Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0522/04
Data do Acordão:10/21/2004
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:CÂNDIDO DE PINHO
Descritores:COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
ASILO.
Sumário:I - Se o pedido formulado na "acção administrativa especial" é a declaração de nulidade do acto praticado pelo Secretário de Estado da Administração Interna (por delegação do respectivo Ministro) que nega asilo a um cidadão angolano, e a condenação do autor do acto na prática do acto devido, nos termos dos arts. 24º, al.a), iii) e iv) e 44º do novo ETAF, a competência para o conhecer pertence ao Tribunal Administrativo de Círculo, quer pela matéria, quer pela autoria do acto e, mesmo, pelo ambiente adjectivo em que a protecção jurisdicional é demandada - era de "recurso" o processo que anteriormente se previa para a impugnação daqueles actos, enquanto agora, se trata de "acção administrativa especial".
II - A referência contida na alínea i), do nº1, do art. 24º do novo ETAF só tem justificação enquanto norma de previsão para os casos em que a lei vier, no futuro, a conferir directamente ao STA a competência para a apreciação de matérias em 1º grau de jurisdição.
Nº Convencional:JSTA00061121
Nº do Documento:SA1200410210522
Data de Entrada:05/10/2004
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:ACÇÃO ADM ESP.
Objecto:DESP SE DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA.
Decisão:INCOMPETÊNCIA.
Área Temática 1:DIR ADM GER - ASILO.
Legislação Nacional:L 15/98 DE 1998/03/26 ART24.
ETAF03 ART24 N1 A ART44.
CPTA03 ART16.
DL 325/2003 DE 2003/12/29 ART3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC373/04 DE 2004/05/05.; AC STA PROC530/04 DE 2004/06/08.
Aditamento:
Texto Integral: Acção administrativa especial nº 522/04.
Acordam na 1ª Subsecção da 1ª Secção do STA
I- A..., da nacionalidade angolana, com domicílio para efeito de notificações, na Rua ..., em Lisboa, instaurou a presente acção administrativa especial para declaração de nulidade do despacho do Secretário de Estado da Administração Interna que, com competência delegada do Ministro da Administração Interna, indeferiu o seu pedido de concessão de estatuto de refugiado, com a consequente condenação da «autoridade recorrida a conceder ao recorrente protecção nos termos do artigo 1º ou do artigo 8º da Lei de Asilo e Refugiados nº 15/98 de 26 de Março».
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Na contestação, a entidade administrativa, previamente à impugnação, excepcionou a impropriedade da forma de processo e a incompetência do STA, nos termos do art. 24º do ETAF, reclamando a absolvição da instância nos termos dos arts. 493º, nº2 e 494º, alíneas a) e b) do CPC.
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O autor foi chamado a pronunciar-se sobre a matéria exceptiva, tendo-o feito para contrariar a posição da entidade administrativa, mormente no que concerne à competência.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
1- O autor, de nacionalidade angolana, apresentou em Holanda um pedido de asilo às autoridades holandeses para si, esposa e filhos.
2- Falecida a esposa, o requerente e filhos foram transferidos para Portugal em 23 de Setembro de 2002 ao abrigo do art. 5º da Convenção de Dublin, de 15 de Junho de 1990, por ter sido a Missão Diplomática Portuguesa sedeada em Luanda a emitir um visto Schengen a seu favor.
3- No mesmo dia formalizou o pedido de asilo no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
4- Em 14/10/2002, o Conselho Português para os Refugiados emitiu parecer no sentido de ser concedido o requerido asilo por razões humanitárias (fls. 72/85).
5- Em 22/03/2004, o Comissário Nacional para os Refugiados, porém, propôs a recusa do estatuto de refugiado e o indeferimento da autorização de residência por razões humanitárias (fls. 56/69).
6- Em 13/04/2004, o Secretário de Estado da Administração Interna, por delegação do Ministro da Administração interna, e com base na proposta referida anteriormente, não lhe concedeu asilo, nem autorização de residência por razões humanitárias (fls. 52).
7- Desta decisão, o interessado foi notificado em 21 de Abril de 2004 (fls. 51).
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III- O Direito
Nesta fase de saneamento (art. 87º e sgs. do CPTA), cumpre prioritariamente apreciar a questão da competência, face ao disposto no art. 13º do diploma citado.
