Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:080/18
Data do Acordão:06/06/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:IMPOSTO DE SELO
EDIFICAÇÃO
AUTORIZAÇÃO
HABITAÇÃO
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
Sumário:I - Na presente situação em que foi concedido um alvará de loteamento de acordo com o qual os prédios se destinam "a habitação colectiva e comércio/serviços", não está em causa um prédio cujo destino é apenas a habitação.
II - Não estabelece a verba 28 em análise qualquer critério ou necessidade de ponderação sobre a percentagem em que o prédio se destina a habitação ou a comércio/serviços para podermos considerar que o legislador teve em conta tal realidade e, nada havendo dito sobre ela, concluirmos que a pretende dissolver na afectação para habitação.
III - A Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro esclareceu que os anteriormente por ele denominados prédios com afectação habitacional eram, afinal, os prédios urbanos ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.
IV - Para neste normativo estarem englobados os presentes prédios era absolutamente necessário que houvesse indicação de se são também tributados nesta sede os prédios urbanos ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja,predominantemente, para habitação.
Nº Convencional:JSTA000P23381
Nº do Documento:SA220180606080
Data de Entrada:01/26/2018
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra
. 10 de Julho de 2017

Julgou improcedente a impugnação judicial.
Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A………., S.A. veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no âmbito do processo de Impugnação judicial nº 863/16.8BESNT, por si deduzida contra os actos de liquidação de Imposto do Selo emitidas nos termos da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), referentes aos artigos 4351 e 4352, ambos da freguesia de Porto Salvo, concelho de Oeiras, correspondentes a lotes de terreno para construção, referentes ao ano de 2015, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
A – Face ao acima exposto e tendo em atenção a argumentação vertida na douta sentença pela Meritíssima Juiz a quo e a plasmada, pela Alegante, na defesa daquela argumentação,
B - As liquidações do Imposto de Selo impugnadas e ora recorridas, são totalmente ilegais por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, que justificam, sem mais, a sua efectiva anulação.

C – A causa dos autos tem a ver e prende-se com as liquidações do imposto de selo do ano de 2015 e que tiveram por base o valor patrimonial tributário dos lotes de terreno para construção urbana nºs 38 e 39, cada um deles, de valor superior a 1 milhão de euros.

D – Acontece, porém, que em ambos os lotes de terreno estão já autorizados, por Alvará nº 5/2006, emitido pela Câmara Municipal de Oeiras, a construção de dois edifícios, ambos eles afectos a “habitação” e ao “comércio”.
Ora,
E – Sabendo-se que os “terrenos para construção” só passaram a estar abrangidos pela norma de incidência da verba 28.1 da TGIS, após a nova redacção que lhe foi dada pela LOE para o ano de 2014 e,

F – Passando nela a prever-se os “terrenos para construção”, cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação,

G – Claro parece ter ficado que (só) os “terrenos para construção” onde esteja autorizada ou prevista edificação afecta exclusivamente a “habitação” é que passaram a ficar alojados na citada norma de incidência e,
Portanto,

H – Por exclusão de partes, os “terrenos para construção” onde esteja autorizada, ou seja, prevista a construção de edifícios afectos simultaneamente a “habitação” e ao comércio/serviços”, ficam afastados da referida norma de incidência, precisamente, porque foi assim que quis o legislador e,
Por isso mesmo,
I – Com o devido respeito e salvo melhor opinião, nunca a referida norma de incidência deve ter interpretação extensiva, mas antes restritiva, visto o legislador ter sido categórico com a redacção que imprimiu à verba 28.1 da TGIS, entrada em vigor no ano de 2014.

Nesta medida,
J – E face à argumentação despendida pela ora Alegante, é ela do entendimento de que (só) os terrenos de construção, como no caso destes autos, onde foram autorizadas edificações de imóveis afectos simultaneamente a habitação e ao comércio/serviços, embora com o valor patrimonial tributário igual ou superior a 1 milhão de euros, estão fora da tributação em imposto de selo.
Consequentemente,

