Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0505/13
Data do Acordão:06/26/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
RECURSO DE REVISTA
CPTA
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
Sumário:I - O recurso de revista consagrado no artigo 150º do CPTA tem natureza absolutamente excecional, sendo apenas admissível nos precisos e estritos termos em que o legislador o consagrou, ou seja, apenas para viabilizar a reapreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo de questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II - Os montantes envolvidos, ainda que porventura elevados, a hipotética interpretação contrária ao direito comunitário e a invocada possibilidade de suscitar questão prejudicial junto do TJUE não integram os pressupostos legais de admissibilidade desta revista.
Nº Convencional:JSTA000P16016
Nº do Documento:SA2201306260505
Data de Entrada:04/04/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: - Apreciação sumária de admissibilidade - artº 150º do CPTA -.

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

1. A Autoridade Tributária e Aduaneira inconformada com a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul (Secção Tributária) que lhe negou provimento ao recurso jurisdicional que interpusera da sentença do TAF de Lisboa e, assim, manteve a decretada procedência da impugnação judicial com a consequente anulação dos atos de retenção na fonte efetuados nos anos de 2005 a 2007, no montante total de € 2.442.051,41, com direito a juros indemnizatórios a favor da Impugnante “A……….., SL”, com os demais sinais nos autos, requereu revista excecional nos termos do disposto no artigo 150º do CPTA.

A recorrente pede a reapreciação das duas questões que identifica, a saber: em primeiro lugar, se serve para efeitos do n.º 5 do art.º 19º da LGT, de nomeação como representante fiscal, a constituição de mandatário judicial e, em segundo lugar, saber se, de acordo com o direito comunitário, houve, ou não, descriminação injustificada entre acionistas residentes e não residentes quanto à tributação dos lucros distribuídos por uma sociedade residente a acionista não residente.

Sustenta em síntese e fundamentalmente que se verificam os requisitos legais de admissibilidade do recurso de revista uma vez que, alega, as identificadas questões “… assume relevância jurídica ou social, aferida em termos de utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular, decorrendo da interposição do presente recurso, a possibilidade de melhor aplicação do direito, …, dado que esta questão tem capacidade de se repetir num número indeterminado de casos futuros”.

Acrescenta ainda que “… a questão jurídica acima identificada é de complexidade jurídica superior ao comum, verificando-se a necessidade de compatibilizar o regime nacional com o regime comunitário”

E que as identificadas questões “ … se podem considerar como questão “tipo”, contendo situação bem caracterizada suscetível de se repetir em casos futuros, mas também, no facto de estar em causa uma interpretação feita pelo Tribunal que pode ser contrária ao direito comunitário.”,

Em defesa deste entendimento alega o seguinte:

8. Com efeito, no seu recurso jurisdicional, a Fazenda Pública invocou que se é o Estado-Membro da sociedade-mãe, ou seja, a Espanha, que isenta ou tributa os dividendos, não se vislumbra como é que a legislação portuguesa viola o direito comunitário quando, além do mais, a entidade distribuidora dos dividendos, .........., efetuou a retenção na fonte, nos termos da lei interna, dos artigos 90º n.º 1 al. c), 46º n.º 1, 80º n.º 2 al. c), 14º n.º 3 e 89º n.º 1 do CIRC, não padecendo estas disposições de quaisquer incompatibilidades com o princípio da liberdade de capitais consagrado no direito comunitário.”.

Adiante e já quanto ao mérito discorre abundantemente intentando demonstrar a bondade da solução que, para aquelas questões, defendera perante as instâncias e que nestas não lograra acolhimento.

2. A Impugnante e ora Requerida contra-alegou sustentando a não verificação dos requisitos legais de admissão do recurso de revista excecional, alegando, demonstrando e concluindo que, quanto à primeira das questões enunciadas, tal questão é agora irrelevante face ao já decidido pelas instâncias perante a factualidade apurada a assente - cfr. ponto 4 da fundamentação de facto da sentença de 1ª instância – “ … o Sr. Dr. B……….. Silva foi designado, pela A………… SL, seu representante fiscal em Portugal, através de instrumento notarial próprio, tendo tal facto sido participado à Administração Fiscal … “.

E quanto à segunda daquelas questões porque, em síntese e fundamentalmente, “… a Ilustre Representante da Fazenda Pública não esclarece em que consiste a relevância jurídica ou social de importância fundamental, limitando-se …, sem contudo, demonstrar em que termos a questão a apreciar se revela “útil”, nem por que motivo se impõe a “ uniformização do direito”, o que não satisfaz o ónus que sobre si impendia de invocação e demonstração dos requisitos de recurso de revista.”.

A que acresce ter já a identificada questão sido objeto de pronúncia pelo TJUE, pronúncia que, aliás, as instâncias invocaram e acolheram já em sede decisória.

