estado!
6. A liquidação sub judice é ilegal por violação do art. 19º do CIVA.
7. A sentença recorrida, ao entender que a liquidação em causa não enferma de qualquer vício fez uma errada interpretação do disposto no art. 19º do CIVA.
8. Por outro lado, caso assim não se entenda o que só por mera cautela de patrocínio se admite, a liquidação em causa seria sempre ilegal por duplicação da colecta – cf. Art. 97º e 205º do CPPT, vício este também rejeitado pelo Tribunal a quo.
9. De facto ao exigir que a Apelante proceda ao pagamento adicional de IVA (em montante superior ao devido) por força da exclusão do direito a dedução do imposto suportado a montante, através do método subtractivo indirecto, equivale a que o mesmo facto tributário (prestação de serviços de construção civil) dê origem a duas obrigações de proceder ao pagamento do mesmo imposto: por um lado a obrigação do prestador entregar ao Estado o IVA liquidado e, por outro, a obrigação da Apelante pagar imposto (IVA) em montante superior ao devido, o que configura uma situação de duplicação da colecta, com o consequente enriquecimento ilegítimo do Estado.
10. Pelo exposto, a sentença recorrida não aplicou, correctamente, o disposto no art. 19º do CIVA (na redacção vigente a data dos factos) e fez errada interpretação do disposto no art. 205.º do CPPT.
11. Deve, assim, a decisão recorrida ser revogada.
NESTES TERMOS e nos melhores de direito aplicáveis deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, com o que se fará a costumada JUSTIÇA!”

3. Não houve contra-alegações.

4. O Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu douto Parecer onde se pode ler, entre o mais, que “o recurso não merece provimento, pelas razões aduzidas no parecer do MP junto da 1ª instância a fls. 177, e pela sentença recorrida, que se subscrevem”.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTOS


1- DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos, com interesse para a presente decisão:
“1) A “A…………. Lda”, NIPC e matricula ……….., com sede na R. ……………. n° …….., Samora Correia, Benavente, é uma sociedade que exerce actividade “C.A.E.56304” (fls. 36, 60 a 64, da RG anexa) — outros estabelecimentos de bebidas sem espectáculo, no regime trimestral de IVA;
2) A “B………….., Lda”, NIPC …………., com sede no ………….. Centro, Loja ………, …….. Piso, Vila Franca de Xira, é uma sociedade que exerce actividade ‘C.A.E.41200”- construção de edifícios (fls. 111, da RG anexa);
3) Em 15/07/2007, a Impugnante apresentou a declaração de IVA referente ao período de 07/06T, segundo trimestre de 2007, da qual resultou um imposto a seu favor no montante de € 11.802,57, solicitando o reembolso do imposto apurado;
4) Em 12/8/2008, após prestação de garantia bancária, a DSRIVA devolveu à Impugnante o montante de € 11.268,81 —doc. n° 5, fls. 66 e 107-115;
5) De 08/05/2008 a 23/05/2008, a administração tributária (AT) levou a cabo a acção inspectiva (inspecção) interna, credenciada no DI/20080/1 027, na sequência do pedido de reembolso de IVA do período 0712T — fls. 58-60, 64-73 e 109-10 e 120 da RG);
