Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0890/14 |
Data do Acordão: | 09/24/2014 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ISABEL MARQUES DA SILVA |
Descritores: | RECLAMAÇÃO JUDICIAL ACTO LESIVO ACTO INFORMATIVO |
Sumário: | I – São impugnáveis por via de reclamação judicial para o tribunal tributário os actos lesivos praticados na execução fiscal, entendendo-se estes como os que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro. II – O despacho do chefe do Serviço de Finanças que, em resposta a requerimento dos executados, os informa da tramitação seguida pela Administração tributária no processo executivo, com invocação das disposições legais que, na perspectiva da Administração, justificariam a tramitação levada a efeito, não introduzindo qualquer modificação na ordem jurídica, carece de conteúdo decisório, tendo carácter meramente informativo, razão pela qual se tem como inimpugnável. |
Nº Convencional: | JSTA000P17946 |
Nº do Documento: | SA2201409240890 |
Data de Entrada: | 07/15/2014 |
Recorrente: | A... E OUTRA |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório - 1 – A…………………. e mulher, B………………………, recorrem para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 2 de Junho de 2014, que, na reclamação judicial por eles deduzida do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Amarante de 29 de Outubro de 1999, julgou verificada a excepção de inimpugnabilidade do acto, absolvendo a Fazenda Pública da instância. Os recorrentes terminam as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: I – O Tribunal “a quo” decidiu pela absolvição da instância da Fazenda Pública (FP) por considerar que se encontra verificada a excepção de inimpugnabilidade do acto, porquanto entendeu que o despacho reclamado tem carácter meramente informativo e que, por isso, não é directamente lesivo dos interesses dos recorrentes. II – É entendimento dos recorrentes de que tal acto só pode ser qualificado como um acto administrativo e, por conseguinte, sujeito a impugnação contenciosa, porque lesivo dos seus direitos ou interesses legítimos. III - O Tribunal “a quo” entendeu que o despacho reclamado não tem potencialidade lesiva, sendo esta a questão verdadeiramente controvertida. IV – entendem os recorrentes que o acto da FP tem não só potencialidade lesiva como é, em si mesmo, lesivo de uma forma imediata, objectiva e actual. V – Conforme decorre dos autos, os recorrentes requereram à FP que demonstrasse cabalmente, máxime por documento, o cumprimento das diligências que precederam a penhora para aferir da legalidade do acto. VI – Na resposta, a FP limitou-se a explanar a tramitação a que alegadamente procedeu nos autos de penhora mas não comprovou o cumprimento das diligências processuais àquela data aplicáveis. VII – Consequentemente, o acto produzido pela FP é um acto de indeferimento tout court da formulada pretensão dos recorrentes uma vez que os impossibilitou de aferir da legalidade dos procedimentos inerentes à penhora e, por conseguinte, de os impugnar. VIII – Ao decidir daquela forma, transmitindo aos recorrentes a tramitação que usou sem fazer qualquer prova do tramitado e sem curar de pronunciar-se sobre a pretensão que foi formulada em sede de reclamação, a FP indeferiu de forma indirecta a pretensão dos recorrentes. IX – Qualquer destinatário normal colocado na posição dos recorrentes não deixaria de tirar essa ilação. X – O que foi respondido pela FP, de acordo com os critérios de interpretação de um “declaratário normal” foi que não iria ser retirada pela FP qualquer ilação a favor dos executados, nomeadamente, dando-se cumprimento ao disposto no art. 273.º do CPT e ordenando-se o imediato levantamento da penhora. XI – Assim, o acto em causa, de recusa da FP em satisfazer a pretensão dos recorrentes em sede de reclamação, é um acto lesivo para efeitos de impugnação contenciosa, e contra o qual podem reagir. XII – Isto porque a Repartição de Finanças de Amarante sabia da verdadeira morada dos executados e mesmo assim procedeu à sua citação para outro local e em face da sua devolução decidiu avançar para a citação edital em clara violação da lei, preterindo formalidades essenciais (art. 273.