Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0694/17.8BEALM 0789/18
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECLAMAÇÃO JUDICIAL
DECISÃO
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
INCONSTITUCIONALIDADE
ACÓRDÃO
SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
DEVEDOR ORIGINÁRIO
Sumário:Tendo o Tribunal Constitucional, no presente processo, julgado não inconstitucional a norma do artigo 100.º do CIRE quando aplicável ao devedor originário, impõe-se reformular em conformidade a decisão do STA que julgara organicamente inconstitucional a suspensão da prescrição derivada daquele normativo.
Nº Convencional:JSTA000P26341
Nº do Documento:SA2202009160694/17
Data de Entrada:09/05/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório-

1 – Por Acórdão de 11 de março de 2020, proferido no Processo n.º 790/19 (1.ª Secção), o Tribunal Constitucional concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública do Acórdão deste STA proferido em 3 de outubro de 2018, que negou provimento ao recurso por ela interposto da sentença do TAF de Almada que julgou prescrita a dívida exequenda, não julgando inconstitucional a norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, quando interpretada no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável originário no âmbito do processo tributário e determinando a reformulação da decisão recorrida de acordo com o juízo de constitucionalidade (sic).
Impõe-se, por conseguinte, reformular a decisão de acordo com o juízo de não inconstitucionalidade proferido pelo Tribunal Constitucional.