3. O Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo teve depois vista nos autos emitindo pronúncia apenas quanto à questão da competência desta Secção de Contencioso Tributário, opinando antes, com apoio doutrinário que convoca, a saber, Casalta Nabais e Jorge Lopes de Sousa, respetivamente em Considerações sobre o Anteprojeto de revisão da Lei Geral Tributária e do Código de Procedimento e de Processo Tributário e Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, pela exclusividade deste meio processual – recurso excecional de revista previsto pelo artigo 150º do CPTA – para a jurisdição administrativa e pela sua não aplicabilidade ao contencioso tributário,

Sustentando, a final, que “... deve ser recusado o conhecimento do objeto do recurso, com fundamento em inconstitucionalidade das normas constantes do art.º 24º n.º 2 do ETAF 2004 aprovado pela Lei n.º 13/2002, 19 de fevereiro e do art.º 150º do CPTA, ... , por violação da reserva de competência relativa da Assembleia da República sobre a organização e competência dos tribunais (art.º 165º, n.º 1 al. p) CRP numeração RC/97 ).”

4. Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.

4.1. Em primeiro lugar e prejudicialmente da questão prévia suscitada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público, isto é, da questão da competência desta Secção para, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 150º do CPTA, admitir, apreciar e decidir recurso excecional de revista consagrado no referido preceito da citada lei adjetiva.

Embora não isenta de dúvidas e de controvérsia doutrinária e jurisprudencial, a suscitada questão prévia vem conhecendo decisão reiterada, uniforme e pacífica no sentido da admissibilidade deste recurso extraordinário também em sede de contencioso tributário, sem qualquer mácula de inconstitucionalidade, designadamente da indicada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público arguente, – cfr., entre outros, os acórdãos proferidos nos processos n.º 1075/11 e n.º 899/11, em 12.01.2012, e processos n.º 1140/11, 237/12 e 284/12, em 26.04 de 2012,

Em termos de se poder afirmar que este entendimento vem logrando consolidação jurisprudencial que, à luz do disposto no art.º 8º n.º 3 do CCivil, não pode deixar de merecer aqui também consagração decisória, em termos de, assim, se obter interpretação e aplicação uniformes do direito.

Porque assim, acorda-se em indeferir a questão prévia suscitada pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal e, em consequência, julgar competente para o recurso excecional de revista (artigo 150º do CPTA ) também a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

4.2. Vejamos agora, se, in casu, se verificam ou não os pressupostos de admissibilidade a que se refere o art.º 150º do CPTA.

Dispõe o citado artº 150º o seguinte:

“1. Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2. A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3. Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5. A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo”.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (Contencioso Administrativo e Contencioso Tributário) perante o disposto no n.º 1 daquele preceito da lei adjetiva vem acentuando repetida, uniforme e pacificamente o caráter estritamente excecional deste recurso jurisdicional de revista,

Pois não se trata de recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.º 92/VII e 93/VIII, de uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu,

Quer dizer, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.

E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos, a saber: relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, a jurisprudência deste Tribunal Superior vem doutrinando e sublinhando que apenas se verifica ocorrer aquela relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efetuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis.

E que só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável,

Ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.

Mais se vem doutrinando, já perante o disposto nos números 2, 3 e 4 do referido art.º 150º do CPTA, que esta especial revista só pode ter como fundamento a violação da lei substantiva ou processual e que, nela, o tribunal aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, uma vez que o eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que aliás é apanágio do recurso de revista.

4.3. Ora, no ponto e no que concerne à primeira questão enunciada, a de saber se serve para efeitos do n.º 5 do art.º 19º da LGT, de nomeação como representante fiscal, a constituição de mandatário judicial, importa se consigne desde já que tal não se verifica.

Com efeito e concordantemente com o alegado pela ora Requerida é antes bem manifesto que sobre esta questão a questionada e conforme decisão das instâncias se confinou e ateve aos estreitos e particulares contornos da factualidade subjacente – cfr. pontos 2, 3 e 4 da matéria de facto fixada, agora definitivamente assente, sem possibilidade de sindicância jurisdicional em sede de revista excecional - cfr. art.º 150º n.º 2, 3 e 4 do CPTA -.

E quanto à segunda das apontadas questões, a de “... saber se, de acordo com o direito comunitário, houve, ou não, descriminação injustificada entre acionistas residentes e não residentes quanto à tributação dos lucros distribuídos por uma sociedade residente a acionista não residente.”,

Não pode deixar de concluir-se também que o sindicado aresto e a decisão judicial do TT de 1ª Instância que este confirmou, em sede de recurso jurisdicional ordinário, a abordaram e decidiram mediante invocação de jurisprudência concordante do próprio tribunal aqui requerido, deste Supremo Tribunal e do TJCE, mediante aplicação das pertinentes normas do direito interno – artigos 14º, 46º e 90º do CIRC – e do direito comunitário – Diretiva n.º 90/435/CEE, do Conselho de 23/07 e artigos 12º, 43º e 48º do Tratado.

