Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0142/22.1BALSB
Data do Acordão:05/24/2023
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
MESMA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Sumário:Não havendo, entre o acórdão arbitral recorrido e o aresto apresentado como fundamento, contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, não deve tomar-se conhecimento do mérito do recurso.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P31019
Nº do Documento:SAP202305240142/22
Data de Entrada:10/27/2022
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... COMPANY, S.A. (PORTUGAL, S.A.)
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA interpôs recurso, para uniformização de jurisprudência, dirigido ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., visando o aresto arbitral proferido no âmbito do processo nº.7/2022-T, datado de 15/09/2022, o qual, além do mais, julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, deduzido pela sociedade ora recorrida e visando o acto de liquidação adicional de I.R.C. e correspondentes juros compensatórios, relativo ao ano de 2016 e no valor a pagar de € 310.210,61 (cfr.cópia junta a fls.53 a 71-verso do processo físico).
O recorrente invoca oposição entre o acórdão arbitral recorrido e o aresto deste Tribunal e Secção indicado como fundamento, já transitado em julgado, proferido no âmbito do processo 3162/16.1BEPRT, sendo datado de 08/06/2022 (cfr.cópia junta a fls.21 a 50 do processo físico).
X
Para sustentar a oposição entre a decisão arbitral recorrida e o aresto fundamento, a entidade recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.2 a 18 do processo físico), formulando as seguintes Conclusões:
A-O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência tem como objeto o Acórdão proferido na ação arbitral n.º 7/2022-T, que julgou totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral (PPA) deduzido por A... COMPANY, S.A., cujo objeto é o ato de «indeferimento parcial da reclamação graciosa que apresentou contra a liquidação adicional de IRC de 2016 com o n.º ...52, as liquidações de juros compensatórios com os n.ºs ...27, ...28 e ...29 e a liquidação de juros de mora com o n.º ...30», na parte em que se encontra influenciado pela correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional.
B-O Acórdão arbitral recorrido colide frontalmente com a jurisprudência firmada por esse douto Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido no processo n.º 3162/16.1BEPRT, já transitado em julgado e que constitui a decisão fundamento dos presentes autos de recurso.
C-Entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento há uma identidade de situações de facto, na medida que em ambos os casos a factualidade consignada se reporta rendimentos obtidos no estrangeiro por sociedades residentes em território português, que, nos termos das convenções para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal com os países da fonte, foram objeto de tributação por retenção na fonte, estando em causa o exercício do direito à eliminação da dupla tributação jurídica internacional, por dedução à coleta do IRC.
D-A matéria de facto subjacente à decisão arbitral recorrida reporta-se a rendimentos de rendas auferidos por uma sociedade residente em território português – a Requerente arbitral, ora Recorrida –, ao abrigo de um contrato de locação de um conjunto de equipamentos celebrado com a sociedade B... Inc., sociedade de direito americano com sede nos EUA.
E-No exercício de 2016, a faturação, a título de rendas daquele contrato, cifrou-se em € 2.726.974,00, tendo a sociedade B... Inc. procedido à retenção na fonte do valor de € 272.697,40, correspondente a 10% do valor das rendas, nos termos e em aplicação do artigo 13.º, n.º 3 da Convenção (e o Protocolo) entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento.
F-A Requerente arbitral, na qualidade de sociedade dominante, inscreveu na Declaração Modelo 22 de IRC do Grupo abrangido pelo Regime Especial de Tributação do Grupo de Sociedades (no campo 6, do quadro 14) o montante do imposto retido na fonte (€ 272.697,40), a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional prevista nos artigos 90.º, n.º 2, alínea a) e 91.º do Código do IRC, conjugado com o disposto no artigo 25.º, n.º 3, alínea a) da Convenção (e o Protocolo) entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento.
G-No âmbito de uma ação de inspeção, incidente sobre o período de tributação de 2016, os Serviços de Inspeção Tributária promoveram uma correção às deduções à coleta do IRC, decorrente da desconsideração do montante do crédito de imposto por dupla tributação internacional declarado pelo Grupo no valor de € 272.697,40, fundada no reconhecimento de que é nula a fração do IRC calculada sobre os rendimentos obtidos nos EUA, em resultado de os gastos com as depreciações dos equipamentos locados à sociedade B... Inc, no valor total de € 5.459.460,89 excederem o montante bruto daqueles rendimentos.
H-Inconformada com a liquidação adicional emitida na sequência dos procedimentos inspetivos, a Requerente arbitral apresentou reclamação graciosa que foi parcialmente deferida, decisão que motivou a apresentação do pedido de pronúncia arbitral.
I-No Acórdão fundamento, a factualidade relevante respeita, também, a uma sociedade comercial tributada de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), no qual é a sociedade dominante que, com referência ao exercício de 2012, inscreveu na declaração de rendimentos de substituição (declaração do grupo) uma dedução à coleta, a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional, de € 174 518,17.
J-O Acórdão fundamento também se pronunciou sobre uma situação respeitante a imposto pago sobre rendimentos obtidos em cinco países (Brasil, França, Grécia, Polónia e Paquistão), que nos termos das convenções para evitar a dupla tributação (CDTs) celebradas entre Portugal e cada um dos mencionados países foram tributados na fonte.
K-O Acórdão fundamento também se pronunciou sobre rendimentos para os quais as CDTs preveem a tributação cumulativa pelo Estado da fonte e pelo Estado da residência do beneficiário (in casu, Portugal), ao qual incumbe evitar a dupla tributação pelo método da imputação ordinária.
L-A sociedade dominante do Grupo recorreu ao procedimento de revisão oficiosa para solicitar um incremento de € 62.169,94 ao montante da dedução à coleta inscrito na declaração de substituição a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional, aduzindo como fundamento que os valores a deduzir a esse título devem ter por referência o valor do rendimento bruto obtido no estrangeiro e não o rendimento líquido, sob pena de ter que se considerar que o disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC está em oposição com o previsto nas Convenções sobre Dupla Tributação (CDTs) aplicáveis.
M-O ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa foi objeto de impugnação deduzida junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que decidiu pela improcedência do pedido considerando que «…a expressão “calculado antes da dedução” apenas visa excluir, para efeitos do cálculo do imposto dos rendimentos provenientes de país estrangeiro, como se cá tivessem sido obtidos, a dedução do imposto que foi suportada no estrangeiro. (…) Neste contexto, não se percebe como é que a Impugnante poderia ficcionar o cálculo do imposto a pagar em Portugal, a partir do rendimento bruto, considerando que a regra é a da tributação sobre o rendimento líquido. …».
N-No âmbito de recurso interposto para o STA, foi apreciada a questão que se prende com a interpretação do disposto no artigo 91.º, nº 1, al. b) do CIRC e a sua compatibilização com a norma da Convenção aplicável que visa atenuar a dupla tributação internacional, tendo o Tribunal decidido pela improcedência do recurso.
O-Verifica-se a identidade da questão fundamental de direito no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento, já que em ambos, em concreto, a questão central controvertida incidiu sobre a determinação do limite do crédito de imposto, correspondente à “fração do IRC” relativa aos rendimentos que podem ser tributados nos países da fonte, nos termos das normas convencionais, no tocante a saber se são considerados os rendimentos brutos, como é advogado na decisão arbitral recorrida ou os rendimentos líquidos dos gastos e encargos necessários para a sua obtenção, tal como plasmado no artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, tal como é entendido no acórdão fundamento.
P-O Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento adotaram, sobre a mesma questão de direito, soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto.
Q-As soluções jurídicas fixadas para as situações fácticas em presença inscrevem-se no mesmo quadro de disposições do Código do IRC, a saber: o artigo 90, n.º 2, alínea a) e o artigo 91.º do Código do IRC.
R-Por outro lado, estando em causa rendimentos obtidos em diferentes países: os Estados Unidos da América (no caso da decisão arbitral) e Brasil, França, Grécia, Paquistão e Polónia, são ainda aplicáveis as normas das CDT’s bilaterais celebradas entre Portugal e cada um daqueles países.
S-As referidas CDT’s contêm disposições sobre a eliminação da dupla tributação cujas redações reproduzem, no essencial, o teor do Artigo 23.º-B, n.º 1 do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE, bem como do Artigo 23.º-B n.º 1 do Modelo de Convenção das Nações Unidas entre Países Desenvolvidos e Países em Desenvolvimento (United Nations Model Double Taxation Convention between Developed and Developing Countries).
T-Em todas as CDTs aplicáveis, as disposições relevantes (Artigo 23.º, n.º 1 da CDT com o Brasil; Artigo 25.º, n.º 3, alínea a), da CDT com os EUA; Artigo 24º, n.º 2, da CDT com França; Artigo 22º, n.º 1, alínea a) da CDT com a Grécia; Artigo 23º, b), i) da CDT com a Polónia; Artigo 23º, n.º 2 da CDT com o Paquistão; e Artigo 23º, n.º 2) apresentam uma redação similar para a descrição do método da imputação ordinária ou normal, em particular quanto ao segmento final das referidas disposições: «A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nesse noutro Estado» com a ressalva da CDT com a França, que tem uma formulação ligeiramente diferente que pretende vincar que só seja deduzido imposto pago em França sobre rendimentos tributados em Portugal.
U-A Decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento, apesar de incidirem sobre factualidades substancialmente idênticas e de versarem sobre a mesma questão jurídica fundamental, perfilham soluções contraditórias.
V-Na Decisão arbitral recorrida, a conclusão lapidar alcançada (por maioria) vai no sentido de que «... não tem aplicação, para efeito da dedução do crédito do imposto por dupla tributação internacional, a regra do artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, que frustraria parcialmente o objectivo de total eliminação da dupla tributação que pretende ser assegurado através da CDT Portugal-EUA»
W-Diferentemente, o Acórdão fundamento conclui que:
«I - O texto das convenções não impõe que nesse cálculo sejam considerados os rendimentos brutos obtidos no Estado da fonte, mas tão só que os rendimentos obtidos no “Estado da fonte” sejam acrescidos aos restantes rendimentos obtidos no “Estado da residência” a fim de se apurar o imposto devido neste último Estado e calcular a “fracção” correspondente aos rendimentos obtidos no “Estado da fonte” e que serve de limite de dedução comparativo com o imposto cobrado neste último Estado.
II - A não ser assim, a atender-se aos rendimentos brutos (Questão diversa é a distinção entre rendimentos antes e após imposto, ou seja, para cálculo da referida “fracção” há que acrescer aos rendimentos obtidos no Estado da residência a totalidade dos rendimentos obtidos no Estado da fonte e não apenas os rendimentos líquidos obtidos após a dedução do imposto pelo Estado da fonte) para cálculo da “fracção do imposto” apurado pelo Estado de residência, este veria diminuir a arrecadação da receita em relação à parte dos rendimentos obtidos no seu território, por a dedução do valor cobrado pelo Estado da fonte poder ser em regra superior ao valor que seria cobrado em relação à parte correspondente dos rendimentos, caso todos os rendimentos fossem obtidos no Estado da residência.»
X-Em suma, entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da Decisão recorrida, com substituição da mesma por novo Acórdão que, definitivamente, decida a questão controvertida, nos termos do entendimento propugnado pela AT em sede arbitral, bem como de acordo com a jurisprudência que dimana do Acórdão fundamento, a cujo teor se adere na totalidade.
Y-A infração a que se refere o n.º 2 do artigo 152.º do CPTA, consiste num manifesto erro de julgamento expresso na Decisão recorrida, na medida em que o Acórdão arbitral viola o disposto nos artigos 90.º e 91.º do Código do IRC.
Z-Em primeiro lugar, importa ter presente que a consagração do método do crédito de imposto ou da imputação ordinária, pela generalidade das convenções celebradas por Portugal tem como consequência que o objetivo da eliminação da dupla tributação jurídica internacional pode não ser alcançado em todas situações, tal como é assinalado no Acórdão fundamento, na medida em que é colocado um limite à dedução do imposto pago no estrangeiro à coleta do imposto sobre o rendimento (IRS ou IRC), o qual não pode exceder «a fração do imposto sobre o rendimento, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados no outro Estado.».
AA-Aliás, este efeito restritivo das convenções tem sido reconhecido de forma reiterada pela jurisprudência do TJUE, em diversos acórdãos – e.g., no Acórdão de 17 de setembro 2015, processos C-10/14, C-14/14 e C-17/14 – considerando que, ao preverem que o montante do imposto pago no Estado da fonte, que pode ser deduzido de ou imputado no imposto devido no Estado de residência, não pode exceder o imposto que tem de ser pago neste mesmo Estado, essas convenções não permitem neutralizar sistematicamente todas as diferenças de tratamento existentes no Estado de origem que sejam suscetíveis de criar entraves proibidos à livre circulação de capitais.
BB-Por conseguinte, é erróneo o pressuposto enunciado na Decisão arbitral recorrida de que «não tem aplicação, para efeito da dedução do crédito do imposto por dupla tributação internacional, a regra do artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, que frustraria parcialmente o objetivo de total eliminação da dupla tributação que pretende ser assegurado através da CDT Portugal-EUA.».
CC-Na verdade, o Tribunal arbitral começou por dar acolhimento a uma tese que, com o devido respeito, é forjada com base numa premissa errada, ao considerar irrelevantes os comentários aos artigos 23.º-A e 23.º-B do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE, no que concerne à aplicação do método da imputação ordinária, com o argumento que, relativamente às royalties, a solução acolhida na CDT Portugal-EUA, e na generalidade das convenções celebradas por Portugal, afasta-se do preconizado na Convenção Modelo da OCDE.
