Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0189/10
Data do Acordão:04/21/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
MATÉRIA DE FACTO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO
Sumário:I - Se nas conclusões das suas alegações de recurso o recorrente manifesta clara discordância com o decidido no que respeita aos juízos de apreciação da prova efectuados pelo Tribunal recorrido, assumindo uma clara divergência nas ilações de facto retiradas do probatório, o recurso versa também matéria de facto.
II - Envolve igualmente apreciação de matéria de facto a comprovação, exigida pelo artigo 89.º -A, nº 3 da Lei Geral Tributária, de que correspondem à realidade os rendimentos declarados pelo sujeito passivo e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada.
III - Tendo o recorrido, nas suas contra-alegações de recurso e ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 684.º-A do Código de Processo Civil (aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), requerido o aditamento de novos factos ao probatório fixado na sentença recorrida, factos esses que são, em abstracto, relevantes para a boa decisão da causa, tem de concluir-se no sentido da incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal para o conhecimento do recurso, ex vi dos artigos 280.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26º alínea b) e 38º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Nº Convencional:JSTA00066390
Nº do Documento:SA2201004210189
Data de Entrada:03/12/2010
Recorrente:DIRFIN DE LISBOA E A...
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:INCOMPETÊNCIA.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL.
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART16 ART280 N1.
CPC96 ART101 ART102 ART684 A N2.
ETAF02 ART26 B ART38 A.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC558/09 DE 2009/09/09.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – O Director de Finanças de Lisboa recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 27 de Novembro de 2009, que julgou procedente o recurso deduzido ao abrigo dos artigos 87.º alínea d) e 89.º da Lei Geral Tributária (LGT) por A…, com os sinais dos autos, contra o despacho do Director de Finanças de Lisboa que fixou por avaliação indirecta o rendimento tributável para efeitos de IRS de 2004 no montante de € 96 600,00 anulando o acto recorrido, apresentando para tal as seguintes conclusões:
A. O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença a fls …, que decidiu conceder provimento ao recurso e anular o acto tributário recorrido.
B. A douta sentença recorrida fez, contudo uma errada aplicação da Lei aos factos, nomeadamente no que respeita à interpretação do n.º 3 do Artigo 89.º-A da LGT, pelo que se recorre da mesma, na parte em que decidiu que, perante os factos dados como provados ficou ilidida a presunção de evasão fiscal relativa aos rendimentos declarados face aos meus de fortuna evidenciados.
C. A Mma Juiz “a quo”, não obstante considerar que se verificam em abstracto, os pressupostos da avaliação directa da matéria colectável, por outro lado, conclui com base na alínea M) dos factos assentes que foi ilidida a presunção de evasão fiscal, “porquanto se demonstrou que a fonte da manifestação de fortuna evidenciada foi outra que não se encontrava sujeita a declaração em sede de IRS”.
D. Ora, o n.º 3 do artigo 89º-A da LGT referido determina que é necessário comprovar a fonte/origem do rendimento e não, que simplesmente possui esse montante à data da manifestação de fortuna.
E. De facto, o Recorrente comprovou que celebrou um contrato de mútuo com hipoteca no valor de € 450 000,00, para aquisição do imóvel, com o Banco B…, mas no que toca aos restantes € 33 000,00 apenas comprova que o Contribuinte detinha na sua conta bancária em 21/06/2004 (portanto, antes da escritura), o valor de € 38 517,06.
F. Como se vê, dos factos assentes não resulta qual a origem dos rendimentos existentes naquela data na sua conta, ou melhor, que a fonte dos rendimentos que detinha naquela data era outra e que por isso não se encontravam sujeitos a declaração em sede de IRS.
G. E nem se diga que a fonte dos rendimentos do Recorrente provinha da República Popular da China, onde supostamente tem negócios onde aufere ganhos que trará para Portugal de forma que não ficou explicita, pois além de tal facto não ter ficado assente nos factos provados, também não comprova que o montante de € 38 517,06, que existia em 21/06/2004 na sua conta, tivesse essa origem, ou que não tivesse de ser declarado em sede de IRS no exercício de 2004.
H. Para ilidir a presunção, nos termos do n.º 3 do artigo 89º-A da LGT, não basta comprovar através de extractos bancários que detém à data da escritura o montante necessário para a realizar a aquisição, (ou no caso, que detinha o remanescente entre o valor de aquisição e do empréstimo, no valor de € 33 000,00) tal não é relevante, caso contrário, não podia adquirir o imóvel.
