Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0297/16
Data do Acordão:06/15/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IRS
LIQUIDAÇÃO ADICIONAL
FORMA DA NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - Nos termos do artº 149º do CIRS os actos de liquidação de IRS efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte estão sujeitos a notificação por mera carta registada. Todavia, estando em causa as notificações dos actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, têm as mesmas de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção.
II - Uma liquidação oficiosa que materialize ou revele um ato de fixação ou alteração da matéria tributável declarada pelo contribuinte deve obrigatoriamente ser notificada por carta registada com A/R, em conformidade com o disposto nos arts. 65º nº 4, 66º e 149º nº 2 do CIRS.
Nº Convencional:JSTA00069752
Nº do Documento:SA2201606150297
Data de Entrada:03/10/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF MIRANDELA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:CIRS ART65 ART66 ART149.
CPPT ART38 ART39 ART43.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0546/10 DE 2011/04/13.; AC STA PROC0685/11 DE 2012/11/28.; AC STA PROC0491/11 DE 2012/03/28.; AC STA PROC01940/13 DE 2015/02/05.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Vem a Fazenda Publica recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que, julgou procedente a oposição à execução fiscal instaurada contra a cobrança coerciva de dívidas de IRS relativas ao ano de 2006, por ter considerado que houve falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1. Por via do douto aresto sob recurso, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela declarou a procedência da oposição por ter considerado que a liquidação oficiosa de IRS, relativa ao ano de 2006, não tinha sido validamente notificada ao Oponente, por suposta violação das disposições constantes dos artigos 35º e seguintes do CPPT;
2. À data da emissão e envio da notificação em causa, regia, em matéria de notificações das liquidações de IRS, o artigo 149.º do código do IRS e, a título subsidiário — “em tudo o mais” na expressão literal da norma — as disposições contidas nas normas artigos 35.° e seguintes do CPPT. (vide n°6 do artigo 149°)
3. Em regra, o direito à liquidação dos tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos (cf. n.º 1 do artigo 45º da LGT);
4. De molde a obstar à ocorrência da caducidade, basta que a AT deposite a carta de notificação nos serviços do distribuidor postal, sob registo, até 3 dias antes do termo do prazo de caducidade;
5. Para o referido efeito, a lei não exige que o notificando tenha efectivo conhecimento do acto tributário, uma vez que a lei estabelece uma presunção iuris et de jure da validade da notificação;
6. O mesmo é dizer que a prática atempada do acto de liquidação, dentro do respectivo prazo, tem o efeito de obstar à sua caducidade, exigindo-se, no entanto, por razões de certeza jurídica e para protecção da confiança, que tal acto seja certificado através do registo da carta de notificação;
7. Os elementos de prova junto aos autos, conjugados uns com os outros, são suficientes para afirmar que a carta de notificação foi registada e expedida ao seu destinatário em data anterior ao termo final do prazo de caducidade, facto que, de resto, é expressamente admitido pelo mm.° juiz a quo no aresto sob recurso (vide § 1.º a fls. 10);
8. Demonstrando-se, como se demonstrou que o facto impeditivo da caducidade [notificação do acto de liquidação] foi praticado e enviado ao destinatário sob a forma legalmente prescrita — carta registada (cf. artigo 149°, n.º 3 do CIRS, à data vigente) — em data anterior ao termo final do prazo de caducidade, mister será concluir que dita notificação não enferma de qualquer vício da mesma invalidante para efeitos de aferição da observância do prazo de caducidade;
9. A sentença que, perante o quadro factual descrito e provado, julgou a oposição procedente, extinguindo em consequência a execução, incorreu em erro de julgamento violando assim o quadro jurídico que enquadra o instituto da caducidade do direito à liquidação dos tributos, constante das normas ínsitas, nomeadamente, nos artigos 149.° do código do IRS e 45º da Lei Geral Tributária.
10. Nestes termos, e nos demais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deverá ao presente recurso ser concedido integral provimento com a consequente revogação da sentença recorrida, assim se fazendo a já acostumada e sã Justiça.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 O Ministério Público emitiu parecer a fls. 130 com o seguinte conteúdo:
«Pese embora o que se invoca no recurso interposto, parece ser de confirmar o decidido de acordo com a jurisprudência que se cita (fls. 97) e que se pronunciou diretamente sobre a questão que emerge para apreciação.
O recurso é de improceder!»