º do CPT). Termos em que deve a douta sentença recorrida ser revogada e, em substituição do tribunal recorrido, conhecer-se da questão de mérito, com o que se fará justiça. 2 – Não foram apresentadas contra-alegações. 3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos: Na senda da posição assumida pelo M.P. em primeira instância, que se reitera, entendemos que a douta sentença recorrida fez correcta interpretação e aplicação da lei, em função da natureza estritamente informativa do despacho reclamado, por isso mesmo inimpugnável, não merecendo a censura que os recorrentes lhe dirigem. Em consequência, deverá, em nosso parecer, ser negado provimento ao recurso. Com dispensa dos vistos legais, dada a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência. - Fundamentação - 4 – Questão a decidirÉ a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar verificada a excepção de inimpugnabilidade do acto reclamado. 5 – Matéria de facto Na sentença objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos: 1. Contra os reclamantes foi instaurado em 12.07.1999 um processo de execução fiscal com o n.º 1759-99/101154.4, pelo Serviço de Finanças de Amarante – cfr. fls. 108 dos autos. 2. Em 23.07.1999 foi enviada citação postal para domicílio fiscal do reclamante A…………. constante do Cadastro do Serviço de Finanças de Amarante – cfr. fls. 108 dos autos. 3. A carta referida no ponto anterior foi devolvida com indicação de que o reclamante estava no estrangeiro Amarante – cfr. fls. 108 dos autos. 4. Em 22.098.1999 foi efectuada penhora de dois prédios urbanos inscritos na matriz em nome do reclamante sob artigos 104 e 562 da freguesia de ………….., Amarante – cfr. fls. 108 dos autos. 5. O reclamante A…………….. foi citado por edital, em 29.09.1999, nos termos constantes de fls. 09) dos autos cujo teor se tem por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais e fls. 108 dos autos. 6. Em 30.09.1999 foi solicitada a afixação de editais às juntas de freguesia de …………….., concelho de Amarante – cfr. fls. 108 dos autos. 7. O reclamante C.................., em 20.10.1999, no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) referido em 01), apresentou reclamação nos termos constantes de fls. 08 dos autos, onde, entre o mais consta que: “(…) O aqui exponente, acaba de ter conhecimento da citação edital emitida por essa Repartição de Finanças em 29.09.99… Através do qual é citado para pagar a quantia exequenda ou deduzir oposição, fazer dação em pagamento ou pedir a divisão em prestações sob pena de ser designado o dia para marcação Ficando, pois e assim a saber que já lhe foram penhorados bens. O que, manifestamente, contraria as disposições legais em matéria de execução fiscal. Com efeito, antes da penhora ter-se-á de cumprir o disposto no art. 273.º do CPT. A citação edital de fls. 12 dos autos em epígrafe misturando uma estanha em estranha amálgama o conteúdo da citação tornada obrigatória por força daquela acima citada disposição legal e a publicidade da venda dos bens penhorados, é algo que não está correcto. Primeiro, tem o executado de ser citado para os efeitos do art. 272.º do CPT e, só depois, quando não efectuado o pagamento ou lançado mão das hipóteses alternativas previstas no mesmo normativo, é que será emitido mandato para penhora e, subsequentemente, cumprido (cfr. art. 297.º CPT). O processo em referência não mostra que assim foi. Sendo assim, requer-se aqui e agora a V. Exa. se digne informar onde jaz certificativo do cumprimento do disposto no artigo 273.º do CPT, designadamente, com apresentação da respectiva cópia (fotocópia). Quando tal tenha sido ultrapassado, requer-se a V. Ex.ª se digne informar se entende ser correcta a penhora já efectuada indicando, nessa hipótese, as disposições legais em que para tanto se baseou.” – Cfr. fls. 08 (frente e verso) dos autos cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. 