2 – A recorrente Administração Tributária e Aduaneira (AT) recorreu para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 29 de Junho de 2018, que julgou totalmente procedente a reclamação judicial deduzida por A…………, com os sinais dos autos, contra a penhora de imóvel da sua propriedade efectuada no âmbito da execução fiscal n.º 2208200801119834, instaurado para cobrança coerciva de dívida de IRS de 2004, em razão da prescrição da dívida exequenda à data em que a penhora foi efectuada.
A recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
a) A declaração de insolvência do executado não pode deixar de constituir uma causa de suspensão do prazo de prescrição, nos termos do artigo 100.º do CIRE.
b) Por sua vez estabelece o artigo 88.º do CIRE, que a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência.
c) Conforme, no mesmo sentido, o artigo 180.º do CPPT.
d) E como refere o Ilustre Juiz Conselheiro Jubilado, Jorge Lopes de Sousa, “No CIRE estabelece-se regime idêntico quanto à suspensão de acções executivas, estabelecendo-se que a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração e ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência (art. 88.º n.º 1). Porém, ao contrário do que sucede com a falência, a sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo (art. 100.º).”
e) Conclui-se, assim, como decorre dos autos a fls. (…) que, relativamente à insolvência, a suspensão ocorreu entre 18/12/2009 a 18/06/2010, ou seja, desde a data da sentença de declaração de insolvência até à data em que foi proferida a decisão judicial de encerramento do processo de insolvência, acrescido do prazo de 15 dias para a interposição do recurso, uma vez que a decisão só se considera transitada em julgado quando não seja suscetível de recurso ordinário.
f) Assim, salvo melhor opinião, a dívida de IRS proveniente do ano de 2004, não se encontra prescrita.
g) Na verdade, em 24.10.2008, a citação do executado interrompe o prazo de prescrição.
h) Tal facto, com efeito interruptivo, eliminou o decurso do prazo anteriormente decorrido e obstando o decurso do prazo de prescrição até ao termo do processo, conforme, o n.º 1, do artigo 48.º da Lei Geral Tributária.
i) Por sua vez, em 22.01.2009, o Chefe Do Serviço de Finanças de Palmela determinou a declaração em falhas do PEF n.º 2208200801119834, nos termos previstos no artigo 272.º do CPPT, sob a cominação do previsto no artigo 274.º do mesmo diploma.
j) Assim, o efeito interruptivo da citação, porque é duradouro, implica que o novo prazo de prescrição só se iniciaria com a decisão que puser termos ao processo de execução fiscal, considerando-se como tal a declaração em falhas decretada em 22-1-2009.
k) E, como provado, a declaração de insolvência do executado suspendeu os processos de execução fiscal, pelo período de 198 dias.
l) Assim, a partir da data de declaração em falhas (22-1-2009), e dado que existiu um facto com efeito suspensivo do prazo de prescrição (insolvência do executado – 18.12.2009 a 03.07.2010), o prazo de prescrição só terminaria em 07 de Agosto de 2017, pelo que, a penhora efectuada em 27.07.2017 é válida.
m) E atento o disposto na alínea d) do n.º 4 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária, o processo de execução fiscal encontra-se suspenso desde 27.07.2017, uma vez que o imóvel penhorado se destina a habitação própria e permanente do executado, conforme declarado pelo mesmo.
n) A douta Sentença, ao decidir como o fez, o Tribunal “a quo”
3 – Contra-alegou o recorrido, concluindo nos termos seguintes:
A) Com o devido respeito, o Recurso Ordinário interposto pela Fazenda Pública, deverá improceder in totum.
Com efeito,
B) A norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretado no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias quando o Credor não reclame essas dívidas no processo de insolvência, e porque, poderá levar a uma acumulação ilegal de prazos prescricionais, deve ser considerada inconstitucional, por violação do artigo 165.º n.º 1 alínea i), e in casu, do artigo 103.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade essa que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.
C) Ainda que assim não se entendesse, o juízo de inconstitucionalidade que se retira do Ac. n.º 322/2015, do Tribunal constitucional, é transponível para todos os créditos fiscais, uma vez que, não se pode aceitar que o Legislador tenha pretendido dotar o Fisco de prazos prescricionais que podem suceder-se uns aos outros, sem ser pelo órgão competente (originário, ou habilitado por autorização).
D) O art. 100.º do CIRE, diz pretende referir-se a Créditos Comuns, de Credores Comuns, o que não é o caso do Fisco.
E) Pretender interpretar tal regime de forma a nele considerar como categoria prevista os créditos fiscais, viola o Princípio da Confiança ínsito no Princípio do Estado de Direito Democrático e da Legalidade, previstos na Constituição.
F) Acresce que, ainda que se defendesse a aplicação desse regime, o art. 321.º do Código Civil, estaria a ser violado, porquanto, nos três meses anteriores à prescrição, já há muito que o motivo de força maior (processo de insolvência), que impedia o credor de exercer o seu crédito, havia cessado há muito.
G) A declaração de insolvência não teve a virtualidade de suspender qualquer prazo de prescrição.
H) Ainda que tivesse, a prescrição verificou-se, face ao disposto no art. 321.º do Código Civil.
I) A M.D. Sentença aqui trazida à sindicância, deve ser confirmada, ainda que, eventualmente, por fundamentos diversos, vindo a final, a Reclamação a ser considerada procedente e confirmada, por via da improcedência do Recurso interposto pela Fazenda Pública.
Nestes termos e nos demais de Direito que à causa cabem, e ainda nos que Vossas Excelências, Mui doutamente, suprirão, devem as presentes Contra-Alegações ser consideradas procedentes e, consequentemente, improcedente o Recurso interposto pela Fazenda Pública, por via da inconstitucionalidade do art. 100.º do CIRE, vindo a final a confirmar-se a Douta Sentença Recorrida, declarando-se a ilegalidade da Penhora efectivada pelo órgão de execução fiscal, Reclamada no Tribunal a quo.
3 – A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu o douto parecer de fls. 331 a 333, concluindo no sentido de que deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se integralmente a sentença recorrida, no entendimento de que pese embora as especificidades do caso vertente, valem aqui, mutatis mutandis, as considerações aduzidas, v.g., na fundamentação jurídica expendida no douto Acórdão n.º 362/2015, do Tribunal Constitucional, de 09/07/2017, no âmbito do Processo n.º 760/14, que versou sobre a compatibilidade do citado preceito do CIRE com os artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea j) da Constituição da República Portuguesa, cuja doutrina veio a ser confirmada no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 270/2017, de 31/05/2017.
- Fundamentação -

