Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0770/14
Data do Acordão:01/24/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:REFORMA QUANTO A CUSTAS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22815
Nº do Documento:SA2201801240770
Data de Entrada:05/29/2015
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

A Fazenda Pública vem a folhas 846 dos autos requerer a reforma do acórdão de folhas 788 e segs quanto a custas ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 616 e nº 1 do artigo 666 do CPC.
Alega que tendo sido a requerente condenada em custas, em ambas as instâncias, importa tal condenação o pagamento do remanescente nos termos do nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais.
Todavia, face ao comportamento processual das partes e ao facto de as questões a decidir não revestirem especial complexidade tal pagamento mostra-se desproporcionado pelo que requer a dispensa do seu pagamento ao abrigo do nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais.

Ouvido, o Mº Pº pronuncia-se pelo deferimento do pedido, dado o processo não envolver complexidade especial e o comportamento ser leal e não exorbitar os limites da litigância acesa.

Cumpre decidir.
Como é sabido todos os processos, salvo os que beneficiam de isenção, estão sujeitos ao pagamento de custas que são a fonte do financiamento do sistema judicial. Por isso o legislador optou pelo estabelecimento de uma taxa fixada previamente tendo em consideração não só o valor da causa mas também a sua complexidade.
Partindo embora do valor da acção que fixa em princípio o valor económico da pretensão e o proveito, o legislador mitigou nas acções de montante superior a € 275 000 o montante da taxa de justiça permitindo a dispensa do pagamento da taxa do remanescente ou a sua redução desde que preenchidos os requisitos para tal.
A taxa de justiça refere o número 2 do artigo 529 do CPC corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa.
E o artigo 530 do CPC estabelece no nº 1 que a taxa de justiça é apenas paga pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido recorrente e recorrido nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais.
No mesmo sentido também o artigo 1º do Regulamento das Custas Processuais que assim prescreve:
«1 — Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento.
2 — Para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria
Por sua vez o nº 7 do mesmo preceito e diploma legal considera para efeitos da condenação no pagamento da taxa de justiça de especial complexidade as causas que contenham articulados ou alegações prolixas e as que digam respeito a questões de elevada especialização jurídica especificidade técnica ou importe a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso e bem assim as causas que impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
Pelo que sendo assim é de considerar se neste caso se justifica a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
O artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais que reafirma que a taxa de justiça deve ser fixada nos termos anteriormente referidos estipula que nas causas de valor superior a €275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Decorre deste preceito que o legislador previu e fixou a taxa de justiça que deve sempre ser paga pelo impulso processual relativamente a todas as causas de valor inferior ou igual a €275 000 mas o montante da taxa correspondente ao valor superior aos €275 000 ficou dependente da verificação de determinados pressupostos legais.
Podendo as partes pedir a sua dispensa e o juiz podendo fazê-lo até oficiosamente.
O artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, consagra o princípio do acesso ao direito e aos tribunais e dele decorre que a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos.
A Constituição não consagra contudo a gratuitidade do serviço de justiça mas o princípio constitucional que vimos referindo implica que o Estado não pode estabelecer um regime de custas de tal modo gravoso que se torne obstáculo ao proclamado acesso ao direito e aos tribunais, impondo-lhe ainda o dever de criar os meios instrumentais que assegurem a todos a efectivação desse direito
Neste sentido J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., Coimbra, 1984, p. 182. e entre outros o acórdão: do Tribunal Constitucional n.º 467/91 in DR II Série de 2 de Abril de 1992.
A imposição assim da taxa de justiça surgindo como contrapartida da prestação de um serviço ao particular, face ao princípio do utilizador pagador, terá de ter presente face à natureza da taxa o sentido de correspondência e de equivalência e ainda o princípio da proporcionalidade a que toda a actividade pública está sujeita bem como todo o sistema fiscal - cfr artigos 103 e 266/2 da CRP.
Tendo o legislador fixado o custo do serviço judiciário com base no valor da acção, reconhecendo que em muitos casos tal critério conduzia a que o usuário desses serviços se visse obrigado a suportar uma taxa de justiça de montante manifestamente desproporcionado em relação ao custo do serviço prestado, e à concreta actividade judicial desenvolvida procurou obstar a tal como a CRP lho impunha.
E desde logo com o DL 324/2003, de 27.12 (nos seus artºs 27º, nº 3 e 73º-B), dando ao juiz o poder de isentar o pagamento de taxa de justiça, quer de determinadas questões incidentais atípicas, quer nas acções de maior valor, designadamente quando o trabalho exigido ao tribunal e a complexidade das questões a ele submetidas fossem de menor monta.
Estipulava o artº 27º, do CCJ:
1 - Nas causas de valor superior a € 250.000 não é considerado o excesso para efeito do cálculo do montante da taxa de justiça inicial e subsequente.
2 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o remanescente é considerado na conta a final.
3 - Se a especificidade da situação o justificar, pode o juiz, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente.
Depois com o Dec-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro que aprovou o Regulamento das Custas Processuais o legislador mitiga o valor das custas processuais decorrente do valor da causa.
Como decorre da motivação desse diploma legal ínsita no seu preâmbulo:
“De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da acção. Constatou-se que o valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa.
E ainda, “(…) quando se trate de processos especiais, procedimentos cautelares ou outro tipo de incidentes, o valor da taxa de justiça deixa de fixar-se em função do valor da acção, passando a adequar-se à efectiva complexidade do procedimento respectivo.”
Por sua vez o artigo 2º da Lei 7/2012 de 13 de Fevereiro manteve o mesmo propósito no nº 7 que foi inserido ao artº 6 do RCP.
De acordo com este artigo nas causas de valor superior a 275 000,00 euros o remanescente da taxa de justiça é considerada na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes dispensar o pagamento.
É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre 275 000 euros e o efectivo e superior valor da causa para efeito de determinação da deste artigo aquela taxa que deve ser considerado na conta final, se não for determinada a dispensa do seu pagamento.
A referida decisão judicial de dispensa, excepcional, depende segundo o estabelecido neste normativo da especificidade da situação, designadamente da complexidade da causa e da conduta processual das partes.
A referência à complexidade da causa e à conduta processual das partes significa em concreto a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes.
Veja-se também neste sentido o acórdão do STA de 23 07 2014 in Processo 885/14 e Salvador Costa in RCP 4 edição pp 84 onde se diz que “o referido circunstancialismo … é cumulativo”.
Face aos considerandos supra enunciados, importa avaliar a situação concreta que é veiculada neste recurso.
A causa sob recurso - recurso de revista -, não pode deixar de considerar-se complexa, face às questões suscitadas de interpretação e aplicação ao caso das normas resultantes da Convenção Sobre Dupla Tributação celebrada ente Portugal e os Estados Unidos da América bem como da sua compatibilização com o regime de subcapitalização regulado no do artigo 61 do CIRC e ainda da compatibilização deste normativo com o direito comunitário. Por isso, embora a conduta processual das partes se tenha pautado dentro dos limites de uma litigância acesa, como diz o Mº Pº, face à complexidade anteriormente referida e tendo também em conta o valor da acção e o valor do remanescente da taxa de justiça a pagar não há razões para considerar desproporcionado o valor do remanescente em causa.

Por tal razão acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em indeferir o pedido de reforma.

Custas pela requerente.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2018. – Fonseca Carvalho (relator) – António Pimpão – Ana Paula Lobo.