Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0757/17
Data do Acordão:05/30/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:O recurso de revista excepcional previsto no artigo 150º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas “como uma válvula de segurança do sistema”, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P23352
Nº do Documento:SA2201805300757
Data de Entrada:06/26/2017
Recorrente:A.... E OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A….. e outros, todos com os sinais dos autos, vêm, nos termos do artigo 150.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso excepcional de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 9 de Março de 2017, que negou provimento ao recurso por eles interposto do despacho proferido pelo juiz do Tribunal Tributário de Lisboa no âmbito da impugnação judicial dos actos de liquidação adicional de IMT e IS, na parte em que lhes indeferiu pedido de suspensão da instância até ao trânsito em julgado das sentenças a proferir nos processos de impugnação judicial intentados contra as primitivas liquidações adicionais de IMT e IS e posteriores actos de revogação das mesmas, concluindo a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
A. O recurso interposto e a sua respectiva admissão tornam-se impreteríveis e necessários para uma melhor aplicação do Direito, dado que a questão que se suscita nos fundamentos do recurso e nas respectivas conclusões tem, em nossa modesta opinião, relevância jurídica e social.
B. Com efeito, a admissão do presente recurso não só é necessária como fundamental para uma melhor compreensão e aplicação do direito, nomeadamente, no que respeita aos preceitos, relacionados com a prevalência do poder jurisdicional sobre o poder administrativo, e não o contrário, no sentido em que a revogação de um acto administrativo-tributário pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em sede jurisdicional, deve, por um lado, respeitar os prazos legalmente previstos para o efeito, à semelhança do que sucede aquando da intervenção processual de qualquer contribuinte, particular ou entidade, e por outro, e decisão judicial a proferir sobre a mesma, em cumprimento com o princípio da igualdade.
C. No entanto, esta matéria não foi apreciada em concreto em sede de despacho recorrido do Tribunal em primeira instância, nem em sede de recurso, razão pela qual, vêm os Recorrentes colocar à consideração de V. Exas, Venerandos Conselheiros, o presente recurso.
D. Na verdade, o indeferimento do pedido de suspensão do processo que corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa, sob o processo n.º 1551/14.5BELRS, viola o direito de acesso ao direito e aos tribunais e o princípio da tutela jurisdicional efectiva, o princípio da prevalência das decisões dos Tribunais sobre as de quaisquer outras entidades, o princípio da igualdade, previstos, respectivamente, no n.º 1 do artigo 20.º, n.º 4 do artigo 268.º e n.º 2 do artigo 202.º e artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), bem como o da certeza e segurança jurídica, na medida em que toma como assente, legítima e válida a revogação de um acto administrativo-tributário, cuja legalidade se encontra em apreciação judicial.
E. Com efeito, a questão que trazemos à consideração, de V. Exas, Venerandos Conselheiros, tem uma enorme relevância jurídica, no que toca ao dever de respeito pela separação de poderes, bem como uma relevância social, dado o comportamento da Administração Tributária, que no intento e fito único de obtenção de receita fiscal, sem olhar a meios, extravasa as suas competências, em violação clara da lei, de modo algo abusivo para o contribuinte comum. Exemplo, desta última situação é a questão em apreço, em que a AT revogou, extemporaneamente, um acto administrativo-tributário que havia adoptado e cuja validade se encontra em apreciação judicial, ao arrepio de toda a necessária tramitação processual (em violação do artigo 112.º do CPPT em conjugação com o artigo 111.º do mesmo diploma), ficando em crise o princípio da certeza e segurança jurídica, do qual resultou a produção de efeitos na esfera jurídica do contribuinte, com a produção de novo acto tributário igual ao anterior.
F. A situação que trazemos a V. Exas é, sem dúvida alguma, uma situação impreterível e necessária para uma melhor aplicação do Direito, por entendermos que todos devem respeitar a Lei, e as decisões dos Tribunais, que aliás, estão acima das de qualquer entidade, nomeadamente as da Administração Tributária.