8. Em 29.10.1999, na sequência do requerimento referido no ponto anterior, o Chefe do Serviço de Finanças de Amarante pronunciou-se por via do despacho de fls. 11 dos autos cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. 9. Do despacho referido em 08) consta, entre o mais, o seguinte: “(…) O requerente, executado nestes autos, não está de acordo com a tramitação levada a efeito no processo em epígrafe, alegando que não podia ser efectuada a penhora sem que tivesse sido feita a citação, nos termos do art. 273.º do CPT. Cumpre-me apreciar a petição o que faço nos seguintes termos: 1º - Após a instauração da execução, foi remetida carta postal, registada, com AR, a qual foi devolvida pelos CTT, com a nota de que o executado se acha ausente no estrangeiro. 2º - A situação enquadra-se no disposto no artigo 276.º n.º 2 do CPT, que manda proceder à citação por meio de éditos. 3º - Porém, o n.º 7 do mesmo artigo 276º do CPT, diz-nos que só haverá citação por meio de éditos após ter sido efectuada a penhora de bens do executado. 4º - Como se conclui, foram cumpridas as formalidades legais, nada mais havendo a dizer quanto às questões levantadas. Notifique-se …” 10. Em 02.11.1999 o mandatário do reclamante A……………… foi notificado do despacho referido no ponto anterior através de ofício datado de 29.10.199 - Cfr. fls. 10 e fls. 108 dos autos. 11. Do despacho referido em 08) e 09) apresentou o reclamante recurso/reclamação em 10.11.1999 – Cfr. fls. 05 dos autos. 12. O prédio penhorado inscrito na matriz sob artigo 562 urbano de …………….., Amarante, foi vendido em 28.11.2007 – Cfr. fls. 108 dos autos. 13. Por despacho de 31.05.2013 foi levantada a penhora sobre o prédio inscrito na matriz sob artigo 104 urbano de ……………, Amarante – Cfr. fls. 108 dos autos. 14. Em 08.01.2014 foi prestada a informação de fls. 108 (frente e verso) cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais e, sobre a mesma foi proferido despacho do Chefe de Finanças a manter o acto reclamado e ordenar a remessa dos autos a este Tribunal. 6 – Apreciando. 6.1 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida A decisão recorrida recorrida, a fls. 191 a 208 dos autos, julgou verificada a excepção de inimpugnabilidade do acto reclamado, absolvendo a Fazenda Pública da instância, no entendimento de que o despacho reclamado não tem potencialidade lesiva, antes tem carácter meramente informativo, carácter informativo esse que os reclamantes não ignoram, sendo por isso insusceptível de reclamação (cfr. decisão recorrida, a fls. 203 e 207 dos autos). Invoca em apoio do decidido em vários atestos do TCA-Norte e deste STA, que cita, e, na doutrina, JORGE LOPES DE SOUSA em anotação de ao artigo 276.º do CPPT (cfr. decisão recorrida, a fls. 204 a 207 dos autos). Discordam de tal decisão os recorrentes, alegando que o acto da FP tem não só potencialidade lesiva como é, em si mesmo, lesivo de uma forma imediata, objectiva e actual porquanto os recorrentes requereram à FP que demonstrasse cabalmente, máxime por documento, o cumprimento das diligências que precederam a penhora para aferir da legalidade do acto e na sua resposta a FP limitou-se a explanar a tramitação a que alegadamente procedeu nos autos de penhora mas não comprovou o cumprimento das diligências processuais àquela data aplicáveis, razão pela qual alegam entender que o acto produzido pela FP é um acto de indeferimento tout court da formulada pretensão dos recorrentes uma vez que os impossibilitou de aferir da legalidade dos procedimentos inerentes à penhora e, por conseguinte, de os impugnar, pelo que o acto em causa, de recusa da FP em satisfazer a pretensão dos recorrentes em sede de reclamação, é um acto lesivo para efeitos de impugnação contenciosa, e contra o qual podem reagir, porque a Repartição de Finanças de Amarante sabia da verdadeira morada dos executados e mesmo assim procedeu à sua citação para outro local e em face da sua devolução decidiu avançar para a citação edital em clara violação da lei, preterindo formalidades essenciais (art. 273.