Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02796/12.8BELRS 0614/15
Data do Acordão:06/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IVA
LOCAÇÃO FINANCEIRA
CÁLCULO PRO RATA
ÓNUS DE PROVA
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
DIREITO COMUNITÁRIO
QUESTÃO PREJUDICIAL
REENVIO PREJUDICIAL
Sumário:I - Em sede de I.V.A. e no caso de sujeitos passivos mistos (contribuintes que realizam transmissões ou prestações de serviços que conferem direito à dedução do imposto suportado a montante, nos termos dos artºs.19 a 25, do C.I.V.A., e, em simultâneo, exercem operações que não conferem aquele direito porque se encontram isentas ao abrigo das alíneas do artº.9, do mesmo diploma, assim sendo titulares do direito à dedução de imposto somente de forma parcial) existe a necessidade de determinar o montante, tanto do imposto dedutível, como do que não é dedutível.
II - Nos termos do disposto no artº.23, nºs.2 e 3, al.b), do C.I.V.A., a A. Fiscal pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações ("inputs promíscuos") através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no nº.1, do mesmo preceito, conduza, ou possa conduzir, a distorções significativas na tributação. Na aplicação do método de afectação real nos termos acabados de identificar, a A. Fiscal pode obrigar, concretamente, o sujeito passivo que seja um banco que exerce actividades de "Leasing" e de "ALD" a incluir no numerador e no denominador, o qual serve para o cálculo da percentagem da dedução, apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos a essa actividade, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos respectivos.
III - Compete ao sujeito passivo a prova dos factos constitutivos do direito à dedução, assim o onerando, no caso concreto, a alegação e demonstração de que, apesar de ser uma instituição financeira que realiza operações de locação financeira/ALD para o sector automóvel, usando para o efeito bens e serviços de utilização mista, no seu caso, essa utilização não é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos, tudo conforme, uniformemente, tem decidido este Tribunal.
IV - O que pode e deve ser objecto de fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr. artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa).
V - O princípio constitucional da segurança jurídica e da protecção da confiança, expresso na não violação de direitos adquiridos ou frustração de expectativas legítimas, sem fundamento bastante, deve ser apreciado, em sede de tutela constitucional, enquanto emanação do princípio do Estado de Direito democrático (cfr.artºs.2 e 9, al.b), da C.R.Portuguesa). Como postulados deste princípio vemos surgir as noções de fiabilidade, de clareza, de racionalidade e de transparência face a todos os actos de poder, legislativo, executivo ou judicial. Em relação a eles o cidadão/ente colectivo deve ver garantida a segurança nas suas disposições pessoais e dos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Enquanto refracção deste princípio e em sede de actos normativos, vemos surgir a proibição de normas retroactivas e restritivas de direitos ou interesses juridicamente protegidos, com especial incidência no âmbito das leis fiscais (cfr.artº.103, nº.3, da C.R.Portuguesa).
VI - A figura do reenvio de questão prejudicial pode ter por objecto a resposta a um de dois assuntos, tudo conforme se encontra consagrado no actual artº.267, do Tratado de Funcionamento da União Europeia (cfr.anteriormente o artº.234, do Tratado C.E.):
a-A interpretação de uma disposição de direito comunitário;
b-A interpretação e/ou apreciação da validade de um acto emanado das instituições comunitárias.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P27834
Nº do Documento:SA22021060902796/12
Data de Entrada:05/20/2015
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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"A…………, S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, constante a fls.467 a 494 do processo, a qual julgou improcedente a presente impugnação, pela mesma sociedade intentada, tendo por objecto os actos de autoliquidação de I.V.A., referentes aos períodos de 07/2012, 08/2012 e 09/2012 e no montante total de tributo regularizado em excesso de € 250.131,86.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.557 a 588 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-Atenta a factualidade carreada nos autos bem como o direito aplicável, dúvidas não subsistem quanto à ilegalidade das autoliquidações aqui em causa, razão pela qual deve a sentença recorrida ser revogada;
2-A sentença recorrida não resolveu as questões que foram submetidas à apreciação do tribunal a quo, conforme devido, pois não apreciou e decidiu se a fundamentação contida ofício-circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009 teria algum cabimento legal, designadamente no CIVA, pois foi com base nesta orientação genérica da administração tributária que foram praticadas as autoliquidações sob impugnação;