4– Questão a decidir
É a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar procedente a reclamação judicial do acto de penhora de imóvel, em razão da prescrição da dívida exequenda à data daquele acto.
O Tribunal a quo entendeu que não haveria que considerar a suspensão do prazo de prescrição prevista no artigo 100.º do CIRE em razão de o Tribunal Constitucional já ter declarado a inconstitucionalidade orgânica do referido preceito quando referente a dívidas tributárias exigidas ao responsável subsidiário, havendo identidade de “ratio decidendi” a impor idêntica decisão no caso dos autos (em que estão em causa dívidas fiscais exigidas ao devedor originário).
Esse entendimento está definitivamente arredado, atento ao julgamento de não inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional, impondo-se reformular a decisão de acordo com esse julgado obrigatório.
5 – Matéria de facto
É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:
A) - Em 17 de outubro de 2008, foi instaurado no Serviço de Finanças de Palmela, contra A…………., ora Reclamante, o processo de execução fiscal n.º 2208200801119834, no montante de € 5.684,55, nos seguintes termos:
CERTIDÃO DE DÍVIDA N.º DATA DE EMISSÃO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO TRIBUTO TIPO
    QUANTIA EXEQUENDA

2008/1082039


13-10-2008

2004 IRS
I/C/T/O-Cjm 5.048,33
2004
IRS

Jur C-C/Jmo
636,22

- cfr. autuação e certidão de dívida constantes de fls. 1-2 do PEF apenso;

autuação e certidão de dívida constantes de fls. 1-2 do PEF apenso;

B) - O ora Reclamante foi citado do processo de execução fiscal n.º 2208200801119834, descrito na alínea antecedente, em 24 de outubro de 2008 - cfr. facto confessado pelo Reclamante no artigo 5.º da p.i. e confirmado por confronto com a informação que consta do ofício e dos prints extraídos do SECINNE - Gestão de Comunicações da AT sobre os registos de CTT a fls. 80 a 82 dos autos, notificados ao Reclamante e não impugnados;

C) - A 22 de janeiro de 2009, o Chefe de Serviço de Finanças de Palmela proferiu despacho, no qual determinou a declaração em falhas do processo de execução fiscal n.º 2208200801119834, nos seguintes termos: “(…)





(…)”- cfr. despacho de fls. 4 do PEF apenso;

D) - A 18 de dezembro de 2009, por sentença do Tribunal Judicial de Mértola - Secção Única, proferido no âmbito do processo n.º 99/09.4TBMTL, foi declarada a insolvência de A……….., tendo o encerramento da mesma sido declarado por decisão judicial de 16 de junho de 2010 - cfr. certidão de fls. 70- 79 dos autos;

E) - A 22 de janeiro de 2016, o ora Reclamante apresentou requerimento dirigido ao Chefe de Serviço de Finanças de Palmela, nos termos do qual solicitou o pagamento da dívida exequenda em prestações mensais e a isenção de prestação de garantia, com o seguinte teor: “(…)

F) A 26 de janeiro de 2016, o Chefe de Serviço de Finanças de Palmela proferiu despacho, que incidiu sobre o requerimento identificado na alínea antecedente, com o seguinte teor: “(…)
(…)” - cfr. despacho de fls. 9 do PEF apenso; cfr. fls. 18 dos autos;

G) - O ora Reclamante não efetuou o pagamento de qualquer prestação do plano prestacional identificado nas alíneas E) e F) da factualidade assente - facto invocado no artigo 23.º da p.i. e reconhecido pela FP na informação oficial de fls. 20 a 21 dos autos e na informação dos serviços de 25.09.2017, constante de fls. 45 a 50 dos autos;

H) - Em 17 de agosto de 2016 o plano prestacional identificado nas alíneas E) e F) da factualidade assente foi interrompido - facto que extrai da informação oficial de fls. 20 a 21 dos autos, notificada ao Reclamante e não impugnada;

I) - A 5 de junho de 2017, o ora Reclamante apresentou requerimento dirigido ao Chefe de Serviço de Finanças de Palmela, nos termos do qual solicitou o reconhecimento da prescrição da dívida exequenda - cfr. requerimento de fls. 10 do PEF apenso; cfr. fls. 15 dos autos;

J) - Por ofício n.º 2463, do Serviço de Finanças de Palmela, com data de 13 de junho de 2017, foi comunicado ao Reclamante o seguinte sobre o requerimento identificado na alínea antecedente:


- cfr. ofício de fls. 11 do PEF apenso;

K) - A 27 de julho de 2017, o Serviço de Finanças de Palmela efetuou a penhora sobre o prédio urbano sito na Rua ………, n.º .. Bairro…….., ……….., 2950-…, ……….., inscrito na matriz urbana sob o artigo 1789, da freguesia da …………… - facto que se extrai de fls. 33, conjugadas com o teor de fls. 18 e 19 do PEF apenso;

