Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0709/14.1BEALM
Data do Acordão:01/25/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P30505
Nº do Documento:SA2202301250709/14
Data de Entrada:10/31/2022
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


AA, contribuinte fiscal n.º ..., residente na Av. ..., ..., em Lisboa, Recorrido nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado do Acórdão desse Tribunal Central Administrativo proferido nos presentes autos, a 26/05/2022, que julgou procedente o recurso interposto pela Fazenda Pública, julgando legal a Reversão efetuada ao Recorrido, com o qual não se conforma, vem, do mesmo, interpor RECURSO DE REVISTA, para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art.º 26.º, alínea h), do ETAF, e do art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) [anteriormente arts. 144º e 150º do CPTA, “ex vi” art. 2º alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)].

Alegou, tendo concluído:
1. O Acórdão recorrido incorre, para além de mais, em violação de lei, na medida em que desrespeita o preceituado no art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, no art. 64.º, n.º 1, als. a) e b), do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e no artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil (CC), o que configura fundamento para o presente recurso, nos termos do n.º 2 do art. 285.º do CPPT.
2. A violação da lei que se aponta ao Acórdão Recorrido radica na interpretação legal efetuada pelo mesmo de que, segundo as referidas disposições legais, (1) se impõe ao gestor diligente a apresentação à insolvência como forma de evitar o incumprimento do pagamento do crédito tributário; (2) a culpa na falta de pagamento das dívidas é aferida em abstrato, não sendo necessário, para a aferição da culpa, verificar se existe um nexo de causalidade adequada entre a não apresentação à insolvência e a falta de satisfação do crédito tributário (3) a apresentação à insolvência é uma obrigação de resultado, como um fim em si mesmo, não sendo um meio para acautelar os credores, devendo ser aferida se a mesma teria esse efeito e em que medida a teria.
3. O presente recurso deverá ser admitido, porquanto se trata de uma decisão proferida em segunda instância pelo TCA do Sul.
4. A questão decidenda possui relevância jurídica, com importância fundamental, porquanto, se trata de matéria de elevada complexidade jurídica, que exige conhecimentos do sistema fiscal no seu todo, sobre o chamamento de terceiros ao pagamento de dívidas tributárias, pela exigência de prova de facto negativo, sobre a não culpa na falta de pagamento da dívida tributária e sobre a apreciação da conduta do gestor, em particular do que se lhe impõe fazer e não fazer perante a dívida tributária
5. Possui relevância jurídica, com importância fundamental, igualmente porque se baseia num enquadramento normativo especialmente intricado, já que tem que atender a questões de responsabilidade tributária subsidiária, solidária, com culpa pela falta de pagamento e culpa pela ausência de património suficiente, culpa em concreto ou em abstrato, de gestão de facto e de direito, de ónus da prova nuns casos a cargo da AT e noutros do contribuinte, exigindo melhor aplicação do direito.
6. A relevância jurídica, com importância fundamental, deriva também da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos como várias disposições tributárias (arts. 20.º, 21.º, 22.º 23.º, 24.º, 78.º da LGT e 153.º do CPPT), o disposto no 64.º, n.º 1, als. a) e b), do CSC, e o artigo 487.º, n.º 2, do CC, sendo difícil o enquadramento nas situações da vida real, o que exige a intervenção do STA para clarificação e melhor aplicação do direito.
7. A relevância jurídica, com importância fundamental, deriva também do tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina originando todos os anos dezenas de recursos judiciais quer no âmbito dos TCA tal como o proferido recentemente no âmbito do Processo n.º 722/14.9BEALM (que se encontra pendente de Recurso de Revista), como do STA.
8. A questão decidenda possui relevância social, com importância fundamental, porquanto apresenta contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, designadamente no âmbito de 20 processo de reversão do Recorrente pendentes.
9. A questão decidenda possui relevância social, com importância fundamental, pois tem capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio, para orientar outras decisões judiais e orientar comportamentos dos gestores num ciclo económico especialmente difícil, com muitas empresas a atravessar dificuldades económicas, em que o gestor é chamado a tomar opções;
10. A análise da questão jurídica vertente impõe-se pela necessidade de melhor aplicação do direito num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito, já que permitirá nortear a decisão de dezenas de outros processos judiciais e deverá até servir de diapasão à AT no âmbito das decisões a tomar e elementos a considerar no âmbito dos processos de reversão, esclarecendo as questões decidendas junto dos TCA do Norte e Sul.
11. Note-se que o Acórdão Recorrido apresenta uma jurisprudência nova, contrária à seguida por TCA do Norte e TCA do Sul (à exceção do já referido Processo n.º 722/14.9BEALM presentemente em recurso), de que basta a não verificação, em abstrato, de um requisito formal – a apresentação à insolvência pelo gestor - para que exista culpa na falta de pagamento das obrigações fiscais.
12. De forma nova o Acórdão recorrido estabelece o entendimento de que não se exige nexo causal entre o alegado dever omitido (apresentação atempada à insolvência) e a satisfação do crédito fiscal, para que considere existir culpa na falta de pagamento.
13. O Acórdão recorrido estabelece como condição para a prova da não culpa na falta de pagamento de dívidas tributárias a apresentação “atempada” de uma empresa à insolvência, sem esclarecer o que entende por “atempadamente”.
14. Invoca a obrigatoriedade de apresentação à insolvência da sociedade de forma abstrata sem referência a um momento temporal concreto na vida da sociedade, de forma totalmente genérica.