3-Com efeito, o tribunal a quo, ao invés de se debruçar sobre a questão dos autos, apreciando e resolvendo as questões suscitadas pelas partes na petição inicial e na contestação, bem como nas respectivas alegações escritas e ainda no parecer junto aos autos da autoria de J. G. XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS, limitou-se a remeter para uma outra situação, que não é semelhante à dos presentes autos, relativa ao processo n.º 01017/12, no âmbito do qual foi suscitada uma questão prejudicial perante o TJUE, que proferiu acórdão no processo C-183/13;
4-Ou seja, uma vez que os actos de autoliquidação se encontram estribados na fundamentação contida neste ofício-circulado, o tribunal a quo deveria atender apenas à fundamentação contida neste ofício, sendo certo que o mesmo não foi em momento algum objecto de qualquer pronúncia do STA e tão pouco do TJUE;
5-Não obstante o que antecede, o certo é que, mesmo sendo plenamente acolhida a jurisprudência do TJUE referente ao “Caso Banco Mais”, a sentença recorrida não cuidou verificou se, efectivamente, o Código do IVA estabeleceu alguma norma correspondente ao artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva;
6-O tribunal a quo também se limitou a mencionar que, no que respeita à desconsideração do valor relativo à alienação/abate de bens locados, o princípio também será extensível, pese embora o ofício-circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009 e a jurisprudência do TJUE referente ao “Caso Banco Mais”, não se tenham debruçado sobre esta questão;
7-O entendimento expendido nesta circular administrativa não tem qualquer cabimento legal, porquanto impõe ao sujeito passivo a utilização de um método de percentagem de dedução anómalo (que se designa impropriamente de coeficiente de imputação dentro do método de afectação real) consistente apenas na computação do montante anual correspondente aos juros e outros encargos;
8-O que sucede é que a AT pretende obrigar os sujeitos passivos a aplicar um método de dedução do IVA para bens de utilização mista que não passe pela consideração do valor da amortização financeira das rendas dos contratos de Leasing e de ALD Financeiro, quando os n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do CIVA apenas lhe atribuem poderes específicos para impor condições especiais restritas à utilização do método da afectação real;
9-Assim, a AT apenas poderia impor ao sujeito passivo condições especiais ou a fazer cessar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, quando estivessem reunidos os seguintes pressupostos: (i) estar em causa a aplicação do método da afectação real, para medir o grau de utilização de bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, e (ii) a sua aplicação conduzisse a “distorções significativas na tributação”;
10-Ora, no presente caso, a situação não se enquadra nestes pressupostos: o que aqui está em causa é antes a modulação do direito a deduzir aqueles bens e serviços que não podem ser objecto nem de “atribuição directa”, nem de atribuição por afectação real, razão pela qual o sujeito passivo terá inelutavelmente de se socorrer da aplicação do método do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º, sem que a AT tenha quaisquer poderes para modificar aquele critério;
11-Ao contrário do que a sentença recorrida considerou, no cálculo do pro rata não só devem ser incluídos os juros e outros proveitos, como também o montante correspondente à aludida amortização financeira, independentemente deste último constituir ou não um “proveito” na esfera do locador;
12-A sentença recorrida não teve em linha de consideração que a contraprestação pela prestação de serviços realizada ao abrigo de um contrato de locação financeira (independentemente da natureza que a mesma assuma) é, incontestavelmente, a renda, sendo esta uma só e estando assim a sua totalidade sujeita a IVA;
13-Constituindo a locação financeira, para efeitos de IVA, uma prestação de serviços e estando a contraprestação da mesma (a renda) sujeita, na sua totalidade, a IVA, não há fundamento legal para que o montante total das aludidas rendas não seja considerado no cálculo do pro rata e, portanto, não esteja integralmente compreendida no volume de negócios;
14-No que respeita à indemnização dos bens alienados, relativamente à qual não foi dispensada qualquer fundamentação por parte da sentença recorrida (que se limitou, como se disse, a referir que o “mesmo princípio é extensível”), carece igualmente de fundamento a posição sustentada pela AT, dado que, considerando este valor quer como uma espécie de resolução por pagamento antecipado quer como uma indemnização, a verdade é que tendo a mesma por base uma operação tributável – o contrato de locação financeira – esta constituirá sempre e em qualquer caso uma operação sujeita a IVA, motivo pelo qual a Recorrente liquidou o respectivo IVA;