L – Como os citados terrenos foram objecto de tributação em imposto de selo e não sendo verdade que os imóveis neles autorizados construir pelo Alvará 5/2006, emitido pela Câmara Municipal de Oeiras tenham como afectação apenas a “habitação”, mas sendo antes verdade que a afectação dessas a edificações é simultaneamente destinada a habitação e comércio/serviços, está patente o vício de violação de lei, pelo que as liquidações impugnadas e agora em recurso são inválidas e, sendo inválidas, como efectivamente são, verifica-se a ilegalidade dos respectivos actos de liquidação do Imposto de Selo.
Efectivamente,
M – Não é qualquer terreno para construção que fica abrangido pela sujeição ao imposto de selo da verba 28.1 da TGIS, mas tão só e apenas, aqueles cujos edifícios a neles construir estejam autorizados exclusivamente para habitação, o que não foi nem é o caso.
Portanto,

N – Com o devido respeito, a ora Alegante não concorda e mesmo não pode concordar com as conclusões a que chegou a Meritíssima Juiz a quo, na medida em que existindo o Alvará 5/2006 que autorizou o levantamento de dois edifícios, um em cada um dos referidos lotes de terreno, para serem afectos a habitação e comércio, simultaneamente, e não apenas a habitação, como foi possível que tivesse valorizado o facto de na matriz predial figurar que as tais edificações estavam autorizadas para habitação, fazendo assim tábua rasa da efectiva autorização dada pela Câmara Municipal de Oeiras, único Organismo a quem cabe definir e autorizar o tipo de construção e o fim ou os fins a que ficarão afectos e não aos seus proprietários.

O – Estando assente, portanto, que a Alegante não poderá alterar os fins a que vão ser destinados os edifícios autorizados construir nos lotes de terreno em apreciação e sendo verdade que os citados lotes foram aprovados para a edificação de dois imóveis afectos, exclusiva e simultaneamente, a habitação e comércio/serviços e não apenas a “habitação” e prevendo a norma prevista na verba 28.1 da TGIS que os terrenos para construção (só) ficarão nela acantonados, ou seja, por ela sujeitos a tributação, quando neles estejam autorizadas ou previstas edificações para “habitação”, o que não foi e nem é o caso dos autos.


P- Portanto, bem vistas as coisas, com o devido respeito e salvo melhor e fundada opinião, Meritíssima Juiz a quo, devia ter-se pronunciado pela absolvição da impugnante e consequente anulação da liquidação e nunca pela sua condenação, como aconteceu.

Requereu que seja julgada improcedente a impugnação.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso, com fundamento em:
« Acresce que, do cotejo entre a redação conferida à verba n.° 28 da TGIS, pela citada Lei n.° 83-C/2013, de 31 de dezembro e a que resultara do artigo 4.º da Lei n.° 55-A/2012, de 29 de outubro, que a aditou à TGIS, impõe-se concluir que o legislador veio ampliar a base de incidência objetiva do imposto, incluindo no seu âmbito de previsão, para além do "prédio com afetação habitacional", o "terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação", nos termos do disposto no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis. Ora, constitui prática corrente do mercado imobiliário a afetação de certas partes dos edifícios, mormente do respetivo rés-do-chão, a fins diversos da habitação, mormente, o comércio e os serviços, precisamente por força de razões económicas, de estratégia financeira, atinentes à rentabilidade e fruição de todos os espaços disponíveis.
A ser assim, face aos vários sentidos acolhidos na literalidade da norma, e porque o legislador não poderia ignorar essa realidade, cumpre invocar os elementos coadjuvantes da interpretação, a saber, a ratio legis do preceito, a sua teleologia, e, outrossim, o elemento sistemático e a vontade histórica do legislador.
E, para nos orientar nesse labor, importa ter presente que a opção legislativa de aditar essa verba foi inspirada por razões estritamente economicistas, norteadas pelo objetivo de angariar receitas fiscais, no período de grave crise económica então em curso.
Na verdade, na exposição de motivos explicitada na Proposta de Lei n.º 96/XII/2a, que esteve na origem da já citada Lei n.º 55-A/2012, consta que lhe esteve subjacente "o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento".
Seria, assim, violador do princípio da igualdade e da justiça, admitir que um terreno para construção de uma edificação, economicamente valorizado com a existência de uma área de comércio/serviços, fosse sujeito a um regime de tributação diverso e menos oneroso do que o previsto para um terreno situado na mesma zona e com o mesmo valor, mas em que a projetada construção estivesse exclusivamente afeta a fins habitacionais.
Sucede que esta hábil argumentação corrobora o entendimento de que a formulação ampla, utilizada pelo legislador na definição e delimitação do âmbito de incidência da referida verba 28 da TGIS, é reveladora do desígnio de incluir e não, ao invés, de excluir da sua previsão os terrenos para construção de edifícios a afetar, concomitantemente, a fins habitacionais e, bem assim, a outros fins.
Assim sendo, tudo ponderado, na sequência do que vem exposto, entende o Ministério Público que a interpretação e a aplicação da norma da verba 28 da TGIS, convocada pelo TAF a quo para a decisão em crise, foram efetuadas de harmonia com os critérios hermenêuticos consagrados no artigo 9.º do Código Civil e daí que mereça inteiro aval.»


