Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01204/15.7BEPRT
Data do Acordão:02/29/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CRÉDITOS
HOSPITAIS DO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE
PRESCRIÇÃO
Sumário:Não é de admitir o recurso de revista em que a «questão» principal contende com o âmbito de aplicabilidade da prescrição de créditos prevista no artigo 3º do DL nº218/99, de 15.06, se a decisão unânime das instâncias aparenta estar correcta.
Nº Convencional:JSTA000P31991
Nº do Documento:SA12024022901204/15
Recorrente:INSTITUTO PORTUGUÊS DE ONCOLOGIA DO PORTO FRANCISCO GENTIL MARTINS E.P.E.
Recorrido 1: A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. O «INSTITUTO PORTUGUÊS DE ONCOLOGIA DO PORTO FRANCISCO GENTIL, E.P.E.» [IPO] - autor desta acção administrativa «comum» - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAN - de 17.11.2023 - que negou provimento à sua «apelação» e confirmou totalmente a sentença do TAF do Porto - de 23.03.3023 - que absolveu do pedido a ré «A..., S.A.», com fundamento na prescrição da dívida que por ele vinha reclamada.

Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «importância fundamental» da questão.

Feita a pertinente notificação, a ora recorrida não contra-alegou.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O autor da acção administrativa - então dita «comum» - demandou a ré pedindo ao tribunal que esta lhe pagasse a quantia global de 206.807,60€ acrescida de juros sobre o montante facturado [147.921,76€] até efectivo e integral pagamento. Para tanto, alega a falta de pagamento de facturas emitidas, relativas à prestação de assistência médica a vários doentes/utentes beneficiários da ré, ao abrigo de uma convenção celebrada em 21.04.2004. Mais alega que o valor facturado, apesar de vencido, não foi pago, sobre ele se vencendo juros de mora à taxa legal para dívidas comerciais.

O tribunal de 1ª instância - TAF do Porto - entendeu que a quantia reclamada pelo autor já não era exigível por se verificar a sua prescrição, e, destarte, julgou procedente a excepção peremptória invocada pela ré - prescrição do capital e juros - e absolveu esta do pedido. Face à situação fáctica apurada - prestação de serviços de saúde pela autora, integrada no SNS, a beneficiários dos planos de saúde geridos pela ré, tendo sido emitidas as «respectivas facturas» das quais resulta a especificação do serviço prestado e o respectivo valor a cobrar a coberto de «Protocolo celebrado em Março de 2004» - o tribunal entendeu que a ré ficou directamente responsável perante os serviços do SNS pelo pagamento dos cuidados de saúde prestados aos seus beneficiários no território nacional continental, e que ao caso se aplicava o regime legal previsto no DL nº218/99, de 15.06 - para cobrança de créditos referentes a «cuidados de saúde» prestados por uma EPE integrada no SNS - cujo artigo 3º fixa em três anos - contados da data da cessação da prestação dos serviços que lhes deu origem - o prazo de prescrição dos respectivos créditos.

Inconformado, o autor apelou para o TCAN apontando erro de julgamento à sentença do tribunal de 1ª instância por ter violado os artigos 1º, 2º, e 5º, do DL nº218/99, de 15.06, bem como os artigos 309º e 406º, nº1, do CC, alegando que na sentença não se procede a uma análise crítica alargada e exigente daquele DL nº218/99, em ordem a considerá-lo aplicável ao objecto dos autos, sublinhando que o «prazo de prescrição» aplicável segue a regra prevista no artigo 309º do CC porque tem origem contratual.

No seu acórdão, o TCAN «negou provimento» a esta apelação e confirmou a sentença recorrida abordando o erro de julgamento invocado, e sublinhando que o DL nº218/99, de 15.06, estabelece o regime de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços que integram o SNS, e que «inexiste qualquer norma que excepcione a sua aplicabilidade a situações como a dos autos».

Novamente o autor discorda, e pede «revista» do acórdão do tribunal de apelação por entender errado o seu julgamento. Reitera que o acórdão recorrido não procede a uma análise crítica alargada e exigente do DL nº218/99, de 15.06, em ordem a considerá-lo aplicável ao objecto dos autos, sublinhando que o prazo de prescrição aplicável neste caso segue a regra prevista no artigo 309º do CC porque tem origem contratual, e que ao julgar como julgou o tribunal de apelação violou os já referidos artigos 1º, 2º, e 5º, do DL nº218/99, de 15.06, bem como os artigos 309º e 406º, nº1, do CC. Na sua tese, tal diploma aplica-se ao âmbito da responsabilidade civil extracontratual e à conexa com a inerente à companhia de seguros, relativa a um terceiro responsável, mas não às obrigações com génese contratual, como é, diz, a dos presentes autos. Deste modo, seria necessária norma expressa a estender a sua aplicabilidade a estas obrigações de génese contratual, o que não ocorre.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Ora, cumprirá ressaltar, à cabeça, que os dois tribunais de instância foram «unânimes» na decisão proferida, bem como na sua respectiva fundamentação, o que, obviamente, sem garantir a correcção do assim julgado, não deixa de constituir «sinal relevante» do seu aparente acerto. Dois tribunais, quatro juízes, convergiram num mesmo sentido, e fizeram-no, diga-se, alicerçados «numa análise jurídica dos factos provados» e «numa interpretação e aplicação do regime jurídico chamado a intervir» que se mostra lógica, coerente, sem contradições e sem erros manifestos, e, enquanto tal, justificativos da admissão da revista em nome da «clara necessidade de melhor aplicação do direito». E acrescente-se que as alegações de revista, que insistem no julgamento de procedência da pretensão formulada pelo IPO, não se mostram suficientemente convincentes, e, portanto, capazes de fazer sucumbir a fundamentação levada à decisão unânime das instâncias. Também não se evidencia - atentos os concretos contornos da factualidade apurada - qualquer conflito com jurisprudência existente nos tribunais superiores da jurisdição.

Ademais, admitir este recurso seria abrir uma 3ª instância, o que não é permitido pela lei, sendo certo que a «questão» que o recorrente pretende continuar a debater não se perfila de importância fundamental em termos de relevância jurídica ou social.

Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto pelo autor da acção administrativa.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 29 de Fevereiro de 2024. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.