º do CPT). Vejamos. O despacho reclamado, que a decisão recorrida julgou inimpugnável, constitui a resposta do órgão de execução ao requerimento do ora recorrente no qual este, com base no n.º 1 do art. 56.º da LGT, requer, aqui e agora, (…) se digne informar onde jaz certificativo do cumprimento do art. 273.º do CPT, designadamente com apresentação da respectiva cópia (fotocópia) e (…) se entende ser correcta a penhora já efectuada indicando, nessa hipótese, as disposições legais em que para tanto se baseou (cfr. requerimento de fls. 8, frente e verso, dos autos, a que se refere o n.º 7 do probatório fixado). Estamos, pois, perante um mero pedido de informação, e não perante arguição de qualquer nulidade ou irregularidade praticada na execução, pedido este cuja resposta (a que se referem os n.ºs 8 e 9 do probatório fixado) veio sindicada por via de “recurso” deduzido ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 355.º do Código de Processo Tributário (CPT). Dispunha o n.º 1 do artigo 355.º do CPT que “As decisões proferidas pelo chefe da repartição de finanças e outras autoridades da administração fiscal que afectem os direitos ou interesses legítimos do executado são susceptíveis de recurso judicial para o tribunal tributário de 1.ª instância, a interpor no prazo de oito dias após a sua notificação”. Por sua vez, dispõe o artigo 276.º do CPPT (Reclamações das decisões do órgão da execução fiscal): “As decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância”. São pois, impugnáveis por via de reclamação para o tribunal tributário os actos lesivos praticados na execução fiscal, entendendo-se estes como os que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro Ora, o despacho sindicado, cujo teor é integralmente reproduzido no n.º 9 do probatório fixado, limita-se a dar conhecimento ao requerente da tramitação seguida pela Administração tributária no processo executivo, com invocação das disposições legais que, na perspectiva da Administração, justificariam a tramitação levada a efeito, não introduzindo qualquer modificação na ordem jurídica. Carece, pois, de conteúdo decisório, tendo carácter meramente informativo. É certo que o despacho não vem acompanhado da requerida cópia da “carta postal, registada, com AR, (…), devolvida pelos CTT, com a nota de que o executado se acha ausente no estrangeiro” a que se refere o despacho no seu n.º 1, de onde decorre, na perspectiva dos recorrentes, que o acto produzido pela FP é um acto de indeferimento tout court da formulada pretensão dos recorrentes e lesivo para efeitos de impugnação contenciosa uma vez que os impossibilitou de aferir da legalidade dos procedimentos inerentes à penhora e, por conseguinte, de os impugnar. Esta alegação, porém, não colhe. Consta do processo (a fls. 12 dos autos) que, em 20 de Setembro de 1999 – logo, em data anterior à do requerimento e respectiva resposta –, os ora recorrentes haviam requerido ao Chefe da Repartição de Finanças de Amarante certidão do processo executivo desde a primeira à última folha, constando igualmente de fls. 12 dos autos que o requerido foi satisfeito em 6/10/1999 e bem assim que consta do processo executivo (fls. 38 dos autos) – ou nele jaz -, cópia da citação via postal, registada com aviso de recepção, expedida em 23/07/1999 para A…………………, …………, Barreiro, ……….., devolvida ao remetente em 26/07/1999 com a indicação “ausente no estrangeiro”, o que demonstra que à data do requerimento os recorrentes já tinham em seu poder a requerida cópia. Não se vê, pois, que, contrariamente ao alegado, tenham sido impedidos de aferir da legalidade dos procedimentos inerentes à penhora e, por conseguinte, de os impugnar, sendo apenas nisto que consiste a alegação da lesividade do acto, o que não convence. Nenhuma censura, pois, merece o decidido, estando o recurso votado ao insucesso. - Decisão - 7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.Custas pelos recorrentes. Lisboa, 24 de Setembro de 2014. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro Delgado – Casimiro Gonçalves. |