Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02193/18.1BEBRG
Data do Acordão:04/08/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO ACTIVO
DESPACHO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
Sumário:I - No caso de litisconsórcio necessário ativo impõe-se a prolação de um despacho pré-saneador nos termos do art. 87º nº1 al. a) do CPTA antes da prolação do despacho saneador a que alude o art. 88º do mesmo diploma, sendo aplicáveis os artigos 6º e 590º do CPC e art. 7º do CPTA.
II - O mecanismo do art. 261º do CPC não interfere com aplicação dos preceitos supra referidos, tratando-se o mesmo mais de uma válvula de escape para a situação de trânsito em julgado de despacho de absolvição da instância que tem efeitos colaterais a nível de custas.
III - O art.º 318.º apenas se está a referir à intervenção espontânea da parte e não para o caso de convite do juiz à realização de atos de regularização da instância e de qualquer forma não se aplica à situação do art. 261º.
Nº Convencional:JSTA00071109
Nº do Documento:SA12021040802193/18
Data de Entrada:11/27/2020
Recorrente:MUNICÍPIO DE LAMEGO
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:RECREVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:NEGAR PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT
Legislação Nacional:CPTA ART 7.º
CPTA ART 87.º, 1, AL. A)
CPTA ART. 88.º
CPC ART. 6.º
CPC ART. 261.º
CPC ART 590.º
Referência a Doutrina: ABRANTES GERALDES, RECURSOS NO NCPC, ALMEDINA, 5.ª ED., 2018, PÁGS. 29/30
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO:

1. O Município de Lamego vem interpor recurso jurisdicional de revista para este STA, nos termos do art. 150º CPTA, do acórdão do TCAN, que revogou o saneador-sentença do TAF de Viseu que o havia absolvido da instância, por ilegitimidade ativa — na ação movida por A…………, Lda contra si relativa ao pedido de libertação da garantia bancária nº 2503.008656 prestada no âmbito do contrato de empreitada de obras públicas, celebrado com o consórcio, composto pela então A. e por B…………, Lda, — determinando a baixa do processo ao mesmo TAF de Viseu, com vista ao suprimento dessa exceção dilatória.

2. Para tanto, alegou em conclusão:

“Pressupostos de admissibilidade (...)

Fundamentos da revista:

N. A Sentença decidiu absolver o Réu da instância por causa da ilegitimidade ativa da Autora,

O. Nos termos da Sentença a referida relação material controvertida em apreço consubstancia-se, precisamente, nos contratos de empreitada celebrados entre a Autora e a outra sociedade comercial designada por “B…………”, como consorciadas, e o Réu, concretamente, o cumprimento e plena execução das respectivas obrigações.

P. É que não estando na lide as duas sociedades comerciais com interesse nas referidas relações contratuais estabelecidas entre o Réu, verifica-se a exceção de ilegitimidade ativa por preterição de litisconsórcio.

Q. Convém ainda ter presente que a Autora, notificada da contestação com essa matéria de exceção nada disse, dentro do prazo do respectivo contraditório, bem como a prerrogativa/ónus previsto no art.º 316.º do Código Processo Civil.

R. O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte revogou a Sentença e ordenou que a 1.ª instância profira despacho que providencie pelo suprimento da exceção dilatória de ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário natural ativo, convidando a Autora a deduzir o devido incidente de intervenção principal provocada, nos termos conjugados dos artigos 6º, nº 2, e 590º, nº 2, al. a), do Código de Processo Civil, após o que prosseguirão os autos os trâmites processuais que no caso couberem e forem legalmente adequados.

S. Nos termos do art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 231/81 de 28 de julho, os contratos de consórcios externos celebrados entre a A…………, S.A. e B………… Lda. significa que estas duas sociedades comerciais se obrigaram entre si de forma concertada a realizar os referidos contratos de empreitadas, mantendo as suas personalidades jurídicas, inclusive perante o Réu.

T. Apresentando-se duas sociedades em consórcio, a despeito da pluralidade das consorciadas, a respetiva proposta, comum, é unitária e singular, assim como o contrato celebrado.

U. Deste modo é conjunta e incindível a titularidade do direito de adjudicação também só em conjunto, e em convergência de vontades, as sociedades consorciadas têm, no plano substantivo, o poder de exigir juros moratórios.