Mostram-se provados, os seguintes factos com relevo para a decisão do presente recurso:


1. A Impugnante é proprietária dos prédios descritos como "terreno para construção", inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Porto Salvo, concelho de Oeiras sob os artigos 4351 e 4352, correspondentes aos lotes 38 e 39, cada um com a área total de implantação de 1.285 m2, e com o valor patrimonial tributário de € 1.550.690,00, determinado no ano de 2012 - cfr. docs. 3 e 4 juntos com a petição inicial.
2. A avaliação dos prédios considerou o coeficiente de localização "habitação" - cfr. docs. 3 e 4 juntos com a petição inicial.
3. Atos Impugnados: Relativamente ao ano de 2015, tendo por objeto os prédios identificados em A), foram emitidas em 05.04.2016, as liquidações de Imposto de Selo n.º 2015 49000384501, respeitante ao artigo 4351, e n.º 2015 49000384502, respeitante ao artigo 4352, que apuraram a coleta total, em relação a cada um dos prédios, de € 15.506,90 - cfr. fls. 13 a 19 do processo administrativo apenso.
4. Relativamente às liquidações identificadas em C) foram emitidos, os documentos de cobrança n.º 2016 1631162 e n.º 2016 1631159, no valor de € 5.168,98 cada um, relativo à primeira prestação, ambos com data limite de pagamento em 30.04.2016 - cfr. docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial.
5. A Impugnante efetuou o pagamento da primeira prestação identificada em D) em 27.04.2016 - cfr. docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial.
6. Os prédios identificados em A) estão abrangidos pelo Alvará de Loteamento n.º 5/2006, de acordo com o qual se destinam "a habitação colectiva e comércio/serviços" sendo a área destinada a habitação, em cada um deles, de 6.750 m2, e de 840 m2 destinada a comércio/serviços - cfr. doc. 5 junto com a petição inicial.
7. Em 28.06.2016 apresentou a presente impugnação judicial - cfr. fls. 3 dos autos.
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Questão objecto de recurso:

1- O conceito de “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação” para efeitos do disposto na verba n.º 28 da TGIS, na redacção introduzida pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro compreende os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para a habitação colectiva e comércio/serviços?