15. O Acórdão recorrido desliga a obrigação de apresentação à insolvência de qualquer comportamento do Recorrente que não a precisa omissão de apresentação à insolvência.
16. No entendimento do Acórdão recorrido a obrigação de apresentação das empresas à insolvência aparece como um fim em si mesmo – obrigação de resultado, que supostamente consegue sempre garantir o concurso atempado dos credores ao património da empresa.
17. O Acórdão recorrido não estabelece um nexo de causalidade adequada entre o facto omitido - de apresentação da devedora originária à insolvência - e a suposta conseguida garantia de cumprimento do crédito tributário – como obrigação de meios.
18. O Acórdão Recorrido entende que o art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, o art. 64.º, n.º 1, als. a) e b), do CSC e o artigo 487.º, n.º 2 do CC, estabelecem uma responsabilidade objetiva e abstrata do gestor na apresentação num dado momento da empresa à insolvência, porque a mesma irá, com toda a certeza, garantir a satisfação do crédito tributário.
19. Para a decisão recorrida a culpa e responsabilidade dos gerentes pelo pagamento das dívidas tributárias são abstratas e desligadas de qualquer nexo de causalidade com a falta de pagamento, sendo bastante a prova da falta de apresentação da empresa à insolvência para se verificar a culpa na falta de pagamento da dívida tributária.
20. A jurisprudência do Acórdão Recorrido torna, na prática, a apresentação à insolvência como uma obrigação de resultado e não uma obrigação de meios, considerando que ao gestor criterioso é a obrigação de resultado que lhe é exigível.
21. Nem o art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, nem o art. 64.º, n.º 1, als. a) e b), do CSC, nem o artigo 487.º, n.º 2 do CC, nem qualquer outra norma estabelece a obrigação de apresentação de empresas à insolvência como critério de aferição da culpa ou responsabilidade pelo não pagamento das dívidas tributárias.
22. O Acórdão Recorrido ao estabelecer como condição para a não reversão a apresentação da sociedade à insolvência num momento dito atempado, enferma em violação direta das disposições legais supra referidas, o que deverá conduzir à respetiva anulação.
23. Por outro lado, ao contrário do sustentado pelo Acórdão recorrido, a aferição da responsabilidade e culpa, nos termos o art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, no art. 64.º, n.º 1, als. a) e b), do CSC e no artigo 487.º, n.º 2 do CC, não é abstrata, mas concreta e de acordo com um juízo de causalidade adequada.
24. A aferição de responsabilidade tributária subsidiária e responsabilidade do gestor pelo não pagamento de dívidas tributárias tem que ser feita com referência aos atos e omissões praticados, que devem ser valorados e aferidas as suas consequências (nesse sentido veja-se, entre outros Acórdão do TCAN de 04/29/2021, no âmbito do processo 00041/14.0BEMDL e o Acórdão do TCAS de 04/06/2017, no âmbito do processo 456/13.1BELLE).
25. Não basta a análise direta apenas da falta de pagamento, havendo antes que aferir do comportamento global do gestor, para aferir se o mesmo foi ilícito e provocou num plano global a insustentabilidade da sociedade.
26. Só em situações muito específicas poderá hipoteticamente ocorrer um momento em que a apresentação à insolvência permita “...garantir o concurso atempado dos credores ao património da mesma...”.
27. Os arts. 1.º e 3.º n.º 1 do CIRE distinguem a situação económica difícil, ou situação de insolvência meramente iminente, da situação de insolvência e impossibilitam o gestor de requerer a insolvência quando esta seja meramente eminente, ou a empresa esteja apenas em situação económica difícil.
28. O requerimento de insolvência apenas é permitido para as pessoas que se vejam impossibilitadas de cumprir as suas obrigações vencidas por não disporem de meios líquidos para o efeito.
29. No limite, o primeiro momento em que a pessoa estará em situação de insolvência e poderá requerer a sua declaração em tribunal, será quando não disponha de meios líquidos imediatos para solver as suas obrigações vencidas.
30. Uma pessoa, que não disponha de meios líquidos imediatos para solver as suas obrigações vencidas, ou tem bens e direitos que superam as suas obrigações, ou mesmo no momento imediato em que se torna insolvente, não vai poder “...garantir o concurso atempado dos credores ao património da mesma...”, pois o seu passivo será superior ao seu ativo.
31. Caso o ativo existente esteja contabilizado como superior ao passivo, compete ao Administrador da Insolvência determinar o valor base de venda dos bens no âmbito da Insolvência, nos termos do art. 164.º do CIRE, o qual pode ser inferior ao valor contabilístico, podendo fazer com que, por essa via o ativo seja inferior ao passivo, sem que o gestor o possa saber de antemão.
32. A partir do momento da apresentação da pessoa colectiva à insolvência o gestor fica arredado da gestão de pagamentos.
33. Tal como ocorreu no caso vertente, pode acontecer que os créditos tributários estejam a ser pagos até à intervenção do administrador judicial, e seja este a suspender o seu pagamento ao Estado e não o revertido.
34. No caso vertente o Acórdão recorrido não revela o momento para a suposta apresentação “atempada” à insolvência, sendo apenas invocado o conceito de forma conclusiva, incorrendo em nulidade, por obscuridade que o torna ininteligível, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC e que igualmente deverá conduzir à respetiva anulação.
35. Decorre do art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, do art. 64.º, n.º 1, als. a) e b), do CSC, nem o artigo 487.º, n.º 2 do CC, que a responsabilidade e culpa do gestores na falta de pagamento de dívidas tributárias tem que ser analisada de forma concreta e segundo uma lógica de nexo de causalidade entre a atuação concreta do gestor, na globalidade da gestão e aferir se as mesmas forma a causa do incumprimento do crédito tributário, o que sendo contrariado pelo Acórdão recorrido deverá conduzir à sua anulação.
TERMOS EM QUE REQUER A REVOGAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO COM PROCEDÊNCIA INTEGRAL DO PRESENTE RECURSO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