I. Para fazer prova de que a origem dos rendimentos evidenciados não foram omitidos na declaração de IRS de 2004, deveria comprovar que manteve saldo suficiente para essa despesa desde 31/12/2003 até à data da escritura, caso contrário, não demonstra que aquele rendimento não se encontrava sujeito a declaração em sede de IRS em 2004.
J. Pelo exposto, a Douta Sentença recorrida errou, ao considerar que o Recorrente demonstrou através dos factos provados na alínea M) que a fonte da manifestação de fortuna evidenciada foi outra e que não se encontrava sujeita a declaração em sede de IRS, por o Recorrente ter provado que possuía quantia superior a € 33 000,00 depositada na conta antes da escritura.
K. Assim, a douta sentença incorreu na violação do n.º 3 do artigo 89º-A da LGT, razão pela qual deve ser substituída por outra, que mantenha o acto recorrido por ter sido proferido de acordo com a legislação em vigor.
Nestes termos e nos mais de direito que Vªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional, e assim revogar a douta sentença na parte em que considerou ilidida a presunção de evasão fiscal do n.º 3 do artigo 89º-A da LGT, substituindo-se por outra que mantenha o acto recorrido com as legais consequências.
2 – Contra-alegou o recorrido, nos termos de fls. 500 a 539 dos autos, requerendo ainda a ampliação do âmbito do recurso nos termos do n.º 2 do artigo 684.º-A do C.P.C. (aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT), quer quanto a pontos determinados da matéria de facto não impugnados pelo recorrente (identificados na conclusão III das suas contra-alegações de recurso, a fls. 533 a 534 dos autos) que pretende que sejam considerados provados, quer quanto a questões de Direito suscitadas no seu recurso e em relação às quais decaiu (conclusões IV a VII das suas contra-alegações, a fls. 534 a 538 dos autos), em ambos os casos prevenindo a procedência da questão suscitada pelo recorrente e determinantes, as primeiras, na perspectiva do recorrido, da incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal para conhecimento do recurso.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no qual suscitou como questão prévia a da incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal para conhecimento do recurso, nos termos seguintes:
Nos presentes autos suscita-se, desde logo, uma questão prévia, que é da incompetência deste Tribunal em razão da hierarquia.
Com efeito e como se constata das conclusões das alegações de recurso (fls. 470 e segs.) a Fazenda Pública vem pôr em causa os juízos de apreciação da prova feitos pelo Tribunal recorrido, manifestando clara divergência nas ilações de facto retiradas do probatório – cf. conclusão G em que a entidade recorrente vem pôr em causa análise da matéria de facto efectuada na decisão recorrida invocando que «não se comprova que o montante de € 38517,06, que existia em 21.06.2004 na sua conta tivesse essa origem (República Popular da China), ou que não tivesse de ser declarada em sede de IRS no exercício de 2004».
É inquestionável que a comprovação, exigida pelo artº 89-A, nº 3 da Lei Geral Tributária, de que correspondem à realidade os rendimentos declarados pelo sujeito passivo e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada, envolve apreciação de matéria de facto, sendo que é também sobre tal questão factual que a Fazenda Pública funda a sua divergência com a decisão recorrida.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a entender que na delimitação da competência do Supremo Tribunal Administrativo em relação à do Supremo Tribunal Administrativo deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.04.1999, Processo 22908, «…Tais conclusões versarão matéria exclusivamente de direito se resumirem a sua divergência com o decidido à interpretação ou aplicação da lei ou à solução dada a qualquer questão jurídica. IV – Versarão questão de facto se manifestarem divergência com a questão factual, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devem retirar dos mesmos».
Acresce que na sua resposta de fls. 500 e segs. o recorrido pede ampliação do objecto do recurso também quanto à decisão da matéria de facto.
Verifica-se, pois, a incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo para conhecimento dos dois recursos, já que versando o principal e o subordinado matéria de facto, será competente para conhecer de ambos o Tribunal Central Administrativo Sul – arts 280.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26º alínea b) e 38º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (na redacção da Lei 107-D/2003 de 31.12) – cf. ainda neste sentido os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 06.11.1996, recurso 19838 e de 19.12.2001, recurso 26443, ambos in www.dgsi.pt.
Nestes termos somos de parecer que, ouvidos os recorrentes, este Tribunal deve ser julgado incompetente em razão da hierarquia.