V. Tendo uma das empresas integrantes do consórcio, demandado, sozinha, a entidade adjudicante, e considerando que a outra sociedade não acompanha a Recorrente na sua pretensão, verifica-se, pois, uma situação de ilegitimidade ativa, conforme os art.ºs 30.º e 33.º do Código de Processo Civil (CPC).

W. Verifica-se a ilegitimidade ativa da Autora, por preterição de litisconsórcio necessário ativo, pois a Autora demandou o Réu sem a consorciada B………… Lda., conforme art.ºs 9.º do CPC e 30.º e 33.º do CPC.

X. Sendo uma exceção dilatória de ilegitimidade nos termos dos art.ºs 1.º e 89.º, n.º 3, al. e), ambos do CPTA, com a absolvição da instância do Réu (cfr. art.ºs 89.º, n.º 2, do CPTA e 576.º e 577.º ambos do CPC).

Y. Por um lado, há litisconsórcio necessário ativo, porquanto a recorrente, tendo apresentado ao concurso uma proposta em conjunto com outra interessada em agrupamento de consórcio externo, não pode vir sozinha, e desacompanhada desta, impugnar uma decisão que a ambas diz respeito. É preciso assegurar o efeito útil normal da decisão (art.º 33.º do Código Processo Civil).

Z. A existência jurídica de um consórcio entre as duas empresas, já constituído ao tempo da prática do ato, e o modo como na lei e no respetivo título de constituição são reguladas as relações entre as partes e a forma como se projetam para o exterior vem reforçar a ideia de que a defesa dos interesses dos co-proponentes e membros do consórcio, só consegue ser assegurada pela vinda a juízo de ambos (cfr. Decreto-Lei nº 231/81, de 28 de julho).

AA. Em face do que antecede, a Autora carece, efetivamente, de legitimidade, já que, atendendo à relação jurídico-administrativa de que o litígio dimana, ela não é titular, por si mesma, de interesse direto e pessoal no provimento do recurso, exigindo-se o litisconsórcio necessário ativo – art.º 33.º do Código Processo Civil.

BB. Veja-se, nesse sentido a jurisprudência, contrariamente ao da decisão recorrida, nomeadamente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0489/04, de 08-06-2004 (...).

CC. E, ainda, veja-se, nesse sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0556/11, de 20 de setembro de 2011, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.(...)

DD. O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 00239/12.6BEMDL, de 20-02-2015, disponível em http://www.dgsi.(...)

EE. Nesse sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 4/14.6YRPRT, de 19-05-2014, disponível em http://www.dgsi.pt (...) , referido na Sentença revogada pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte.

FF. Assim, entre as sociedades consorciadas existe um vínculo litisconsorcial necessário, de tal modo que teriam de estar todas em juízo a fim de assegurar a respetiva legitimidade ativa para a demanda, o que não acontece no caso dos autos.

GG. Em conformidade com o exposto, a Autora não tinha legitimidade para demandar em juízo o réu, desacompanhada da outra consorciada.

HH. Por outro lado, quanto ao que o Acórdão recorrido ordenou, que o Tribunal em 1ª instância convide a Autora a deduzir o incidente de intervenção principal provocada (cfr. art.ºs 6º, nº 2, e 590º, nº 2, al. a), do Código de Processo Civil).

II. Menosprezou o Tribunal Central Administrativo Norte que a Autora, notificada da contestação com essa matéria de exceção nada disse, dentro do prazo do respetivo contraditório, bem como a prerrogativa/ónus previsto no art.º 316.º do Código Processo Civil.

JJ. A Autora deixou decorrer o prazo previsto no art.º 318.º do Código de Processo Civil,

KK. De resto, a causa de pedir e pedidos da Autora estão em contradição com o ordenado pelo Tribunal Central Administrativo Norte.

LL. Sendo que após a citação do réu, a instância deve manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, com as exceções que resultam da lei, nisto consistindo o princípio da estabilidade da instância (art.º 260.º, do Código Processo Civil).

MM. Sendo que tendo sido proferido Despacho Saneador ao abrigo do art.º 88.º do CPTA, já havia sido ultrapassada a oportunidade para a aplicação do art.º 87.º do CPTA.