6) A “B…………, Lda”, NIPC …………., supra referida, no âmbito da sua actividade, prestou serviços à impugnante, conforme os orçamentos 20/007 e 23/007 e as facturas que emitiu, e que a impugnante pagou, como se segue:
a) Em 17/5/007 pagou a factura 13, de 17/5/007, de 14.181,20€, do orçamento 20/2007 - fls. 11-16 e 29-30, 67-72, da RG;
b) Em 18/6/007 pagou a factura 15, de 18/6/007, de 5.140,93€, do orçamento 23/2007 - fls. 31-32 e 67-72, 78-85, da RG;
c) Em 18/6/007 pagou a factura 16, de 18/6/2007 de 1.949,67€ do alarme e segurança - fls. 33-34, 67-72, da RG;
7) As facturas 13, 15 e 16, acabadas de referir não contêm menção de «IVA devido pelo adquirente”;
8) Com o pagamento das facturas no montante total de 21.271,80€, a impugnante suportou o IVA liquidado pelo prestador de serviços, “B…………, Lda”, no montante total de 3.691,80€;
9) E procedeu à dedução do valor do imposto pago na declaração apresentada em 15/7/2007, [al. a) do n° 1 do art° 19° do CIVA];
10) O prestador de serviços “B…………., Lda”, entregou ao Estado o IVA liquidado à Impugnante, constante das facturas 13, 15 e 16, acima referidas;
11) Em 15/02/2008, a impugnante apresentou à AT o pedido de reembolso do IVA;
12) Em 21/05/008, para corrigir a declaração inicial (de 15/07/2007), a Impugnante apresentou declarações de substituição (Modelo C), para o período 06/07T;
13) Na sequência do pedido de reembolso do IVA, de 15/02/2008, e da referida inspecção de 08/05/2008 a 23/05/2008, a AT procedeu à liquidação adicional impugnada, de IVA, n° 08086532, período 0706T, de 3.691,80€, de 11/06/008, (do 2° trimestre de 2007) e 112,88€ de juros, e condenou a impugnante na coima de 762,36€ — doc. 1, fls. 14,73 e 74 e 107/ss;
14) Inicialmente, para o 2° trimestre de 2007 a impugnante apresentou 2 declarações periódicas de IVA, ambas em prazo, prevalecendo a última, onde se apurou imposto a favor do sujeito passivo no valor de 11.820,57€ (Doc. 1);
15) Parte desse montante (5.470,13€) foi usado como “Regularização a Crédito” no apuramento do IVA do 3° trimestre de 2007; e o restante (€ 6.350,44) foi integrado no valor do pedido de reembolso acima referido, deferido pela DGCI (Doc. 2 e fls. 60, da RG);
16) Não tendo pago, a AT instaurou, contra a impugnante, processo de execução fiscal (PEF), e esta deduziu a oposição judicial, que tomou o n° 1522/08.0 BELRA (Doc. 2, p.i., fls. 15 e 107/ss) e foi decidida por sentença 13/10/2009, com absolvição da instância — doc. 3, fls. 41/ss;
17) A impugnante deduziu reclamação graciosa (RG) contra a liquidação de IVA agora impugnada, com fundamentos idênticos aos presentes, a qual foi indeferida em 27/04/010 - doc 2, fls. 15, 16-40 e fls. 116-165 da RG;
18) Em 18/11/2009, a Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação, acrescida de juros, no montante total de 4.129,51€ — doc. 4, fls. 65;
19) A presente impugnação foi processada em juízo em 07/06/2010, cfr. fls. 1.”