Daí que quanto a ela, tal como se mostra fundamentada e decidida, já perante a controvérsia que a requerente suscita “... matéria complexa acerca da qual é admissível existirem dúvidas interpretativas na aplicação ... do quadro comunitário, relativo à não discriminação em razão da nacionalidade, da proibição de restrição à liberdade de estabelecimento e de livre circulação de capitais, sendo certo que tais questões podem interessar a um leque alargado de interessados e eventuais casos futuros, bem como que, dado os montantes envolvidos e estando em causa uma hipotética interpretação contrária ao direito comunitário, por parte do Tribunal recorrido, esse STA, em recurso de revista, pode suscitar questão prejudicial junto do TJUE.”,

Seja antes de concluir que os apontados e clarificados requisitos legais de admissão desta revista excecional se não verificam também ocorrer.

Com efeito e como já se decidiu nesta formação e Supremo Tribunal, o legislador, na verdade e bem coerentemente, nunca convocou ou elegeu o valor económico subjacente como requisito ou pressuposto deste extraordinário e excecional recurso de revista – cfr. os acórdãos proferidos no processo n.º 515/12, de 11.07.2012 e no processo n.º 1267/12, de 06.02.2013.

Deste modo, não assumem, assim e para o apontado efeito, eficácia processual relevante quer o invocado valor subjacente, quer a hipotética interpretação contrária à Sexta Diretiva e a sugerida possibilidade de se determinar qualquer reenvio prejudicial, nem os montantes envolvidos, ainda que porventura elevados, nem a hipotética interpretação contrária ao direito comunitário ou a, só agora, invocada possibilidade de suscitar questão prejudicial junto do TJUE integram os pressupostos legais de admissibilidade desta revista.

No demais e como vem de dizer-se, a Requerente AT limita-se a reiterar, manifestando, mais uma vez, a sua discordância com o sentido do decidido pelas instâncias aqui chamadas a decidir, admitindo tão só uma hipotética interpretação contrária ao direito comunitário, por parte do Tribunal recorrido, e invocando apenas e por isso a eventual possibilidade de este Supremo Tribunal poder suscitar questão prejudicial junto do TJUE.

Sobre este preciso ponto da alegação da Requerente curioso é constatar que, tal como incontestável e exuberantemente emerge dos autos e bem claramente se refere no sindicado acórdão, “... os presentes autos tiveram a sua instância suspensa por despacho do Relator de 26.06.2012, constante de fls. 452 verso a 453 verso, ao abrigo do disposto no art.º 279º do CPC, por a mesma questão de incompatibilidade das normas aqui em causa com as normas comunitárias, derivadas do Tratado EU, terem sido já no acórdão n.º 1/09, do STA, de 10.03.2010, colocadas para decisão do TJUE, a título prejudicial, a fim de que no presente recurso tal posição pudesse ser tomada em consideração, tendo em vista contribuir com a decisão a proferir, para obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, decisão que entretanto veio a ser proferida, como acima se deu conta, ... , iremos seguir o que o mesmo Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu …” .

A reiterada discordância com o sentido do decidido, por si só, embora suscetível de legitimar/motivar recurso jurisdicional ordinário, se e quando admissível, revela-se antes e para o efeito jurídico processual que cumpre – admissibilidade da revista excecional – art.º 150º n.º 1 e 5 do CPTA – manifesta e processualmente ineficaz.

E a insuficiente alegação/demonstração da verificação dos requisitos legais de admissão do recurso de revista excecional, só por si, não obstaria porém a que o tribunal, por esta especial formação, porventura o admitisse.

Ponto seria que, ainda assim e apesar disso, se mostrassem verificados aqueles requisitos, o que, no ajuizado caso dos autos, tal como se deixa evidenciado, se não verifica ocorrer.

As decisões proferidas ativeram-se bem criteriosamente à particular factualidade subjacente, agora incontestada e definitivamente assente, tal como bem detalhadamente se considerou no sindicado aresto e deram acolhimento expresso e inequívoco à jurisprudência interessante do TJUE que convenientemente identificam, em termos de se não suscitar qualquer dúvida séria acerca da sustentabilidade do entendimento nelas sufragado.

Não é pois caso de lançar mão da “válvula de segurança do sistema” que o legislador consagrou como característica específica deste extraordinário instrumento de sindicância jurisdicional.

De registar, anotando, que este mesmo Tribunal, por esta especial formação, em acórdão do passado dia 10.04.2013, proferido no processo n.º 188/13.30, não admitiu pedido de revista em tudo idêntico ao aqui formulado pela Requerente Administração Tributária e em que era também Requerida a Impugnante “ A……….., SL”.

5. Nestes termos e pelo exposto, acordam os Juízes desta formação – art.º 150º, n.º 5 do CPTA – da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir a requerida revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 26 de junho de 2013. - Valente Torrão (relator) – Dulce Neto – Casimiro Gonçalves.