NN. Pelo que, pela aplicação dos art.ºs 88.º não se aplicam aos autos os art.ºs 6.º e 590.º do Código de Processo Civil, ao contrário do decidido pelo Acórdão recorrido do Tribunal Central Administrativo Norte.

OO. Assim, deverá ser revogado o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte e repristinada a Sentença do Tribunal de 1ª instância, com consequente absolvição da Autora da instância.

PP. De resto, com as custas a cargo da Autora.

Termos em que, e nos do douto suprimento de Vossas Excelências, se requer que:

a) Uma vez admitida a presente revista excecional por se encontrarem preenchidos os pressupostos;

b) Seja dado provimento ao presente recurso e, uma vez que a Autora não tinha legitimidade para demandar em juízo o Réu, desacompanhada da outra consorciada, deverá ser revogado o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte e repristinada a Sentença do Tribunal de 1ªinstância, com consequente absolvição da Autora da instância, sendo que nem se aplicam no caso dos autos as normas legais referidas no Acórdão recorrido.”

3. A Recorrida, A…………, S.A., deduziu contra-alegações, concluindo da seguinte forma:

“1- O recurso de revista interposto pelo Município de Lamego não cumpre os requisitos de que depende a sua admissibilidade, nem versa sobre a matéria em que saiu vencido no Acórdão do Tribunal a quo, pelo que nos termos do disposto no artigo 150º do CPTA e do artigo 631º do CPC, o mesmo não é admissível.

2- No que respeita à única questão admissível em recurso, a Recorrida confessa nada acrescentar.

3- Quer quanto a tudo quanto invocou nas alegações de recurso que apresentou sobre o tema; quer quanto ao que de forma unânime e inequívoca é assumido pela doutrina e jurisprudência; e quer ainda sobre a tudo quanto foi referido no aresto ora em crise, o qual não merece por isso qualquer censura, reparo ou agravo.

4- Nestes termos e nos mais de direito, requer-se a Vºs.Exas. que se dignem julgar totalmente improcedente o recurso interposto, só assim se fazendo a mais sã e elementar JUSTIÇA”

4. O recurso de revista foi admitido pela formação deste STA por acórdão de 05.11.2020.

5. O MP emite parecer no sentido da negação de provimento ao recurso.

6. Após os vistos legais, cumpre decidir.


*

FUNDAMENTAÇÃO

- MATÉRIA DE FACTO fixada pelas instâncias com relevância para a decisão da causa:

“«A) A 23/04/2007, entre a Autora e a sociedade denominada “B…………, S.A.” foi celebrado um designado «Contrato de Consórcio», do qual constam, designadamente, as seguintes cláusulas: “(…) Cláusula Terceira. Objeto. O consórcio tem por objeto a execução da empreitada designada: «Requalificação Urbana da Avenida 5 de Outubro», em Lamego. Cláusula Quarta. Vigência. 1 – O presente contrato tem duração limitada de acordo com o número seguinte e entra em vigor na data da sua assinatura pelas Partes. 2 – O presente contrato deixa de vigorar com a verificação cumulativa dos seguintes factos: a) cumprimento integral e pontual de todas as obrigações decorrentes do contrato celebrado com o Dono de Obra; b) a regularização de todas as contas e eventuais litígios com o Dono de Obra, bem como a liberação de todas as cauções ou garantias; c) a regularização de todas as contas e eventuais litígios entre as Partes. (...) Cláusula Sexta. Chefe do Consórcio. 1 – O chefe do Consórcio é a A…………, S.A.. 2 – Ao Chefe do Consórcio compete: a) A representação do Consórcio perante o Dono de Obra e terceiros, sendo nomeadamente suficiente, que as ordens ou instruções e de um modo geral toda a correspondência do Dono de Obra e/ou Fiscalização sejam emitidas ao consórcio através do Chefe do Consórcio, sempre sem prejuízo de contactos diretos a estabelecer com cada uma das partes no decurso da Empreitada; b) Negociar, com a colaboração e de acordo da outra consorciada, o contrato de empreitada a celebrar com o Dono de Obra e promover tudo o que se torne necessário para a respetiva outorga; c) Coordenação de esforços tendentes à boa prossecução e execução da Empreitada que deu origem ao presente contrato, desenvolvendo junto da outra consorciada e do Dono da Obra as ações necessárias para que esse efeito seja alcançado. (…) Cláusula Oitava. Direitos e Obrigações das Partes. 1 – As Partes divisionam qualitativamente os direitos e custos emergentes da execução da empreitada na seguinte proporção: - B…………, S.A. … 50% (cinquenta por cento); - A…………, S.A. … 50% (cinquenta por cento). 2 – As Partes obrigam-se a colaborar entre si de acordo com o princípio da boa fé e a afetar, dentro das suas possibilidades, os meios necessários à prossecução e realização do objeto do Consórcio, na proporção que a cada um respeita. 3 – As Partes obrigam-se por si e respetivo pessoal a observar um rigoroso e completo sigilo nos aspetos técnicos, comercial e financeiro atinentes com a empreitada e o objeto do presente Consórcio. (…) Cláusula Décima Primeira. Pagamentos. As Partes, apresentarão ao Dono de Obra a faturação global dos trabalhos, na proporção prevista na cláusula oitava, de acordo com as condições de pagamentos do preço da empreitada prevista no respetivo contrato e receberá deste os respetivos montantes. (…)” (cfr. documento junto com a petição inicial sob o nº 1);

