Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01062/11
Data do Acordão:02/27/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:REVERSÃO
FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO
SENTENÇA
MÉRITO
Sumário:I - A inexistência do facto tributário subjacente à liquidação consubstancia ilegalidade em concreto do acto tributário, por erro nos pressupostos de facto, e não a chamada “ilegalidade abstracto”, no sentido de inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos a que respeita ou não estar autorizada a cobrança à data da liquidação.
II - Se os factos alegados não constituem fundamento de oposição, tal como estão enunciados taxativamente no artigo 204º do CPPT, a sentença só poderá conduzir a uma decisão de mérito, no sentido da absolvição do credor tributário do pedido de extinção da execução, e não à absolvição da instância.
Nº Convencional:JSTA000P15363
Nº do Documento:SA22013022701062
Data de Entrada:11/24/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1.1. A……., com os demais sinais nos autos, interpõe recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 19 de Maio de 2011, na parte em que julgou improcedente a oposição que deduziu à execução fiscal nº 188020020101524356 contra si revertida por dívidas de IRC de 2006 e 2007 e coimas, no montante global de €2.823,71.
Nas respectivas alegações, conclui o seguinte:
1. Para poder ser analisado o cometimento da nulidade que a Fazenda Pública invocou (único fundamento para o seu recurso), consistente numa omissão de pronúncia, teria de pôr em causa a matéria de facto dada como provada (nomeadamente a constante da alínea B) dos factos assentes), tal como o estabelece o artigo 685°-B do C.P.C., o que não fez, razão pela qual aquela matéria sempre terá de ser dada como assente, não competindo ao Tribunal suprir a falta da parte (que não impugnou tal matéria), sob pena de nulidade, por excesso de pronúncia, o que expressamente se invoca;
2. Não corresponde à realidade o entendimento do M’ Juiz “a quo” de que o oponente teria invocado como fundamento da oposição - para além de outros enquadráveis em tal forma de processo - a ilegalidade da liquidação, já que o que o oponente invocou foi a inexistência do imposto em causa, invocando que o PEC um mero instrumento tributário;
3. Mesmo que razão alguma assistisse ao M.º Juiz “a quo”, atendendo, além do mais, ao princípio da economia processual, nunca seria de deixar de conhecer aquele pedido;
4. É entendimento doutrinal e jurisprudencial pacífico que é pelo pedido final formulado, ou seja, pela pretensão que o requerente pretende fazer valer, que se determina a propriedade ou impropriedade do meio processual empregue para o efeito, pelo que, no caso vertente, será pelo pedido formulado pelo oponente na oposição que se terá de aferir do acerto ou erro do meio processual que utilizou, sendo certo que o que o oponente defende é que não é responsável pelo pagamento de qualquer valor, razão pela qual o M°. Juiz “a quo” deveria conhecer da totalidade do pedido formulado pelo oponente;
5. Não conhecendo o M.º Juiz “a quo” dos fundamentos da oposição relativos às dívidas de I.R.C., não pode sobre tal matéria proferir qualquer decisão de mérito, impondo-se antes não conhecer daquele pedido e absolver da instância a Fazenda Pública no que toca à matéria relativa às dívidas de I.R.C., de modo a que o oponente possa discutir o mérito da questão em sede de impugnação judicial, solução que se retira do disposto nos artigos 193°., 493º, nº 1 e 2 e 289°, nº 2 do C.P.C.
6. A decisão proferida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 668°, nº 1 alínea d,), 193°, 493°, nº 1 e 2 e 289°, nº 2 do C.P.C., pelo que deve ser revogada, substituindo-a por outra que julgue totalmente procedente a oposição ou, caso assim se não entenda, absolva da instância a Fazenda Pública relativamente à matéria que o M°. Juiz “a quo” entendeu ser fundamento de impugnação judicial não coarctando ao recorrente o direito de vir a obter uma decisão de mérito em nova acção (impugnação,) de modo a permitir o aproveitamento dos efeitos civis da propositura da presente.

1.2. Não houve contra-alegações
1.3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de não ser dado provimento do recurso.

2. A sentença deu como assente os seguintes factos:

A) Em 2002 foi instaurado contra a “B…….., Lda. Pessoa colectiva nº ……., abreviadamente denominada executada ou devedora originária, o processo de execução fiscal nº 1880-2002/01524356 e apensos do Serviço de Finanças de Santo Tirso, para execução de dívidas de IRC, coimas e custas, no valor de 102.514.34 (fls. 20 e 21),
B) Por despacho de 10/10/2009, do coordenador da equipa PRESFED, por delegação do chefe de finanças, os PEF foram revertidos contra o oponente pelas dívidas de coimas no valor global de 2.823.71€ (fls. 26 a 28);
C) O oponente foi citado em 14/10/2009.