G. Por outro lado, não poderemos deixar de considerar que, salvo melhor entendimento, estamos perante matérias novas no âmbito deste tipo de processos, cuja relevância social do caso, não pode deixar de ter as suas consequências na vida e no exercício dos contribuintes, de futuro, razão mais que suficiente para que o STA possa e deva pronunciar-se sobre o mesmo, com o mérito que se lhe reconhece, para que em casos futuros não haja dúvidas quanto a orientação jurisprudencial do nosso ordenamento jurídico.
Ora,
H. O presente recurso é interposto do douto Acórdão proferido, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.º 09520/16, que negou provimento ao recurso jurisdicional deduzido pelos Recorrentes e que, por consequência, manteve a decisão recorrida do Tribunal Tributário de Lisboa no sentido do indeferimento do pedido de suspensão do processo n.º 155l/114.5BELRS, a correr termos na 2.ª Unidade Orgânica até ao trânsito em julgado das sentenças a proferir nos processos de impugnação judicial a correr termos no mesmo Tribunal a quo sob os processos n.º 2060/12.2BELRS, n.º 2069/12.6BELRS, n.º 2091/12.2BELRS, n.º 2095/12.SBELRS, n.º 2146/12.3BELRS e n.º 2177/12.3BELRS, onde se discute a legalidade da liquidação adicional de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e de Imposto do Selo (IS) incidente sobre a aquisição das fracções autónomas de que os Recorrente são proprietários, do prédio descrito na Conservatória do registo Predial de Alcácer do Sal sob o n.º 2323 e inscrito sob o artigo 4633 da respectiva matriz predial, da freguesia de Alcácer do Sal (Santa Maria do Castelo), ou seja, um acto anterior materialmente igual ao aqui impugnado.
I. Na verdade, os Recorrentes são cooperadores de uma cooperativa do ramo habitação, construção, agrícola e serviços, denominada " B……, CRL'', a qual construiu um empreendimento turístico, financiado pelos cooperadores, denominado " Aldeamento Turístico ……….", ao qual, por um lado, foi reconhecida utilidade turística, por parte do Senhor Secretário de Estado do Turismo, no Despacho n.º 26416/2009, de 06.11.2009, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 4 de Dezembro de 2009, por outro, foi-lhe emitido Alvará de Autorização de Utilização Turística nº 82/2009, em 20 de Maio de 2009 pela Câmara Municipal de Alcácer do Sal, e por outro, ainda, foi reconhecida a referida atribuição de utilidade turística ao prédio identificado e a todas as suas fracções autónomas, tendo averbado tal qualificação na matriz de cada uma daquelas fracções autónomas, conforme resulta das respectivas cadernetas prediais, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, através do Serviço de Finanças de Alcácer do Sal. - sendo-lhe reconhecida, em consequência, a isenção de IMT e redução do IS, ao abrigo do disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, aquando da passagem (formal) da propriedade das unidade de alojamento que constituem o empreendimento turístico para o nome individual de cada um dos cooperadores.
J. Sucede que, mais tare, no primeiro semestre de 2012, a AT notificou os aqui Recorrentes para proceder ao pagamento da liquidação adicional de Imposto Municipal sobre as Transmissões de Imóveis (IMT), e Imposto do Selo, em virtude da "aquisição" das fracções autónomas respectivas, com fundamento de que "este imposto deixou de ser liquidado pela indevida concessão do beneficio de isenção de IMT/IS previsto no art. º 20.º do - Decreto-Lei n. º 423183.", sem que, contudo, lhes tivesse dado oportunidade de participar na formação de tal decisão, preterindo, assim, uma formalidade essencial - direito de audição previsto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária.
K. Não concordando com as liquidações adicionais de IMT e IS, supra identificadas, (adiante designadas por "Liquidações de 2012") os contribuintes, ora Recorrentes deram entrada, no Tribunal Tributário de Lisboa, das seguintes impugnações judiciais:
a. Impugnação Judicial que corre termos na 2ª.Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, processo n.º 2060/12.2BELRS, do qual consta como Impugnantes: C…., D……., e E…….;
b. Impugnação Judicial que corre termos na 3ª.Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, processo n.º 2069/12.6BELRS, do qual consta como Impugnantes: F…… e G…..;
c. Impugnação Judicial que corre termos na 4.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, processo n.º 2095/12.5BELRS, do qual consta como Impugnantes: H……, I……. e J……;
d. Impugnação Judicial que corre termos na 1.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, processo n.º 2146/12.3BELRS, do qual consta como impugnante A……..;
e. Impugnação Judicial que corre termos na 2ª.Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, processo n.º 2177/12.3BELRS, do qual consta como impugnantes: L……. e M…….,
… requerendo a anulação daqueles actos de liquidação adicionais, e consequentemente, o reconhecimento do benefício fiscal previsto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05.12, invocando para o efeito, entre outros, o vício de preterição de formalidade essencial.