4 Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a questão da incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal suscitada no Parecer do Ministério Público (fls. 580 e 581 dos autos), veio o recorrente responder nos termos de fls. 582 e 583 dos autos, defendendo ser o Supremo Tribunal Administrativo o competente para conhecimento do recurso por si interposto, pois que não pugna a recorrente por nenhuma alteração à matéria de facto, e bem assim que o recurso apresentado pelo recorrido perdeu o seu objecto, não relevando para o efeito o pedido ali formulado de ampliação do objecto do recurso também quanto à matéria de facto, concluindo, porém que, caso assim não se entenda, desde já se requer que os presentes autos sejam remetidos ao tribunal competente (cf. artº 18º nº 2 do CPPT).
Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência.
- Fundamentação -
5 – Questões a decidir
Importa a título prévio decidir da competência deste Supremo Tribunal para conhecer do presente recurso, atento ao teor das conclusões das alegações de recurso apresentadas e a que a competência deste Tribunal se restringe, em regra, ao conhecimento de recursos com exclusivo fundamento em matéria de Direito, ex vi dos artigos 280.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 26º alínea b) e 38º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).
Improcedendo a questão prévia suscitada, haverá então que conhecer do mérito do recurso, averiguando da existência de erro de julgamento da sentença recorrida.
6 – Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
A) Em 21/6/2004, o Recorrente adquiriu uma fracção autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao 1º piso e rés-do-chão esquerdo do Corpo B, habitação duplex, do prédio urbano sito na …, descrito na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº 240, pelo valor de € 483 000,00 – cf. documento de fls. 29 Processo Administrativo;
B) Na mesma data celebrou o Recorrente contrato de mútuo com hipoteca a favor do Banco C… no valor de € 450 000,00 a amortizar em 480 meses – cf. documento de fls. 35 do Processo Administrativo;
C) Em cumprimento da ordem de serviço nº OI 200701185, foi efectuada uma acção inspectiva interna de âmbito parcial com vista à averiguação da consistência entre os rendimentos declarados pelo recorrente, em sede de IRS, em 2004 no valor anual de € 16 004,17 e a manifestação da sua capacidade aquisitiva atento o valor da aquisição da fracção autónoma identificada em A) – cfr. documento de fls. 2 do PA;
D) Através do ofício nº 075165, de 6/10/2008, foram solicitados ao Recorrente através da sua mandatária, esclarecimentos adicionais à audiência prévia, procedendo à junção de extractos bancários da conta de empréstimo e depósito à ordem da conta indicada no contrato de mútuo com hipoteca indicado na alínea B), relativamente aos anos de 2004 e 2005 – cf. documento de fls. 131 do PA;
E) Em resposta o Recorrente informou que não faz arquivo de tais documentos, pelo que não poderia juntar tais documentos – cf. documento de fls. 133 do PA;
F) Em 13/11/2008, pelo Director de Finanças foi proferido despacho de concordância com o seguinte parecer: “Face à situação de facto verificada, e em pormenor exposta no relatório, nada tenho a opor quanto aos fundamentos que implicam o recurso à avaliação indirecta relativamente aos rendimentos de IRS para o ano de 2004. Efectivamente, naquele ano, adquiriu um imóvel pelo valor de € 483 000,00, e declarou um rendimento global que ascende a € 16 004,17. Assim para o ano acima referido, foi apurada uma desproporção superior a 50% para menos, em relação ao rendimento padrão apurado do sujeito passivo, pelo que se encontram reunidos os condicionalismos legais, previstos no art. 87.º al. d) e art. 89.º-A nº 1 e 4, ambos da Lei Geral Tributária (LGT), conjugados com o art. 39º do Código do IRS (C.I.R.S.), para a fixação do Rendimento Tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G – art. 9º nº 1 al. d) do C.I.R.S. O sujeito passivo exerceu o direito de audição, em consequência da notificação que lhe foi feita, (…) apresentando os seguintes fundamentos, para fazer face à referida aquisição: Empréstimo hipotecário que obteve no mercado financeiro nacional, no montante de € 450.000.00; Rendimentos que obtêm na República Popular da China, através de duas sociedades familiares, rendimentos esses que são trazidos em moeda (Euros ou dólares), mensalmente, de