2. DE DIREIRO

2.1. Das questões a apreciar e decidir

Como resulta do probatório, a recorrente adquiriu serviços de construção civil à “B………… Lda” tendo pago as facturas correspondentes e suportado o pagamento do IVA, no montante de € 3.691,80, liquidado pela prestadora dos serviços que, por sua vez, o entregou ao Estado, em conformidade com o disposto no art. 26º do CIVA.
No decurso de acção inspectiva, a Administração Tributária considerou que a recorrente havia incorrido em ilegalidade ao deduzir o IVA suportado a montante, uma vez que o imposto havia sido indevidamente liquidado pela prestadora de serviços, por força do regime de inversão dos sujeitos passivos nas aquisições de serviços de construção civil.
Notificada da liquidação adicional de IVA, processada sob o nº 08086532, referente ao período 0706T, no montante de € 3.691,80, datada de 11 de Junho, de 2008, respectivos juros compensatórios e demais encargos legais, incluindo a aplicação de coima, a recorrente deduziu reclamação graciosa que, sendo indeferida, foi objecto de impugnação judicial, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.
Por sentença proferida, em 30 de Maio de 2012, foi a impugnação julgada improcedente, no entendimento de que, enquadrando-se os factos numa situação de inversão do sujeito passivo (reverse change), a recorrente estava obrigada a proceder à liquidação do IVA devido, independentemente do prestador dos serviços ter procedido, indevidamente, à liquidação do mesmo IVA, que entregou nos competentes serviços do Estado.
Por outro lado, ponderou-se, ainda, na sentença recorrida, que:
· “(…) A impugnante pretende a correcção da liquidação oficiosa de IVA, entendendo que o Estado está a receber o IVA em duplicado, por ter pago o IVA ao prestador de serviços e agora pretendê-lo através da liquidação oficiosa. Tanto mais que, em seu entender, a AT deve resolver as questões, relativas a liquidações iniciadas, ao seu alcance, apurada que está a verdade, e não imputar essa resolução ao contribuinte.
· “(…) no caso que nos ocupa, há, desde logo, uma particularidade que excede aquele raciocínio. É que a AT não recebeu o IVA duas vezes da impugnante, mas sim uma da “B…………., Lda” e, pela liquidação adicional, da impugnante. Ora, tendo a AT recebido indevidamente da “B…………. Lda”, só esta pode regularizar a situação, nos termos, nomeadamente do artigo 78-3, CIVA, como refere o EMMP, devolvendo depois à impugnante o IVA que indevidamente lhe cobrou.
· “(…) A impugnante, no caso presente, sempre seria o sujeito passivo do IVA, como adiante melhor veremos, e não o prestador de serviços, “B………….., Lda”, dada inversão dos sujeitos. E como incorrecta é apenas a situação tributária do prestador de serviços, “B…………, Lda”, é este e não a impugnante que pode regularizar a situação.
· A situação tributária da impugnante já está regularizada pela liquidação adicional. A prestadora do serviço, “B………… Lda”, facturou erradamente o IVA nas referidas facturas 13, 15 e 16, e levou a impugnante a pagar-lhe esse IVA facturado. A AT não recebeu indevidamente, nem duas vezes, da impugnante, como se disse, mas sim recebeu indevidamente da “B………… Lda”, e só esta tem a regularizar a situação.
· “(…) Interposta a RG e a presente impugnação, e em face do já acima expendido, não se verificam os pressupostos que fundamentem a anulação da liquidação adicional de IVA impugnada.
· Estando regularizada a situação da liquidação em causa, na relação entre a impugnante e a AT, não pode este tribunal interferir na relação jurídica entre a impugnante e a prestadora de serviços referida, pois ou é matéria a resolver entre ambas, pela regularização da situação dessa prestadora com a AT e posterior devolução à impugnante, ou forçadamente, através da competente acção cível, como refere o douto e esclarecido parecer do EMMP, e não neste tribunal, para que lhe retribua o que lhe cobrou indevidamente”.
Contra este entendimento, vem o presente recurso, argumentando a recorrente que:
· “(…) a Apelante tem direito a dedução do imposto liquidado e já entregue nos cofres do Estado pelo prestador de serviços.
· “(…) e se, ao impedir o direito a dedução do imposto, existe ilegalidade da liquidação, por duplicação da colecta.
· “(…) A Apelante suportou o IVA constante das facturas emitidas pela prestadora de serviços B…………., Lda que por seu turno entregou ao Estado o IVA liquidado à Apelante conforme imposto pelo art. 26º do CIVA.
· “(…) Verifica-se no entanto que estão reunidos todos os requisitos, objectivos e subjectivos, de que depende o exercício ao direito a dedução do imposto pelo que a Apelante tem direito a deduzir o imposto suportado a montante – cf. art. 19° do CIVA, na redacção vigente à data dos factos. Tanto mais que esse IVA deu entrada nos cofres do Estado!
· “(…) A liquidação sub judice é ilegal por violação do art. 19º do CIVA.
· “(…) Por outro lado, caso assim não se entenda o que só por mera cautela de patrocínio se admite, a liquidação em causa seria sempre ilegal por duplicação da colecta – cf. Art. 97º e 205º do CPPT, vício este também rejeitado pelo Tribunal a quo”.
Em face das conclusões, que delimitam o âmbito e o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684º/3 e 685.º-A do CPC, a questão central a decidir traduz-se em saber se o Mmº Juiz “a quo” incorreu em erro ao julgar a liquidação adicional legal e, nessa sequência, improcedente a impugnação judicial.