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – No Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela foram dados como provados e com interesse para a decisão os seguintes factos:

1) Os oponentes têm domicílio fiscal declarado em «Av ……….. ……. — ….. 5400-…….. Chaves»;
Doc. 1 junto com a p.i.
2) O mesmo domicílio corresponde ao domicílio declarado pelos oponentes junto da Município de Chaves no Âmbito do contrato de fornecimento de água;
Doc. 1 junto com a p.i.
3) Foi remetido, por carta registada, o oficio n.º 15016 de 23.11.2009, endereçado ao oponente para a morada «AV ……….. — …… 5400-………. Chaves», relativo a divergências nos valores declarados na Declaração de IRS e informação obtida sobre a venda de um imóvel pelo valor de € 175 000,00;
Fls. 56 dos autos
4) O ofício referido veio devolvido com a informação «endereço insuficiente»;
Fls. 57 dos autos
5) Foram remetidas tanto a demonstração de liquidação de IRS, bem como a demonstração de liquidação de juros, endereçadas aos oponentes para «Av ……….. …….. 5400-………. Chaves»;
Fls. 59 e 60 dos autos
6) As demonstrações referidas foram devolvidas com a informação «endereço insuficiente»;
Fls. 59v. e 60v. dos autos
7) Contra os oponentes foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 2380201001037404 para cobrança coerciva de IRS do ano de 2006 no valor de € 19 572,38.
Fls. 51 e ss. dos autos.

6. Do mérito do recurso
Da análise da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela e dos fundamentos invocados pela recorrente para pedir a sua alteração, podemos concluir que a única questão objecto do presente recurso consiste em saber se padece de erro de julgamento a decisão recorrida ao julgar procedente a oposição à execução fiscal instaurada contra a cobrança coerciva de dívidas de IRS relativas ao ano de 2006, por ter considerado que a liquidação de IRS relativa àquele ano não foi validamente notificada aos oponentes dentro do prazo da caducidade.

Para assim decidir, considerou a decisão sindicada que se pode depreender dos factos provados que a liquidação em causa tem subjacente uma alteração efectuada pela Administração Tributária e relativa a uma escritura de compra e venda de bens imóveis, atinente à alienação de um imóvel pelo valor de € 175 000,00, considerando que se tratava de uma liquidação adicional a que se reporta o artigo 66.º do CIRS.
E que no caso em apreço, embora tivesse sido elaborada e remetida demonstração da liquidação em causa, as cartas enviadas pela Administração Tributária foram devolvidas com a informação «endereço insuficiente».
Ponderou também a sentença recorrida que o artigo 149.°, n.º 5 do CIRS determina a aplicação subsidiária das regras do CPPT atinentes às notificações, nomeadamente os arts. 39.°, que regula a perfeição das notificações e o artº 43º que dispõe sobre a obrigação de participação do domicílio fiscal,
E constatando que o domicílio fiscal dos ora oponentes corresponde ao domicílio que declararam nos presentes autos, bem como ao domicílio que se encontra registado no próprio Município de Chaves no âmbito do contrato de fornecimento de água que celebraram, e que no caso em apreço a liquidação foi devolvida pelos CTT com a informação «endereço insuficiente», não contendo o artigo 39.º do CPPT qualquer disposição que permita extrair a perfeição de uma notificação no caso de o expediente ser devolvido com a informação «endereço insuficiente», nem vindo alegado, nem resultando dos autos, que os oponentes não tivessem dado cumprimento à obrigação legal de comunicar o endereço fiscal ou qualquer alteração ao mesmo, concluiu o Tribunal recorrido que a devolução da demonstração da liquidação em causa à Administração Tributária não era imputável aos oponentes.
No prosseguimento de tal discurso argumentativo concluiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela pela não notificação da liquidação em causa e pela procedência da execução, porquanto, não previa a lei qualquer situação em que se possa concluir pela perfeição da notificação de uma liquidação numa situação em que a mesma é devolvida com a informação «endereço insuficiente», e não resultava dos autos que o contribuinte tivesse incumprido a obrigação legal de declarar o seu domicilio fiscal, bem como qualquer alteração ao mesmo.

Não conformada, defende a Fazenda Pública que para obstar à ocorrência da caducidade, basta que a Administração Tributária deposite a carta de notificação nos serviços do distribuidor postal, sob registo, até 3 dias antes do termo do prazo de caducidade.
E que para o referido efeito, a lei não exige que o notificando tenha efectivo conhecimento do acto tributário, uma vez que a lei estabelece uma presunção iuris et de jure da validade da notificação.
Conclui assim que, demonstrando-se, que o facto impeditivo da caducidade (notificação do acto de liquidação) foi praticado e enviado ao destinatário sob a forma legalmente prescrita - carta registada (cf. artigo 149°, n.º 3 do CIRS, à data vigente) - em data anterior ao termo final do prazo de caducidade, a dita notificação não enferma de qualquer vício da mesma invalidante para efeitos de aferição da observância do prazo de caducidade.
Como se constata das conclusões das alegações de recurso, que, como é sabido, delimitam o seu objecto, a única razão de discordância da Fazenda Pública com a sentença recorrida prende-se com a notificação da liquidação das dívidas exequendas que, em seu entender devia ter sido efectuada por carta registada e não por carta registada com A/R, por força do disposto no artº 149º, nº 3 do CIRS.