L. Na verdade, as impugnações judiciais seguiram os seus trâmites normais, até à apresentação da contestação, na qual a AT declarou, expressamente, que mantinha os actos de liquidação e as respectivas liq uidações impugnadas, tendo, no entanto, embora já depois de decorridos os prazos previstos no artigo 112.º do CPPT), revogado os actos de liquidação de 2012.
M. Os Recorrentes, não se conformando com o comportamento da AT, o qual foi claramente marginal dos prazos estipulados e concedidos para a revogação do acto, em manifesto afronto ao direito de igualdade das partes no processo (dada a obrigatoriedade de o contribuintes cumprir escrupulosamente os prazos legais, sob pena da caducidade dos mesmos), invocou adicionalmente, em cada um dos processos de impugnação judicial contra as liquidações de 2012, a ilegalidade do acto de revogação destas, relativamente às quais aguarda decisão,
N. E, foi exactamente por este motivo que formularam o pedido de suspensão em apreço, face à relação de prejudicialidade que aquelas impugnações judiciais têm com a presente acção, cuja pedra de toque é a revogação ilegal dos actos de liquidação de 2012.
O. Na verdade, a relação de prejudicialidade manifesta-se no sentido de que:
«a decisão a ser proferida naqueles litígios, no sentido favorável - que se espera, -considerará a Mma Juiz, não só que as liquidações adicionais de IMT e JS são ilegais, bem como, e consequentemente, o é o acto de indeferimento da isenção daqueles impostos. O que claramente, irá provocar alterações quanto ao presente acto impugnado;
Caso entenda que assiste razão à AT, poderá provocar uma duplicação de impostos, face às liquidações adicionais novamente notificadas aos ora impugnantes, e novamente aqui impugnadas.
A sua decisão constitui, assim, pelas razões expostas, questão prejudicial relativamente à decisão que vier a ser proferida neste processo. (...)
Deste modo, a procedência das impugnações judiciais que correm termos no Tribunal Tributário de Lisboa identificadas supra, como se aguarda, provocará alteração no entendimento sufragado pela AT quanto ao merecido beneficio fiscal na esfera jurídica dos aqui impugnantes, e consequentemente nas liquidações adicionais que ora se impugnam, razão pela qual se requer a suspensão do presente processo, até decisão final daquelas impugnações judiciais, tudo nos termos do artigo 276 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 2. º do CPPT.
(…) Pese embora o referido nos números anteriores, não podem os Impugnantes deixar de instaurar a presente acção, já que o impulso processual é essencial e necessário para que o acto de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e redução de Imposto do Selo (IS) - verba 1.1. da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS), relativa à aquisição daquelas fracções autónomas se transforme num acto definitivo e se consolide da ordem jurídica.
Pelo que, logo que recebida a contestação da AT, deve ser declarada a causa prejudicial, com as legais consequências.» (Vide petição inicial de impugnação judicial)
P. Ademais, a sentença e o acórdão recorridos enfermam do mesmo vício na apreciação do pedido de suspensão formulado pelos Recorridos, face ao entendimento daquelas instâncias de que:
«Do probatório resulta que as liquidações objecto das impugnações (Liquidações de 2012), cuja alegada relação de prejudicialidade com a presente causa constitui fundamento da presente intenção recursória, foram objecto de anulação administrativa, pelo que as mesmas não subsistem na ordem jurídica, não subsistindo o facto subjacente às mesmas.
