Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0646/16.5BECBR
Data do Acordão:06/26/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24723
Nº do Documento:SA1201906260646/16
Data de Entrada:06/11/2019
Recorrente:INSTITUTO A.......... - COOPERATIVA DE EDUCAÇÃO ,C.R.L.
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
Instituto A…….. – Cooperativa de Educação, Ld.ª intentou, no TAF de Coimbra, contra o Ministério da Educação, acção pedindo a declaração de ilegalidade das normas veiculadas pelo art.º 3º/9, e art.º 25.º/3, do Despacho Normativo nº 7-B/2015, de 07/05, na redacção introduzida pelo Despacho Normativo nº 1-H/2016 e a proscrição da sua aplicação à Autora.

Aquele Tribunal julgou a acção improcedente.
Decisão que o Tribunal Central Administrativo Norte manteve.

É desse acórdão que o Autor vem recorrer (art.º 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelo TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Autora celebrou, em 20/07/2015 e 20/08/2015, contratos de associação com o Estado que tiveram como objecto a concessão do apoio financeiro necessário à constituição de 12 turmas no ano de lectivo 2015/2016 e de 18 turmas nos anos lectivos de 2015/2016, 2016/2017 e 2017/2018.
Após a celebração dos referidos contratos, foi publicado o Despacho Normativo n.º 1-H/2016, de 14/04, que alterou a redacção dos art.ºs 3.º, n.º 9, e 25.º, n.º 3 do Despacho Normativo n.º 7-B/2015, de 07/05, os quais passaram, respectivamente, a estabelecer que “a frequência de estabelecimentos de ensino particular e cooperativo com contrato de associação, na parte do apoio financeiro outorgado pelo Estado, é a correspondente à área geográfica de implantação da oferta abrangida pelo respetivo contrato e que compete à Inspeção-Geral da Educação e Ciência, em articulação com a DGEstE, proceder à verificação do cumprimento, pelos estabelecimentos do ensino particular e cooperativo com contrato de associação, da respetiva área geográfica de implantação da oferta abrangida pelo contrato outorgado”.

Inconformada com essa alteração, a Autora instaurou a presente acção pedindo a declaração de ilegalidade da alteração das normas do Despacho n.º 7-B/2015 e a sua desaplicação ao caso concreto para o que alegou que a nova redacção dessas normas estava ferida por múltiplos vícios de violação de lei e de forma.

O TAF julgou a acção improcedente.

Decisão que o TCA confirmou pelas seguintes razões:
Não havia falta de habilitação legal no tocante ao nº 9 do artigo 3º introduzido pelo Despacho Normativo nº 1-H/2016 por no preâmbulo deste Despacho virem “expressamente referidas as normas em que o mesmo se fundamenta. De notar que há várias espécies de regulamentos, não se tornando necessário, como decorre da decisão recorrida, que todas as matérias regulamentadas tenham que estar previamente referidas na norma habilitante. Têm é que decorrer da matéria a regulamentar.

Não havia violação do procedimento regulamentar por ser “insofismável e incontornável que o aviso de publicitação do início do procedimento, tendente à elaboração do referido despacho normativo, foi publicado no site oficial do governo em 24.02.2016 «para os efeitos previstos no artigo 98.º do CPA».
O referido teve por objecto concretizar procedimentos de matrícula e respectiva renovação bem como normas e critérios a observar na distribuição de crianças e alunos, constituição de grupos e turmas e definição do período de funcionamento dos estabelecimentos de educação e de ensino.
É ainda indicado o modo e a legitimidade de particulares e entidades para se constituírem como interessados e apresentarem contributos para a elaboração do regulamento em causa.
Em face do que precede, não se reconhece assim a violação do referido art.º 98º do CPA.”