3. Da análise do alegado erro de julgamento

3.1. Quanto à legalidade da liquidação em resultado da aplicação da regra de inversão dos sujeitos passivos

As regras de incidência subjectiva do art. 2º do IVA indicam-nos que são sujeitos passivos, as pessoas singulares ou colectivas que exerçam as actividades elencadas no referido preceito. E, no caso em apreço, por aplicação das regras gerais, o prestador de serviços seria sujeito passivo de IVA.
Como observa, porém, CLOTILDE PALMA (Cfr. Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, nº 1, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 2011, pp. 83/84), há situações em que “o adquirente dos serviços ou dos bens se torna sujeito passivo do imposto pela respectiva aquisição. São as denominadas situações de reverse charge, reversão da dívida tributária ou inversão da sujeição ou do sujeito passivo, ou seja, nestes casos, a dívida reverte do prestador de serviços para o adquirente. Sendo o adquirente o sujeito do imposto, deverá proceder em conformidade, à liquidação do imposto, sendo-lhe atribuído o direito à dedução do IVA pago pela aquisição dos serviços, nos termos do disposto no artigo 19º, nº 1, alíneas c) e d).”
No caso em apreço, verifica-se precisamente uma dessas situações de inversão do sujeito passivo de IVA.
Com efeito, o Decreto-Lei nº 21/2007, de 29/01, que aqui é aplicável, por ser o vigente ao tempo, veio estabelecer, como se pode ler no respectivo preâmbulo, “um conjunto de medidas destinado a combater algumas situações de fraude, evasão e abuso que se vêm verificando na realização das operações imobiliárias sujeitas a tributação, seguindo, nesta matéria experiência anteriormente adquirida em outros Estados membros da União Europeia”.
E, mais adiante, acrescenta-se que “Fora do âmbito das operações previstas nos n°s 30 e 31 do artigo 9° do Código do IVA, mas ainda no domínio de algumas prestações de serviços relativas a bens imóveis, nomeadamente nos trabalhos de construção civil realizados por empreiteiros e subempreiteiros, o presente decreto-lei vem adoptar, de igual modo, uma outra faculdade conferida pela Directiva n° 2006/69/CE, do Conselho, de 24 de Julho. Assim, por via da inversão do sujeito passivo, passa a caber aos adquirentes ou destinatários daqueles serviços, quando se configurem como sujeitos passivos com direito à dedução total ou parcial do imposto, proceder à liquidação do IVA devido, o qual poderá ser também objecto de dedução nos termos gerais. Com esta medida, visam acautelar-se algumas situações que redundam em prejuízo do erário público, actualmente decorrentes do nascimento do direito à dedução do IVA suportado, sem que esse imposto chegue a ser entregue nos cofres do Estado. (...)”.
Nesta sequência, como se pode ler na sentença recorrida, “o artigo 2°-1- j), do CIVA, passou a dispor que «São sujeitos passivos do imposto: (...) j) As pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento a) estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada.”(…)”
“Por outro lado, o DL 21/2007, de 29/01, alterou o artigo 35-13, do CIVA (ora 36), que passou a dispor que «Nas situações previstas nas alíneas i) e j) do n° 1 do artigo 2°, as facturas ou documentos equivalentes emitidos pelos transmitentes dos bens ou prestadores dos serviços devem conter a expressão ‘IVA devido pelo adquirente’”.
Em face do exposto, afigura-se patente que, nos termos do disposto no art. 2º, alínea j) do CIVA, enquanto sujeito passivo do IVA, incumbia à recorrente proceder à liquidação, pelo que, nesta sede, não lhe assiste razão, não merecendo qualquer reparo a liquidação adicional levada a efeito pela Administração Tributária.
Alega, porém, a recorrente que, a ser assim, tem direito a deduzir o imposto suportado a montante, tanto mais que a prestadora de serviços o entregou nos cofres do Estado, sob pena de a liquidação em causa enfermar de ilegalidade por duplicação de colecta.
Afigura-se que também em relação a este aspecto a recorrente carece de razão.

Vejamos.