B) A 09/05/2007, entre a Autora e a “B…………”, em consórcio, por um lado, e o Réu, por outro, foi celebrado um contrato designado de “Empreitada de «Requalificação Urbana da Avenida 5 de Outubro»”, em Lamego, e que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. documento junto com a petição inicial sob o nº 2);

C) A 21/12/2007, entre a Autora e a sociedade denominada “B…………, S.A.” foi celebrado um designado «Contrato de Consórcio», do qual constam, designadamente, as seguintes cláusulas: “(…) Cláusula Terceira. Objeto. O consórcio tem por objeto a execução da empreitada designada: «Requalificação e Alargamento da Av. D. Afonso Henriques – Lamego». Cláusula Quarta. Vigência. 1 – O presente contrato tem duração limitada de acordo com o número seguinte e entra em vigor na data da sua assinatura pelas Partes. 2 – O presente contrato deixa de vigorar com a verificação cumulativa dos seguintes factos: a) cumprimento integral e pontual de todas as obrigações decorrentes do contrato celebrado com o Dono de Obra; b) a regularização de todas as contas e eventuais litígios com o Dono de Obra, bem como a liberação de todas as cauções ou garantias; c) a regularização de todas as contas e eventuais litígios entre as Partes. (...) Cláusula Sexta. Chefe do Consórcio. 1 – O chefe do Consórcio é a A…………, S.A.. 2 – Ao Chefe do Consórcio compete: a) A representação do Consórcio perante o Dono de Obra e terceiros, sendo nomeadamente suficiente, que as ordens ou instruções e de um modo geral toda a correspondência do Dono de Obra e/ou Fiscalização sejam emitidas ao consórcio através do Chefe do Consórcio, sempre sem prejuízo de contactos diretos a estabelecer com cada uma das partes no decurso da Empreitada; b) Negociar, com a colaboração e de acordo da outra consorciada, o contrato de empreitada a celebrar com o Dono de Obra e promover tudo o que se torne necessário para a respetiva outorga; c) Coordenação de esforços tendentes à boa prossecução e execução da Empreitada que deu origem ao presente contrato, desenvolvendo junto da outra consorciada e do Dono da Obra as ações necessárias para que esse efeito seja alcançado. (…) Cláusula Oitava. Direitos e Obrigações das Partes. 1 – As Partes divisionam qualitativamente os direitos e custos emergentes da execução da empreitada na seguinte proporção: - B…………, S.A. … 50% (cinquenta por cento); - A…………, S.A. … 50% (cinquenta por cento). 2 – As Partes obrigam-se a colaborar entre si de acordo com o princípio da boa fé e a afetar, dentro das suas possibilidades, os meios necessários à prossecução e realização do objeto do Consórcio, na proporção que a cada um respeita. 3 – As Partes obrigam-se por si e respetivo pessoal a observar um rigoroso e completo sigilo nos aspetos técnicos, comercial e financeiro atinentes com a empreitada e o objeto do presente Consórcio. (…)” (cfr. documento junto com a petição inicial sob o nº 10);

D) A 14/01/2008, entre a Autora e a “B…………”, em consórcio, por um lado, e o Réu, por outro, foi celebrado um contrato designado de “Empreitada de «Requalificação e Alargamento da Av. Afonso Henriques»”, em Lamego, e que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. documento junto com a petição inicial sob o nº 11);

E) A petição inicial foi apresentada no TAF de Braga a 01/10/2018 (cfr. fls. 2 e ss. dos presentes autos.».”


