Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:080/18.2BEFUN
Data do Acordão:01/11/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24050
Nº do Documento:SA120190111080/18
Recorrente:UNIVERSIDADE DA MADEIRA
Recorrido 1:A.......,SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………., SA intentou, no TAF do Funchal, contra a Universidade da Madeira, acção de contencioso pré contratual onde formulou os seguintes pedidos:
I. Ser anulada a exclusão da proposta da A…… do concurso público [tendente à “Aquisição de uma solução integrada de serviços de vigilância e segurança contra a intrusão, de controlo de acessos, controlo de deteção e extinção de incêndios para a Universidade da Madeira”] por a mesma violar o disposto no n.º 4 do artigo 1.º e na alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º, ambos do CCP;
II. Ser anulada a adjudicação à proposta da contra-interessada B…… … bem como anulados os actos que se seguiram à adjudicação, por vício de violação de lei …,
III. Ser a Ré condenada a retomar o concurso público, apreciando a proposta da Autora e decidindo a adjudicação em conformidade com o critério definido;
IV. Ser a Ré condenada a indemnizar a Autora dos danos decorrentes da adjudicação ilegal, em montante a liquidar posteriormente nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 95.º do CPTA. (…)”.

Indicou como contra-interessadas B…….., SA - e a C……., L.dª.

O TAF julgou a acção parcialmente procedente já que, por um lado, anulou os referidos actos de exclusão e de adjudicação e condenou a Entidade Demandada a retomar o concurso e a apreciar a proposta da Autora mas, por outro, absolveu-a do pedido de indemnização pelos danos que lhe causou decorrentes da adjudicação ilegal.

E o TCA Sul, para onde a Demandada apelou, negou provimento ao recurso.

É desse Acórdão que a Universidade da Madeira, SA, vem recorrer (art.º 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. Colhe-se na M.F. que a Universidade da Madeira abriu um concurso público para a “Aquisição de uma solução integrada de serviços de vigilância e segurança contra intrusão, de controlo de acessos, controlo de deteção e extinção de incêndios”, cujo Caderno de Encargos continha uma cláusula onde se estabelecia que seria privilegiada uma solução que garantisse a manutenção e substituição de equipamento danificado durante a vigência do contrato.
( A redacção dessa cláusula era a seguinte:
2.3. Privilegia-se uma solução que a empresa garanta a manutenção e substituição de equipamento danificado durante a vidência do contrato;”).
A proposta da Autora não incluiu a substituição de equipamentos o que levou o júri do concurso a propor a sua exclusão por considerar que essa omissão violava a citada cláusula e o disposto nos art.ºs 146.º/2/o) e 70.º2/b) do Código dos Contratos Públicos. Proposta que a entidade demandada aceitou.
Inconformada, a Autora instaurou a presente acção pedindo não só a anulação da exclusão da sua proposta e a anulação da adjudicação do objecto do concurso à B…… como a condenação da Demandada a retomar o concurso e a indemnizá-la dos danos decorrentes daquela adjudicação.

O TAF julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, (1) anulou os impugnados actos de exclusão e de adjudicação, (2) condenou a Demandada a retomar o concurso público e a apreciar a proposta da Autora e (3) absolveu a Demandada do pedido indemnizatório.
Fê-lo por entender que a utilização da expressão “privilegia-se” na citada cláusula do Caderno de Encargos “induz no concorrente a ideia de que a proposta apresentada pelo mesmo pode não garantir a substituição de equipamento danificado, pois esse elemento apenas será considerado como critério preferencial. ….
Assim sendo, não se estabelecendo em termos claros e perentórios que a proposta tem de garantir a substituição de equipamento danificado, não podia o júri entender que a não inclusão desta garantia era causa de exclusão da proposta apresentada.”
Acrescia que a conduta da Autora não constituía abuso do direito porque o facto dela “ter interpretado o Caderno de Encargos de uma determinada forma, que verteu na sua proposta e, posteriormente, sustentou em sede de exercício do direito de audiência prévia demonstra que manteve a sua conduta, não criando qualquer expectativa noutro sentido.”