L) - A 5 de agosto de 2017, o Serviço de Finanças de Palmela remeteu ao Reclamante o ofício “NOTIFICAÇÃO DE PENHORA/CITAÇÃO PESSOAL”, destinado a dar conhecimento ao mesmo da realização da penhora identificada na alínea antecedente, nos seguintes termos: “(…)



(…)” - cfr. fls. 33 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

M) O prédio urbano identificado na alínea K) da factualidade assente corresponde à morada de residência do ora Reclamante - por confissão; cfr. ainda fls. 33, conjugadas com o teor de fls. 18 e 19 do PEF apenso.

6 – Em 7 de julho último, a Relatora proferiu Despacho solicitando às partes que juntassem ao processo certidão da qual constasse “a data em que transitou em julgado a decisão de encerramento do processo de insolvência”, pois “importa saber com precisão o período de suspensão da execução em virtude do disposto no artigo 100.º do CIRE, ora julgado não inconstitucional pelo Tribunal Constitucional”.

Em cumprimento do Despacho supra veio o recorrido juntar a requerida certidão, da qual consta, além do mais, que:

Processo: 99/09.4TBMTL Insolvência pessoa singular
Requerida: 329049

CERTIDÃO
………….., Escrivão Auxiliar, do Tribunal Judicial de Mértola (Extinto) - Secção Única:
CERTIFICO que por este Tribunal, correram uns autos de Insolvência pessoa singular (Requerida}, registados sob o n.º 99/09.4TBMTL, em que são:

Requerente: ……………., Lda
Insolvente: A…………….
e atesto nos termos do n.º 1, do art.º 387 do Código Civil, que as fotocópias que se seguem, e que vão devidamente numeradas, rubricadas e autenticadas com o selo branco em uso neste Tribunal, são cópias fiéis da douta sentença proferida nestes autos, bem como do despacho proferido em 16/06/2010 sob a ref.ª 194966.
MAIS CERTIFICO que a sentença transitou em julgado em 04/01/2010.
Certifico ainda que em 16/06/2010 foi proferido despacho de encerramento, nos termos do disposto nos arts.º 230º n.º 1 ai. D) e 232º do CIRE, tendo tal encerramento os efeitos previstos no art.º 233º do mesmo diploma legal, e este despacho transitou em julgado em 08-07-2010.