*

DO DIREITO

Não é questionada nestes autos que a autora não podia demandar desacompanhada do outro membro do consórcio, pelo que estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário ativo.

Relativamente à mesma o Tribunal de 1ª instância fez concluir a ilegitimidade ativa da autora e absolveu os réus da instância já que a autora não respondeu à exceção invocada pelos réus fazendo intervir a outra parte em falta, pelo que se impunha absolver os réus do pedido.

Como se extrai da decisão de 1ª instância:

“(…) apesar de ter sido a Autora notificada para se pronunciar quanto à matéria exceptiva arguida pelo Réu, nada veio a mesma requerer (nos termos do previsto no artigo 316º e seguintes do CPC, o que sempre seria seu ónus), sem prejuízo de poder ainda lançar mão do previsto no artigo 261º deste mesmo diploma legal”.

O TCAN por sua vez entendeu que deve “(…) ser proferido despacho que providencie pelo suprimento da exceção dilatória de ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário natural ativo, convidando a Autora a deduzir o devido incidente de intervenção principal provocada, nos termos conjugados dos artigos 6º, nº 2, e 590º, nº 2, al. a), do Código de Processo Civil…”.

O Ac. do STA que admitiu a presente revista enunciou as questões a resolver da seguinte forma, se, tendo o juiz “(…) o poder-dever de elaborar um pré-saneador onde providencie pelo suprimento de exceções dilatórias (art. 87°, n.º 1, al. a), do CPTA e arts. 6°, n.º 2, e 590°, n.º 2, al. a), do CPC)) … o não fizer — passando logo ao saneador e absolvendo o réu da instância (…) incorreu numa omissão de pronúncia ou se enunciou deveras um julgamento implícito, (…), sobre a impossibilidade de sanação do pressuposto processual em falta.”

E, “(…) se a resposta correta for a primeira, deve notar-se que, «in casu», o apelante não invocou «expressis verbis» aquela nulidade (que o despacho saneador teria acobertado)” e, se for a segunda é duvidosa a solução encontrada pelo acórdão recorrido, ou seja, que “(…), terminada já a fase dos articulados, se possa convidar o autor a promover uma intervenção principal provocada para assegurar o litisconsórcio necessário ativo, tendo em conta o «terminus ad quem» inserto no art. 318°, n.º 1, al. a), do CPC. Até porque, no caso, existia um método excepcional de sanação do pressuposto processual em falta («vide» o art. 261° do CPC).”.

Alega o recorrente que, tendo sido proferido despacho saneador ao abrigo do art.º 88.º do CPTA, já havia sido ultrapassada a oportunidade para a aplicação do art.º 87.º do CPTA.

Pelo que, pela aplicação dos art.ºs 88.º não se aplicam aos autos os art.ºs 6.º e 590.º do Código de Processo Civil, devendo ser revogado o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte e repristinada a sentença do Tribunal de 1ª instância, com consequente absolvição da Autora da instância.

Como se extrai da decisão recorrida:

“Consequente, é legítima a conclusão que os contraentes nos referidos Contratos de Empreitada eram, por um lado, o Município de Lamego e, por outro lado, as entidades “A…………”, aqui Autora, e a “B…………”, que não o consórcio entre estas estabelecido.

Argumenta a Autora, na defesa da sua legitimidade ativa, que o referido contrato de consórcio, nos termos do previsto no nº 2 do Decreto-Lei nº 231/81, se extinguiu, pelo decurso do prazo de dez anos previsto nessa norma. Invoca ainda que, tendo as partes contratantes estabelecido que dividiriam equitativamente os direitos e os custos emergentes da execução de cada uma das empreitadas na proporção de 50% para cada, mais tendo estipulado, na cláusula 11ª, que cada uma das partes contratantes apresentaria do Dono da Obra a faturação da sua quota parte dos trabalhos, recebendo daquele o respectivo montante. Considera, assim, não existir qualquer direito comum a ambas as entidades que compunham o consórcio, afirmando que tudo quanto se reclama com a presente ação é o pagamento de créditos exclusivos da Autora.