A situação de facto em análise reporta-se a prédios da Impugnante descritos como "terreno para construção", inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Porto Salvo, concelho de Oeiras sob os artigos 4351 e 4352, correspondentes aos lotes 38 e 39, cada um com a área total de implantação de 1.285 m2, e com o valor patrimonial tributário de € 1.550.690,00, determinado no ano de 2012 – cuja avaliação efectuada em 2012 e sem ter sido objecto de impugnação, considerou o coeficiente de localização "habitação". Tais prédios estão abrangidos pelo Alvará de Loteamento n.º 5/2006, de acordo com o qual se destinam "a habitação colectiva e comércio/serviços" sendo a área destinada a habitação, em cada um deles, de 6.750 m2, e de 840 m2 destinada a comércio/serviços.
A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação argumentando que:
«(…) No caso, não resulta dos autos que tenha havido requerimento para licenciamento de construção de edifício(s) destinado(s) a habitação pelo que não se poderá levar em consideração a parte da norma de incidência que se refere a edificação, autorizada para habitação, sendo certo que, de acordo com o provado em A) e F), o que existe é um alvará de loteamento, datado de 2006, em o que então promotor previu que da área total de implantação de 1.285 m2 de cada um dos lotes a que correspondem os prédios em apreço nos autos 840 m2 seriam afetos a construção para comércio/serviços e 6.750 m2 para habitação.
Assim, impõe-se aferir, em função da alegação da Impugnante, se estão em causa terrenos para construção cuja afetação prevista não seja (apenas) a habitação.
É facto assente que, no caso concreto dos autos, estão em causa dois prédios classificados como “terreno para construção”, conforme resulta dos elementos relativos inscrição matricial, declarados pela própria Impugnante.
Ora, o Código do IMI consagra o princípio segundo o qual a classificação de um prédio como terreno para construção depende sempre da vontade do respetivo titular, seja através do requerimento da licença de construção ou de autorização de loteamento, seja o da declaração, no título aquisitivo de terrenos, do seu destino para construção, quando exista viabilidade construtiva. No caso concreto dos autos essa classificação terá resultado da autorização de loteamento mencionada em F) dos factos provados.
Citando José Maria Fernandes Pires (cfr. Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo, 2012, pág. 104), “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor. É essa expectativa de produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património e a riqueza do proprietário do terreno para construção, logo que o terreno passa a ser considerado como sendo para construção”.
No caso, foi a expectativa jurídica do titular do “terreno para construção” de o destinar a edificação habitacional, em conformidade com os elementos declarados na respetiva inscrição matricial, que revelou que se encontrava prevista a edificação com tal afetação e que determinou a avaliação efetuada em 2012 com a ponderação do coeficiente de localização “habitação”, avaliação que se encontra consolidada na ordem jurídica [cfr. al. B) do probatório].
Note-se que, o facto de o promotor do loteamento ter previsto a construção, numa determinada área do lote de terreno, destinada a comércio, não significa que assim venha a suceder efetivamente, uma vez que, atenta a potencialidade edificativa, podem, em função da expectativa edificativa do titular do prédio, vir ser requeridas alterações aos elementos apresentados e ser a edificação toda destinada a habitação. Assim, e de concreto, no momento em que foi efetuada a inscrição matricial, a expectativa edificativa era a habitacional, elemento que foi devidamente considerado pela AT na avaliação destinada a fixar o VPT para efeitos de IMI, elementos que se impõe levar em consideração para efeitos de aferição da legalidade da liquidação de IS, nos termos da verba 28.1 da TGIS, atenta a remissão do CIS para o CIMI. Recordamos aqui a passagem do Acórdão do TC acima parcialmente transcrito onde se diz que «A tributação decorrente da norma de incidência alojada na verba n.º 28 assume a natureza de imposto parcelar (assim, JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afeto à habitação, calculando o respetivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante», de onde resulta evidente a determinação do respetivo VPT, que tem de entender-se em toda a sua dimensão, em termos dos factores que contribuíram para a sua determinação, e não apenas na vertente quantitativa (ser igual ou superior a 1 milhão de euros).
Demonstrada a previsão de edificação destinada a habitação, em conformidade com elementos declarados pelo titular dos bens, a avaliação foi efetuada, e não contestada, apurando-se o VPT dos prédios em valor superior a 1 milhão de euros, impondo-se, por isso, concluir pela sua sujeição a tributação ao abrigo do disposto na verba 28.1 da TGIS, na redação que lhe foi conferida pela LOE para 2014, improcedendo a invocada ilegalidade das liquidações objeto dos autos.
Considerando que improcedem os vícios apontados aos atos tributários, conclui-se, inevitavelmente, que não se encontram reunidos os pressupostos de condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante.»
Como refere o Magistrado do Ministério Público importa ter presente que a opção legislativa de aditar essa verba foi inspirada por razões estritamente economicistas, norteadas pelo objetivo de angariar receitas fiscais, no período de grave crise económica então em curso.
Na verdade, na exposição de motivos explicitada na Proposta de Lei n.º 96/XII/2a, que esteve na origem da já citada Lei n.º 55-A/2012, consta que lhe esteve subjacente "o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento".