O art. 24º da Lei de Asilo e Refugiados nº 15/98, de 26/03 preceitua que a competência para o conhecimento dos recursos interpostos da recusa de asilo cabe ao STA, o que poderia parecer constituir um bom exemplo de matéria integrável no âmbito de previsão da alínea i), do nº1 do art. 24º do novo ETAF (Lei nº 13/2003, de 19/02, posteriormente alterada pelas Leis nº 4-A/2003, de 19/02 e 107-D/2003, de 31/12), segundo o qual o STA seria o competente para conhecer «de processos cuja apreciação lhe esteja deferida por lei».
Todavia, o art. 24º da Lei de Asilo tomava assento num quadro normativo/processual próprio de um tempo em que, pela Lei de Processo então em vigor, a intervenção dos diversos tribunais administrativos na sua estrutura hierárquica se repartia por critérios relativos à matéria em discussão e à autoria dos actos em apreço. Compreender-se-ia que assim o fosse também neste caso, em que a competência do STA era definida, entre outros parâmetros e critérios, pelos actos administrativos praticados por quaisquer membros do governo, para toda e qualquer matéria não relativa ao funcionalismo público, nos termos do art. 26º, nº1, al.c), do anterior ETAF, aprovado pelo D.L. nº 129/84, de 27/04 (hipótese que, a suceder, remetia para o TCA a competência jurisdicional para, em 1ª instância, apreciar o recurso).
Critérios que não são, porém, os que agora suportam o redimensionamento da actual organização judicial administrativa, face à reforma operada pelo novo ETAF e pelo CPTA (Lei nº 15/2002, de 22/02, alterado pela Lei nº 4-A/2003, de 19/02), caracterizada por uma tutela jurisdicional efectiva, garantida através de uma repartição de competências que procura, o mais possível, o respeito pelos diversos graus de hierarquia existentes num esquema ascensional de instâncias a partir da base até ao topo (Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, in Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, 2ª ed., pag. 45/49).
Ora, nos termos do art. 24º, nº1, alínea a), iii) e iv), do novo ETAF, a competência para o conhecimento judicial das acções e omissões imputadas a entidades governativas só é conferida ao STA quando a sua autoria se atribua ao Conselho de Ministros ou ao Primeiro-Ministro. O que não se verifica aqui, pois o acto foi da autoria do Secretário de Estado a Administração Interna (ainda que por delegação do respectivo Ministro).
Quer isto dizer, que a referência contida na mencionada alínea i), do nº1, do art. 24º do novo ETAF só tem justificação enquanto norma de previsão para os casos em que a lei vier, no futuro, a conferir directamente ao STA a competência para o conhecimento de matérias em 1º grau de jurisdição. Além do mais, não pode ter o sentido de cobrir situações criadas ao abrigo de legislação revogada, incompatível com os mecanismos de competência referentes ao caso em apreço, em que a forma de processo não é já a mesma.
Deste modo, de acordo com o comando do art. 44º do mesmo ETAF, por ao Tribunal Administrativo de Círculo ser cometida a competência para conhecer em 1ª instância de “todos” os processos no âmbito da jurisdição administrativa, com excepção daqueles cuja competência, em 1º grau de jurisdição, esteja reservada aos tribunais superiores, pertencer-lhe-á o conhecimento da presente acção, tanto pela matéria, como pela autoria do acto impugnado, como até pelo próprio ambiente adjectivo em que a protecção jurisdicional é demandada, já que era de “recurso” o processo que então se previa para a impugnação daqueles actos, enquanto agora, se trata de “acção administrativa especial”.
Esta é, aliás, a solução por que o STA já começou a enveredar, como se pode ler nos Acórdãos de 05/05/2004, Proc. nº 0373/04 e de 08/06/2004, Proc. nº 0530/04.
Competente, em suma, é o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, nos termos dos arts. 16º do CPTA e 3º do DL nº 325/2003, de 29/12 e mapa a ele anexo, o competente para apreciar o pedido dos autos.
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IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar procedente a excepção de incompetência do STA, sendo competente o TAF de Lisboa, para onde deverá ser remetido, nos termos do art. 14º do CPTA.
Custas pelo autor, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Lisboa, 21 de Outubro de 2004. – Cândido de Pinho (relator) – Azevedo Moreira – Pais Borges.