Conclui, desta forma, que de acordo com o nº 2 do artigo 33º do CPC, o “efeito útil normal” da presente demanda apenas carece da intervenção da única credora dos direitos reclamados, no caso presente, a Autora.

Desde já se adianta que não assiste razão à Autora.”

Então vejamos.

O CPTA dispõe no artigo 87º que “1 - Findos os articulados, o processo é concluso ao juiz, que, sendo caso disso, profere despacho pré-saneador destinado a:

a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias;(...)

8 - A absolvição da instância sem prévia emissão de despacho pré-saneador, em casos em que podia haver lugar ao suprimento de exceções dilatórias ou de irregularidades, não impede o autor de, no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão, apresentar nova petição, com observância das prescrições em falta, a qual se considera apresentada na data em que o tinha sido a primeira, para efeitos da tempestividade da sua apresentação.

9 - Em tudo o que não esteja expressamente regulado neste artigo, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil em matéria de despacho pré-saneador e de gestão inicial do processo.”

Por sua vez o artigo 88.º do CPTA dispõe que:

“1 - O despacho saneador destina-se a:

a) Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, em face dos elementos constantes dos autos, o juiz deva apreciar oficiosamente;(...)

4 - No caso previsto na alínea a) do n.º 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal e, na hipótese prevista na alínea b), fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença.

5 - Em tudo o que não esteja expressamente regulado neste artigo, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil em matéria de despacho saneador e de gestão inicial do processo.”

Na verdade, a questão é precisamente a de saber se antes da prolação do despacho saneador a que alude o art. 88º do CPTA não deveria ter ocorrido um despacho pré-saneador nos termos do art. 87º nº1 al. a) do mesmo diploma.

Daí que não haja qualquer motivo para não aplicar os artigos 6º e 590º do CPC como pretende a recorrente.

Resulta do art. 590º do CPC que:

“(...) 2 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:

a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º (...)”.

Em anotação ao art. 508º do CPC/1961 que antecedeu este preceito refere Rodrigues Bastos ("Notas ao CPC", vol. III, 3ª edição, 2001, pág. 58, ponto 2)

«A reforma processual de 95/96, ao regular o poder de direção do processo, mitigando o princípio dispositivo, em ordem a obter o desembaraço da instância de obstáculos que se lhe imponham, veio dispor, no nº 2 do art. 265º [hoje, art. 6º], que o juiz providenciará, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação subjetiva da instância, convidando as partes a praticá-los. (...) Se, num caso de litisconsórcio necessário ativo (art. 28º [hoje, art. 33º] nº 1), o autor tiver vindo a juízo desacompanhado dos seus litisconsortes: o juiz convidará a parte, em prazo que lhe fixará, a vir requerer a intervenção principal provocada (art. 325º [hoje, art. 316º]) daqueles, a fim de evitar a ilegitimidade plural».

Também Abrantes Geraldes ("Temas da Reforma do Processo Civil", vol. II, 3ª edição, 2000, pág. 70) refere:

«4.2.4 - Preterição de litisconsórcio necessário ativo ou passivo

Apurando-se a preterição de litisconsórcio necessário ativo ou passivo, deve o juiz proferir uma decisão convidando o interessado na sanação a suprir a ilegitimidade processual através da intervenção principal provocada das pessoas que estejam ausentes do processo (art. 265º nº 2 "in fine" [hoje, art. 6º])

E dispõe o art. 6º do CPC que:

“1 – (...) 2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.”

No mesmo sentido dispõe o art. 7º-A, nº 2 do CPTA, aditado em 2015.

O juiz deve, assim, determinar a realização dos atos necessários à regularização da instância e quando não o possa fazer oficiosamente, por tal carecer da prática dos atos pelas partes, convidar estas a praticá-los.

Visa-se, assim, providenciar pela sanação da falta de pressupostos processuais que sejam sanáveis para a regularização da instância possibilitando a prolação de uma decisão de mérito.