DD-Ou seja, o Tribunal arbitral olvidou completamente a reserva formulada por Portugal ao artigo 12.º do MCOCDE, em linha com a solução consagrada no designado Modelo de Convenção das Nações Unidas (United Nations Model Double Taxation Convention between Developed and Developing Countries), tendo em vista assegurar o reconhecimento do poder de tributação dos royalties, pelo Estado da fonte, cabendo ao Estado da residência a eliminação da dupla tributação.
EE-O que significa que Portugal, ao assumir o alinhamento com o Modelo de Convenção das Nações Unidas sobre a tributação na fonte dos rendimentos de royalties, acolheu, igualmente, a inclusão no Artigo 23º-A, n.º 2, daquele Modelo uma referência ao artigo 12.º, explicitando a aplicação do método da imputação ordinária, bem como os respetivos comentários.
FF-Ora, diferentemente, o Acórdão fundamento remete para os Comentários ao artigo 23.º-B do Modelo de Convenção da OCDE (MCOCDE) para concluir que «o texto das convenções não impõe que nesse cálculo sejam considerados os rendimentos brutos obtidos no Estado da fonte, mas tão só que os rendimentos obtidos no “Estado da fonte” sejam acrescidos aos restantes rendimentos obtidos no “Estado da residência” a fim de se apurar o imposto devido neste último Estado e calcular a “fracção” correspondente aos rendimentos obtidos no “Estado da fonte” e que serve de limite de dedução comparativo com o imposto cobrado neste último Estado.».
GG-Tal significa que o texto das convenções não impõe que nesse cálculo sejam considerados os rendimentos brutos obtidos no Estado da fonte, mas tão só que os rendimentos obtidos no “Estado da fonte” sejam acrescidos aos restantes rendimentos obtidos no “Estado da residência”, a fim de se apurar o imposto devido neste último Estado e calcular a “fração” correspondente aos rendimentos obtidos no “Estado da fonte”, que serve de limite de dedução comparativo com o imposto cobrado neste último Estado.
HH-O Acórdão fundamento explícita, ainda, que as normas convencionais que consagram o método da imputação ordinária não visam que o imposto total a pagar pelo sujeito passivo (a soma do imposto a ser pago nos estados da fonte e da residência) possa sempre ser igual ao imposto que ele pagaria caso todo o seu rendimento tivesse origem (fonte) no estado da residência, dado que tal desiderato só seria alcançado se as convenções visassem eliminar, em todos os casos, integralmente a dupla tributação internacional.
II-O Tribunal arbitral a quo invocou o princípio da neutralidade na exportação de capitais (NEC) que a teoria económica associou à aplicação do método da imputação, contudo, cabe realçar que as limitações próprias do método da imputação ordinária, impedem, na prática, a observância estrita de tal princípio nas situações em que é assegurada, pelo Estado da residência, a dedução integral do imposto pago no Estado da fonte dos rendimentos.
JJ-O que vale por dizer que o modo de funcionamento do método da imputação ordinária, diversamente do método da imputação integral, não garante, em todas as circunstâncias, o princípio da neutralidade na exportação de capitais (NEC).
KK-Assim, não procede o argumento esgrimido na Decisão arbitral recorrida sobre a neutralidade na exportação de capitais, que deve ser encarada como um princípio que subjaz ao método da imputação, mas que, por força das opções dos Estados sobre a configuração deste método, nem sempre poderá ser assegurada.
LL-Por fim, o Tribunal arbitral, invocando o princípio da primazia das disposições convencionais sobre a lei interna posterior de sentido contrário (artigo 8.º, n.º 2, da Constituição), concluiu que «que não é circunstância de terem sido introduzidas, através da alteração ao artigo 91.º do Código do IRC, novas regras de imputação para eliminar a dupla tributação internacional que permitem ajudar a interpretar o artigo 25.º, n.º 3, da CDT Portugal-EUA em sentido diverso, i.e. de modo menos restritivo, do que o previsto no referido artigo 91.º do Código do IRC.».
MM-A este respeito, importa acrescentar que, conquanto as disposições convencionais prevaleçam sobre as normas do direito nacional ordinário, por força do disposto no artigo 8.º, n.º 2 da CRP, e que tal supremacia, nas palavras de ALBERTO XAVIER (Direito Tributário Internacional, 2.ª edição, Almedina, pág. 121), pode provocar uma «limitação da eficácia» da lei interna, que assim se «torna relativamente inaplicável a certo círculo de pessoas e situações», não pode afirmar-se, como defendido na Decisão arbitral recorrida, que este efeito ocorra no confronto entre o disposto no artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC e nas disposições convencionais que instituem o método da imputação ordinária para eliminar a dupla tributação jurídica internacional.
NN-Na verdade, a mencionada disposição do Código do IRC acolhe o mesmo método que as CDTs, garantindo aos sujeitos passivos deste imposto o direito à eliminação da dupla tributação internacional, portanto, não se deteta a existência de qualquer conflito.
OO-O que é acrescentado pela norma da lei interna, in casu, o artigo 91.º, n.º1, alínea b), é o modus operandi do método, i.e., concretiza o modo de cálculo da “fração do IRC” que corresponde aos rendimentos obtidos no estrangeiro que as normas convencionais não explicitam.
PP-Ora, como é dito no Acórdão fundamento «nem o Modelo de Convenção da OCDE, nem o específico texto adoptado em cada uma das Convenções celebradas com os países supra identificados que se limitam a seguir aquele modelo, prevê os métodos de cálculo da “fracção do imposto”, deixando, como é óbvio, tal disciplina para os ordenamentos nacionais.»
QQ-Ou seja, «significa que o texto das convenções não impõe que nesse cálculo sejam considerados os rendimentos brutos obtidos no Estado da fonte, mas tão só que os rendimentos obtidos no “Estado da fonte” sejam acrescidos aos restantes rendimentos obtidos no “Estado da residência” a fim de se apurar o imposto devido neste último Estado e calcular a “fracção” correspondente aos rendimentos obtidos no “Estado da fonte” e que serve de limite de dedução comparativo com o imposto cobrado neste último Estado.»
RR-Inexiste, portanto, qualquer conflito entre as referidas normas convencionais que preveem o método da imputação ordinária e a norma do artigo 91.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRC, que implique a sua derrogação por ser considerada mais restritiva, como é demonstrado, à luz da pelos comentários aos artigos 23.º-A e 23-B do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE (MCOCDE) e do Modelo de Convenção das Nações Unidas, bem como pela doutrina produzida sobre a matéria.
SS-Cabe enfatizar que o principal contributo dos Comentários sobre a questão em análise é dado essencialmente pelo parágrafo 60, no segmento em que refere: «O Artigo 23-B estabelece as principais regras do método do crédito de imposto, mas não fornece regras detalhadas sobre o cálculo e o funcionamento do crédito. Isto é consistente com o modelo geral da Convenção», o que significa que as referidas “regras detalhadas” são remetidas para a legislação e prática internas de cada um dos Estados Contratantes.
TT-Conforme se tem pronunciado a doutrina, cada Estado é livre de definir, na sua lei interna, o modo de aplicação dos métodos para a eliminação da dupla tributação internacional, desde que afete os princípios gerais das Convenções, não havendo sequer subordinação à regra da reciprocidade.
UU-Veja-se, aliás, que as legislações nacionais em vários Estados - e.g., Espanha, EUA, França, Grécia – desde há longos anos incluem regras a dispor que o cálculo do limite da dedução do imposto pago estrangeiro é feito com base em rendimentos líquidos de encargos, de modo a que corresponda ao imposto que seria liquidado sobre esses rendimentos, caso fossem obtidos no Estado da residência do beneficiário.
VV-Porém, o legislador nacional, só fez uso da faculdade concedida por pelo Modelo de Convenção Fiscal da OCDE, com a alteração introduzida no artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC (e no artigo 81.º do Código do IRS) pela Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho, explicitando que a “fração do IRC”, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, é obtida tomando como base de cálculo os rendimentos acrescidos do imposto pago no estrangeiro e deduzidos dos gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção, quer o método da imputação ordinária seja aplicado ao abrigo de uma convenção para evitar a dupla tributação ou por força de disposição da legislação interna.
WW-Consequentemente, impõe-se concluir que a solução plasmada no artigo 91.º, n.º 1, alínea b) não coloca em crise o direito garantido pelas convenções de eliminação da dupla tributação internacional, tanto mais que, conforme consta do Acórdão fundamento «o texto das convenções não impõe que nesse cálculo sejam considerados os rendimentos brutos obtidos no Estado da fonte, mas tão só que os rendimentos obtidos no “Estado da fonte” sejam acrescidos aos restantes rendimentos obtidos no “Estado da residência” a fim de se apurar o imposto devido neste último Estado e calcular a “fracção” correspondente aos rendimentos obtidos no “Estado da fonte” e que serve de limite de dedução comparativo com o imposto cobrado neste último Estado.
XX-O entendimento vertido na Decisão arbitral recorrida, de consideração dos rendimentos brutos para cálculo da “fração do imposto” apurado pelo Estado de residência, redundaria, como se afirma no Acórdão fundamento - nos casos em que a parte da coleta do IRC gerada pelos rendimentos líquidos dos encargos suportados para a sua obtenção seja inferior ao imposto pago no Estado da fonte - numa redução da receita fiscal deste imposto, porquanto a dedução do imposto pago no estrangeiro seria feita à custa da coleta do IRC gerada por outros rendimentos, que não os obtidos no estrangeiro, contrariando assim a natureza e finalidade da aplicação do método de imputação ordinária.
YY-Em face de tudo o que antecede, impõe-se concluir que a Decisão arbitral recorrida seja revogada por, ao contrário do Acórdão fundamento, recusar a aplicação de uma norma de direito nacional a uma situação concreta, com fundamento em alegado desrespeito de uma norma de convenção para evitar a dupla tributação;
ZZ-Decisão que não tem sustentação nos princípios em que assenta a repartição do poder tributário sobre os rendimentos das royalties, nem na natureza do método da imputação ordinária adotado para eliminar a dupla tributação jurídica internacional.
AAA-Por tudo o exposto, resta concluir que o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento por violação das normas legais previstas nos artigos 90.º e 91.º do Código do IRC, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência que dimana no Acórdão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue improcedente o pedido arbitral.
BBB-Por fim, em virtude de o valor da causa ser superior a € 275.000,00, desde já se requer que, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, esse douto STA determine a dispensa do pagamento da taxa de justiça aí prevista.
X
Foi proferido despacho pelo Exº. Conselheiro relator a admitir liminarmente o recurso (cfr.despacho exarado a fls.74 do processo físico).
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.90 e seg. do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
1-O recurso sob resposta mostra-se in totum inadmissível e não deve ser apreciado de mérito, na medida em que não se verificam os respectivos requisitos substanciais, constatando-se que as situações fácticas subjacentes ao acórdão fundamento e à decisão arbitral recorrida nada têm de idêntico, não se subsumindo às mesmas normas legais.
2-Mesmo que assim não fosse - que é - a Recorrida não tem quaisquer dúvidas de que, no que respeita à questão referida no recurso da Administração Tributária, o Tribunal Arbitral adoptou o entendimento mais conforme à Lei, aos Tratados e à Constituição, devendo a posição aí vertida ser aquela que, a final, deverá ser seguida.
3-Sem embargo, cumpre ter em conta que, implicitamente, o Tribunal Arbitral considerou prejudicado o conhecimento de questões, vícios e argumentos que, no entender da Recorrida, igualmente deveriam conduzir à anulação dos actos contestados e que foram por esta invocados no r.i. arbitral, mas cuja apreciação se tornou inútil face à solução dada ao caso.
4-A questão jurídico-tributária tratada pelo Tribunal Arbitral na decisão recorrida foi a de saber se: os royalties recebidos pela Recorrida dos EUA em 2016, com base em contrato de locação de equipamentos, devem, pela aplicação do disposto no artigo 25.º, n.º 3, alínea a), da CDT Portugal-EUA, ser considerados, ou não, pelo seu valor bruto para o cálculo da dedução à colecta de IRC por dupla tributação internacional, ao abrigo do disposto no artigo 90.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRC, devendo, ou não, a norma do artigo 25.º, n.º 3, alínea a), da CDT Portugal-EUA prevalecer sobre a disposição de direito interno do artigo 91.º, n.º 1, daquele Código do IRC?
5-São, pois, elementos essenciais à definição daquela questão e à decisão tomada: (i) o facto de os rendimentos em causa deverem ser qualificados como royalties e, por isso, se subsumirem ao artigo 13.º da CDT Portugal-EUA; (ii) a circunstância de a norma daquele artigo 13.º se afastar do previsto na Convenção Modelo da OCDE, o que enforma o modo de interpretação e aplicação do disposto no artigo 25.º, n.º 3, alínea a) da CDT Portugal-EUA; (iii) a posição de que estas normas prevalecem sobre a norma do artigo 91.º, n.º 1, do Código do IRC; (iv) por isso, a dedução à colecta de IRC por dupla tributação internacional, ao abrigo do disposto no artigo 90.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRC, incide sobre os rendimentos, royalties, brutos.
6-No acórdão fundamento não se tratou do caso específico de quaisquer rendimentos qualificados como royalties.
7-Por isso mesmo, no acórdão fundamento não se tratou da interpretação ou aplicação do artigo 13.º da CDT Portugal-EUA.