Apreciando.
7.1 – Da ilegalidade da penhora em virtude da prescrição da dívida exequenda (IRS de 2004)
A sentença recorrida, a fls. 97 a 109 dos autos, julgou totalmente procedente a reclamação judicial deduzida pelo ora recorrido contra o acto de penhora de prédio urbano, anulando-o, no entendimento de que à data em que a penhora foi efectuada e notificada ao reclamante a dívida tributária já estaria prescrita, pelo que tal ato de penhora (…) padece de invalidade – cfr. sentença recorrida, a fls. 108, verso, dos autos.
Para concluir pela prescrição da dívida exequenda – IRS do ano de 2004 – considerou a sentença recorrida que o prazo, de 8 anos (art. 48.º, n.º 1 da LGT), começou a correr no dia 1 de Janeiro de 2005, interrompeu-se com a citação do executado em 24.10.2008 (art. 49.º, n.º 1 da LGT) – o que não apenas inutilizou para a prescrição todo o tempo até então decorrido como obstou ao início de novo prazo até à declaração em falhas do processo executivo, que teve lugar em 22.01.2009, e correu ininterruptamente desde essa data até se completar em 22 de Janeiro de 2017, porquanto desde o seu reinício irrelevam causas suspensivas da sua contagem, pois que o deferimento do pedido de pagamento em prestações não determinou a suspensão do processo executivo e à sentença de declaração de insolvência proferida a 18.12.2009 não deve reconhecer-se efeito suspensivo do prazo de prescrição até ao encerramento do processo de insolvência (ocorrido em 16.06.2010), em virtude da inconstitucionalidade de que padece o artigo 100.º do CIRE quando aplicado a dívidas fiscais, como reconhecido pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 362/2015, de 9 de Julho de 2015, que decidiu julgar inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 100.º do CIRE, quando interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário, sendo que perante os fundamentos que estão na base do juízo de inconstitucionalidade orgânica, da norma do artigo 100.º do CIRE, formulado pelo Tribunal Constitucional, que, na verdade, em rigor, abrangem toda matéria relativa à prescrição das dívidas fiscais, entende-se que os mesmos e, bem assim, o aludido juízo de inconstitucionalidade que daí deriva, são transponíveis também para o caso do devedor originário – cfr. sentença recorrida, a fls. 102 a 108 dos autos.
Discorda do decidido a AT, alegando que a dívida não se encontrava prescrita à data da penhora, pois que o prazo de prescrição, reiniciado em 22.01.2009 – data da declaração em falhas - esteve suspenso pelo período de 198 dias, entre a data da declaração de insolvência (18/12/2009) e 18/06/2010 (data do trânsito em julgado da decisão judicial de encerramento do processo de insolvência), daí que só se completasse em 07 de Agosto de 2017, sendo por isso válida a penhora efectuada em 27.07.2017, que de novo suspendeu a execução porquanto o imóvel penhorado se destina a habitação própria e permanente do executado.
A Exma Procuradora-Geral adjunta junto deste STA pronuncia-se pelo não provimento do recurso, porquanto a Recorrente não logrou rebater essa sapiente jurisprudência, em que o julgador em 1.ª instância se estribou (…) e porque pese embora a especificidade do caso vertente, valem aqui as considerações aduzidas, v.g., na fundamentação jurídica expendida no douto Acórdão n.º 362/2015, do Tribunal Constitucional, de 09/07/2015, no âmbito do Processo n.º 760/14, que versou sobre a compatibilidade do citado preceito do CIRE com os artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea j), da Constituição da República Portuguesa – cfr. parecer, a fls. 331 a 333 dos autos.
O recorrido pugna pela manutenção do julgado recorrido, não apenas pela fundamentação aduzida na sentença como também em razão de inconstitucionalidade material do artigo 100.º do CIRE interpretado no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias quando o credor não reclame essas dívidas no processo de insolvência.
Vejamos, pois.
Não é sindicado pelas partes e afigura-se-nos correcto o entendimento adoptado na sentença recorrida quanto ao prazo de prescrição aplicável, quanto ao seu termo inicial de (re)contagem após a interrupção derivada da citação do executado e bem assim quanto à irrelevância para efeitos de suspensão do referido do prazo do deferimento do pedido de pagamento em prestações, porquanto não determinou a suspensão do processo executivo.
Haverá, contudo, que relevar, atento o julgado do Tribunal Constitucional, a suspensão do prazo de prescrição entre a data da declaração de insolvência (18/12/2009) e a data do trânsito em julgado da decisão judicial de encerramento do processo de insolvência (8/07/2010 – cfr. certidão junta aos autos), mercê do disposto no artigo 100.º do CIRE, não julgado inconstitucional quando aplicável ao devedor originário, como no caso dos autos. E assim sendo, haverá que acrescer ao prazo de prescrição de 8 anos, contado da declaração em falhas, o período de suspensão em virtude do processo de insolvência, ou seja, haverá que acrescer ao prazo mais 201 dias (de 18/12/2009 a 8/7/2010), período de tempo durante o qual o prazo se suspendeu.
Assim, contado o prazo de prescrição de 8 anos previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei Geral Tributária desde a declaração em falhas no processo executivo - ou seja, desde 22 de janeiro de 2009 (cfr. a alínea C) do probatório), mas atendendo também a que o prazo de prescrição se suspendeu entre 18 de dezembro de 2009 e 8 de julho de 2010, por 201 dias, temos que, contrariamente ao decidido, à data da penhora e sua notificação ao executado – ocorridas, respectivamente, em 27 de julho e 5 de agosto de 2017 (cfr. as alíneas K) e L) do probatório fixado) – o prazo de prescrição ainda se não tinha perfazido, não sendo, por isso ilegal a penhora efectuada.

Não pode, pois, manter-se o julgado recorrido, antes haverá que o revogar e julgar improcedente a reclamação judicial deduzida contra o acto de penhora, pois ao tempo em que foi efectuada a dívida exequenda não havia prescrito.


- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a reclamação.


Custas pelo recorrido.

Lisboa, 16 de setembro de 2020. - Isabel Marques da Silva (relatora) – José Gomes Correia - Nuno Bastos.