Assim, a lei processual é expressa quanto à sanabilidade do pressuposto processual consistente na falta de litisconsórcio necessário ainda que o juiz mais não possa fazer do que convidar a parte a fazer o chamamento à intervenção principal da pessoa em falta.

O convite para a sanação das exceções dilatórias dever ser exclusivamente dirigido ao autor por ser sobre ele que recai o ónus de preenchimento dos pressupostos processuais, devendo ser ele quem deve promover as modificações subjetivas da instância que permitam sanar a exceção dilatória de ilegitimidade por preterição de litisconsórcio ativo ou passivo.

Pelo que, confrontado com a falta de algum interessado com reflexos na legitimidade plural, cabe ao juiz convidar o autor a acionar os mecanismos processuais que permitam superar esse obstáculo ao natural prosseguimento da instância para a fase subsequente.

Por sua vez, o art. 261º do CPC dispõe:

“1 - Até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa, pode o autor ou reconvinte chamar essa pessoa a intervir nos termos dos artigos 316.º e seguintes.

2 - Quando a decisão prevista no número anterior tiver posto termo ao processo, o chamamento pode ter lugar nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado; admitido o chamamento, a instância extinta considera-se renovada, recaindo sobre o autor ou reconvinte o encargo do pagamento das custas em que tiver sido condenado.”

Por outro lado, o art. 318º do CPC dispõe:

“1 - O chamamento para intervenção só pode ser requerido:

a) No caso de ocorrer preterição do litisconsórcio necessário, até ao termo da fase dos articulados, sem prejuízo do disposto no artigo 261.º”

Ou seja, o incidente de intervenção apenas pode ser deduzido até ao fim dos articulados.

Mas pode ocorrer até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao processo.

O art.º 318.º apenas se está a referir à intervenção espontânea da parte e não para o caso de convite do juiz à realização de atos de regularização da instância e de qualquer forma não se aplica à situação do art. 261º.

Este art. 261º do CPC refere expressamente que, no caso de absolvição da instância por litisconsórcio necessário é possível deduzir o incidente de intervenção até 30 dias depois do trânsito em julgado da mesma.

E o disposto nestes arts. 261.º e 318.º do CPC não põe em causa o supra referido nos arts. 6º e 590º CPC, 7.º-A do CPTA .

Aliás, desde a reforma do CPC de 1995/96, toda a doutrina (quer antes quer depois de 2013) é unânime em considerar que a falta deste pressuposto processual de legitimidade plural (ativa ou passiva) é sanável através de convite do juiz à parte para requerer a intervenção principal provocada do litisconsorte em falta; e que, em consequência, tal se inscreve num dever do juiz (não num mero poder).

Assim, no caso dos autos, o tribunal “a quo”, ao constatar ter sido preterido o litisconsórcio necessário natural ativo imposto pelo cit. art. 33º-2 do CPC, não podia ter julgado procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa e absolvido o R. da instância antes de ter proferido um despacho pré-saneador destinado a providenciar pelo suprimento daquela exceção dilatória, convidando o Autor a deduzir o incidente de intervenção principal provocada.

E não se diga que tendo sido suscitada a exceção a parte não fez intervir o interessado em falta, como lhe competia.

A parte não fez intervir neste momento o interessado em falta já que, tendo pugnado pela sua legitimidade, ainda não sabia da aderência ou não do tribunal à sua posição jurídica.

E apenas confrontada com isso estaria em condições de o fazer.

A questão é a de saber se apenas o poderia fazer após ter sido julgado parte ilegítima e com recurso ao art. 261º do CPC ou se deveria ter sido convidada à referida intervenção através de despacho pré-saneador antes da sua absolvição da instância por litisconsórcio necessário ativo.

Ora, entendemos que em harmonia com todos os preceitos citados o tribunal ao aderir à posição jurídica da exceção suscitada e, por isso, da ilegitimidade ativa da autora, deveria, antes da prolação de um despacho no sentido da sua ilegitimidade convidá-la a suprir a mesma através do convite à intervenção principal provocada.

E não se diga que a existência do mecanismo do art. 261º implica conclusão diversa.