3.2. Quanto à legalidade da liquidação por não verificação de duplicação de colecta

Com o pagamento das facturas respectivas a recorrente suportou o pagamento do IVA, no montante de € 3.691,80, liquidado pela prestadora dos serviços que, como ficou dito, entregou ao Estado o IVA em causa. Por sua vez, a recorrente procedeu à dedução do valor do imposto pago na declaração apresentada em 15 de Julho de 2001, ao abrigo do estatuído no artigo 19°/1/a) do CIVA.
Ora, nos termos do disposto no artigo 2.°/j) do CIVA, enquanto sujeito passivo do IVA, incumbia à recorrente proceder à sua liquidação, sem prejuízo do direito à dedução. Não tendo liquidado o IVA, veio a Fazenda Pública exigir que seja a recorrente a fazê-lo em liquidação adicional, sem permitir que a mesma possa proceder à dedução do imposto suportado a montante.
Nos termos do disposto no artigo 205.° do CPPT haverá duplicação de colecta quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo”.
Segundo JORGE LOPES DE SOUSA, os requisitos “da duplicação da colecta são, cumulativamente, os seguintes:
a) unicidade dos factos tributários;
b) identidade da natureza entre o tributo pago e o que de novo se exige;
c) coincidência temporal do tributo pago e do que de novo se pretende cobrar”.
Ainda segundo o mesmo Autor, “a duplicação da colecta resulta da aplicação do mesmo preceito legal mais do que uma vez ao mesmo facto tributário ou situação tributária concreta. No entanto, torna-se necessário que a realidade fáctica que está subjacente à pluralidade de liquidações seja a mesma, o que não acontecerá, por exemplo, no caso de liquidações adicionais em que se pretende cobrar um tributo que, indevidamente, não foi liquidado inicialmente. Nestas situações de liquidação adicional, a segunda liquidação não incide sobre o mesmo facto tributário (a mesma parcela de rendimento ou de valor patrimonial ou de despesa, por exemplo), sobre o qual incidiu a primeira.”
E, mais adiante, o mesmo Autor pondera que “A não exigência de segundo pagamento, a que a invocação da duplicação de colecta se reconduz, apenas se pode justificar se o primeiro era devido, pois, se não o foi, o que foi pago poderá ser ulteriormente reembolsado, através dos meios adequados de impugnação e revisão do acto tributário e, numa situação desse tipo, não se justifica que se prescinda do segundo pagamento, que é efectivamente devido”.(Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, III volume, página 527, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa.)
Aplicando o exposto ao caso em apreço, conclui-se que não se verificam os pressupostos da duplicação da colecta, pois, como refere o Ministério Público, no seu douto Parecer, “(…) o pagamento do IVA efectuado pela prestadora de serviços de construção de civil não é devido, uma vez que o sujeito passivo do imposto é a recorrente.
Não sendo devido tal pagamento não faz qualquer sentido que se prescinda do pagamento por parte da recorrente, esse sim, legalmente, devido”.
Assim sendo, sempre assistirá à prestadora de serviços a possibilidade de poder obter o reembolso do imposto indevidamente liquidado através dos mecanismos e meios processuais adequados.
Como observa, neste sentido, o Ministério Público, no seu douto Parecer, “O indevido pagamento do IVA por parte da prestadora de serviços poderia ter sido resolvido pela devolução das facturas pela recorrente para serem rectificadas ou solicitando àquela que efectuasse a regularização prevista no artigo 78.°/3 do CIVA, sendo a impugnante/recorrente reembolsada, pela prestadora dos serviços, do IVA que lhe foi indevidamente liquidado. (…). A recorrente não pode é por via da acção de impugnação judicial pretender o reembolso do IVA, indevidamente pago, por via da anulação do acto tributário sindicado, pois que, como se viu, a liquidação tem arrimo legal, uma vez que o sujeito passivo do IVA é ela mesma e não a prestadora de serviços, não se verificando, pois, a alegada duplicação de colecta”.
No mesmo sentido, também na sentença recorrida se reafirma a ideia de que “(…) resulta, inter alia, do artigo 78, do CIVA, que as disposições dos artigos 36° e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a factura ou documento equivalente, o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto venham a sofrer rectificação por qualquer motivo (n°1). E, nos casos de facturas inexactas que já tenham dado lugar ao registo, a rectificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos (n°3). O adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um sujeito passivo do imposto, se tiver efectuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu a anulação, redução do seu valor tributável ou rectificação para menos do valor facturado, corrige, até ao fim do período de imposto seguinte ao da recepção do documento rectificativo, a dedução efectuada (n°4)”.
Acresce ainda a possibilidade de a prestadora de serviço poder recorrer aos meios judiais, incluindo, como bem refere a sentença recorrida, ao mecanismo da revisão oficiosa, nos termos do disposto no art. 78º da LGT.
Afigura-se, desta forma, que há que separar a situação decorrente da reparação do erro em que a recorrente e a prestadora de serviço incorram e que foi da sua inteira responsabilidade e que terá de ser resolvido entre as mesmas.
O mencionado erro não pode, porém, impedir a Fazenda Pública de fazer cumprir a lei. Se a Administração Tributária não pudesse, nestes casos, regularizar a situação, impondo a liquidação adicional ao verdadeiro sujeito passivo, estava encontrada a forma de contornar o regime legal denominado de reversão de sujeitos passivos instituído para prevenir, como ficou dito, a fraude fiscal.
Acresce que, no caso em apreço, tendo a recorrente procedido à dedução do imposto pago aquando da aquisição da prestação do serviço, e mantendo agora com a liquidação adicional o direito à dedução do IVA liquidado, não se compreende que possa ainda assim considerar que haja duplicação de colecta.
Por tudo o que vai exposto, não assiste razão à recorrente, devendo improceder o recurso.
A sentença recorrida que decidiu no sentido da legalidade da liquidação adicional, deve manter-se.


III - DECISÃO

Termos em que os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 27 de Fevereiro de 2013. – Fernanda Maçãs (relatora) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.