Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:034/15
Data do Acordão:02/16/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não se justifica admitir a revista, atendendo às acrescidas exigências de admissibilidade da revista em processo cautelar, quando não versa sobre questões de alcance geral da tutela cautelar, nem sobre matéria de acentuada repercussão comunitária e a solução a que chegou o acórdão recorrido não revela erro ostensivo.
Nº Convencional:JSTA000P18619
Nº do Documento:SA120150216034
Data de Entrada:01/15/2015
Recorrente:A...
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, por sentença de 30 de Julho de 2014, deferiu providência cautelar, intentada por A………….. contra o Ministério da Educação e Ciência, e determinou a suspensão de eficácia do acto “que executa o acórdão do TCAS – Recurso n.º 0971/12 e que considera sem efeito a colocação do A. no par instituição/curso 0705 Universidade de Lisboa – Faculdade de Medicina, 9933 Medicina”.

O Tribunal Central Administrativo Norte, por acórdão de 10 de Outubro de 2014, concedendo provimento a recurso do Ministério da Educação e Ciência, revogou essa sentença e indeferiu a providência cautelar.

2. Deste acórdão interpôs recurso o requerente da providência, ao abrigo do art.º 150.º do CPTA, que subiu para apreciação preliminar de admissão.

Em síntese, o recorrente alega que o acórdão recorrido errou na apreciação do requisito do fumus boni juris previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA, na medida em que desprezou a questão de que, não sendo o requerente aluno do ensino recorrente no ano lectivo de 2011-2012, antes estando já matriculado no ensino superior, embora noutro curso, o despacho suspendendo faz aplicação retroactiva da nova redacção do Dec. Lei n.º 74/2004, de 26 de Março, na redacção do Dec. Lei n.º 41/2012, de 22 de Fevereiro, ao dar simplesmente sem efeito a sua colocação no curso que actualmente frequenta com sucesso, sem ponderar o reingresso no curso que antes frequentava. Além disso, à situação em causa não é aplicável a doutrina do acórdão do Tribunal Constitucional invocada pelo acórdão recorrido (ac. n.º 355/2013 ), uma vez que o julgamento de não inconstitucionalidade aí formulado contempla, apenas, a hipótese de sujeição ao novo regime dos alunos a frequentar o ensino recorrente no momento de entrada em vigor da lei nova e não a dos alunos que a essa data já o tinham completado. Quanto a estes, inutilizando-lhes uma habilitação que antes detinham, há aplicação retroactiva da lei.

3. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário. Apenas consentem recurso nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

Como se refere na exposição de motivos do CPTA "num novo quadro de distribuição de competências em que o TCA passa a funcionar como instância normal de recurso de apelação, afigura-se útil que, em matérias de maior importância, o Supremo Tribunal Administrativo possa ter uma intervenção que, mais do que decidir directamente um grande número de casos, possa servir para orientar os tribunais inferiores, definindo o sentido que deve presidir à respectiva jurisprudência em questões que, independentemente de alçada, considere mais importantes. Não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução dos litígios. Ao Supremo Tribunal Administrativo caberá dosear a sua intervenção, de forma a permitir que esta via funcione como válvula de segurança do sistema".

Nos processos cautelares, sendo a regulação da situação, por natureza, provisória e sendo proferida com base num debate encurtado e mediante uma análise tendencialmente simplificada da situação e em que predominam avaliações de facto, menos se justificam excepções à regra da limitação a dois graus de jurisdição. Por regra, as questões colocadas em acções deste tipo não transcendem o caso sujeito. Assim, salvo quando estejam em causa aspectos do regime jurídico específicos da tutela cautelar ou que, por qualquer outra razão, se confinem à providência cautelar, em situações de relevância comunitária particularmente intensa, ou perante desvios a princípios processuais fundamentais, as exigências de tutela cautelar devem considerar-se, por norma, satisfeitas mediante o duplo grau de jurisdição.

4. É certo que, no caso, se verificou divergência das instâncias acerca do preenchimento concreto do requisito da al. b) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA (fumus non malus jus).