forma a fazer face às prestações mensais, respeitantes ao empréstimo hipotecário. Estando perante uma situação, eventualmente, de entrada de capitais, em território nacional, de forma ilegal e não tendo sido provado cabalmente tal situação, conjugado com a insuficiência de rendimentos obtidos e declarados, para solver as obrigações mensais, inerentes ao empréstimo hipotecário, tais factos, não prejudicam a proposta de fixação do rendimento nos termos do referido art 89-A da L.G.T. – ver Grupos IX do relatório. Nestes termos, confirmo o valor proposto, no montante de € 96.600,00, apurado nos termos do nº 4 do art. 89º-A da L.G.T. para efeitos do disposto no art 89º-A, nº 6 da LGT (na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 53-A/2006, de 29.12) (…)” – cf. documento de fls. 2 e sgs do PAT;
G) Em 4/12/2008, pela Directora de Finanças adjunta, foi emitido mandado com vista à notificação do Recorrente residente na…-Lisboa, do teor do ofício nº 88031, de 14/11/2008, relativo às conclusões da acção de inspecção tributária indicada na alínea D), “nos termos do artigo 40º” do CPPT – cf. fls. não numeradas do PA;
H) Com data de 4/12/2008, D… e E…, funcionárias da Direcção de Finanças de Lisboa, certificaram que se deslocaram à morada do Recorrente sita na …-Lisboa, a fim de notificar o recorrente do teor do ofício nº 88031, de 14/11/2008, relativo às conclusões da acção de inspecção tributária, não a puderam levar a efeito em virtude de não o ter encontrado no lugar indicado, tendo deixado indicação de Hora Certa, nos termos do disposto no artigo 240º do CPC, ficando avisado para o dia 5/12/2008, pelas 15.30 horas de que seria contactado para levar a efeito a referida notificação – cf. fls. não numeradas do PA;
I) Com data de 5/12/2008, D… e E…, funcionárias da Direcção de Finanças de Lisboa, certificaram que se deslocaram à hora indicada na certidão referida na alínea anterior, à morada do Recorrente sita na …-Lisboa, a fim de notificar o recorrente do teor do ofício nº 88031, de 14/11/2008, relativo às conclusões da acção de inspecção tributária, não se encontrando o notificando, nem qualquer pessoa, efectuou a notificação por afixação à porta da sua residência – cf. fls. não numeradas do PA;
J) Através do ofício nº 09481, de 5/12/2008, enviado por carta registada, recebida em 11/12/2008, foi o recorrente notificado do conteúdo do ofício nº 88031, de 14/11/2008 por afixação edital, e informado de que o respectivo ofício e fundamentação ficariam à sua disposição na Secretaria Geral dos Serviços de Inspecção Tributária – cf. fls. não numeradas do PA;
K) Em 4/12/2008 a funcionária D… deslocou-se à morada identificada em H), acompanhada de E…, ambas Inspectoras Tributárias, a primeira munida de certidão do mandato indicado em G), tendo sido atendidas por um homem que não falava português, facto confirmado por uma adolescente que entretanto surgira no local e que se encontrava de saída, que se recusou a receber qualquer documentação, pelo que procedeu à afixação na porta da referida habitação da certidão aludida em H) com a aposição de fita cola – cf. depoimento das próprias;
L) No dia seguinte, em 5/12/2008, voltaram ao local, verificando que ninguém atendeu, afixaram na porta da morada identificada em H), a certidão referida em I) com a aposição de fita cola – cf. depoimento das próprias;
M) Em 21/6/2004 o Recorrente apresentava na conta de depósito com o nº … de que é titular junto do Banco B…, um saldo inicial de conta à ordem de € 38 517,06, verificando-se em 22/6/2004 os seguintes movimentos: foi efectuado depósito de € 2 470,00, foi transferida para a referida conta a quantia de € 28 500,00 foi ainda depositada a quantia de € 450 000,00, referente a concessão de crédito imobiliário, e que o saldo final nesse dia reportado à data valor de 21/6 era de € 79 740,50 – cf. documento de fls. 409 e 412;
N) Em 21/6/2004 o Recorrente apresentava na conta de depósito com o NIB … de que é titular junto do F…, um saldo de € 5 081,94 – cf. documento de fls. 410.
7 – Apreciando.
7.1 Questão prévia: Da incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal
Importa a título prévio decidir da questão suscitada pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, pois que o seu conhecimento precede o de qualquer outra (artigos 16.º do CPPT, 101.º e 102.º do Código de Processo Civil), prejudicando, se procedente, a apreciação e julgamento das demais questões suscitadas no recurso.