A Universidade da Madeira apelou para o TCA Sul mas este negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida pelas razões que se destacam:
“… dúvidas não há que o ponto 2.3. do Caderno de Encargos não estabelece um requisito técnico, como pretende a recorrente, concretamente não obriga os concorrentes a garantirem a substituição do equipamento danificado; tão só estabelece um critério de preferência entre as propostas, no sentido de que, em sede de análise e graduação das mesmas, serão beneficiadas, favorecidas (enfim, privilegiadas, como expressamente se refere) aquelas que garantam a substituição do equipamento danificado.
E o facto de o ponto em causa estar inserido no Anexo I do Caderno de Encargos, o qual respeita aos “Requisitos técnicos e funcionais”, em nada altera a situação. O teor do mesmo é absolutamente inequívoco e não suscita quaisquer dúvidas interpretativas. Além de que, por isso mesmo, o significado dos termos utilizados não pode ser alterado e distorcido em função da colocação sistemática do preceito.
…. O que resulta, de forma cristalina da interpretação conjugada do disposto nos aludidos pontos 2.3. e 2.4. do Caderno de Encargos é que o equipamento que for instalado pelos concorrentes que optaram por garantir a sua substituição passará para a propriedade da entidade adjudicante no final da vigência do contrato.”
E, por outro lado, não se podia taxar a conduta da Autora como abuso de direito visto o ponto 2.3 do Caderno de Encargos não necessitar de esclarecimentos sobre o seu sentido pelo que não se justificava que aquela os solicitasse.

3. A Universidade da Madeira pretende a admissão desta revista para que se reapreciem as questões destacadas nas seguintes conclusões:
h. A questão do abuso de direito, decorrente da aceitação integral do caderno de encargos e do não exercício do direito previsto no art.º 50º/1 do Código dos Contratos Públicos, o seu sentido e o alcance deste direito e os efeitos/consequências do seu não exercício constitui também matéria de grande relevância jurídica e social;
i. Esta questão tem potencialidade expansiva, para ocorrer noutros procedimentos e noutros processos judiciais;
l. O acórdão recorrido apega-se unicamente à literalidade do termo “Privilegia-se…”, sem considerar, também, o regime jurídico aplicável ao caderno de encargos (cfr. arts. 42º e 49º do CCP e os termos literais do ponto 2.3. e do ponto 2.4. e do Capítulo respectivo);
m. Em termos de normalidade e dum destinatário normal, o teor do caderno de encargos, na versão da recorrida e das instâncias, ostentava dúvidas e erros, até porque nenhum “privilégio” era conferido ao concorrente em face do critério de adjudicação escolhido;
o. Donde, impondo-se à recorrida o exercício de tal direito, a sua total omissão é fato totalmente relevante para ajuizar do exercício do direito de forma abusiva;

3. Resulta do exposto que o que ora está em causa é a questão de saber se o TCA, sufragando a sentença do TAF, ajuizou correctamente quando anulou não só a exclusão da proposta da Autora como a adjudicação do objecto do concurso a uma contra-interessada e, além disso, ordenou a renovação do procedimento concursal. Decisão que, por um lado, se fundamentou na interpretação de uma das cláusulas do Caderno de Encargos e, por outro, nos termos constantes da proposta da Autora no tocante ao estabelecido nessa cláusula.
Ora, tudo indica que o Acórdão decidiu bem já que ponderou criteriosamente o significado daquela cláusula, interpretando-a de acordo com os termos em que estava redigida, sufragando a esse propósito o que, no essencial, fora dito no TAF. Tudo levando a crer que ajuizou correctamente.
Por outro lado, também parece que decidiram bem relativamente ao alegado abuso de direito, questão que, de resto, no caso, não apresenta significativas dificuldades jurídicas.
Deste modo, não se justifica a admissão da revista para uma melhor aplicação do direito como, também, as questões nela suscitadas não têm relevância, jurídica ou social, que mereçam a intervenção deste Supremo Tribunal.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.
Porto, 11 de Janeiro de 2019 – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.