15-Não é atribuída à AT quaisquer prerrogativas destinadas à alteração do modo de cálculo da percentagem de dedução do IVA autorizada para os bens de utilização mista, ou seja, relativamente «(…) aos custos comuns que não puderam ser atribuídos por critérios objectivos aos dois grupos de operações, tributadas e isentas, do sujeito passivo» (vide página 47 do parecer constante do documento n.º 17 da p.i.);
16-Tendo presente o entendimento do TJUE sufragado no caso C-183/13, para que a AT efectivamente pudesse modelar as componentes da fracção do pro rata, de forma a expurgar a parte da amortização do cálculo, seria necessário que igual legitimidade lhe fosse conferida pelo artigo 23.º do CIVA - o que, como vimos, não é o caso;
17-Até porque tal «(…) originaria contradição entre o algoritmo de cálculo da percentagem de dedução e o princípio base que orienta esse cálculo, que é o da dedução parcial em proporção do montante das operações que conferem direito à dedução.» (vide página 24 do parecer constante do documento n.º 17 da p.i.);
18-Com efeito, as prerrogativas que o artigo 23.º, n.º 2 do CIVA atribui à AT para impor condições especiais são restritas ao método da afectação real e reconduzem-se ao controlo de tais critérios objectivos a utilizar para medir a intensidade dos inputs que não podem ser directamente atribuídos a dois grupos de operações, tributáveis e isentas;
19-Em face da conclusão vertida no Acórdão do TJUE no caso C-183/13, o Venerando Tribunal deverá verificar se efectivamente o artigo 23.º, n.º 2 do CIVA confere a possibilidade à AT de no âmbito da aplicação do método do pro rata a um sujeito passivo que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, apenas considerar os juros na fracção do pro rata de dedução;
20-Acresce, além disso, que se deveria ainda aferir se no caso a AT demonstrou que se encontrava reunido o requisito contemplado na parte final do Acórdão do TJUE no caso C-183/13, a saber, se a utilização desses bens e serviços foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, requisito esse que não foi nem alegado nem demonstrado;
21-Para além de que a sentença recorrida não alega, minimamente que seja, a existência de distorções significativas na tributação, nem tão pouco identifica e quantifica as mesmas, sendo a todos os títulos inadmissível, como o faz o tribunal a quo, referir que existe distorção na justa medida em que o cálculo do pro rata «…nos termos definidos pela AT se situa nos 22% enquanto o que a impugnante entende correcto se situa nos 66%»;
22-Caso dúvidas continuarem a subsistir ao Tribunal quanto à interpretação dos comandos normativos constantes da Directiva do IVA relativos à utilização do método do pro rata de dedução, deverá então proceder-se a suspensão da presente instância de forma a solicitar a pronúncia do TJUE ao abrigo do mecanismo do reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º do TFUE;
23-Em face do exposto, a sentença recorrida violou os artigos 19.º, 20.º e 23.º do CIVA e os artigos 167.º, 168.º e 175.º da Directiva do IVA, assim como os princípios constitucionais da segurança e certeza jurídica.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo provimento do recurso (cfr.fls.602 a 604 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.608 e 609 do processo físico) vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.472 a 478 do processo físico):
1-Foi emitida, pela área de gestão tributária do IVA – gabinete do subdiretor-geral dos impostos, instrução administrativa, correspondente ao ofício n.º 30.108, de 30.01.2009, da qual consta designadamente o seguinte:
“1. O ofício circulado nº 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23º do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.
2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23º do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza distorções significativas na tributação (nº 3 artº 23º).
3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n.º 2 do artigo 23.º, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.
4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.
5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23.º do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.
6. Face à anterior redacção do artigo 23º do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.
No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do nº 4 do artigo 23º do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.
7. Face à actual redacção do artigo 23.º, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.
8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.
9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.
Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.”
(cfr. fls. 224 a 226).