Este é mais uma válvula de escape para a situação de trânsito em julgado de despacho de absolvição da instância e tem efeitos a nível de custas.

Pelo que este art. 261º não visou eliminar o mecanismo geral previsto na lei de o tribunal resolver a questão, através de despacho pré-saneador a convidar as partes para corrigirem ou sanarem eventuais erros ou exceções, conforme determinam as disposições conjugadas dos arts. 6.º n.º 2, 590.º, n.º 2, al. a), do CPC e art.º 87.º, n.º 1, al. a), do CPTA.

E a consequência de o juiz não ter proferido despacho pré-saneador quando tal se lhe impunha faz cominar de nulidade o despacho saneador proferido permitindo a interposição de recurso no sentido de o eliminar da ordem jurídica.

Coloca-se, então, a questão de saber como (e quando) deve uma parte afetada por um tal incumprimento reagir a este incumprimento.

É certo que “das nulidades, reclama-se; dos despachos, recorre-se”. Porém, as coisas não se apresentam sempre assim tão simples, pois que, aqui, a nulidade processual converter-se-á em nulidade da própria decisão (isto é, em nulidade do próprio despacho saneador proferido sem o obrigatório pré-saneador tendente ao suprimento da exceção).

A este propósito Abrantes Geraldes a propósito desta exata situação in “Recursos no NCPC”, Almedina, 5ª edição, 2018, págs. 29/30, refere:

«Esta questão é particularmente aguda quando nos confrontamos com as consequências emergentes da omissão de “despacho de aperfeiçoamento” perante exceções dilatórias supríveis (por iniciativa do juiz ou da parte) ou articulados irregulares ou deficientes, nos termos do art. 590º nº 2. Se o juiz, apesar de a lei impor a prolação desse despacho (“despacho vinculado”) destinado a superar ou possibilitar a superação de aspetos de ordem formal que afetam a instância ou os articulados, optar por proferir despacho saneador, com absolvição do Réu da instância ou declaração de improcedência da ação ou da exceção, qual a via através da qual a parte interessada deve reagir?

Paulo Pimenta convoca para o efeito o regime das “nulidades processuais”, por omissão de ato com influência na decisão da causa, nos termos dos arts. 195º e 199º (“Processo Civil Declarativo”, 2ª edição, pp. 230-232 e 250-252), via que também foi seguida nos Acs. da Rel. do Porto, de 5-7-06, 0632391 e de 6-5-10, 81/07. Já Teixeira de Sousa advoga que a omissão de despacho de aperfeiçoamento, em qualquer das suas variantes, com extração de efeitos diversos daqueles que ocorreriam se acaso fosse determinada ou proporcionada a correção do vício, se converte, afinal, numa nulidade da própria decisão suscetível de sustentar a interposição de recurso (em https://blogippc.blogspot.pt). Assim foi decidido também nos Acs. da Rel. do Porto de 24-1-18, 754/09, e de 8-1-18, 1676/16, no Ac. da Rel. de Lisboa de 15-5-14, 26903/13, no Ac. da Rel. de Évora de 26-10-17, 2929/15 e no Ac. da Rel. de Guimarães de 23-6-16, 713/14 www.dgsi.pt.

É a solução que me parece mais conforme. A interposição de recurso, com fundamento na omissão causal do despacho de aperfeiçoamento a que o juiz estava obrigado, constitui a via mais segura e mais solene para apurar o relevo de tal omissão, com reflexos, se for o caso, na anulação da decisão, de modo a facultar à parte interessada a possibilidade de superar a situação, antes de suportar as consequências de falhas processuais menores».

Nesta conformidade, afigura-se que bem andou o TCAN ao revogar a sentença do TAF de Viseu e determinar que “(…) a 1.ª instância profira despacho que providencie pelo suprimento da exceção dilatória de ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário natural ativo, convidando a Autora a deduzir o devido incidente de intervenção principal provocada, nos termos conjugados dos artigos 6º, nº 2, e 590º, nº 2, al. a), do Código de Processo Civil…”.

*

Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em negar provimento ao recurso e manter a decisão proferida pelo TCAN.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 8 de Abril de 2021. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) - Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha - Carlos Luís Medeiros de Carvalho, com declaração de que vota a decisão, não acompanhando na integralidade a fundamentação que obteve vencimento.