E também não havia violação do art.º 99º do CPA já quecabia ao Recorrente, o que não logrou fazer, demonstrar que foi omitida a fase de elaboração do texto regulamentar inicial, tendente à aprovação do Despacho normativo em causa, instruído, nos termos da norma citada” nem violação do artigo 100.º do CPA por nem o Recorrente “nem outras entidades se terem constituído como interessados no procedimento tendente à elaboração do Despacho Normativo relativo ao regime de matrícula no âmbito da escolaridade obrigatória, pelo que, por natureza, estava prejudicado o direito de audiência prévia, por falta de interlocutor habilitado. Por outro lado, a validação e a homologação de turmas para os efeitos previstos nos arts. 24.º e 25.º do Despacho Normativo 7-B/2015 visaram tão-só assegurar a fiscalização do cumprimento das exigências legais e contratuais de constituição de turmas.”
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E não tinha havido violação do Estatuto Do Ensino Particular e Cooperativo e do Contrato de Associação por “Na realidade, cada Estabelecimento de Ensino Particular e Cooperativo com contrato de associação só pode(r) oferecer tendencialmente as suas prestações de ensino, ao abrigo do contrato de associação, aos alunos oriundos da respectiva área geográfica de implantação da oferta considerada no mesmo contrato, por ser essa a área geográfica supostamente deficitária e a carecer de um regime compensatório. Aliás, isso mesmo resulta da Portaria n.º 172-A/2015, de 5/06, que, em cumprimento do disposto nos art.º 10.º e 17.º do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (EEPC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4/11, veio definir as regras a que deve sujeitar-se o procedimento administrativo para celebração dos contratos de associação, no respeito pela Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo, aprovada pela Lei n.º 9/79, de 19 de Março.
Assim, apenas se puderam candidatar ao financiamento em causa os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que se localizavam nas áreas geográficas das turmas colocadas a concurso, identificadas no Anexo I do aviso de abertura.”
De resto era patente que as normas a que se refere o n.º 9 do artigo 3.º e o n.º 3 do artigo 25.º, ambos do despacho normativo n.º 7-B/2015, de 7/5, na redacção introduzida pelo despacho normativo n.º 1-H/2016, de 14/04 não são imediatamente operativas, não se mostrando só por si lesivas, no caso, para o Instituto Educativo aqui Recorrente. Efectivamente, as controvertidas normas para que se mostrassem lesivas, sempre careceriam da intermediação de actos administrativos.

Como não fora violado o Principio da Liberdade de Ensino uma vez que “a liberdade de escolha, exigindo que se assegurem as condições à existência, em simultâneo, de uma rede de ensino público e de uma rede de ensino particular e cooperativo, e que se apoiem estes estabelecimentos de ensino através da celebração de contratos, promovendo progressivamente o acesso às escolas particulares em condições de igualdade com as públicas, não abrange o princípio de que os alunos, ou os seus pais, podem escolher livremente uma escola pública ou privada com garantia de gratuitidade de ensino…..
Com efeito, sabido que a liberdade de aprender e ensinar é um direito, liberdade e garantia não exequível imediatamente por si mesmo, ou seja, exige regulamentação complementar para ser exequível, na concretização legal deste direito à liberdade de escolha não tem de ser garantida – porque o imperativo constitucional não o exige – a possibilidade de escolha da escola pública ou privada com garantia de gratuitidade de ensino.” De resto a norma em causa garante essa liberdade de escolha com garantia de gratuitidade, fazendo-o, é certo, dentro dos condicionalismos geográficos determinados pelos fundamentos que estiveram subjacentes à celebração dos contratos de associação, mas tais limitações não são de molde a afectar as garantias que decorrem da liberdade de escolha pela simples circunstância de esta não assegurar um direito (incondicional) à gratuitidade quer do ensino público, quer do ensino privado.

Como não fora violado o princípio da igualdade por não bastar “invocar a verificação em abstracto de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu. Assim, até por falta de concretização e densificação do alegado, não se vislumbra que se verifique qualquer violação de princípios, mormente constitucionais.
Nem a Tutela da Confiança e da Boa-fé pelas razões já expostas relativamente à necessidade de densificação das invocadas violações de princípios, designadamente de natureza constitucional.”

3. A questão que se suscita nesta revista é, como se vê, a de saber se os art.ºs 3.º, n.º 9, e 25.º, n.º 3 do Despacho Normativo n.º 7-B/2015, de 07/05, alterados pelo Despacho Normativo n.º 1-H/2016, de 14/04, que conduziram à cessação de contratos celebrados anteriormente, que asseguravam o apoio financeiro indispensável ao funcionamento de algumas turmas de estabelecimentos do ensino particular, maxime o Recorrente, estão feridos pelos vícios que este lhes apontou.
Problemática que não só gerou significativa polémica no momento da sua publicação, com significativa repercussão mediática, como pôs em causa a viabilidade financeira e a continuidade do ensino em várias daquelas escolas. O que, por si só, aconselha a admissão desta revista apesar desta questão ter sido já abordada por este Supremo, que concluiu como o Acórdão recorrido. Todavia, e porque aquela constitui uma primeira abordagem não se pode falar em jurisprudência consolidada.
Acresce que a relevância e a dificuldade dos problemas jurídicos suscitados e a repercussão social que aquela questão tem, inclina-nos a pensar que, também por tais razões, a admissão da revista é necessária para uma mais esclarecida aplicação do direito.
Decisão.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Porto, 26 de Junho de 2019 – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.