2-A impugnante, no exercício da sua atividade, realiza operações financeiras isentas de IVA, a par de operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação mobiliária, consubstanciadas em celebração de contratos de locação financeira (leasing) e contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor (ALD financeiro), onde se prevê a possibilidade de compra do veículo pelo locatário (cfr. fls. 294 a 305);
3-No âmbito das operações de locação mencionadas em 2), designadamente nos períodos compreendidos entre julho e setembro de 2012, a impugnante, a solicitação e por indicação dos locatários, adquiriu determinados veículos, pagando integralmente o respetivo preço e entregando-os ao locatário para seu uso e fruição (cfr. fls. 294 a 305);
4-Na sequência do mencionado em 2) e 3), eram pagas à impugnante, pelos locatários, rendas, as quais englobam uma parte relativa a amortização financeira e outra parte relativa a juros e outros encargos, sendo esta última parte registada como proveito (cfr. fls. 294 a 305, 308 e 309);
5-No âmbito dos contratos mencionados em 2), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante (cfr. fls. 294 a 299 e 307);
6-Na sequência da celebração dos contratos mencionados em 2), resolvidos por incumprimento e nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante (cfr. fls. 306);
7-Durante o período compreendido entre julho e setembro de 2012, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 2), respeitavam;
8-Durante o período compreendido entre julho e setembro de 2012, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:
a) Afetação real, relativo à atividade de locação financeira e à atividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo direto e imediato;
b) Pro rata específico, de 22%, relativo aos custos comuns à atividade tributada e à atividade isenta, mencionados em 7), com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em 1), calculado considerando no numerador o valor de 24.325.018,01 Eur. e no denominador o valor de 111.258.576,35 Eur.
(cfr. fls. 161 e 220, dos autos, e fls. 246 e 247, do processo administrativo);
9-A impugnante submeteu, via Internet, as seguintes declarações periódicas de IVA, considerando os métodos mencionados em 8):
a) A 03.08.2012, a respeitante a julho de 2012, na qual apurou, no respetivo campo 93, o valor de 1.289.046,78 Eur.;
b) A 07.09.2012, a respeitante a agosto de 2012, na qual apurou, no respetivo campo 93, o valor de 1.300.677,78 Eur.;
c) A 10.10.2012, a respeitante a setembro de 2012, na qual apurou, no respetivo campo 93, o valor de 1.452.523,08 Eur.
(cfr. fls.149 a 160 e 222 a 223, dos autos, e fls. 235 a 240 verso, do processo administrativo).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos.
Quanto ao facto 4), o mesmo encontra-se, ainda, em consonância com o alegado na petição inicial, nos art.º 28.º, 34.º e 209.º.
No tocante ao facto 7), o mesmo encontra-se, igualmente, em conformidade com o alegado na petição inicial, concretamente no art.º 47.º.
Quanto aos valores mencionados pela impugnante e referidos no probatório, os mesmos encontram-se evidenciados nos documentos para os quais se remete supra, não tendo sido postos em causa pela FP…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou improcedente a presente impugnação, devido ao decaimento de todos os seus fundamentos, em consequência do que manteve os actos tributários objecto do processo (cfr.nº.9 do probatório).
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que o entendimento expendido pela circular administrativa correspondente ao ofício nº.30.108, de 30/01/2009, não tem fundamento legal, porquanto, impõe ao sujeito passivo a utilização de um método de percentagem de dedução anómalo, apenas consistente na computação do montante anual correspondente aos juros e outros encargos, que não o montante correspondente à amortização financeira do próprio contrato de locação financeira. Que a sentença recorrida não teve em consideração que a contraprestação pela prestação de serviços realizada ao abrigo de um contrato de locação financeira é a renda, sendo esta uma só e estando assim a sua totalidade sujeita a I.V.A. Que se deveria ainda aferir se, no caso concreto, a A. Fiscal demonstrou que se encontrava reunido o requisito contemplado na parte final do Acórdão do T.J.U.E., caso C-183/13, a saber, se a utilização desses bens e serviços foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, ou não, requisito esse que não foi nem alegado nem demonstrado. Que a sentença recorrida não conclui pela existência de distorções significativas na tributação, nem tão pouco identifica e quantifica as mesmas, assim não sendo admissível, como o faz o Tribunal "a quo", concluir que existe distorção na justa medida em que o cálculo do "pro rata" nos termos definidos pela A. Fiscal se situa nos 22%, enquanto o que a impugnante entende correcto se situa nos 66%. Que caso dúvidas continuem a subsistir ao Tribunal, relativamente à interpretação dos comandos normativos constantes da Directiva do I.V.A. relativos à utilização do método "pro rata" de dedução, deverá proceder-se à suspensão da presente instância de forma a solicitar a pronúncia do T.J.U.E., ao abrigo do mecanismo do reenvio prejudicial previsto no artº.267, do T.F.U.E. Que a sentença recorrida violou os artºs.19, 20 e 23, do C.I.V.A., e os artºs.167, 168 e 175, da Directiva do I.V.A., assim como os princípios constitucionais da segurança e certeza jurídica (cfr. conclusões 1 a 23 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Nos artºs.21 e 23, do C.I.V.A., são estabelecidas limitações ao direito a dedução do I.V.A. debitado nas facturas ou documentos equivalentes, sendo que o primeiro dos preceitos citado se refere aos casos de exclusão total da dedução (caso de aquisições de certos bens e serviços) e o artº.23 (na redacção da Lei 67-A/2007, de 31/12, OE de 2008, a aplicável ao caso dos autos)., às situações em que se verifica a dedução parcial do imposto em função da actividade económica realizada pelo sujeito passivo, caso de operações tributáveis e operações isentas sem direito a dedução, nos chamados sujeitos passivos parciais ou mistos.