No caso em exame, a invocada relação de prejudicialidade entre as causas não existe, porquanto as impugnações judiciais das primitivas liquidações perderam o objecto em virtude da anulação administrativa, entretanto, determinada. Nos presentes autos, estão em causa as liquidações ulteriormente emitidas, na sequência da anulação e repetição do procedimento administrativo com vista à emissão de novas liquidações. Donde se impõe concluir que inexiste qualquer relação de sobreposição entre os objectos processuais em apreço. É que o objecto das mesmas não coincide, nem se sobrepõe ao objecto da presente impugnação, a qual respeita à impugnação das liquidações entretanto emitidas, após a correcção dos vícios do procedimento detectados. Por outras palavras «as decisões a proferir naquelas impugnações judiciais, nunca terão qualquer efeito na decisão da presente impugnação judicial, inexistindo qualquer relação de prejudicialidade.» ( Vide pág. 8 do Acórdão recorrido)
Q. Ora, salvo o devido respeito, a sentença e o Acórdão partem da premissa desacertada de que a revogação/anulação do acto levada a cabo, no que às liquidações de 2012 diz respeito, pela AT, é legal e válida. No entanto, esta depois de impugnada, está a ser (ainda) apreciada pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito de cada um dos processos de impugnação judicial onde a mesma teve lugar, referentes às liquidações de 2012. Assim sendo, não compreendem os Recorrentes como é que a AT procede à revogação de um acto, com todas as suas consequências, quando a validade desse mesmo acto se encontra em apreciação judicial. E é nessa sede que a validade desse acto tem de ser aferida.
R. Tal como não compreende como é que o Tribunal a quo e o TCA Sul dão como assente ou provado um facto cuja legalidade se encontra em apreciação judicial. Há aqui um manifesto erro de julgamento quanto à apreciação dos factos e na aplicação do Direito. Há aqui um manifesto erro de julgamento quanto à apreciação dos factos e na aplicação do Direito.
S. Ademais, entendem os Recorrentes há, igualmente, uma violação manifesta do princípio da prevalência das decisões dos Tribunais sobre as das outras entidade, em virtude da revogação do acto, e consequente, emissão de um novo, sem que, contudo, o Tribunal se tenha pronunciado sobre a validade do primeiro, quando sindicado judicialmente. Com efeito, tal comportamento é igualmente caracterizador de uma manifesta violação do princípio da separação de poderes, e da independência dos tribunais, prevista no artigo 203.º da CRP, porquanto, a decisão do Tribunal a quo e do TCA Sul no caso sub Judice foi influenciada pela atitude e comportamento da AT, não tendo, como lhe era devido apreciar a situação em apreço de forma independente e imparcial com a análise devida de tudo o que foi argumentado pelos aqui Recorrentes como fundamento do seu pedido.
T. Tal como há uma clara violação do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20.º da CRP, na parte em que este garante que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. (...) Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direito,» porquanto, o indeferimento do pedido de suspensão em apreço obsta à defesa dos direitos e interesses dos aqui Recorrentes, por permitir que um comportamento contrário à lei - revogação ilegal de um acto administrativo - por parte da AT, afecte os interesses e direitos dos aqui Recorrente, sem que o Tribunal a quo e o TCA Sul recorridos tenham tido uma posição crítica quanto ao mesmo.
U. Ora, por uma questão igualdade, de certeza e segurança jurídica, e de correcta aplicação do Direito, entendem os aqui Recorrentes que a revogação de um acto tributário judicialmente sindicado deve respeitar o prazo processual que é legalmente previsto para o efeito, se assim não fosse não estaríamos num Estado de Direito, por serem incentivadas as desigualdades entre administradores e administrados, pelo que, entendem os Recorrentes que se encontra violado o disposto no artigo 13.º da CRP, porquanto, a Lei tem aplicação, nos mesmos moldes, para administrados e administradores, ou seja, contribuintes e AT, os quais na qualidade de partes num processo judicial devem cumprir e respeitar os prazos previstos na Lei para exercerem o direito do contraditório - o que não sucedeu no caso em apreço, por ser dada a liberdade à AT para agir livremente, sem que, contudo, respeite os prazos processuais que a Lei prevê para que a mesma possa agir de certa forma, e ainda, com a indiferença do Tribunal a tal comportamento. Actuação essa que tem repercussões concretas no caso em apreço do qual resultou o indeferimento do pedido de suspensão formulado pelos Recorrentes, por desencaminharem os Tribunais recorridos do bom caminho, levando-os a crer, falsamente, que «as impugnações judiciais das primitivas liquidações perderam o objecto em virtude da anulação administrativa, entretanto, determinada. Nos presentes autos, estão em causa as liquidações ulteriormente emitidas, na sequência da anulação e repetição do procedimento administrativo com vista à emissão de novas liquidações. Donde se impõe concluir que inexiste qualquer relação de sobreposição entre os objectos processuais em apreço.