8-Do mesmo modo, pelas mesmas razões, no acórdão fundamento não se tratou da interpretação ou aplicação do artigo 25.º, n.º 3, alínea a) da CDT Portugal EUA e da sua prevalência sobre o Código do IRC.
9-No acórdão fundamento não se tratou, sequer, da interpretação de qualquer das disposições da CDT Portugal-EUA, isto na medida em que a aí impugnante não auferiu qualquer rendimento nos EUA.
10-A questão jurídico-tributária examinada no acórdão fundamento assumiu contornos díspares daqueles ponderados pelo Tribunal Arbitral.
11-No acórdão fundamento estiveram em causa rendimentos obtidos, em 2012, pela aí impugnante no Brasil, França, Grécia, Paquistão e Polónia, e, por isso, não nos EUA.
12-Sendo que tais rendimentos não são mencionados ou qualificados como royalties, não sendo a sua natureza ponderada ou considerada factor relevante na tomada de decisão do Supremo Tribunal Administrativo.
13-A esta luz, são analisadas as normas sobre a eliminação da dupla tributação de cada uma das Convenções para Evitar a Dupla Tributação relevantes, mas não as normas de tributação.
14-Neste contexto, é expresso o Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que “o dissídio que envolve as partes prende-se com os termos em que se efectua o cálculo da “fracção do imposto sobre o rendimento correspondente aos rendimentos obtidos fora do território nacional” e que serve de limite à dedução, verificando-se que nem o Modelo de Convenção da OCDE, nem o específico texto adoptado em cada uma das Convenções celebradas com os países supra identificados que se limitam a seguir aquele modelo, prevê os métodos de cálculo da “fracção do imposto”, deixando, como é óbvio, tal disciplina para os ordenamentos nacionais”.
15-É isto mesmo que não sucede in casu, em que a CDT Portugal-EUA não se limita a seguir a Convenção Modelo da OCDE, afastando-se, ao invés, do que por esta é afirmado.
16-Adicionalmente, urge não olvidar que a decisão arbitral recorrida analisou o tratamento de crédito de imposto atinente a rendimentos auferidos em 2016, já os rendimentos recebidos pela impugnante no acórdão fundamento, foram-no em 2012. Ora, a Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro, trouxe alterações da regulamentação jurídica constante das normas da alínea a), nº 2 do artigo 90.º, e alínea b) do nº 1 do artigo 91.º do Código do IRC, o que implica que as liquidações em confronto tenham sido efectuadas à luz de um quadro normativo diverso.
17-Aqui chegados, cumpre recordar que, o recurso em causa tem por pressuposto necessário uma identidade dos factos subjacentes (que terão de ser essencialmente os mesmos do ponto de vista do seu significado jurídico) e uma identidade do regime jurídico aplicado.
18-Pois bem, tendo ficado demonstrado que entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamente não existe uma identidade dos factos subjacentes, que não são os mesmos do ponto de vista do seu significado jurídico, e não existe uma identidade do regime jurídico aplicado, então, não se encontram preenchidos os requisitos para que se considere existir oposição entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento.
19-Deve, pois, ser julgado que o recurso em apreço carece, em absoluto, de sustentação legal, não podendo ser tomado conhecimento do seu mérito.
20-Caso V. Excelências não confirmem a inexistência de qualquer oposição entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento e não recusem a apreciação de mérito do recurso - o que se admite por mero dever de patrocínio, sem conceder - sempre se teria de concluir, conforme já acima aflorado, que a decisão arbitral recorrida adoptou a posição legalmente mais acertada, em rigor, a única posição legalmente possível no que concerne à relevante questão.
21-Desde logo, não existem quaisquer dúvidas, tal não está em causa, nem é contestado no acórdão fundamento que: nos termos do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, “as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem jurídica interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”.
22-Deste modo, os preceitos das CDTs prevalecem sobre todas as normas de direito interno infraconstitucional português - como é o caso das constantes do Código do IRC.
23-Neste contexto, assente que está a aplicação, in casu, da CDT Portugal-EUA - e não do Código do IRC - importaria verificar, como fez o Tribunal Arbitral, qual o método de cálculo do crédito de imposto por dupla tributação internacional estabelecido pela mesma.
24-No que respeita à qualificação dos rendimentos em causa e atinentes ao contrato de locação de equipamentos celebrado com a B..., os mesmos devem qualificar-se como royalties, o que não é contestado pela Administração Tributária.
25-Para uma correcta interpretação do artigo 25.º da CDT Portugal-EUA, que estabelece as regras sobre a eliminação da dupla tributação, cumpre recorrer à própria CDT Portugal-EUA, designadamente à norma em que se determinam quais os rendimentos que podem ser tributados no Estado da fonte, isto é, nos EUA.
26-Foi isto mesmo que o acórdão fundamento não fez, ao contrário do Tribunal Arbitral, não logrando considerar elemento essencial a uma correcta apreciação da questão e das normas aplicáveis.
27-No caso em apreço - e estando nós perante a tributação de royalties - teríamos de recorrer ao artigo 13.º, n.º 2 da CDT Portugal-EUA, que estipula que: “essas royalties podem ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm [in casu, EUA] e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efectivo das royalties for residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não poderá exceder 10% do montante bruto das royalties”.
28-Assim, de acordo com este preceito, o imposto que os EUA podem lançar sobre as royalties incidirá sobre o montante/rendimento bruto das mesmas e não sobre o seu montante/rendimento líquido, não sendo assim deduzidas quaisquer quantias a título de gastos incorridos com a respectiva obtenção.
29-A fracção do imposto sobre o rendimento a calcular nos termos do artigo 25.º n.º 3, alínea a) da CDT Portugal-EUA faz apelo aos rendimentos que podem ser tributados no outro Estado, pelo que correspondendo tais rendimentos ao montante bruto - e não líquido - dos royalties, é esse montante que deve ser tido em conta para efeitos de determinação da fracção de imposto.
30-Vale assim dizer que sobre o valor bruto dos rendimentos auferidos nos EUA poderá deduzir-se a totalidade da retenção na fonte suportada nos EUA, ao abrigo da CDT Portugal-EUA, ao imposto pago em Portugal enquanto Estado da residência, na medida em que o imposto pago nos EUA não exceda a fracção do imposto sobre o rendimento em Portugal, eliminando assim a dupla tributação.
31-Dito isto, o artigo 91.º do Código do IRC é necessariamente mais restritivo que as analisadas normas da CDT Portugal-EUA, encontrando-se à luz do previsto no artigo 8.º da Constituição a sua aplicação afastada.
32-De outro passo: além do argumento literal que supra referimos, a teleologia subjacente ao sistema de convenções para evitar a dupla tributação reforça a interpretação ora sustentada do artigo 25.º, n.º 3, alínea a) da CDT Portugal EUA.
33. Com efeito, a razão última das CDTs é eliminar/atenuar a dupla tributação jurídica internacional, pelo que as soluções interpretativas que mais se aproximam de tal Portugal privilegia a neutralidade na exportação de capitais como resulta de uma análise das convenções por si negociadas e da lei interna.
34-A única forma de cumprir esta finalidade no caso concreto é o de garantir que o imposto associado ao rendimento obtido pela locação de equipamentos feita pela Recorrida é o mesmo, quer tal locação ocorra nos EUA, quer ocorra em Portugal. Tudo quanto apenas será possível se o imposto pago nos EUA for creditado ao imposto devido em Portugal.
35-Assim sendo, a posição da Administração Tributária plasmada no Projecto de RIT à Recorrida e reflectida no RIT do Grupo A... e no indeferimento parcial contestado no sentido da aplicação in casu, sem mais, do artigo 91.º do Código do IRC que a levou a fixar o valor do crédito de imposto por dupla tributação internacional em € 0 mostra-se ilegal por violação do disposto no artigo 25.º da CDT Portugal-EUA, ilegalidade que inquina a liquidação contestada emitida no seguimento daquele RIT.
36-De tudo o anteriormente referido resulta que o montante de imposto retido nos EUA a deduzir à colecta deverá ser de € 272.697,40, de modo a corresponder à totalidade do montante que lhe havia sido retido pelo Estado da fonte.
37-E assim, conforme decidiu, e bem, o Tribunal Arbitral, deve a liquidação adicional de IRC sub judice ser anulada na parte em que nega o apuramento e a dedução a título de crédito por dupla tributação internacional no montante de € 272.697,40, por manifesta violação do disposto no artigo 25.º da CDT Portugal-EUA e igualmente no n.º 2 do artigo 8.º da Constituição, mantendo-se ainda a anulação da decisão da reclamação graciosa que assim o não entendeu e decidiu e a anulação dos juros compensatórios.
38-Sem prejuízo do que se veio de afirmar e de concluir, de que não se prescinde, a Recorrida entende ainda que o artigo 91.º, n.º 4, do Código do IRC sempre permitiria em qualquer caso o reporte do montante de imposto suportado nos EUA e que não fosse considerado em 2016.
39-Nesse sentido, aliás, vai o voto vencido constante da decisão arbitral recorrida.
40-Assim, o valor de € 272.697,40 que não seja deduzido em 2016 deve ser reportado para 2017 (e exercícios seguintes) e a sua dedução deverá ser permitida quando exista fracção de IRC resultante de rendimentos obtidos pelo Grupo nos EUA nos períodos de tributação subsequentes que permita a utilização do reporte desse crédito.
41-Aliás, caso não se admitisse esse mesmo reporte estar-se-ia a violar o disposto não só no artigo 91.º do Código do IRC, como também o disposto no artigo 25.º, n.º 3, alínea a) da CDT Portugal-EUA, uma vez que o Estado Português não estaria a cumprir a sua obrigação convencional de assegurar a eliminação da dupla tributação sofrida pela Recorrida decorrente da concorrência para o seu lucro tributável e sua tributação do rendimento bruto obtido nos EUA.
42-De outro passo ainda, sem prescindir de tudo quanto já se referiu e se concluiu, a Recorrida considera ainda que na determinação dos “gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção” a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC não podem ser incluídos os gastos com as depreciações dos equipamentos em causa.
43-A depreciação é a perda de valor de um bem decorrente de seu uso e desgaste natural.
44-Por isso se afirma no n.º 2 do artigo 29.º do Código do IRC que são “sujeitos a deperecimento os activos que, com carácter sistemático, sofram perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo”.
45-Sendo considerados como sujeitos a deperecimento os activos fixos tangíveis, enquanto recursos detidos, com carácter de permanência ou continuidade, e que não se destinam a ser vendidos ou transformados no decurso das actividades normais do sujeito em causa.
46-Sobretudo nas empresas industriais, os activos fixos tangíveis representam uma parte muito significativa dos seus activos.
47-Ora, os activos objecto de locação à B... são equipamentos industriais, equipamentos esses que, estando à data locados àquela sociedade, seriam, em geral, utilizados na actividade produtiva do Grupo.
48-Ou seja, contribuiriam para a obtenção global dos rendimentos da Recorrida e do Grupo que lidera.
49-Os rendimentos obtidos nas diferentes actividades da Recorrida são objecto de tributação conjunta, sem qualquer distinção por actividade ou por tipo de rendimento, como seja aqueles que assumem a natureza de royalties.
50-A Recorrida não distingue, nem afecta os gastos que contribuem para a obtenção global dos rendimentos, como sejam justamente as depreciações, a distintas categorias de rendimentos, sendo aqueles considerados na sua totalidade e sem qualquer categorização.
51-É deste modo que se deve entender terem as depreciações uma natureza de gastos operacionais, inerentes à actividade industrial do Grupo A..., o que impede que possam ser considerados como tendo sido suportados (apenas, directa ou indirectamente) para a obtenção das rendas pagas pela B....
52-Aliás, no que respeita a este tipo de gastos, nem tão-pouco a Recorrida, como os demais sujeitos passivos, distingue aqueles suportados com referência a actividades sujeitas ou isentas de IRC, exactamente considerando a sua natureza geral.
53-Só assumindo a posição que aqui se sustenta, de novo, é possível assegurar o respeito pelo disposto na CDT Portugal-EUA, e, nessa medida, pelo primado ou da prevalência das convenções internacionais face à lei interna, tal como este decorre do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
54-Pelo que, de novo, deve entender-se ser de manter a decisão final arbitral que anulou os actos contestados, ainda que com base nos vícios e nos fundamentos agora referidos e cuja apreciação não foi naquele processo necessária por ter ficado prejudicada.
55-Adicionalmente, na situação da Recorrida, da aplicação da norma do artigo 91.º do Código do IRC, que limita a dedução do valor do imposto pago no estrangeiro à fracção do IRC correspondente aos rendimentos que possam aí ser tributados mas líquidos dos gastos que lhes sejam directa ou indirectamente imputáveis, resulta um tratamento menos favorável e a sujeição a uma carga fiscal superior dos sujeitos passivos que invistam no estrangeiro face àqueles que se limitem a fazê-lo em território nacional.
56-É, pois, medianamente evidente que aquelas normas desincentivam o investimento fora de território nacional.
57-Tudo quanto se deve considerar incompatível com o direito da União Europeia nos termos referidos.
58-Sendo que a Recorrida não considera ser aplicável a excepção prevista no artigo 64.º, n.º 1 do TFUE, nem existir justificação ao abrigo do disposto no artigo 65.º, n.ºs 1 e 3 do mesmo tratado.