Esta argumentação em que se apoia a Fazenda Pública para sustentar o erro de julgamento imputado à sentença, não pode, no entanto, obter acolhimento.
Com efeito a recorrente olvida nas suas alegações de recurso um dado essencial, que foi levado em conta decisão recorrida, ou seja que no caso a liquidação adicional é uma liquidação que altera a situação tributária do contribuinte.

Vejamos.
O art. 149º do CIRS estabelece regras especiais sobre as notificações relativas a IRS.
Com efeito a regra no domínio das notificações relativas a IRS é que estas sejam efectuadas por mera carta registada (cfr. o n.º 3 do artigo 149.º do CIRS).
Porém dispõe o nº 2 do mesmo normativo que as notificações a que se refere o artigo 66.º (do CIRS), ou seja, as notificações referentes a actos de fixação ou alteração da matéria tributável do imposto previsto no artigo 65.º daquele Código deverão ser efectuadas através de carta registada com aviso de recepção.
Ou seja de acordo com o artº 149º do CIRS os actos de liquidação de IRS efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte estão sujeitos a notificação por mera carta registada. Todavia, estando em causa as notificações dos actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, têm as mesmas de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção.
No sentido de que uma liquidação adicional que materialize ou revele um ato de fixação ou alteração da matéria tributável declarada pelo contribuinte na declaração periódica deve obrigatoriamente ser notificada por carta registada com A/R, em conformidade com o disposto no art. 38º nº 1 do CPPT e arts. 65º nº 4, 66º e 149º nº 2 do CIRS, se pronunciaram, entre outros, os acórdãos desta Secção proferidos em 13/04/2011, no proc. nº 0546/10, em 28/11/2012, no proc. nº 0685/11, em 28/03/2012, no proc. nº 0491/11 e em de 05.02.2015, no Proc. 01940/13.

No caso vertente resulta dos autos (fls. 58 e 59) que a dívida exequenda se refere a uma liquidação oficiosa de IRS e juros compensatórios efectuada pelos serviços da administração tributária pelo facto de os recorridos não terem apresentado com a declaração anual de rendimentos respeitante ao ano de 2006 o anexo com a declaração das mais-valias decorrentes da alienação de um imóvel que nesse ano realizaram.
A Administração Tributária remeteu por carta registada, o oficio n.º 15016 de 23.11.2009, endereçado ao oponente para a morada «AV ………. — ……….5400-………. Chaves», relativo a divergências nos valores declarados na Declaração de IRS e informação obtida sobre a venda de um imóvel pelo valor de € 175 000,00 (probatório pontos 3 e 4), ali se exarando que «da consulta ao sistema informático» se verifica «que não consta a venda referida na declaração Mod. 3 de IRS no ano de 2006» sendo tal ofício devolvido com a indicação de endereço insuficiente.
Porque os recorridos não declararam esse rendimento tributável a Administração Tributária procedeu à liquidação oficiosa de IRS nº 2010 00001904939, que constitui um verdadeiro acto de correcção/alteração dos rendimentos sujeitos a tributação, da iniciativa da administração, previsto nos arts. 65º nº 4 e 66º do CIRS.
A liquidação em causa foi no entanto enviada por carta registada simples, tendo sido devolvida com a menção «endereço insuficiente».
Ora constituindo tal liquidação acto de correcção/alteração dos rendimentos sujeitos a tributação, da iniciativa da administração, impunha-se que a sua notificação fosse efectuada por carta registada com A/R, em conformidade com o disposto nos arts. 65º nº 4, 66º e 149º nº 2 do CIRS., como bem decidiu a sentença recorrida.

Carece, pois de razão a Fazenda Pública quando defende que a sentença padece de erro de julgamento na medida em que a notificação do acto de liquidação devia ter sido efectuado por mera carta registada por força do disposto no nº 3 do art. 149º do CIRS.
E, sendo esse o único fundamento do recurso, forçoso é concluir que o mesmo não pode obter provimento.

7. Decisão:

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 15 de Junho de 2016. - Pedro Delgado (relator) - Fonseca Carvalho - Isabel Marques da Silva.