V. Não obstante, a Administração Tributária poder revogar administrativamente um acto tributário quando bem entender, a verdade é que assim não se passa quando esse acto de revogação/anulação se encontra em apreciação judicial, face ao princípio da igualdade.
W. A aplicação do Direito deve aplicar-se a todos, sem excepção.
X. Assim sendo, enquanto se encontrarem pendentes de decisão, as impugnações apresentadas contra as liquidações de 2012, e enquanto a questão ali invocada da ilegalidade da revogação do acto administrativo não tiver sido apreciada pelo Tribunal, entendem os Recorrentes que há uma verdadeira prejudicialidade entre este e aqueles outros processos, pelo que, deve o presente recurso ser admitido por impreterível e necessário para uma melhor aplicação do Direito, dado que a questão que se suscita nos fundamentos do recurso e nas respectivas conclusões, tem, em nossa modesta opinião, relevância jurídica e social e mostra-se fundamental para uma melhor compreensão e aplicação do direito, nomeadamente, no que respeita aos preceitos, relacionados com a prevalência do poder jurisdicional sobre o poder administrativo, e não o contrário, no sentido em que a revogação de um acto administrativo-tributário pela Autoridade Tributária e Aduaneira em sede jurisdicional, deve, por um lado, respeitar os prazos legalmente previstos para o efeito, à semelhança do que sucede aquando da intervenção processual de qualquer contribuinte, particular ou entidade, e por outro, e decisão judicial a proferir sobre a mesma, em cumprimento com o princípio da igualdade, e em consequência, ser revogada a decisão do TCA Sul e do tribunal a quo quanto ao indeferimento do pedido de suspensão formulados pelos Recorrentes na petição inicial de impugnação judicial que apresentaram.
Nestes termos e nos demais que doutamente suprirão deverá o presente recurso ser admitido e em consequência ser a decisão recorrida declarada nula porque viola, entre outras as seguintes disposições legais - da Constituição da República Portuguesa (CRP) os Artigos 13.º, 20.º/1, 202.º/2, 203.º, e 268.º/4, do CPPT os artigos 111.º e 112.º e do CPC o artigo 279.º/1. pelo que deve a mesma ser revogada, com as legais consequências, pois só assim se fará,

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 689/690 dos autos, concluindo no sentido de que não ocorrem os requisitos previstos no art. 150.º n.º 1 do CPTA para se admitir o recurso interposto.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.
- Fundamentação -

4 – Matéria de facto
É do seguinte teor o probatório fixado no acórdão recorrido:
a) Por ofícios datados de 2012-04-03, 2012-04-09, 2012-04-11 e 2012-04-12, todos os Impugnantes foram notificados pelo SF para procederem à liquidação adicional de IMT e liquidação adicional de Imposto de Selo relativas à aquisição que, respetivamente, cada um dos impugnantes efetuou sobre cada uma das frações autónomas supra identificadas, no ano de 2011, pela indevida concessão do benefício de isenção de IMT/IS previsto no art. 20.º do decreto-Lei n.º 423/83 (fls. 117 a 127 dos autos).