59-Como não se deverá ignorar as decisões do TJUE proferidas em reenvio prejudicial são obrigatórias no que respeita à interpretação dos Tratados, sendo que estes são aplicáveis na ordem interna com primado sobre a mesma e com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático (cf. n.º 4 do artigo 8.º da CRP).
60-Deste modo, de novo, deve entender-se ser de manter a decisão final arbitral que anulou os actos contestados, ainda que com os fundamentos e com base nos vícios agora referidos e cuja apreciação não foi naquele processo necessária por ter ficado prejudicada.
61-Ainda sem prescindir de tudo quanto se expôs, no caso concreto, a Recorrida entende que se o valor de € 272.697,40 não for considerado a título de crédito por dupla tributação internacional, este terá de ser considerado dedutível como gasto nos termos do artigo 23.º do Código do IRC.
62-Com efeito, se a operação em apreço está sujeita a uma retenção na fonte nos EUA correspondente a 10% do valor facturado, mostra-se claro que o valor do imposto não recuperado não poderá deixar de ser qualificado como um gasto operacional e, por conseguinte, ser aceite para efeitos fiscais.
63-Também por esta razão, deve a liquidação adicional de IRC contestada ser anulada na parte em que nega a dedução do montante de € 272.697,40, correspondente a imposto pago nos EUA, como a final decidiu o Tribunal Arbitral, desta feita, por manifesta violação do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, anulando-se ainda a decisão da reclamação graciosa que assim o não entendeu e decidiu.
64-Em suma, mais uma vez, deve entender-se ser de manter a decisão final arbitral que anulou os actos contestados, ainda que com os fundamentos e com base nos vícios agora referidos e cuja apreciação não foi naquele processo necessária por ter ficado prejudicada.
65-Acresce que, a aplicação in casu do regime vertente do artigo 91.º do Código do IRC tal como sustentado pela Administração Tributária, ao não permitir a dedução integral do imposto suportado no Estado da fonte, mostra-se incompatível com o princípio constitucional da tributação pelo lucro real, previsto no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, vício que inquina o acto de liquidação impugnado, assim como o acto de indeferimento que o manteve e que devem, nessa medida, ser anulados.
66-Deste modo, novamente, deve entender-se ser de manter a decisão final arbitral que anulou os actos contestados, ainda que com os fundamentos e com base nos vícios agora referidos e cuja apreciação não foi naquele processo necessária por ter ficado prejudicada.
67-Se o recurso for considerado procedente e V. Excelências não se considerem competentes ao conhecimento dos vícios e questões acima referidos, tidos implicitamente por prejudicados pelo Tribunal Arbitral, por este não apreciados e igualmente não analisados pelo acórdão fundamento, deve este processo ser remetido para o Tribunal Arbitral, de modo a que este se possa pronunciar sobre aqueles.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual conclui que não se encontram reunidos os pressupostos para o conhecimento do mérito do presente recurso (cfr.fls.81 e seg. do processo físico).
X
Colhidos os vistos de todos os Exºs. Conselheiros Adjuntos, vêm os autos à conferência do Pleno da Secção para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
Do aresto arbitral recorrido consta provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.55-verso a 60 do processo físico):
A-A Requerente é a sociedade dominante do “Grupo A...”, que se encontra enquadrado no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS).
B-O período de tributação de 2016 do Grupo situou-se entre 1 de julho de 2016 e 31 de dezembro de 2016, passando a Requerente a adotar, no ano de 2017, um período de tributação coincidente com o ano civil.
C-A Requerente celebrou, em 2016, um contrato de locação de um conjunto de equipamentos à sociedade B... Inc., sociedade de direito americano com sede nos EUA.
D-Com referência a 2016, a Requerente faturou, a título de rendas daquele contrato, o montante de € 2.726.974,00, tendo procedido ao correspondente registo contabilístico pelo seu valor bruto.
E-Para obtenção dos rendimentos em causa, a Requerente reconheceu gastos com depreciações no valor total de € 5.459.460,89.
F-A B... Inc. procedeu à retenção na fonte do valor de € 272.697,40, correspondente a 10% do valor das rendas.
G-A Requerente inscreveu no campo 6, do quadro 14, da Declaração Modelo 22 de IRC referente ao período de 2016, o montante de € 272.697,40, correspondente ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional prevista no artigo 91.º do Código do IRC.
H-A Requerente, na qualidade de sociedade dominante do Grupo A..., inscreveu aquele mesmo valor na Declaração Modelo 22 de IRC de 2016 do Grupo, sendo o valor de € 272.697,40 deduzido à coleta do Grupo.
I-A Requerente, enquanto sociedade individual, foi objeto de uma ação de inspeção incidente sobre o período de tributação de 2016, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º ...19..., da qual resultou uma correção tributária no montante de € 272.679,40, com a consequente redução a zero do crédito de imposto por dupla tributação internacional.
J-A correção tributária encontra-se fundamentada no Relatório de Inspeção Tributária nos seguintes termos:
III.2.1.2
Crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional
[…]
Análise
A sociedade A... SA inscreveu no campo 6, do quadro 14 - Crédito de Dupla Tributação Jurídica Internacional, da Declaração de Rendimentos de IRC (individual) referente ao período de 2016, o montante de 272.679,40 Euro, a título de imposto pago no estrangeiro.
Este montante considerado como imposto pago nos Estados Unidos da América corresponde a 10% do saldo da conta SNC #...00 alug.Eq/lnsta.Fabr», no montante de 2.726.794,00 Euro referente aos recebimentos de um contrato de locação celebrado com a sociedade B... dos meses de outubro e dezembro. Nos termos do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC, no ano em que o contribuinte reconhece o rendimento na base tributável é lhe conferido o direito a crédito de imposto por dedução à coleta de IRC da menor das seguintes importâncias:
a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;
b) Fração do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, acrescidos da correção prevista no n.º 1 do artigo 68.º, líquidos dos gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção;
c) Imposto a pagar no estrangeiro nos termos da CDT celebrada entre o país em causa e Portugal.
Com base nos elementos fornecidos pelo contribuinte a esta inspeção, aquando do recebimento das rendas do contrato de locação, entre esta sociedade e a sua participada norte-americana, foi retido imposto no valor total de 272.679,40 Euro, correspondente a 10% das rendas de 2016 (no total de 2.726.794,00 Euro). Para a obtenção das rendas no valor de 2.726.794,00 Euro, a A... Company reconheceu gasto com depreciações no valor total de 5.459.460,89 Euro pelo que não existe qualquer ganho líquido o que determina que a fração de IRC (para efeitos da al. b) do n.º 1 do artigo 91º Código do IRC) é zero. Questionada a sociedade por correio eletrónico em 2019-11-13, para justificar o crédito por dupla tributação jurídica internacional no quadro 14 da declaração modelo 22 no que se refere ao imposto retido na fonte sobre as rendas recebidas da B... no montante de 272.679,40 Euro, atendendo ao enquadramento do n.º 1 do art. 91.º do CIRC e à inclusão nas suas contas de gastos com depreciações dos equipamentos objetos de locação no montante de 5.459.460,89 Euro, não foi obtida qualquer resposta até à data deste relatório.
Assim,
Em função dos valores declarados pelo contribuinte como gastos e rendimentos associados ao contrato de locação entre esta sociedade e a sua participada B..., é indevido o crédito de imposto reclamado no valor de 272.679,40 Euro, nos termos do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC. Conclusão
A sociedade A... SA considerou como crédito de imposto, o montante de 272.679,40 Euro resultante da aplicação da taxa de 10% conforme a convenção celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América ao total das rendas de locação cobradas à B... sendo que, nos termos do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC, para os rendimentos líquidos dos gastos inerentes à sua obtenção, que a A... declarou incluídos no seu resultado tributável é indevido qualquer crédito por DTJI;
Assim, em resultado da al. b) do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC, não há qualquer ganho líquido pelo que resulta uma correção ao direito ao crédito de imposto DTJI invocado de 272.679,40 Euro.
L-O Grupo A... foi objeto de uma ação de inspeção incidente sobre o período de tributação de 2016, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º ...19..., destinada a refletir as correções efetuadas a algumas das sociedades do Grupo, incluindo no tocante ao crédito de imposto por dupla tributação internacional a que se refere a antecedente alínea I;
M-A correção tributária encontra-se fundamentada no Relatório de Inspeção Tributária nos seguintes termos:
III.2. Correções ao cálculo do imposto do grupo - IRC
Tendo em conta o disposto no artigo 115.º do Código do IRC, o pagamento do imposto incumbe à sociedade dominante. Assim, as correções efetuadas às empresas individuais ao nível do cálculo do imposto, serão refletidas no imposto a pagar pelo grupo, de acordo com o estipulado naquele normativo, pelo que serão efetuadas as respetivas correções conforme pontos seguintes.
III.2.1 Redução do Crédito de imposto por Dupla Tributação Jurídica internacional resultante de regularizações voluntárias no âmbito da sociedade individual "A... SA": 272.697,40 Euro
No cumprimento da Ordem de Serviço n.º ...19..., realizou-se um procedimento de inspeção externo de âmbito geral, relativo ao período de 2016, da sociedade A... S.A., com o NIF ... .
A sociedade A... SA durante o procedimento inspetivo realizou uma regularização voluntária de 272.697,40 Euros através da entrega da Declaração Modelo 22 de substituição de IRC, em 2020-ago-06, a que foi atribuído o registo ..., inscrevendo nos campos 6 e 7 do quadro 14 da Declaração de Rendimentos de IRC, referentes ao crédito de imposto e à dedução efetuada no período, respetivamente, o valor zero, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 91.º do Código do IRC.
A última Declaração Modelo 22 de IRC submetida para a tributação pelo RETGS do GRUPO C... no período de 2016, indica a constituição de um crédito de imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional no total de 272.697,40 Euros comprovando-se que não reflete a supra referida regularização voluntária promovida pela sociedade A... SA.
Assim, procederemos à correção ao montante do crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional constituído pelo grupo no período de 2016.
III.2.2. Correções ao consumo de Crédito de Imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional: 272.697,40 Euro
Para efeitos da dedução a que se refere a al. a) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, considerou a sociedade dominante a utilização de crédito de imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional no valor total de 272 697,40 Euro, conforme reflete o Quadro 10 da Declaração Modelo 22 de IRC base de análise, correspondente à dotação do período que o grupo invoca.
Na sequência do descrito no ponto III.2.1. o crédito de imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional do Grupo C... no período de 2016 foi fixado em zero. Assim, de acordo com a al. a) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, procederemos à correção ao imposto declarado no campo 355 do quadro 10, Dupla Tributação Jurídica Internacional, assim como nos campos 6 e 7 do quadro 14, ambos da Declaração de Rendimentos de IRC, no montante de 272.697,40 Euro, ficando inscrito nos campos mencionados o valor zero.
N-A correção tributária determinou, relativamente ao Grupo A..., a liquidação adicional de IRC de 2016 com o n.º 2020 ..., as liquidações de juros compensatórios com os n.ºs ...20..., ...20... e ...20 ... e a liquidação de juros de mora com o n.º 2020 ..., em que se apurou o valor a pagar de € 2.697.180,31.
O-Em 3 de maio de 2021, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRC e as liquidações de juros compensatórios e de juros de mora, que foi indeferida parcialmente por despacho do Diretor do Serviço Central de 21 de setembro de 2021, praticado ao abrigo de delegação de competências, e notificado à Requerente em 7 de outubro seguinte.
P-A decisão da reclamação graciosa anulou a liquidação de juros compensatórios n.º ...20..., no valor de € 8.053,36, referente a atraso na liquidação de pagamentos por conta, bem como a liquidação de juros de mora com o n.º 2020 ... também referente a pagamentos por conta, e a liquidação de juros compensatórios n.º ...20 ... após 28 de outubro de 2020, no total de 22 dias.
Q-No presente pedido arbitral está em causa a liquidação adicional de IRC n.º 2020..., e os correspondentes juros compensatórios, que constitui o documento n.º ... junto ao pedido.
R-A decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa encontra-se fundamentada nos seguintes termos:
11. Está aqui em causa a aplicação dos artigos 25.º n.o 3 alínea a) da CDT Portugal/EUA e 91.º, n o 1 alínea b) do CIRC.
12. De acordo com a reclamante, não é possível concordar com a posição da AT segundo a qual:
- não existiu qualquer ganho líquido com a locação de equipamentos concretizada nos EUA;
- sendo a fração de IRC prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC de € 0,00, tal impede a dedução de qualquer valor a título de crédito de imposto.
13. Na sua perspetiva, no que respeita à dedução a título de crédito de imposto a realizar no Estado da residência (no caso, Portugal), prevalece o disposto na Convenção em relação ao que dispõe o ordenamento jurídico interno do país da residência (por força do artigo 8.º n.º 2 da Constituição), o qual é mais restritivo, uma vez que impõe que, para efeitos do cálculo do referido crédito, devem ser considerados os gastos direta ou indiretamente suportados para a obtenção do rendimento.
14. Conclui, assim, que o cálculo do crédito de imposto deverá ter por referência o rendimento bruto, e não o rendimento líquido dos gastos e perdas incorridos para a sua obtenção, devendo ser este o critério a utilizar pela AT.
Vejamos.
15. Importa começar por sublinhar que os SIT não colocaram em causa que foi pago o valor de € 272.679,40, a título de imposto nos EUA relativamente a rendas do contrato de locação celebrado com a sociedade B..., sedeada nesse país. Tal valor, segundo concluíram os mesmos SIT correspondeu a das rendas recebidas em 2016.