No caso de sujeitos passivos mistos (contribuintes que realizam transmissões ou prestações de serviços que conferem direito à dedução do imposto suportado a montante, nos termos dos artºs.19 a 25, do C.I.V.A., e, em simultâneo, exercem operações que não conferem aquele direito porque se encontram isentas ao abrigo das alíneas do artº.9, do mesmo diploma, assim sendo titulares do direito à dedução de imposto somente de forma parcial - cfr.Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 6ª.Edição, Almedina, 2020, pág.248 e seg.) existe a necessidade de determinar o montante, tanto do imposto dedutível, como do que não é dedutível.
Não obstante o método da percentagem de dedução ("pro-rata") ser o regime regra (ou supletivo) com vista ao cálculo da parte dedutível do imposto no que diz respeito aos chamados sujeitos passivos parciais ou mistos, podia o próprio contribuinte, de harmonia com o artº.23, nº.2, do C.I.V.A., efectuar a dedução segundo o método de afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos, prevendo a lei, ainda, a faculdade de a A. Fiscal tornar obrigatório o uso deste método alternativo nos casos previstos no artº.23, nº.3, do C.I.V.A. (cfr.Clotilde Celorico Palma, ob.cit., pág.254 e seg.; Rui Manuel Pereira da Costa Bastos, O Direito à Dedução do IVA, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.15, Almedina, 2014, pág.149 e seg.).
A afectação real obriga a que o sujeito passivo contabilize, em separado, as operações da actividade que conferem direito à dedução e as que não conferem direito à dedução, portanto, as operações isentas. Acaso o sujeito passivo que opte pela aplicação do método de afectação real tiver várias despesas comuns e afectas a diversas actividades que conferem direito à dedução do imposto e, ao mesmo tempo, a actividades isentas, o imposto suportado relativamente a estas despesas deve ser deduzido de acordo com a aplicação de uma percentagem calculada em função do respectivo destino, ou seja, nestes casos é possível a coexistência da aplicação do método da afectação real com o método do "pro-rata" (cfr.Clotilde Celorico Palma, ob.cit., pág.255; Rui Manuel Pereira da Costa Bastos, ob.cit., pág.160 e seg.).
Existem duas hipóteses de actuação no âmbito da determinação dos limites do direito à dedução por parte de um "sujeito passivo misto". Uma separação "ex ante" ou uma separação "ex post" entre as actividades que conferem direito a dedução e actividades que não conferem esse direito. No plano da separação "ex ante" surge-nos o citado método de afectação real. Em contrapartida, no plano da separação "ex post", calculada em função do volume de negócios e consubstanciando uma verdadeira "avaliação indiciária", aparece o mencionado método da percentagem de dedução ("pro-rata"), tudo conforme estatuía o artº.23, nºs.2 a 4, do C.I.V.A., mais não sendo ilegal o critério de imputação empregue pela A. Fiscal, cuja expressão consta do citado ofício nº.30.108, de 30/01/2009 (cfr.Rui Manuel Pereira da Costa Bastos, ob.cit., pág.156 e seg.; Sérgio Vasques, IVA, Pro Rata e Locação Financeira, in Cadernos IVA 2020, Coordenação Sérgio Vasques, Almedina, Março de 2021, pág.501 e seg.).
Ainda, deve vincar-se, contrariamente ao defendido pela sociedade recorrente, que nos termos do disposto no artº.23, nºs.2 e 3, al.b), do C.I.V.A., a A. Fiscal pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações ("inputs promíscuos") através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no nº.1, do mesmo preceito, conduza, ou possa conduzir, a distorções significativas na tributação. Na aplicação do método de afectação real nos termos acabados de identificar, a A. Fiscal pode obrigar, concretamente, o sujeito passivo que seja um banco que exerce actividades de "Leasing" e de "ALD" a incluir no numerador e no denominador, o qual serve para o cálculo da percentagem da dedução, apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos a essa actividade, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos respectivos (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/01/2021, rec.101/19.1BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/02/2021, rec.84/19.8BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/03/2021, rec.87/20.0BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 21/04/2021, rec.63/20.2BALSB).