Todavia esta equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento dirigiu-se unicamente aos prédios habitacionais e terrenos com afectação habitacional, quando poderia ter-se dirigido aos prédios para comércio indústria e serviços em vez dos prédios habitacionais ou terrenos com afectação habitacional que o legislador posteriormente veio esclarecer que seriam aqueles cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação. O legislador entendeu que quem é proprietário de uma habitação com valor superior a um milhão de euros, ou de um terreno cuja edificação autorizada ou prevista, seja para habitação de valor igualmente superior a um milhão de euros revela uma capacidade contributiva susceptível de ter de contribuir para os esforços tendentes a ultrapassar a austeridade em montante mais que proporcional ao valor do bem num país em que tais situações são ainda excepcionais, e referentes a uma realidade económica que ultrapassa muito o que é manifestamente necessário para ter uma vida economicamente desafogada. O funcionamento deste imposto não é, na sua raiz diverso daquele que informa o IRS e impõe taxas diferenciadas aos diversos escalões de rendimentos de molde a que os contribuintes com mais elevados rendimentos paguem impostos superiores ao que seria se a taxa de imposto fosse igual para todos os contribuintes, fosse qual fosse o seu rendimento e em proporção a esse rendimento.
Mas poderia ter considerado que apenas, ou também, pagariam tal imposto os prédios ou terrenos com afectação de comércio, indústria e serviços. Facilmente uma unidade industrial e as centenas de Centros Comerciais do país estarão instalados em prédios de valor superior a um milhão de euros. Mas essa não foi a sua opção, pese embora a premente necessidade de arrecadar receitas de forma célere e em montante substancial. Provavelmente pretendeu não comprometer neste esforço de debelar a crise económica as empresas, ou aqueles que sendo proprietários de terrenos para construção para comércio e industria os acabassem por colocar no mercado a preços superiores, se tivessem que pagar este imposto, pelos efeitos nefastos que tal poderia ter para a promoção da indústria, do comércio e dos serviços.
A redação da verba 28.1 sofreu alteração, por via da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, passando a estipular a incidência do Imposto do Selo, à taxa de 1 %, “por prédio urbano ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.
Quando na verba 28 se fala em edificação para habitação autorizada ou prevista, não se reporta apenas à descrição matricial do prédio uma vez que a autorização para edificar uma habitação não tem que ser levada à matriz. Ao inscrever na matriz um prédio pode o seu titular indicar que prevê nele construir habitação, mas a autorização para o fazer, ou para edificar algo de diverso depende não de regras fiscais, mas de regras urbanísticas.
Na presente situação sabemos que foi concedido um alvará de loteamento pelo Alvará de Loteamento n.º 5/2006, de acordo com o qual os prédios se destinam "a habitação colectiva e comércio/serviços", o que é diverso de se destinarem a habitação. Não estabelece a verba 28 em análise qualquer critério ou necessidade de ponderação sobre a percentagem em que o prédio se destina a habitação ou a comércio/serviços para podermos acompanhar o Magistrado do Ministério Público na desvalorização da qualidade mista da afectação deste prédio dado ser maior a parte destinada a habitação que a destinada a comércio/serviços. Também se desconhece qual a frequência e peso específico no volume edificado para o mercado imobiliário da afetação de certas partes dos edifícios, mormente do respetivo rés-do-chão, a fins diversos da habitação, mormente, o comércio e os serviços, precisamente por força de razões económicas, de estratégia financeira, atinentes à rentabilidade e fruição de todos os espaços disponíveis, de que a norma em apreço não dá qualquer nota ou relevo. Existe, mas não sabemos se é significativa e, não podemos considerar que o legislador teve em conta tal realidade e, nada havendo dito sobre ela, concluirmos que a pretende dissolver na afectação para habitação.
Ao invés, cremos que é uma realidade que não foi tida em conta pelo legislador, como antes não havia devidamente ponderado que a lei estabelece uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, que com a Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro esclareceu que os anteriormente por ele denominados prédios com afectação habitacional eram, afinal, os prédios urbanos ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação. Para neste normativo estarem englobados os presentes prédios era absolutamente necessário que houvesse indicação de se são também tributados nesta sede os prédios urbanos ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja, predominantemente, para habitação sob pena de carecermos de uma interpretação extensiva da norma de incidência em tudo desconforme com o disposto no art.º 103.º, n.º 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa.
A sentença recorrida que adoptou diversa interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção introduzida pela Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro, aplicável a estes autos, enferma, pois, de erro de direito a determinar a sua revogação.


Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição julgar procedente a impugnação com a consequente anulação dos actos de liquidação impugnados.

Custas pela recorrida que não suporta taxa de justiça, dada a ausência de contra-alegações.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 6 de Junho de 2018. – Ana Paula Lobo (relatora) – António Pimpão – Francisco Rothes.