16. Posto isto, fixemo-nos em concreto na questão que traz a reclamante. 17. Estamos perante uma situação de DTJI quando o mesmo rendimento, na esfera do mesmo sujeito passivo, é tributado no mesmo período de tributação em diferentes Estados.
18. Como é sabido, o principal instrumento que os Estados têm para prevenir, eliminar ou atenuar a DTJI é a via consensual, concretizada através da celebração de Convenções.
19. As Convenções são, assim, fonte imediata de direitos e obrigações para os seus destinatários, não existindo no Direito interno português ato de transformação do Direito convencional em Direito interno, pelo que as normas constantes de tais Convenções são diretamente aplicáveis na ordem interna, conforme determina o artigo 8.º da Constituição.
20. As Convenções para eliminar a dupla tributação celebradas por Portugal baseiam-se na sua generalidade no Modelo de Convenção de Dupla Tributação proposto pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico).
21. Por um lado, este Modelo de Convenção limita-se a traçar uma redação convencional que as partes deverão seguir na elaboração das Convenções a celebrar, sem, porém, se sobrepor às condições bilaterais concretamente acordadas entre os Estados, no caso de o respetivo conteúdo não constar da Convenção que estes celebrem.
22. Por outro lado, não visa atribuir aos Estados pretensões tributárias que não tenham suporte nas suas leis internas, mas apenas limitar, por via convencional, as pretensões tributárias que as suas leis internas já preveem.
23. Portanto, para que a tributação seja válida não basta a existência de uma norma convencional que a permita, sendo igualmente necessária uma norma interna que a imponha.
24. A par dos artigos que formam o Modelo de Convenção propriamente dito, estão também os Comentários, elaborados pelo Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE, que constituem um elemento interpretativo útil para determinar o sentido das normas que o Modelo propõe, sendo utilizados regularmente pelas administrações fiscais dos Estados contratantes, pelos contribuintes e pelos tribunais como fonte de interpretação possível.
25. O Comité de Assuntos Fiscais da OCDE considera que a interpretação das Convenções para evitar a dupla tributação deve ser efetuada de acordo com os comentários mais recentes, mesmo no caso de Convenções celebradas anteriormente.
26. Todavia, esta posição, que implica uma interpretação atualista das Convenções com base em comentários supervenientes não é pacífica na doutrina, quer a nível nacional quer a nível internacional, como bem explica Gustavo Courinha no aludido artigo, publicado na Revista Fiscalidade p. 37, onde defende a posição, também sustentada por Rui Morais, de que uma Convenção baseada no Modelo da OCDE deve ser interpretada apenas à luz dos comentários vigentes à data da sua celebração, por serem estes os que as partes contratantes, supostamente, tiveram presente ao celebrarem um tal acordo.
27. Na parte introdutória ao Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património é inclusivamente destacado o facto de "as disposições da Convenção Modelo serem acolhidas no mundo inteiro e, dada a sua inserção na maior parte das convenções bilaterais, contribuíram para fazer dos comentários respeitantes às disposições da Convenção Modelo um guia amplamente reconhecido na interpretação e aplicação das disposições das convenções bilaterais existentes. Isto facilitou a interpretação e a aplicação dessas convenções bilaterais segundo princípios comuns.
28. Reitere-se, por outro lado, que os comentários ao Modelo de Convenção foram elaborados por um conjunto de especialistas em matérias fiscais mandatados pelos Estados membros da OCDE, constituindo um elemento interpretativo útil na descoberta do sentido das normas que o Modelo propõe, sendo utilizados como fonte de interpretação possível.
29. Não obstante o exposto, entendeu-se no Acórdão do CAAD, processo n.º 369/2015-T - citado pela reclamante no seu requerimento - que "no tocante às royalties, a solução acolhida na CDT Portugal- Cabo Verde (e, também, na generalidade das convenções celebradas por Portugal) se afasta do preconizado no MOCDE, porquanto este consagra a regra da competência exclusiva do estado da residência para tributar este tipo de rendimentos. Assim sendo, o problema do montante do crédito de imposto (do valor a ser deduzido pelo estado da residência, relativo ao imposto pago no estado de fonte) não se coloca, no âmbito do MOCDE, quanto às royalties. Esta constatação assume alguma relevância na análise do caso concreto, uma vez que os Comentários ao n.º 1 do Artigo 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE, em que a AT se louva para estribar o seu entendimento, não poderão ser entendidos como referindo-se ao caso das royalties, pela simples razão de que, na economia deste Modelo de Convenção, nenhuma questão de dupla tributação internacional se suscita quanto a estes rendimentos".
30. Ora, a nosso ver, a posição defendida no aludido Acórdão não se afigura a mais acertada.
31. Com efeito, é certo que na CDT Portugal/Cabo Verde e, já agora, na CDT Portugal/EUA (artigo 13.º nº 2) se prevê a possibilidade de as royalties serem tributadas no Estado de que provêm, ao contrário do previsto na Convenção Modelo (artigo 12.º da Convenção Modelo OCDE). 32. É também verdade que, a respeito da tributação dos royalties, nas convenções que seguirem o Modelo OCDE não se registaram questões de aplicabilidade do dispositivo referente à eliminação da dupla tributação internacional.
33. Contudo, tanto na CDT Portugal/Cabo Verde, como CDT Portugal/EUA existem diversas regras de tributação de tipos de rendimentos que seguiram, de uma forma geral, as cláusulas previstas na Convenção Modelo para o efeito e que, naturalmente, geram questões de aplicabilidade do dispositivo referente à eliminação da dupla tributação internacional.
34. Focando-nos na CDT Portugal/EUA, é seguro referir que, ao nível da tributação dos rendimentos de bens imobiliários, dividendos, juros, lucros de empresas, no caso de exercerem a sua atividade no outro estado contratante por meio de estabelecimento estável, e de mais-valias, entre outros, as disposições aí previstas seguem, de uma forma geral, o que se encontra previsto na MOCDE, prevendo-se a possibilidade de tributação nos dois Estados Contratantes.
35. Aplicando a lógica do Acórdão do CAAD n.º 369/201 5-T a situações relacionadas com estes tipos de rendimentos, obteríamos a conclusão de que, nestes casos, os Comentários ao n. 1 do Artigo 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE já seriam relevantes, pois relativamente a eles se colocavam questões relacionadas com a dupla tributação internacional. 36. Assim, de acordo com o aludido Acórdão, o artigo 25.º da CDT Portugal/EUA seria passível de duas interpretações, consoante a tributação de rendimentos que estivesse em causa.
37. Segundo o Acórdão, no caso de tributação de royalties, a interpretação do termo "rendimentos", prevista no artigo 25.º n.º 3 alínea a) da CDT Portugal/EUA, seria a de rendimentos brutos.
38. Seguindo a lógica do Acórdão, a interpretação do termo rendimentos, prevista no artigo 25.º n.º 3 alínea a) da CDT Portugal/EUA, poderia ser a atribuída pelos Comentários ao no 1 do Artigo 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE.
39. Ora, com o devido respeito, não podemos aceitar a validade desta posição.
40. Na verdade, o facto de a disposição sobre a tributação de royalties na CDT Portugal/EUA se afastar do Modelo OCDE não determina, por si só, um tratamento distinto deste tipo de rendimento ao nível da eliminação da dupla tributação internacional.
41. Onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir.
42. Assim, entendemos que a interpretação e aplicação do disposto no artigo 25.º n.º 3 alínea a) da CDT Portugal/EUA se deverá efetuar de forma uniforme, independentemente do tipo de rendimento em causa.
43. Assim, demonstrada a relevância dos comentários aos artigos da convenção modelo para efeitos de interpretação das Convenções celebradas entre os diversos países para eliminar a dupla tributação, apuremos agora se os comentários efetuados ao artigo 23.º-B (método de imputação) nos fornecem algum contributo para a solução da questão acima colocada.
44. Refira-se desde já que os comentários ao Modelo de Convenção da OCDE são perfeitamente aplicáveis à CDT Portugal/EUA, pelo que, na falta de demonstração em contrário, a interpretação veiculada no comentário ao artigo 23.º-B da Convenção modelo é perfeitamente admissível e aplicável ao artigo 25.º da CDT Portugal/EUA.
45. No parágrafo 40 dos comentários ao no 1 do artigo 23.º-A do Modelo de Convenção da OCDE (método da isenção) é referido, a propósito da importância a isentar, que "normalmente a base de cálculo do imposto sobre o rendimento é o rendimento líquido total, ou seja, o rendimento bruto menos as deduções autorizadas. É, pois, o rendimento bruto proveniente do Estado da fonte menos todas as deduções autorizadas (específicas ou proporcionais) conexas com a aquisição desse rendimento que deve ser isento".
46. Também nos comentários ao artigo 23.º -B da Convenção Modelo da OCDE (método de imputação), concretamente no parágrafo 63, é destacado que 'ta dedução máxima é normalmente calculada do mesmo modo que o imposto sobre o rendimento líquido, ou seja, sobre o rendimento do Estado [da fonte do rendimento] menos as deduções autorizadas (específicas ou proporcionais) conexas com tais rendimentos (…) Por esse motivo, a dedução máxima, em muitos casos, pode ser inferior ao imposto efetivamente pago no Estado [da fonte do rendimento]".
47. Como se pode verificar, é afirmado expressamente no comentário que, quer o apuramento do montante dos rendimentos a isentar do imposto (método de isenção), quer o cálculo da dedução máxima do imposto (método de imputação), é feito por referência ao rendimento que teria ficado sujeito a imposto interno sobre o rendimento, isto é, o rendimento líquido.
48. Vista a interpretação acolhida nos comentários ao artigo 23.º-B do Modelo de Convenção da OCDE, que identifica o rendimento líquido como base de cálculo do imposto para efeitos de dedução, analise-se de seguida a interpretação alternativa apresentada pela reclamante.
49. Como vimos, para a reclamante a fração de imposto a deduzir deve ser determinada por referência ao rendimento bruto, uma vez que, em seu entender, a Convenção não estabelece que o rendimento em causa deve ser líquido dos gastos suportados com a sua obtenção.
50. Ora, face ao que foi referido, este argumento não colhe, uma vez que o sentido do termo "rendimentos" previsto na alínea a) do n.º 3 artigo 25.º da CDT Portugal/EUA reporta-se a rendimentos líquidos.
51. Deste modo, os SIT agiram em conformidade com esta norma ao apurar e considerar os encargos incorridos para a obtenção do rendimento sujeito a imposto nos EUA, sendo este o valor relevante para efeitos de dedução por CIDTJI.
52. Refere a reclamante que, ainda que o valor de € 272.697,40 não seja/fosse deduzido em 2016, o mesmo deve ser reportado para 2017 e exercícios seguintes, ao abrigo do artigo 91.º no 4 do CIRC.
53. Não podemos concordar com tal pretensão da reclamante, uma vez que a dedução prevista no n.º 1 do artigo 91.º do CIRC que se apurou ser a que está em conformidade foi de € 0,00.
54. O no 4 do artigo 91.º do CIRC é claro quando refere que sempre que não seja possível efetuar a dedução a que se refere o n.º 1 (…).
55. Ora, se a dedução decorrente da aplicação do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC é de € 0,00 nenhum valor fica por deduzir em exercícios posteriores, ainda que aí houvesse coleta para abarcar tal dedução.
56. Mais à frente na petição, a reclamante invoca que, na determinação dos "gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção "a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC não podem ser incluídos os gastos com as depreciações dos equipamentos em causa porquanto tendo as depreciações uma natureza de gastos operacionais, inerentes à atividade industrial do Grupo C..., tal impede que possam ser considerados como tendo sido suportados apenas para a obtenção das rendas pagas pela B....
57. Contrariamente ao que pretende fazer notar a reclamante, a lei e concretamente a alínea b) do n.º 1 do artigo 91.ºdo CIRC não faz qualquer distinção quanto aos gastos que são ou não considerados no apuramento da 'fração do IRC" aí prevista.
58. A norma em apreço refere "gastos direta ou indiretamente suportados" para a obtenção dos rendimentos obtidos em país estrangeiro, portanto apenas exige uma conexão com os rendimentos, que pode até ser indireta.
59. Portanto, mesmo que se considerasse que os gastos em causa são gastos operacionais inerentes à atividade do Grupo C... tal não impediria a sua consideração, para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC, a partir do momento em que os mesmos foram incorridos para obter ou garantir os rendimentos em questão.
60. Noutra vertente das suas alegações, a reclamante sustenta que a aplicação do regime previsto no artigo 91.º do CIRC tal como sustentado pela AT, mostra-se incompatível com o Direito da União Europeia, em particular com o disposto no artigo 63.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
61. Concretiza referindo que "da aplicação das normas do artigo 91.º do Código do IRC, que limitam a dedução do valor do imposto pago no estrangeiro à fração do IRS correspondente aos rendimentos que possam aí ser tributados mas líquidos dos gastos que lhes sejam direta ou indiretamente imputáveis, resulta um tratamento menos favorável e a sujeição a uma carga fiscal superior dos sujeitos passivos que invistam no estrangeiro face àqueles que se limitem a fazê-lo em território nacional".