No caso "sub iudice", concluímos, com o Tribunal "a quo", que:
"(…)
tendo os custos específicos e individualizáveis, relativos à atividade de locação financeira, sido deduzidos, por aplicação do método da afetação real, como a própria impugnante refere, e atendendo a que se está perante custos comuns às atividades isenta e tributada e a que a parte da renda relativa a juros e outros encargos é aquela que consubstancia o proveito dos contratos de locação, assume-se como critério mais consentâneo com a disciplina do art.º 23.º, do CIVA, o critério aplicado pela AT. Assim, trata-se, nos termos já evidenciados, de uma solução que o próprio CIVA (e a Diretiva IVA – cfr. art.º 173.º) admite. Por outro lado, esta permite assegurar a maior neutralidade possível do imposto, na medida em que potencia evitar grandes distorções, uma vez que tem em conta apenas a parte da renda que corresponde a efetiva contrapartida dos contratos em causa (cfr. n.º 34, do acórdão Banco Mais vs. Fazenda Pública, supra).
Esta solução encontra ainda acolhimento da leitura conjugada do art.º 23.º, n.ºs 1 e 3, al. b), do CIVA, que, ao contrário do que entende a impugnante, permite uma atuação da AT nos termos ocorridos in casu quando tal situação implique distorções significativas da tributação (o que, aliás, resulta da leitura do acórdão do TJUE citado). No fundo, a solução legal permite a determinação de uma percentagem de dedução, com base em critérios distintos dos constantes do n.º 4 do art.º 23.º, do CIVA (aliás, tal resulta clarificado expressamente no final das instruções mencionadas em 1) do probatório). Quanto ao facto de as distorções significativas da tributação não virem concretizadas na instrução mencionada em 1), tal falta de concretização decorre do facto de ser uma instrução abstrata, sendo que a própria alegação da impugnante, no sentido de que o cálculo do pro rata nos termos definidos pela AT se situa nos 22% enquanto o que a impugnante entende correto se situa nos 66% (cfr. art.ºs 58.º e 62.º, da petição inicial) evidencia tal distorção. Quanto à desconsideração do valor relativo a alienação/abate de bens locados, o mesmo princípio é extensível, uma vez que o mesmo refere-se à variante do capital, a que respeita igualmente a amortização financeira.
Carece de relevância o alegado pela impugnante em torno de uma eventual aplicação do conceito de volume de negócios constante do Regulamento (CE) n.º 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro, ou da Comunicação da Comissão relativa ao cálculo do volume de negócios para efeitos do Regulamento (CEE) n.º 4064/89 do Conselho, que não é sequer referida nas instruções com base nas quais a impugnante autoliquidou o imposto em causa. Por outro lado, o método apurado pela AT, como, aliás, é referido no Acórdão do TJUE mencionado supra, ao considerar apenas a variante dos juros e outros encargos, aproxima-se mais da realidade, por considerar apenas aquilo que constitui a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos (entendimento que não é posto em causa pela impugnante e é por si claramente apreendido, em termos de interpretação das instruções, que expressamente referem que só serão de considerar tais valores relativos aos juros).
Por outro lado, não se vislumbra de que forma o art.º 174.º, da diretiva IVA, se encontra posto em causa, na medida em que, no caso, não se trata de uma alteração da fórmula de cálculo do pro rata previsto no n.º 4 do art.º 23.º, do CIVA, mas sim numa determinação de um quociente de dedução específico, aplicando as prerrogativas constantes do n.º 3 do mesmo art.º 23.º.
(…)".
Atento tudo o relatado, deve vincar-se que são legais as autoliquidações de I.V.A. objecto dos presentes autos (cfr.nº.9 do probatório supra), apesar de estruturadas com base nos critérios definidos no identificado ofício nº.30.108, de 30/01/2009, conforme reconhece a sociedade impugnante e ora recorrente.
Aduz, igualmente, o apelante que devia a A. Fiscal fazer prova do requisito contemplado na parte final do Acórdão do T.J.U.E., caso C-183/13, a saber, se a utilização dos bens e serviços utilizados pelo sujeito passivo misto foi, sobretudo, determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos em causa, ou não.