Entendeu a sentença de 1ª instância que tal requisito está preenchido porque, além de não se evidenciar qualquer circunstância que obste ao preenchimento do mérito da pretensão, não é igualmente manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular na acção, atenta a argumentação aduzida pelo Requerente, nomeadamente, de que o acto suspendendo não reconstituiu a situação que existiria se o acto praticado pelo Requerido, na sequência da procedência daquela acção de intimação, sendo que se tal se confirmar, o acto padecerá de vício de violação de lei por erro nos pressupostos, o que determinará a sua anulação. É que, continua o acórdão, se é verdade que o acto suspendendo não pretende executar a sentença de anulação de um acto administrativo, também é verdade que o Requerido reconhece que com aquela decisão pretendeu repor a legalidade, colocando o Requerente na situação que entende que este se encontraria se a Administração não tivesse de obedecer àquela sentença de intimação, depois revogada. Assim, o que o Requerido profere é um acto revogatório (mesmo que não expresso) daquele outro acto que havia praticado na sequência daquela acção de intimação, por entender necessariamente que o mesmo seria ilegal, atribuindo-lhe efeitos retroactivos, o que sempre seria passível de ser sindicado, atenta a necessidade de reconstituir a situação actual hipotética do Requerente. Por outro lado, também a alegação da violação do princípio constitucional da segurança jurídica e da protecção da confiança, invocada agora por outro prisma, mais concretamente quanto ao acto administrativo que concretizou o determinado no acórdão do Tribunal Administrativo do Sul, não é destituída de fundamento.

O acórdão recorrido decidiu diversamente considerando, quanto a este aspecto, que não há qualquer facto que suporte a alegação de que há ilegalidade na reconstituição actual hipotética, após ter sido revogada a decisão jurisdicional que impedira a aplicação ao concurso em causa do novo regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 42/2012, de 22 de Fevereiro. Não é retirada ao Requerente qualquer classificação académica, alterando-se apenas a classificação final relevante do curso de ensino secundário. E, como foi decidido pelo Tribunal Constitucional na acção de intimação para protecção de direitos liberdades e garantias que gerou a situação administrativa que o acto alterou, não há, na aplicação deste novo regime no ano a que respeita o concurso de acesso ao ensino superior em causa, violação dos princípios da confiança e da segurança jurídica, contrariamente à argumentação que o requerente agora reedita.

Vejamos se esta divergência quanto à aparência de bom direito justifica excepcionalmente o duplo grau de recurso.

As instâncias não divergem em qualquer aspecto essencial do regime jurídico respeitante à tutela cautelar, designadamente quanto aos critérios da sua concessão. A decisão oposta a que chegaram resulta da valoração da situação concreta do requerente, designadamente, de saber se é plausível a verificação de ilegalidade do acto suspendendo por não ter afeiçoado a decisão à circunstância de o recorrente frequentar o ensino superior anteriormente ao concurso de acesso em causa.

Trata-se de uma questão relativamente à qual o recorrente não logra demonstrar virtualidade de replicação num número significativo de casos. Nem sequer pode invocar-se o universo de autores coligados no processo que gerou a situação que o acto suspendendo fez reverter. Esses candidatos ao ensino superior, oriundos do ensino recorrente, convergiam na pretensão de que lhes não fosse aplicado o regime decorrente do Dec. Lei n.º 42/2012, mas é diversa a situação relevante de cada um depois da improcedência dessa pretensão. Aliás, ter-lhe o acto suspendendo aplicado acriticamente a solução genérica, sem contemplar a especificidade da sua situação, é uma das críticas que o recorrente lhe faz.

Não se apresenta, assim, uma questão de importância fundamental para cuja apreciação se justifique admitir a revista relativamente a uma decisão proferida em processo de natureza cautelar.

E também se não vislumbra clara necessidade de intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para melhor aplicação do direito. As ponderações efectuadas pela decisão recorrida não revelam erro ostensivo na decisão das questões relevantes para apreciação da pretensão do ora recorrente, designadamente, no plano de apreciação da verosimilhança e de razoabilidade do discurso fundamentador que aqui cabe, quanto ao julgamento da questão da violação dos princípios constitucionais da segurança jurídica e da protecção da confiança ou à interpretação do acórdão do Tribunal Constitucional proferido no processo de intimação, em que foi parte (cfr. ac. n.º 355/2013 e também ac. n.º 773/2014).

5. Decisão

Pelo exposto, decide-se não admitir o recurso e condenar o recorrente nas custas.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2015. – Vítor Gomes (relator) – Alberto Augusto Oliveira – São Pedro.