62. Cumpre, neste âmbito, começar por referir que a alínea b) do n.º 1 do artigo 91º do CIRC quando dispõe, em matéria de eliminação da dupla tributação jurídica internacional, que a importância deduzida não poderá exceder a quantia que corresponderá, nos termos da lei, ao IRC que incida sobre os rendimentos que possam ser tributados no país da fonte, líquidos dos gastos direta ou indiretamente incorridos para a sua obtenção, está a seguir a mesma limitação que a CDT Portugal/EUA estabelece, quando dispõe no artigo 25.º n.º 3 alínea a) que "A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a {ração do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nos Estados Unidos".
63. Por conseguinte, quando a CDT Portugal/EUA estabelece que a "fração do IRC" se determina sobre o rendimento que pode ser tributado nos EUA está a remeter para o impacto que esses rendimentos tiveram na tributação em território português.
64. Com efeito, a tributação em Portugal, nos termos do CIRC, incide sobre o "lucro" do negócio, que se obtém pela dedução aos rendimentos de todos os gastos inerentes à sua obtenção, pelo que a "fração do IRC" não pode ser determinada pela aplicação da taxa ao total de rendimentos brutos mas sim sobre os rendimentos líquidos.
65. Ora, dispondo a lei interna, na temática do CIDTJI, no mesmo sentido que dispõe a CDT Portugal/EUA (regularmente adotada pelo Estado Português e publicada na forma legal), ou seja, observando o Direito Internacional o qual prevalece sobre o direito interno infraconstitucional, em tudo o que seja conflituante com este, nos termos do artigo 8.º n.º 2 da Constituição — não tem razão de ser a argumentação da reclamante de que o mecanismo previsto no artigo 91.º do CIRC mostra-se incompatível com o Direito da União Europeia, em particular com o disposto no artigo 63.º n.º 1 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
66. Reitera-se: a lei interna está em conformidade com um tratado internacional a que Portugal se vinculou.
67. Deste modo, estando a ser observado o disposto por um instrumento de Direito Internacional (as Convenções celebradas entre Estados) parece-nos desajustado o argumento de que houve violação do Direito Comunitário quando se entendeu ser de aplicar o disposto no artigo 91.º n.º 1 do CIRC.
68. Acresce que, a seguir-se o entendimento da reclamante poderia estar em causa a possibilidade de aplicar o mecanismo de eliminação da dupla tributação jurídica internacional, previsto em inúmeras Convenções celebradas por Portugal com outros países, e também na lei interna.
69. Não é comparável a dedução correspondente à DTJI com a dedução referente a retenções na fonte, prevista na alínea e) do nº 2 do artigo 90.º do CIRC.
70. Cada uma destas deduções tem um enquadramento próprio: uma respeita a rendimentos obtidos no estrangeiro, em que o Estado da fonte e o Estado da residência têm competência para tributar, impondo-se a este último o dever de eliminar ou atenuar a dupla tributação (alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC), a outra refere-se a rendimentos obtidos em Portugal e cá sujeitos a tributação, através de retenção na fonte, portanto sem conexão com outro(s) Estado(s) (alínea e) do referido n.º 2).
71. Ora, não pode ser tratada da mesma forma uma situação já tributada no estrangeiro e novamente tributada em Portugal de uma situação apenas tributada em Portugal.
72. Dada a especificidade de cada uma destas situações, naturalmente que a dedução que lhe corresponderá terá que ter previsão legal própria. 73. Em face do exposto, não podemos concordar com a afirmação da reclamante de que da aplicação do artigo 91.º do CIRC resulta uma divergência com o Direito da União Europeia, particularmente com o disposto no artigo 639 n.º 1 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
74. Por fim, ainda no que respeita à correção acima identificada, defende a reclamante (sem prescindir do que anteriormente expôs) que o valor de € 272.697,40, a não ser considerado a título de CIDTJI, deverá ser considerado dedutível como gasto, nos termos do artigo 23º do CIRC.
75. Salvo melhor opinião em contrário, também aqui não tem razão a reclamante.
76. De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, não são dedutíveis para efeitos fiscais, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação, "[o] IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros".
77. Donde resulta, parece-nos evidente, que não pode ser aceite como gasto fiscal, em sede de IRC, o valor do imposto sobre os rendimentos apurado fora do território português (cf. neste sentido, Informação Vinculativa correspondente ao processo ...01, sancionado por despacho, de 29/05/2017, da Subdiretora Geral da Área de Gestão Tributária - IR).
S-O pedido arbitral deu entrada em 4 de janeiro de 2022.
X
Do acórdão fundamento, deste Tribunal e Secção, proferido no âmbito do processo 3162/16.1BEPRT e datado de 08/06/2022, consta provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.27 a 34 do processo físico):
A-A Impugnante é uma sociedade comercial tributada de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), no qual é a sociedade dominante - cfr. fls. 98 e 349 do procedimento de revisão oficiosa (PRO) apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
B-Em 31/05/2014, a Impugnante entregou, com referência ao exercício de 2012, uma declaração de rendimentos de substituição (declaração do grupo), onde declarou, além do mais, uma dedução à coleta por dupla tributação internacional de € 174.518,17 e autoliquidou tributações autónomas no valor de € 828.881,26, resultando do seu anexo D (benefícios fiscais) saldos a transitar, a título de SIFIDE e de RFAI, no valor de € 8.243.111,99 e € 5.225.057,78, respetivamente - cfr. fls. 92 a 101 do suporte físico do processo, cujo teor se dá por reproduzido.
C-Em 28/03/2016, a Impugnante pediu a revisão oficiosa do ato tributário de autoliquidação de IRC, do grupo de sociedades, relativo ao período de tributação de 2012, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 3 a 29 do PRO apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
D-Em 07/09/2016, a Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária prestou a informação n.º ...15, propondo o indeferimento do pedido de revisão mencionado na alínea antecedente, da qual se extrai, além do mais, o seguinte (cfr. fls. 349 a 362 do PRO apenso aos autos):
“(…)
§ IV.I. Do cálculo de imposto
§ IV.I.I. Crédito por dupla tributação internacional
§ IV.I.I.I. Dos argumentos da Requerente
10. Vem a Requerente solicitar a dedução à coleta de € 62.169,94 a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional (acrescendo aos € 174.518.17 declarados, via declaração de substituição).
11. Entende a Requerente que os rendimentos a deduzir no âmbito do crédito internacional por dupla tributação, nos termos do art. 91.º do Código do IRC, deverão sê-lo pela sua quantia bruta, ao contrário de líquida, isto é, sem a dedução dos gastos necessários para a sua obtenção (no estrangeiro), em termos idênticos aos disciplinados pelo art. 23.º do Código do IRC.
12. Também por esta via pretende ver um aumento de crédito fiscal susceptível de dedução à coleta da tributação autónoma, matéria que será tratada em assunto próprio posteriormente.
§ IV.I.I.II. Da apreciação
14. Cumpre informar que a ora Requerente já foi objeto de uma ação inspetiva ao exercício em causa, promovida ao abrigo da Ordem de Serviço n.º ...07, com correções à matéria coletável que afetaram o cálculo de imposto devido a final e os montantes dedutíveis a título de benefícios fiscais.
15. Como aludido em supra, a Requerente vem acrescer a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional o montante de € 62.169,94, que entende ser devido por rendimentos tributados no Brasil, França, Grécia, Paquistão e Polónia.
16. A Requerente pugna, por um lado, pela dedutibilidade à coleta do crédito internacional por dupla tributação pelo rendimento bruto, na aceção em supra demonstrada, e por outra não incluir no montante liquidado de IRC nos termos do n.º 1 do art. 90.º do Código do IRC, na sua redação à data dos factos, os valores suportados a título de tributação autónoma, e assim para efeitos da aplicação do disposto no n.º 2 do mesmo dispositivo, integrar as deduções à coleta associadas à dupla tributação internacional, a benefícios fiscais, ao pagamento especial por conta e a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso.
17. Iremos então seguir este mesmo itinerário e verificar se no quadro legal vigente à data dos factos assiste razão ou não à Requerente.
Do crédito de imposto por dupla tributação internacional
18. Segundo o disposto no n.º 1 do art. 91.º do Código do IRC, os impostos pagos no estrangeiro pelo sujeito passivo, pelo exercício da sua atividade noutro ou noutros países, constituem um crédito que poderá ser dedutível à coleta do período em que este é gerado.
19. Este crédito tem, no quadro interno, um limite máximo instituído que é o montante de imposto que o sujeito passivo suportaria pelos mesmos rendimentos se obtidos em território nacional.
20. Porém, nos termos do n.º 2 deste preceito, se existir convenção para evitar a dupla tributação (CDT) entre Portugal e país de origem dos rendimentos, o limite máximo inverte-se, para a dedução à coleta deste crédito passa a ser o do imposto pago no estrangeiro.
21. Em causa, não são estes limites o objeto mediato da contenda mas sim que rendimentos visam o instituto, se os rendimentos brutos, como a Requerente o entende e em linha com a redação referida das CDT, ou o lucro, conceito económico que se traduz na diferença entre os ganhos obtidos e os custos necessários para a obtenção desses mesmos ganhos, e que está, latu sensu, na base do conceito de lucro tributável para efeitos do IRC.
22. De acordo com a Requerente, são os rendimentos obtidos no Brasil, França, Grécia, Paquistão e Polónia, todos Estados com que Portugal possui CDT, que se encontram em causa, dada a redação das CDT no que respeita a este instituto do crédito de imposto por dupla tributação internacional.
23. Numa nota à parte, referimos desde já que a AT não questiona a supremacia das CDT face à disciplina interna da tributação dos rendimentos, que como a Requerente bem afirma, decorre diretamente da Constituição da República Portuguesa (CRP).
24. Quanto às disposições das CDT, como seguem a Convenção Modelo da OCDE, não apresentam muita variação na sua redação entre si, para além da inclusão ou não do nome dos países, mantendo-se na sua essência os contornos da sua aplicação.
25. Na mais recente versão da Convenção Modelo da OCDE (2014), a redação, cuja epígrafe é «Método do crédito», é a seguinte:
«Quando um residente de um Estado Contratante obtiver rendimentos ou possuir capital que, em conformidade com as disposições da presente Convenção, podem ser tributados no outro Estado Contratante, o primeiro Estado deve permitir:
a) como dedução do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago nesse outro Estado;
(…)
A importância deduzida, em qualquer caso, não poderá, contudo, exceder a fração do imposto sobre o rendimento ou imposto sobre o capital, calculado antes da dedução, correspondente, conforme o caso, aos rendimentos ou capital que podem ser tributados nesse outro Estado.»
26. Será em alusão ao último parágrafo, mais propriamente a expressão “calculado antes da dedução”, e reitere-se, mantém na essência a redação das várias CDT com os países visados, que a Requerente interpreta como antes da dedução dos custos suportados para a obtenção dos rendimentos.
27. Estas conclusões da Requerente resultam claramente de uma leitura errada do preceito pois a única função daquela expressão é a de excluir do cálculo do imposto sobre os rendimentos suportados no país estrangeiro como se em Portugal tivessem sido obtidos aludido na alínea b) do n.º 1 do art. 91.º do Código do IRC, a dedução do imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro nos termos da alínea a) do mesmo.
28. Note-se que o disposto no n.º 1 do art. 91.º do Código do IRC impõe a ponderação de duas grandezas, sendo uma o imposto suportado no estrangeiro e a outra a ficção fiscal constituída pelo IRC calculado sobre estes rendimentos, caso não houvesse tributação no estrangeiro sobre os mesmos, sendo aceite para efeitos do crédito de imposto por dupla tributação internacional a de montante inferior.
29. O IRC, nos termos do art. 3.º do Código do IRC, incide sobre o lucro das sociedades, bem como sobre os rendimentos, quando aplicável, das várias categorias do IRS, que nos termos do n.º 2 do mesmo, consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação.
30. O que é então o património líquido?
31. Património líquido, situação líquida, capital próprio é o resultado no final do período económico da diferença entre os rendimentos obtidos depois de deduzidos os gastos suportados no exercício da atividade.
32. A Estrutura Concetual do SNC define-o como «o interesse residual nos ativos da entidade depois de deduzir todos os seus passivos».
33. Ora, apesar da AT não ser conhecedora dos contornos do imposto sobre o rendimento das sociedades nos países visados, pode-se presumir, uma vez que alguns são países membros da OCDE e que seguem as melhores práticas internacionais da contabilidade e tributação, seguindo nesse sentido também as recomendações da OCDE, e não tributam os rendimentos das sociedades sem consideração dos custos da atividade operacional.
34. De facto, o património e como o apurar (situação líquida) são conceitos fundamentais da disciplina contabilística.
(…)
36. Mas mais, as CDT, como as celebradas por Portugal e os países em questão, têm como objetivo dirimir conflitos entre jurisdições, suprimindo lacunas normativas e harmonizando procedimentos, em coerência com os objetivos de política fiscal internacional.
37. Afinal, não é por acaso que existe e é adotada pelos Estados membros da OCDE, uma Convenção Modelo, um padrão que se segue com algumas nuances apenas, aplicadas entre os Estados para assegurar a sua plena eficiência.
38. A isto acresce-se que o SNC, que vigora na União Europeia, tem na sua base as IASB, as normas internacionais de contabilidade, criando assim uma disciplina contabilística uniformizada e harmonizada, dando segurança e transparência, e cuja adopção é necessária pelos países que queiram maiores níveis de integração no comércio mundial.
39. Refira-se ainda que a tributação pelo rendimento bruto, com a desconsideração fiscal dos custos suportados pela empresa para a obtenção dos rendimentos é arcaica no mínimo, pelo que muito misteriosa seria a inclusão de tal método de crédito de imposto na Convenção Modelo (e nas CDT com Portugal).