Ora, face a tal vector do recurso este Tribunal conclui pela desnecessidade de produção de prova quanto a tal factualidade por duas ordens de razões:
1-Porque a mesma não foi alegada pelo recorrente no articulado inicial do processo, tal como na contestação da Fazenda Pública, como o próprio apelante reconhece nas conclusões do recurso;
2-Porque compete ao sujeito passivo a prova dos factos constitutivos do direito à dedução, assim o onerando, no caso concreto, a alegação e demonstração de que, apesar de ser uma instituição financeira que realiza operações de locação financeira/ALD para o sector automóvel, usando para o efeito bens e serviços de utilização mista, no seu caso, essa utilização não é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos, tudo conforme, uniformemente, tem decidido este Tribunal (cfr.v.g.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/01/2021, rec.101/19.1BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/03/2021, rec.87/20.0BALSB; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/11/2017, rec.485/17).
Com estes pressupostos, a sentença recorrida não violou os artºs.19, 20 e 23, do C.I.V.A., e os artºs.167, 168 e 175, da Directiva IVA.
Defende, ainda, o apelante que a sentença recorrida viola os princípios constitucionais da segurança e certeza jurídica.
Em primeiro lugar, se dirá que os vícios de inconstitucionalidade buscam uma fiscalização concreta e com natureza oficiosa. Esta caracteriza-se por ser um controlo que compete a todos os Tribunais, mais tendo natureza difusa e incidental (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2015, rec.103/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec.179/19.8BEPFN; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/09/2020, rec. 387/17.6BEMDL; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, págs.518 e seg. e 940 e seg.; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.III, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2020, pág.44 e seg.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Edição, 21ª. Reimpressão, Almedina, 2019, pág.982 e seg.).
Concretamente, o princípio constitucional da segurança jurídica e da protecção da confiança, deve ser apreciado, em sede de tutela constitucional, enquanto emanação do princípio do Estado de Direito democrático (cfr.artºs.2 e 9, al.b), da C.R.Portuguesa). Como postulados deste princípio vemos surgir as noções de fiabilidade, de clareza, de racionalidade e de transparência face a todos os actos de poder, legislativo, executivo ou judicial. Em relação a eles o cidadão/ente colectivo deve ver garantida a segurança nas suas disposições pessoais e dos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Enquanto refracção deste princípio e em sede de actos normativos, vemos surgir a proibição de normas retroactivas e restritivas de direitos ou interesses juridicamente protegidos, com especial incidência no âmbito das leis fiscais (cfr.artº.103, nº.3, da C.R.Portuguesa; ac.Tribunal Constitucional 1011/1996, 8/10/1996; ac.Tribunal Constitucional 260/2010, de 29/06/2010; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/09/2020, rec.387/17.6BEMDL; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.204 e seg.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Edição, 21ª. Reimpressão, Almedina, 2019, pág.257 e seg.; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.II, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2018, pág.202 e seg.).
Revertendo ao caso concreto, desde logo, se dirá que, o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr.artº.204, da C.R.Portuguesa; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/05/2021, rec.518/20.9BELLE; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.518 e seg.).
Apesar do acabado de aludir, mais se diga que não vislumbra este Tribunal como pode a decisão recorrida ofender o dito princípio constitucional da segurança jurídica e da protecção da confiança, igualmente nada concretizando a tal respeito o apelante.
Resta apreciar o suscitado pedido de reenvio prejudicial para o T.J.U.E., relativamente à interpretação dos comandos normativos constantes da Directiva I.V.A. relativos à utilização do método "pro rata" de dedução e respectiva concatenação com o direito interno dos Estados-Membros, tudo nos termos do artº.267, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (T.F.U.E.).
O processo das questões prejudiciais (reenvio prejudicial) consubstancia um incidente de instância que se desenrola a nível nacional. Inicia-se com a suspensão da instância e a colocação de uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça (T.J.U.E.), tendo em vista a interpretação de uma norma (ou normas) comunitária ou a apreciação da validade de um acto comunitário e termina com o acórdão, retomando-se nessa altura a instância principal e incumbindo ao Juiz nacional resolver o litígio de acordo com a decisão da jurisdição comunitária. Com efeito, a necessidade de o Direito Comunitário ser aplicado de modo uniforme em todo o território da Comunidade não se compadece com a aplicação discrepante das suas normas pelos diferentes Estados-Membros. Como o próprio Tribunal de Justiça salientou logo nos primeiros anos da sua actuação, o reenvio tende a assegurar a aplicação do Direito Comunitário, abrindo ao Juiz nacional um meio de eliminar as dificuldades que poderia trazer a exigência de atribuir ao Direito Comunitário o seu pleno efeito, no quadro dos sistemas jurisdicionais dos mesmos Estados-Membros (cfr.artº.8, nº.4, da Constituição da República Portuguesa).