b) Os Impugnantes deduziram impugnação judicial contra aquelas liquidações adicionais de IMT e IS emergentes de tais notificações, impugnações que deram entrada no Tribunal Tributário de Lisboa e que correm termos na 2ª UO sob o nº 2060/12.2BELRS quanto impugnantes indicados com os nºs 2, 3 e 6 na p.i.; na 3ª UO sob o nº 2069/12.6BELRS quanto Impugnantes indicados com os nºs 7 e 8 na p.i.; na 4ª UO sob o nº 2095/12.SBELRS quanto Impugnantes indicados com os nºs 4, 5 e 11 na p.i.; na 1ª UO sob o nº 2146/12.3BELRS quanto ao Impugnante indicado com o nº 1 na p.i. e na 2ª UO sob o nº 2177/12.3BELRS quanto Impugnantes indicados com os nºs 9 e 10 na p.i., todas ainda pendentes de decisão, pese embora já conste dos respetivos processos de impugnação informação de que as liquidações foram anuladas.
c) No âmbito das impugnações supra referidas vieram os contribuintes alegar a preterição de formalidades legais, nomeadamente, a falta de notificação para o exercício do direito de audição, nos termos do art° 60º da LGT, relativamente às liquidações adicionais de IMT e IS (verba 1.1) efetuadas na sequência da indevida concessão do benefício de isenção, previsto no artº 20º do DL nº 423/83.
d) No cumprimento do preconizado pela DSIMT através da Informação nº 361/2013, datada de 2013-02-28, foi ordenada a anulação das liquidações efetuadas e notificados os contribuintes de tal facto, bem como para o exercício do direito de audição prévia, nos termos do artº 60º da Lei Geral Tributária.
e) Por ofícios datados de 2013-07-15 e 2013-12-04, os Impugnantes foram notificados do despacho proferido pela Chefe do Serviço de Finanças, nos termos do qual são revogados aqueles atos de liquidação adicional de IMT e IS, efetuados em 2012, identificados supra (fls. 157 a 161 dos autos).
f) Por ofícios datados de 2013-07-17 e 2013-12-05 (fls. 164 a 191 dos autos) os impugnantes foram notificados para no exercício do Direito de Audição se pronunciarem "(...) sobre o projeto de decisão de indeferimento da isenção" anexando a tal ofício a Informação nº 598/2011 de 11/2 e despacho proferido pela Subdiretora-Geral da DSI MT, de 5 de janeiro de 2012. Da Informação nº 598/2011 anexa resulta que nos termos do entendimento ali vertido as transmissões onerosas das frações autónomas que integram o empreendimento turístico "Aldeamento Turístico …….. " são insuscetíveis de obter o reconhecimento do benefício de isenção de IMT, porque, conforme ali se afirma, tais aquisições, não se destinaram à instalação do identificado empreendimento, mais ali se concluindo dever o Serviço de Finanças local proceder às liquidações de IMT e IS e notificar os contribuintes para o pagamento de tais impostos.
g) Por ofícios datados de 2014-03-17 (fls. 200 a 219 dos autos), todos os impugnantes foram notificados da decisão de INDEFERIMENTO da isenção de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e redução de Imposto de Selo (IS) -Verba 1.1, relativas à aquisição que, respetivamente, cada um dos impugnantes efetuou sobre cada uma das frações autónomas supra identificadas.
h) Por meio de informação de 04.12.2013, com despacho de concordância do Chefe de Finanças de 04.12.2013, foi determinado o seguinte:
«1. Seja ordenada a imediata anulação das liquidações efectuadas, dando do facto conhecimento aos respectivos contribuintes, salvaguardando-se os prazos já decorridos para efeito da caducidade do direito à liquidação.
2. Sejam os contribuintes notificados de tal facto, e bem assim, para o exercício do procedimento de audição prévia, tal como determinado pelo artigo 60º da Lei Geral Tributária.
3. Posteriormente, e se a tal houver lugar, sejam elaboradas novas liquidações, estas sim, cumprindo estritamente o legalmente determinado».
i) Nos presentes autos, são impugnadas as liquidações adicionais de IMT e IS, notificadas através de ofício de 30.04.2014, discriminadas no artigo 1.º da petição inicial.
j) O despacho objecto de recurso tem o teor seguinte:
«(…) Pretendem os Impugnantes nos presentes autos a anulação de actos de liquidações de IMI e imposto de selo, os quais foram emitidos em resultado do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 8 que indeferiu a isenção de lMT e redução de imposto de selo relativo a fracções autónomas adquiridas pelos mesmos.