40. E aqui aproveitamos para referir que o instituto do art. 91.º do Código do IRC, na sua redação à data dos factos, encontrava-se (e encontra-se) perfeitamente alinhado com o método do crédito de imposto instituído pela(s) CDT, pois o n.º 2 do citado art. 91.º contempla a derrogação do limite imposto no n.º 1 do preceito pelo constante na CDT.
41. E a isto apenas se resume a diferença entre a aplicação da lei interna ou do previsto na CDT, o limite.
42. A incidência (objetiva) será sempre sobre o lucro, o rendimento depois de deduzidos os custos para a sua obtenção.
43. O raciocínio simplista efetuado pela Requerente, 100 de rendimento e 20 de custo, é no mínimo negligente e completamente alheio à realidade económica e às distorções (enormes) na tributação que originaria.
44. Com efeito, a situação económica da sociedade, muito raramente assumirá essa proporção e veja-se só o caso da sociedade participada “B………. S.A.”, a título individual e exemplificativo, que de acordo com a declaração periódica de rendimentos reporta rendimentos brutos de € 36.382.540,94 e um resultado líquido no período de € 399.510,18, que nos termos do art. 17.º do Código do IRC constitui a base de apuramento do lucro tributável.
45. Significa isto que os gastos relevados na contabilidade ascendem no período a € 35.983.030,76.
46. Por mera hipótese académica, já que a realidade tributária internacional é tendencialmente por mais, e para efeitos do disposto no art. 91.º do Código do IRC, na sua redação à data dos factos, porque só sobre esta parcela incide, consideremos que a tributação sobre as empresas resume-se a uma única taxa de 25% sobre o lucro sem quaisquer ajustamentos (resultado líquido).
47. De imediato, a disparidade entre 25% de € 36.382.540,94 e 25% de € 399.510,18 é óbvia.
48. Resultaria num crédito de imposto, tal como este vem determinado no citado art. 91.º, de € 9 095 635,24, a abater à coleta de IRC, quando se fosse o lucro da associada no estrangeiro esse crédito seria de € 99 877,55 apenas.
49. Reiterando o já exposto, este raciocínio choca com a realidade tributária internacional e com as melhoras práticas contabilísticas internacionais, às quais os países visados, Brasil, França, Grécia, Paquistão e Polónia não são alheios.
50. Se quanto à França, Grécia e Polónia nenhuma dúvida persiste, quanto ao Brasil e Paquistão, verifica-se, após consulta ao website institucional do IASB, que os países adotaram a quase totalidade da disciplina contabilística internacional referida, o que não significa, nem de perto, que a tributação das sociedades nesses países não incida, principalmente, sobre outra componente económica que não o lucro.
51. Perante estes factos, é-nos ininteligível o raciocínio ou interpretação proposta pela Requerente quanto ao funcionamento do mecanismo do crédito de imposto, adotado pelo legislador nacional e em linha com o proposto internacionalmente como forma de atenuar a dupla tributação na Convenção Modelo da OCDE.
52. Faça-se ainda notar que o legislador nacional contemplou no n.º 2 do art. 91.º do Código do IRC, na sua redação à data dos factos, a hipótese de derrogação do regime, na parte respeitante aos limites apenas, do n.º 1 do mesmo quando exista CDT celebrada, passando este a ser unicamente o montante de imposto pago no país de proveniência dos rendimentos, não havendo necessidade de invocar qualquer outro preceito legal, maxime, o n.º 2 do art. 8.º da CRP.
53. Assim, o único indicador que ao caso releva determinar será o quantum de imposto pago no estrangeiro, definido nos termos previstos pela CDT, que tanto poderá ser inferior como superior ao imposto pago em Portugal.
54. A expressão «calculado antes da dedução», referente ao método do crédito de imposto já aludida, tão-só significa a exclusão daquele cálculo no montante de imposto a pagar em Portugal, evitando assim a sua dupla dedução no apuramento de imposto devido a final.
55. Termos em que se nega provimento à pretensão da Requerente.
§ IV.I.II. Tributação autónoma
§ IV.I.II.I. Dos argumentos da Requerente
56. A Requerente entende que, sendo a tributação autónoma de IRC, nos termos do art. 88.º do Código do IRC, uma componente do IRC, sendo ambas conjuntamente liquidadas nos termos do n.º1 do art. 90.º do mesmo, nada impede que à coleta apurada sejam também deduzidas as componentes referidas no n.º 2 do mesmo preceito, nomeadamente, a relativa aos benefícios fiscais.
57. Entre os benefícios fiscais auferidos e suscetíveis de dedução pela Requerente em 2012, conta-se o SIFIDE e o RFAI, cujo crédito associado concorreu com o montante apurado a título de IRC.
58. Vem por tal a Requerente solicitar que o crédito remanescente e disponível em 2012, gerado com estes benefícios fiscais seja também deduzido, até à sua concorrência, com a tributação autónoma apurada.
59. Ainda, e porque a Requerente é tributada de acordo com o regime do n.º 1 do art. 69.º do Código do IRC (RETGS), pugna não só pelo referido mas também que esses montantes deverão ser dedutíveis ao produto da tributação autónoma apurado em sede do grupo e não da sociedade individual.
§ IV.I.II.II. Da apreciação
60. Partido do pressuposto que as tributações autónomas são IRC, ou pelo menos uma componente do mesmo mas que não se diferencia daquele, e quando aplicável o RETGS, é este apurado e liquidado como um só e não apenas uma soma de o IRC que respeita a cada sociedade do grupo individualmente considerada, pretende a Requerente ver, nos termos do art. 90.º do Código do IRC, a produto dos benefícios fiscais SIFIDE e RFAI disponível no período deduzido ao IRC e às tributações autónomas.
61. Este raciocínio, porém, não pode proceder, pois assenta em pressupostos errados e em semântica mal interpretada, nomeadamente a respeitante “às tributações autónomas como componente do IRC.”
Da natureza das tributações autónomas
(…)
74. Como tivemos oportunidade aqui de referir, a tributação autónoma não surge com o Código de IRC mas sim posteriormente, e como resulta deste parágrafo 12 do preâmbulo, apenas ficou prevista ou instituída a tributação, em sede do rendimento das pessoas coletivas, dos lucros na forma da taxa de IRC e de derramas.
75. A caraterística da acessoriedade da tributação autónoma resulta assim, após esta resenha histórica, do seu surgimento posterior à entrada em vigor do Código do IRC, da sua arrumação sistemática (inserção no Código do IRC) em 2000, e do facto de incidir não sobre lucros mas sim sobre despesas.
(…)
79. Assim, conclui-se pacificamente que a tributação autónoma é uma componente do IRC, na medida em que se encontra sistematicamente inserida no ramo da tributação do rendimento das pessoas coletivas em Portugal.
Das deduções à coleta da tributação autónoma
80. Ao contrário do pugnado pela Requerente, não é dedutível à coleta da tributação autónoma o crédito associado aos benefícios fiscais SIFIDE e RFAI, não obstante as pronúncias arbitrais do CAAD trazidas à colação (…).
(…)
83. Isto é, as despesas sujeitas a tributação autónoma não são arbitrárias, existe uma razão para aquela sujeição, que é para o legislador, nos termos expostos, a extravagância, aquilo que não obedece à racionalidade económica empresarial, e como tal deve ser desencorajado.
84. Assim, as suas funções são principalmente de dissuasão e sanção, em vez de verdadeiramente fiscais, leia-se, de obtenção de receita, que no entender do legislador são estas despesas potencialmente lesivas quer à receita fiscal, na medida em que diminuem o lucro tributável, quer à própria saúde financeira da sociedade, mais patente com a agravação de taxas em caso de apurar prejuízos no período.
85. E note-se que o legislador institui na tributação autónoma verdadeiras presunções inilidíveis, não admitindo sequer o seu afastamento por parte do sujeito passivo mesmo que prove a causação empresarial da(s) despesa(s), salvo os casos previstos no próprio regime.
(…)
87. Não obstante concordarmos com a Requerente e com o teor das pronúncias arbitrais apresentadas no que ao processo de liquidação previsto no Código do IRC para a tributação autónoma obedecer aos mesmos normativos que a tributação sobre o lucro strictu sensu – art. 90.º, a realidade é que são outros valores que não o da obtenção de receita que o legislador acautela com este instituto, como bem patente expressa a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro.
88. E é exatamente por nos encontrarmos fora do âmbito da tributação dos lucros da sociedade, mas sim na área do combate à evasão e fraude fiscais, que não se pode admitir que às verdadeiras sanções instituídas pelo legislador, na forma das tributações autónomas, para a prática daquelas despesas seja possível eliminar fiscalmente os seus efeitos com o recurso às deduções previstas no n.º 2 do art. 90.º
89. Com efeito, entender por esse sentido seria fazer uma interpretação meramente literal quer da norma quer da sua inserção sistemática, ao arrepio da ratio legis, cuja intenção seria punir práticas despesistas e sem conexão com o fim social ao mesmo tempo permitindo a erosão do seu produto através das deduções à coleta previstas no n.º 2 do art. 90.º do Código do IRC.
(…)
91. A posição do CAAD sobre esta matéria tem sido dual, ora ignorando este elemento interpretativo, como é o caso das pronúncias arbitrais trazidas à colação pela Requerente, ora relevando e consequentemente não aceitando qualquer dedução à coleta da tributação autónoma apurada.
92. É o caso da decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 113/2015-T, de 30 de dezembro de 2015, que trata sobre esta matéria, que em causa estavam uma dedução de créditos associados ao Pagamento especial por conta, onde é referido o seguinte:
«(…) o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório.
Se se permitir a dedução do PEC à coleta resultante da tributação autónoma, gorar-se-ão os propósitos do sistema em que a norma do 83º-2-e CIRC se insere, pois o produto do pagamento especial por conta que deveria manter-se “estacionado” na titularidade da Fazenda Pública será afetado à extinção da dívida do sujeito passivo resultante das tributações autónomas, aligeirando assim a pretendida pressão para evitar a evasão fiscal “declarativa”. Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC - o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações - e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável.
Em termos práticos a possibilidade de dedução do PEC às tributações autónomas implicaria que mesmo que determinada empresa estivesse eternamente em situação de prejuízo, nenhum imposto sobre o seu rendimento real teria que suportar, enquanto aplicasse o PEC à satisfação das tributações autónomas. Para mais as próprias tributações autónomas perderiam o seu caráter anti abuso, passando a confundir-se afinal com o imposto calculado sobre o lucro tributável. Ora não são esses os objetivos do sistema de tributação do rendimento das pessoas coletivas e a melhor interpretação da norma contida no artigo 83º-2-e CIRC não é essa decididamente aquela que permite deduzir os pagamentos especiais por conta à coleta resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma.
93. Ora, o mesmo, por dever de raciocínio, vale para qualquer das deduções à coleta previstas no n.º 2 do art. 90.º do Código do IRC, inclusive os benefícios fiscais SIFIDE e RFAI.
94. Permitir a erosão da parte da coleta associada à tributação autónoma seria frustrar os objetivos prosseguidos pelo legislador, perfeitamente claros e definidos na Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro.
(…)
96. No entanto, dúvidas houvesse, foi recentemente clarificada pelo legislador, com a Lei de Orçamento de Estado para 2016 (OE2016), com a introdução do n.º 21 ao art. 88.º do Código do IRC, que estipula o seguinte:
«A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado»
97. Determinou igualmente o legislador, no art. 135.º da Lei de OE2016, que esta norma possui natureza interpretativa, significando que os seus efeitos refletem-se não só no futuro como no passado
98. Assim, a posição que vinha sendo seguida pela AT nesta matéria encontra-se expressa e plenamente transcrita na lei fiscal
99. Termos em que não se pode aceitar a posição da Requerente, sendo consequente inútil discutir o último ponto do pedido, leia-se, a dedutibilidade do crédito fiscal associados aos benefícios fiscais SIFIDE e RFAI ao produto da tributação autónoma apurado no RETGS.
§ V. DA CONCLUSÃO
Em conformidade com tudo o anteriormente exposto, somos de propor que o pedido de revisão formulado nos presentes autos seja indeferido (…)”.
E-Sobre a informação mencionada na alínea antecedente recaiu um despacho de concordância da Chefe da Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, datado de 07/09/2016, tendo a Impugnante sido notificada para se pronunciar sobre o projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão, o que não fez - cfr. fls. 348, 363 e 364 do PRO apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
F-Por despacho de 29/09/2016, a Chefe da Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes indeferiu o pedido de revisão oficiosa do ato tributário de autoliquidação de IRC de 2012, tornando definitivo o respetivo projeto de decisão - cfr. fls. 365 a 367 do PRO apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
G-A presente impugnação foi deduzida em 27/12/2016 - cfr. fls. 4 a 40 do suporte físico do processo.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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A Autoridade Tributária e Aduaneira veio, ao abrigo do disposto no artº.25, nº.2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (na redacção introduzida pela Lei 119/2019, de 18/09, a aplicável ao caso dos autos)., o qual foi introduzido pelo dec.lei 10/2011, de 20/01 (R.J.A.T.), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo CAAD no âmbito do processo nº.7/2022-T (datada do pretérito dia 15/09/2022), invocando contradição entre essa decisão e o aresto fundamento, já transitado em julgado, oriundo deste Tribunal e Secção, lavrado no âmbito do processo 3162/16.1BEPRT e datado de 08/06/2022 (cfr. cópia junta a fls.21 a 50 do processo físico).