3. O recorrente, citado por reversão da execução fiscal instaurada por dívidas de IRC e coimas da sociedade de que foi gerente, deduziu oposição com três fundamentos: (i) não há responsabilidade subsidiária por coimas, uma vez que o artigo 8º do REGIT é materialmente inconstitucional; (ii) se assim não se entender, a cobrança de dívidas por coimas não pode ser efectuadas através do processo de execução fiscal, por não estar prevista no artigo 148º do CPPT; (iii) a devedora originária está inactiva desde 2003, pelo que não se gerou quaisquer rendimentos que implicassem o pagamento especial por conta do IRC dos anos de 2006 e 2007.
A sentença recorrida, após suprimento de uma nulidade arguida pela Fazenda Pública, julgou a oposição (i) improcedente quanto às dívidas de IRC, pelo facto dos fundamentos invocados não poderem ser apreciados na oposição, nem se poder convolar a oposição para impugnação judicial e (ii) procedente quanto às dívidas de coimas, pelo facto da execução fiscal por dívidas derivada da responsabilidade civil subsidiária não estar prevista no artigo 148º do CPPT, na redacção vigente à data da reversão.
O recorrente não se conforma com a decisão tomada quanto à improcedência da oposição relativamente às dívidas de IRC alegando que: (i) a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, invocada pela Fazenda Pública não deveria ter sido julgada procedente, uma vez que a matéria de facto indicada na alínea b) do probatório não foi impugnada, e por isso mesmo deveria ter sido mantida a decisão inicial que julgou totalmente procedente a oposição; (ii) na petição inicial, o que alegou foi a inexistência do imposto, ou seja, que o PEC é um mero instrumento tributário, não se tratando de um imposto, mas do pagamento antecipado de um imposto, o que deve constituir fundamento de oposição; (iii) não se tendo conhecido dos fundamentos de oposição às dívidas de IRC, não se deveria ter proferido uma decisão de mérito, mas apenas a absolvição da instância da Fazenda Pública.
Não se nos afigura, porém, que estes argumentos possam conduzir a solução diferente da que foi tomada na sentença recorrida.
A sentença recorrida, na parte saneadora do processo, apreciou a questão do erro na forma de processo levantada no parecer do Ministério Público, em virtude das causas de pedir da oposição corresponderem a formas processuais diversas: a oposição, para a ilegalidade do despacho de reversão, por inconstitucionalidade do artigo 8º do REGIT e por inadmissibilidade da execução fiscal para cobrança de dívidas emergentes de responsabilidade civil subsidiária; a impugnação, para a ilegalidade da liquidação do IRC.
E decidiu-se que a cumulação ilegal de causas de pedir não permitia a convolação para a forma de impugnação, pelo que, neste caso, o «Tribunal deve ordenar o prosseguimento dos autos para conhecimento da causa de pedir que constitui fundamento de oposição e abster-se de conhecer a causa de pedir que constitui fundamento de outra forma de processo».
Esta passagem dos fundamentos da sentença é elucidativa da razão pela qual no facto constante da alínea b) do probatório se referiu que os processos de execução fiscal foram revertidos contra o oponente «pelas dívidas de coima pelo valor global de 2.823,71», remetendo-se para os documentos constantes de fls. 26 a 29, que dão corpo ao despacho de reversão.
É evidente que a reversão incidiu também sobre as dívidas de IRC, verificando-se até que na descrição daquele facto ocorreu um erro, na medida em que o valor global referido inclui também as dívidas de IRC e não apenas as provenientes de coimas. Mas a ideia subjacente ao facto é que, após se ter decidido que o processo apenas prosseguia para apreciação jurídica das coimas, não havia necessidade de fazer alusão às dívidas de IRC, o que é perfeitamente compreensível.
É por isso que bem andou a Fazenda Pública em solicitar a nulidade da sentença, o que foi imediatamente suprido, tal era a contradição entre a parte dos fundamentos e a parte da decisão. Na verdade, a decisão julgou «totalmente procedente a oposição», quando havia referido que a mesma só prosseguia quanto às dívidas de coimas. Como a força de caso julgado da sentença cobre apenas, em princípio, a decisão, não podia deixar de se ajustar a decisão à parte fundamentadora da sentença. E daí que tenha sido suprida a nulidade, julgando-se a oposição procedente quanto às dívidas de coimas e improcedente quanto às dívidas de IRC, sem que isso represente qualquer excesso de pronúncia.
E, contrariamente ao alegado pelo recorrente, não era necessário que a matéria de facto tivesse sido impugnada, pois, para além de ser perceptível que a reversão abrangeu toda a quantia exequenda, dos fundamentos da sentença já resultava que as dívidas de IRC não podiam ser apreciadas em sede de oposição.