Como resulta do seu parecer junto aos autos e supra transcrito, entende este Ilustre Magistrado que a Fazenda Pública vem pôr em causa os juízos de apreciação da prova feitos pelo Tribunal recorrido, manifestando clara divergência nas ilações de facto retiradas do probatório – cf. conclusão G em que a entidade recorrente vem pôr em causa análise da matéria de facto efectuada na decisão recorrida invocando que «não se comprova que o montante de € 38 517,06, que existia em 21.06.2004 na sua conta tivesse essa origem (República Popular da China), ou que não tivesse de ser declarada em sede de IRS no exercício de 2004», sendo inquestionável que a comprovação, exigida pelo artº 89-A, nº 3 da Lei Geral Tributária, de que correspondem à realidade os rendimentos declarados pelo sujeito passivo e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada, envolve apreciação de matéria de facto, sendo que é também sobre tal questão factual que a Fazenda Pública funda a sua divergência com a decisão recorrida. A isto acrescendo que nas suas contra-alegações o recorrido pede ampliação do objecto do recurso também quanto à decisão da matéria de facto. Conclui, assim, que se verifica a incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo, sendo competente para deles o Tribunal Central Administrativo Sul – arts 280.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26º alínea b) e 38º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (na redacção da Lei 107-D/2003 de 31.12).
E na verdade, assim é, por duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, e atentando às conclusões das alegações de recurso apresentadas pelo recorrente, pois que são estas as relevantes para aferir do objecto e âmbito do recurso (artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, números 1 e 3 do Código de Processo Civil) e consequentemente da competência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal, verifica-se que o recorrente, em especial nas conclusões C) e G) das suas alegações de recurso, manifesta clara discordância com o decidido no que respeita aos juízos de apreciação da prova efectuados pelo Tribunal recorrido, assumindo uma clara divergência nas ilações de facto retiradas do probatório (em especial, relativamente aos factos constantes da sua alínea M), a isto acrescendo que, como bem diz o Excelentíssimo Procurador Geral Adjunto no seu parecer, parece inquestionável que a comprovação, exigida pelo artº 89-A, nº 3 da Lei Geral Tributária, de que correspondem à realidade os rendimentos declarados pelo sujeito passivo e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada, envolve apreciação de matéria de facto, sendo que é também sobre tal questão factual que a Fazenda Pública funda a sua divergência com a decisão recorrida.
A esta razão - já de si suficiente para determinar a incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal para conhecimento do recurso - acresce uma outra: a de que o recorrido, nas suas contra-alegações de recurso (e não apenas do recurso que interpôs para o TCA-Sul tendo por objecto a decisão sobre custas, entretanto reformada, como parece pressupor o recorrente na sua resposta ao parecer do Ministério Público), veio ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 684.º-A do Código de Processo Civil (aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas, pretendendo, deste modo, o aditamento de novos factos ao probatório fixado na sentença recorrida.
E tais factos são, em abstracto, relevantes para a boa decisão da causa, caso se entenda que os já fixados não são suficientes para fundamentar o juízo probatório requerido pelo n.º 3 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária.
Pelas razões expostas, há-de concluir-se o presente recurso não tem por fundamento exclusivo matéria de Direito, e assim sendo procede a excepção de incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal para conhecimento do objecto do recurso, pois, como é sabido, das decisões de primeira instância apenas cabe recurso para o Supremo Tribunal Administrativo “quando a matéria for exclusivamente de direito”, cabendo recurso para o Tribunal Central Administrativo das restantes decisões judiciais que o admitam (artigos 280.º n.º 1 do CPPT e 26.º alínea b) e 38.º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
O facto de em causa no recurso ser igualmente questionada a solução jurídica tomada na decisão recorrida, não obsta à incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal para conhecimento do recurso, pois que, como se disse no recente Acórdão deste Tribunal de 9 de Setembro de 2009 (rec. n.º 558/09), se o recurso versar matéria de direito e matéria de facto é (este Tribunal) incompetente para dele conhecer, em razão da hierarquia, sendo antes, para tanto, competente a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo – art. 38º al. a) do novo ETAF.
Verifica-se, pois, excepção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal, que obsta ao conhecimento do mérito e dá lugar à absolvição da instância do recorrido (artigos 101.º, 494.º, alínea a) e 493.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), salvo se for requerida a remessa do processo ao Tribunal competente, nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do CPPT.
Como tal remessa foi já preventivamente requerida pelo recorrente (fls. 583 dos autos), há que ordenar a remessa dos autos ao Tribunal competente – Tribunal Central Administrativo Sul - , após o trânsito em julgado.
- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso do Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em julgar este Supremo Tribunal incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 2 UC e procuradoria de 1/8.
Após trânsito em julgado da presente decisão, remetam-se os autos ao TCA-Sul, como requerido.
Lisboa, 21 de Abril de 2010. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Brandão de Pinho - António Calhau.