A oposição alegada é respeitante à questão, se bem percebemos, que incide sobre a determinação do limite do crédito de imposto, correspondente à "fracção do IRC" relativa aos rendimentos que podem ser tributados nos países da fonte, nos termos das convenções para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal com os mesmos países, no tocante a saber se são considerados os rendimentos brutos ou, pelo contrário, os rendimentos líquidos dos gastos e encargos necessários para a sua obtenção, tal como plasmado no artº.91, nº.1, al.b), do C.I.R.C.
A sociedade recorrida, nas contra-alegações, defende que não se encontram preenchidos os requisitos para o conhecimento do mérito do presente recurso.
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, no seu douto parecer, igualmente conclui no sentido da não verificação dos pressupostos da uniformização de jurisprudência, assim não devendo tomar-se conhecimento do mérito do recurso.
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Examinemos, antes de mais, os requisitos formais e substanciais de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
O regime de interposição do recurso de decisão arbitral para o S.T.A., ao abrigo do artº.25, nºs.2 e 3, do R.J.A.T., difere do regime do recurso previsto no artº.152, do C.P.T.A., na medida em que aquele tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral, enquanto neste o prazo se conta do trânsito em julgado do acórdão recorrido, como decorre do referido artº.152, nº.1 (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.72/19.4BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 21/04/2021, rec.29/20.2BALSB; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.484).
Já quanto ao acórdão fundamento, o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe o seu trânsito em julgado, como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo, condição verificada no caso "sub iudice".
Não se colocando dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade da entidade recorrente e tempestividade do recurso), haverá que passar a averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.
Nos termos do citado artº.25, nº.2, do R.J.A.T., norma que remete, com as devidas adaptações, para o artº.152, do C.P.T.A., os requisitos de admissibilidade do recurso para o S.T.A. da decisão arbitral que tenha conhecido do mérito da pretensão deduzida para uniformização de jurisprudência são os seguintes:
1-Que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral;
2-Que exista contradição entre essa decisão arbitral e outra decisão arbitral, um acórdão proferido por algum dos Tribunais Centrais Administrativos ou pelo S.T.A., relativamente à mesma questão fundamental de direito;
3-Que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do S.T.A.
No que ao segundo requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, é mester adoptar os critérios já firmados no domínio do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (E.T.A.F.) de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição.
Estes critérios jurisprudenciais são os seguintes:
a) haver identidade da questão de direito sobre que incidiram os acórdãos em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto;
b) a oposição deve emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;
c) não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos, se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;
d) as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais;
e) em oposição ao acórdão recorrido podem ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/06/2014, rec.1447/13; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 25/02/2015, rec.964/14; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec. 8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.72/19.4BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 21/04/2021, rec.29/20.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 29/06/2022, rec.93/21.7BALSB; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 5ª. Edição, 2021, pág.1232 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230 e seg.; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.488 e seg.).

Vejamos se tais pressupostos substanciais se verificam no caso concreto.

Examinemos, pois, o teor dos acórdãos em confronto (a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento) tendo sempre presente, como pano de fundo, a questão para a qual foi invocada a contradição de julgados e acima identificada (questão que incide sobre a determinação do limite do crédito de imposto, correspondente à "fracção do IRC" relativa aos rendimentos que podem ser tributados nos países da fonte, nos termos das convenções para evitar a dupla tributação celebradas por Portugal com os mesmos países, no tocante a saber se são considerados os rendimentos brutos ou, pelo contrário, os rendimentos líquidos dos gastos e encargos necessários para a sua obtenção, tal como plasmado no artº.91, nº.1, al.b), do C.I.R.C.).

a) O acórdão arbitral recorrido tem por objecto liquidação adicional em sede de I.R.C. e relativa ao ano fiscal de 2016 (cfr.als.N) e Q) da matéria de facto supra exarada).
Do probatório lavrado na decisão arbitral recorrida se retira, em sede de relatório de inspecção tributária, e relativamente aos fundamentos da identificada liquidação adicional, que os mesmos derivam de correcções ao consumo de crédito de imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional do grupo a que pertence a empresa ora recorrida, enquanto sociedade dominante (redução a zero do crédito de imposto declarado pelo sujeito passivo no montante de € 272.679,40), incidentes sobre o recebimento de rendas de contrato de locação (royalties), celebrado entre esta sociedade e uma sua participada norte-americana, no âmbito de tal operação sendo retido imposto no valor total de € 272.679,40, correspondente a 10% das rendas do ano de 2016, taxa essa consagrada na convenção celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América, no artº.25, nº.3, al.a), do identificado convénio (cfr.als.J), M) e R) da matéria de facto supra exarada).
Em sede de enquadramento jurídico, o aresto arbitral recorrido entende, por maioria, que: "… que, no tocante às royalties, a solução acolhida na CDT Portugal-EUA, e na generalidade das convenções celebradas por Portugal, afasta-se do preconizado na Convenção Modelo da OCDE, e especialmente do disposto no seu artigo 12.º, n.º 1, onde se estabelece que “[a]s royalties provenientes de um Estado contratante e pagas a um residente do outro Estado contratante só podem ser tributadas nesse outro Estado”. A Convenção Modelo consagra, por conseguinte, uma regra da competência exclusiva do estado da residência para tributar este tipo de rendimentos, ao passo que o artigo 13.º da CDT Portugal-EUA prevê uma competência cumulativa dos dois estados contratantes para tributar as royalties: o estado da fonte tributará os rendimentos brutos a uma taxa, que não pode exceder um valor de 10%, e o estado da residência deduzirá o valor desta coleta à do seu imposto, calculado numa base mundial, no qual se incluem os rendimentos brutos obtidos no outro país (isto é, o rendimento efetivamente obtido acrescido do imposto aí pago)…".
Mais adiante, o colégio arbitral conclui que: "…Nestes termos, não tem aplicação, para efeito da dedução do crédito do imposto por dupla tributação internacional, a regra do artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, que frustraria parcialmente o objetivo de total eliminação da dupla tributação que pretende ser assegurado através da CDT Portugal-EUA…".
Com estes pressupostos, o acórdão arbitral recorrido, tendo base na aplicação das normas constantes dos artºs.13 (norma que visa a eliminação da dupla tributação internacional em sede de pagamento de royalties). e 25, nº.3, al.a), da CDT Portugal/EUA (aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República 39/95, de 21/06/1995, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República 73/95, de 12/10/1995)., além do mais, julga procedente o pedido arbitral e anula o acto tributário de liquidação adicional de IRC, referente ao período de tributação de 2016.

b)O aresto fundamento, oriundo deste Tribunal e Secção, tem por objecto acto tributário de autoliquidação de grupo de sociedades, em sede de I.R.C. e relativo ao ano fiscal de 2012 (cfr.als.B) e C) da matéria de facto supra exarada).
Do probatório constante do aresto fundamento se retira, em sede de indeferimento do pedido de revisão da identificada autoliquidação de I.R.C., na parcela do exame da solicitação de acréscimo de dedução à colecta de crédito de imposto por dupla tributação internacional, no montante de € 62.169,94 (derivado de rendimentos tributados no Brasil, França, Grécia, Paquistão e Polónia, enquanto Estados fonte), dedução esta que deve operar, além do mais, com fundamento no artº.91, do C.I.R.C., sendo que a Fazenda Pública negou provimento a tal pretensão, com base no teor do citado artº.91, nºs.1 e 2, do C.I.R.C., quanto ao funcionamento do mecanismo do crédito de imposto, o qual deve incidir sobre o lucro/rendimento líquido (cfr.als.B), D) e F) da matéria de facto supra exarada).
Em sede de enquadramento jurídico, o aresto fundamento começa por indicar como questão essencial a resolver a que se reconduz, além do mais, à tarefa de indagar, para efeitos do disposto no artº.91, nº.1, al.b), do C.I.R.C., qual o método de cálculo do crédito de imposto a ter em consideração para efeitos de dedução do imposto pago no Estado da fonte, face ao imposto a pagar pelo sujeito passivo no Estado da residência, e a sua compatibilização com a norma da Convenção aplicável que visa atenuar a dupla tributação internacional.
Mais à frente o acórdão fundamento expende que: "…o dissídio que envolve as partes prende-se com os termos em que se efectua o cálculo da “fracção do imposto sobre o rendimento correspondente aos rendimentos obtidos fora do território nacional” e que serve de limite à dedução, verificando-se que nem o Modelo de Convenção da OCDE, nem o específico texto adoptado em cada uma das Convenções celebradas com os países supra identificados que se limitam a seguir aquele modelo, prevê os métodos de cálculo da “fracção do imposto”, deixando, como é óbvio, tal disciplina para os ordenamentos nacionais…".
Faz, igualmente, parte do enquadramento jurídico do acórdão fundamento a seguinte constatação: "…que o texto das convenções não impõe que nesse cálculo sejam considerados os rendimentos brutos obtidos no Estado da fonte, mas tão só que os rendimentos obtidos no “Estado da fonte” sejam acrescidos aos restantes rendimentos obtidos no “Estado da residência” a fim de se apurar o imposto devido neste último Estado…".
Por último, igualmente consta do aresto a conclusão: "…A não ser assim, a atender-se aos rendimentos brutos (Questão diversa é a distinção entre rendimentos antes e após imposto, ou seja, para cálculo da referida “fracção” há que acrescer aos rendimentos obtidos no Estado da residência a totalidade dos rendimentos obtidos no Estado da fonte e não apenas os rendimentos líquidos obtidos após a dedução do imposto pelo Estado da fonte) para cálculo da “fracção do imposto” apurado pelo Estado de residência, este veria diminuir a arrecadação da receita em relação à parte dos rendimentos obtidos no seu território, por a dedução do valor cobrado pelo Estado da fonte poder ser em regra superior ao valor que seria cobrado…".
Com estes pressupostos, o aresto fundamento decide negar provimento ao recurso interposto pela sociedade apelante e manter a decisão judicial recorrida, assim confirmando a autoliquidação de I.R.C. impugnada, com os contornos saídos do indeferimento do pedido de revisão.

Impõe-se, pois, concluir que não existe, quanto à mesma questão fundamental de direito, oposição entre as decisões em confronto, pois nelas foi, desde logo, o diverso enquadramento factual, tal como o diferente enquadramento jurídico, a determinar a divergência do sentido decisório dos arestos em presença.

Concretizando, enquanto no acórdão arbitral recorrido a factualidade provada nos remete para correcções ao consumo de crédito de imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional, incidentes sobre o recebimento de rendas de contrato de locação (royalties), celebrado entre a sociedade requerente e uma sua participada norte-americana. Já no acórdão fundamento a factualidade sob exame consubstancia-se no acréscimo de dedução à colecta de crédito de imposto por dupla tributação internacional, derivado de rendimentos tributados no Brasil, França, Grécia, Paquistão e Polónia, enquanto Estados fonte, sem discriminação da natureza de tais rendimentos.
Por outro lado, não são idênticas as questões de direito apreciadas em cada um dos arestos em confronto.
Substanciando, em sede de enquadramento jurídico, enquanto na decisão arbitral recorrida se chama à colação as normas constantes dos artºs.13 e 25, nº.3, al.a), da CDT Portugal/EUA, levando em consideração a natureza (royalties) dos rendimentos originadores das correcções ao consumo de crédito de imposto por Dupla Tributação Jurídica Internacional e a concreta taxa de tributação aplicável ao caso dos autos. Já no acórdão fundamento a norma jurídica em que se baseia a decisão do pleito é, essencialmente, o artº.91, nº.1, al.b), do C.I.R.C., na versão em vigor em 2012.

Tanto basta, para que se conclua pela inexistência de todos os critérios (no caso, tanto a falta de identidade substancial das situações fácticas, como o divergente enquadramento jurídico), da existência de contradição entre o acórdão arbitral recorrido e o aresto invocado como fundamento sobre a questão fundamental de direito identificada pelo apelante, mais devendo este Tribunal não tomar conhecimento do mérito do recurso, atento o disposto nos artºs.25, nº.2, do R.J.A.T., e 152, do C.P.T.A.
Rematando, não se verificam os pressupostos de que depende o conhecimento do mérito do salvatério, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO em NÃO TOMAR CONHECIMENTO DO MÉRITO DO RECURSO.
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Condena-se o recorrente em custas (cfr.artº.527, do C.P.Civil), com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida no âmbito da instância de recurso (cfr.artº.6, nº.7, do R.C.Processuais), atendendo a que este Tribunal não chegou a entrar no conhecimento do mérito da apelação, o que torna o presente acórdão de "complexidade inferior à comum".
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Registe.
Notifique. Comunique ao CAAD.
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Lisboa, 24 de Maio de 2023. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha (com voto de vencido que infra segue) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro.

"Voto vencido por entender que a questão de Direito nas decisões em confronto é a mesma: determinar se a legislação nacional pode densificar os termos acordados nas Convenções de Dupla Tributação para a eliminação da dupla tributação jurídica internacional. Mais entendo que o facto de as normas convencionais envolvidas - bem como a natureza dos rendimentos em causa - serem distintas é irrelevante, conquanto ambas consagrem a mesma regra de distribuição de competências: a tributação cumulativa, com o Estado da Residência a eliminar a dupla tributação por meio do método do crédito."

Gustavo Lopes Courinha