Verifica-se, contudo, que os ora Impugnantes apresentaram acção administrativa especial, que corre termos neste Tribunal sob o n.º 1381/14.4BELRS, onde solicitam a "revogação" daquela decisão de indeferimento (da isenção de IMT e redução de imposto de selo) que deu origem às liquidações impugnadas nos autos, supra mencionadas. Sendo, de resto, invocados fundamentos coincidentes com os invocados na presente impugnação.
Assim, face ao que ficou dito sobre o objecto dos dois processos, a questão a decidir na mencionada acção administrativa especial n.º 1381/14.4BELRS é prejudicial relativamente à decisão a proferir nos presentes autos, sendo que a não suspensão destes autos pode originar a prolação de julgados contraditórios.
Face ao exposto, e tendo em vista, nomeadamente, evitar a mencionada contradição de julgados, suspende-se a presente instância, nos termos dos artigos 269.º, n.2 1, alínea c), e 272.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil /2013, aplicáveis ex vi do artigo 2.º, alínea e), do CPPT, até que seja julgada a referida acção administrativa especial n.º 1381/14.4BELRS.
Notifique as partes, as quais deverão informar o tribunal do trânsito em julgado da causa prejudicial, quando tal ocorrer. Indefere-se o pedido de suspensão efectuado pelos Impugnantes nos termos constantes da petição inicial, por falta da necessária relação de prejudicialidade e face ao já determinado supra. // (...)».

5 – Apreciando.
5.1 Da admissibilidade do recurso
O presente recurso foi interposto pelos recorrentes como recurso excepcional de revista (cfr. requerimento de interposição de recurso, a fls. 653 dos autos) e como tal admitido (cfr. despacho de fls. 684 dos autos), havendo, pois, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.
Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Não obstante a alegação dos recorrentes quanto à necessidade da presente revista – cfr. conclusões A) a G) das suas alegações de recurso – não se afigura a este Supremo Tribunal que se justifique a respectiva admissão.
Por um lado, e desde logo, porque a decisão recorrida – que confirma a decisão de 1.ª instância quanto à não suspensão dos presentes autos de impugnação de liquidações de IMT e Selo, até à decisão que venha a ser proferida naqueloutras impugnações deduzidas contra os primitivos actos de liquidação de IMT e Selo, que as liquidações objecto dos presentes autos pretenderam substituir, por inexistência de relação de prejudicialidade entre uma e outras acções – não se revela ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou sequer tratada de forma pouco consistente ou contraditória, a justificar a admissão da revista “para uma melhor aplicação do direito”.
Por outro, porque a matéria em causa - a da prejudicialidade entre processos tributários de impugnação –, nem oferece particular complexidade nem, que se saiba, é geradora de grandes dúvidas na jurisprudência e na doutrina, que justifiquem a sua qualificação como questão de relevância jurídica fundamental. E também não se vislumbra que, estando, em concreto, a apreciação da existência ou não de prejudicialidade processual dependente do que em concreto foi alegado numa e noutras acções, a decisão que viesse a ser proferida pudesse ser paradigma para futuros casos, justificativo da revista em razão da relevância social fundamental da questão, pois que os futuros casos de prejudicialidade dependem, no essencial e fora das situações de prejudicialidade manifesta – que também não oferecem dificuldades em face da clareza do disposto no artigo 272.º do Código de Processo Civil -, das suas concretas circunstâncias, variáveis de processo para processado e insusceptíveis de generalização.
Finalmente, diga-se ainda que os recorrentes assumem na sua alegação – cfr. conclusão R) das suas alegações de recurso – a existência de um “manifesto erro de julgamento” de facto em que teriam incorrido as instâncias ao dar como provada a revogação dos actos de liquidação impugnados nas acções que alegam constituir causa prejudicial da presente -, que a este STA, em revista, não cabe conhecer, ex vi do disposto no n.º 4 do artigo 150.º do CPTA.
Pelo exposto se conclui não ser de admitir a revista.

- Decisão -
6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso, por se julgar não estarem preenchidos os pressupostos do recurso de revista excepcional previstos no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 30 de Maio de 2018. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Dulce Neto - António Pimpão.