Diz a recorrente que ilegalidade das dívidas de IRC pode ser conhecida na acção de oposição à execução porque o que se invocou foi a inexistência do imposto, ou seja, «que o PEC é um mero instrumento tributário, não se tratando de um imposto, mas do pagamento antecipado de um imposto, e que, naturalmente, exige o facto tributário para poder ser cobrado, o que no caso não existe sequer».
Pois bem, nem sequer é necessário averiguar se com esta afirmação o oponente está a alegar a ilegalidade em concreto ou a ilegalidade em abstracto, pois está suficientemente demonstrado nos autos que as dívidas de IRC exequendas são as liquidações do IRC dos anos 2006 e 2007 e não resultantes da falta dos PEC. Perante a dúvida levantada pelo oponente na petição inicial, pelo despacho de fls. 46 dos autos foi solicitado ao serviço de finanças que desse informação sobre a origem das dívidas constantes dos vários títulos executivos. Na resposta que foi dada, através dos documentos de fls. 45 a 83, constata-se que dois dos processos executivos respeitam a coimas resultantes da falta de entrega do pagamento especial por conta, um do exercício de 2007 e outro do exercício de 2008, e os outros dois respeitam a liquidações de IRC, uma de 2006 e outra de 2007, calculadas com base na declaração de rendimentos, modelo 22, que foram submetidas via internet em nome da devedora originária.
Portanto, a alegação de que não existe imposto porque os PEC não eram devidos, dada a falta de rendimento, apenas poderá ser direccionada às dívidas de coimas, pois apenas elas respeitam aos PEC. As outras dívidas emergem de liquidações do IRC dos anos de 2006 e 2207 e não à falta dos PEC relativos a esses anos.
Ainda assim, sempre se dirá que a inexistência do facto tributário subjacente à liquidação consubstancia ilegalidade em concreto do acto tributário, por erro nos pressupostos de facto, e não a chamada “ilegalidade abstracto”, com o significado de inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos a que respeita ou não estar autorizada a cobrança à data da liquidação (cfr. al. a) do art. 204º do CPPT). Não cabe em qualquer destes fundamentos a alegação de que o tributo não era devido pelo facto de não haver qualquer rendimento no exercício em causa. Nesta situação, a ser verdadeira, a ilegalidade resulta da situação real a que a norma tributária foi aplicada e não da ausência de suporte normativo para tal a liquidação. Por isso, o revertido só pode questionar a legalidade do acto com esse fundamento através dos meios de impugnação administrativa e contenciosa que conduzam à sua eliminação da ordem jurídica e não através de meios que conduzam à extinção da execução (cfr. art. 22º, nº 4 do LGT).
Por fim, diz o recorrente que a decisão sobre as dívidas de IRC deveria ter sido de absolvição da instância e não de mérito, de modo que ainda se possa discutir o mérito da questão em sede de impugnação judicial, solução que se retira do disposto nos artigos 193º e 493º, nº 1 e 2 do CPC.
Mas, se os factos alegados não constituem fundamento de oposição, tal como estão enunciados taxativamente no artigo 204º do CPPT, a sentença só poderá conduzir a uma decisão de mérito, no sentido da absolvição do credor tributário do pedido de extinção da execução. A oposição à execução é uma “contra-acção” que existe apenas para efeitos da execução e que se destina a destruir os efeitos do título e da acção executiva. Ora, se o fundamento alegado não se integra num dos enunciados naquele artigo 204º, o que existe é motivo de improcedência do pedido com base nessa causa de pedir. Nesse caso, a instância da acção de oposição não se extingue com uma decisão de absolvição da instância, em termos de se legitimar a propositura de outra oposição (arts. 289º e 671º do CPC). Ela extingue-se porque se julgou definitivamente que, como base naquele fundamento, não é possível extinguir a execução. Como refere a jurisprudência deste Tribunal «a circunstância de uma das causas de pedir gizadas não constituir fundamento legítimo de oposição, como será o caso da ilegalidade em concreto do acto de liquidação do IVA, não implica a ineptidão da petição inicial, constituindo, antes, motivo de improcedência do pedido com base nessa causa de pedir» (acs. do STA, de 25/1/2012, rec. nº 0866/11 e de 9/5/2012, rec. nº 311/12).
Isso não significa, porém, que os efeitos dessa decisão inviabilizem a propositura de uma impugnação judicial tendente à anulação da liquidação, pois o caso julgado formado por aquela decisão apenas impede a repetição de nova oposição, uma vez que nenhum juízo foi feito quanto à ilegalidade do acto tributário incorporado no título executivo. O caso julgado material da acção de oposição só se forma relativamente aos fundamentos que podem ser deduzidos na oposição. Por isso, se não é possível alegar na oposição a ilegalidade concreta da dívida, nada impede que se invoque esse fundamento em acção impugnatória.

4. Pelo exposto, os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 27 de Fevereiro de 2013. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.