Por força dos princípios da aplicabilidade directa e do primado, qualquer parte num litígio pode invocar em juízo, em apoio da sua pretensão, uma disposição comunitária e, se necessário for, solicitar a desaplicação de norma nacional com ela incompatível.
No âmbito do processo das questões prejudiciais, incumbe ao Tribunal de Justiça interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não aplicar este direito à situação de facto que está em discussão no processo principal, tarefa que incumbe ao Juiz nacional. Não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre as divergências de opinião na interpretação ou na aplicação das regras de direito nacional (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 1/07/2020, rec.227/13.5BEPDL; João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 5ª. edição, Coimbra Editora, 2007, pág.429 e seg.; Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.570 e seg.).
A figura do reenvio de questão prejudicial pode ter por objecto a resposta a um de dois assuntos, tudo conforme se encontra consagrado no actual artº.267, do Tratado de Funcionamento da União Europeia (cfr.anteriormente o artº.234, do Tratado C.E.):
1-A interpretação de uma disposição de direito comunitário;
2-A interpretação e/ou apreciação da validade de um acto emanado das instituições comunitárias.
A questão prejudicial comporta, assim, duas variantes de competência prejudicial do Tribunal de Justiça. A primeira abarca a função de fixar a interpretação das normas comunitárias e os princípios que lhe subjazem. E a segunda o controlo da legalidade dos actos praticados pelas instituições, órgãos e organismos da União (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 1/07/2020, rec.227/13.5BEPDL; João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 5ª. edição, Coimbra Editora, 2007, pág.419 e seg.; Ana Maria Guerra Martins, Manual de Direito da União Europeia, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.573 e seg.).
Mais se dirá que o T.J.U.E. apenas admite três excepções à obrigação de reenvio de questão prejudicial, sem prejuízo da existência de questões prejudiciais facultativas (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 1/07/2020, rec.227/13.5BEPDL; João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 5ª. edição, Coimbra Editora, 2007, pág.426 e seg.; Manuel Lopes Porto e Outros, Tratado de Lisboa Anotado e Comentado, Almedina, 2012, pág.964, anotação ao artº.267, do T.F.U.E.):
1-Falta de pertinência da questão suscitada no processo;
2-Existência de interpretação já anteriormente fornecida pelo T.J.U.E.;
3-Total clareza da norma em causa (teoria do acto claro).
Concluindo, importa referir que a questão prejudicial a reenviar só se coloca se o Juiz nacional se confronta com uma dúvida sobre os termos em que tem que aplicar o direito comunitário e se a resolução de tal dúvida contribui para a solução do litígio que tem em mãos, ou seja, mostra-se necessária para o julgamento da causa. Já assim não será se, nomeadamente, a apreciação da legalidade das liquidações em causa não convoca a aplicação de normas de direito comunitário, apenas pressupondo a interpretação e aplicação de normas de direito interno (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 30/11/2011, rec.284/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/11/2012, rec.222/12; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 1/07/2020, rec. 227/13.5BEPDL).
No caso "sub iudice", estamos, manifestamente, perante situação enquadrável na segunda excepção à obrigação de reenvio de questão prejudicial supra identificada (interpretação dos comandos normativos constantes da Directiva I.V.A. relativos à utilização do método "pro rata" de dedução e respectiva concatenação com o direito interno dos Estados-Membros), dado que o T.J.U.E. já anteriormente, e por duas vezes, se pronunciou sobre a identificada matéria, concretamente no processo C-183/13 (acórdão "Banco-Mais", de 10 de Julho de 2014), tal como no processo C-153/17 (acórdão "Volkswagen", de 18 de Outubro de 2018), assim não sendo necessário o uso da examinada figura do reenvio de questão prejudicial.
Por último, deve relembrar-se que também o Pleno, da 2ª. Secção, deste Tribunal, teve oportunidade de se debruçar sobre o teor dos citados acórdãos do T.J.U.E. (cfr. v.g.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/01/2021, rec.101/19.1BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/03/2021, rec.87/20.0BALSB).
Face ao exposto, rejeita-se o pedido de reenvio prejudicial por falta de verificação dos respectivos pressupostos no caso concreto.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DESTE SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se a sociedade recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 9 de Junho de 2021. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Paulo José Rodrigues Antunes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.