Não foram produzidas contra-alegações.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso que vem interposto.

O recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Igualmente não pode servir o recurso de revista para apreciar estritas questões de inconstitucionalidade normativa, que podem discutir-se em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.

Como claramente resulta das conclusões das alegações, o recorrente pretende que se admita o presente recurso para que este Supremo Tribunal se pronuncie sobre a questão de saber se, para efeito do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, 64.º, n.º 1, als. a) e b), do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e 487.º, n.º 2, do Código Civil (CC), é determinante para a responsabilização por reversão do gestor de uma sociedade o facto de este não apresentar a sociedade que representa à insolvência atempadamente, dito de outro modo, e no entender do recorrente, importa saber se o Acórdão recorrido estabelece o entendimento de que não se exige nexo causal entre o alegado dever omitido (apresentação atempada à insolvência) e a satisfação do crédito fiscal, para que considere existir culpa na falta de pagamento.
Vejamos o que se escreveu no acórdão recorrido a este propósito.
Após se fazer o enquadramento jurídico da responsabilidade dos gestores das sociedades por dividas fiscais das sociedades que representam e se alinhar a matéria de facto especifica relevante para a análise da questão escreveu-se:
Compulsados os elementos coligidos no probatório, não é de acompanhar o expendido na sentença recorrida.
O recorrido não garantiu o cumprimento do crédito tributário exequendo, no decurso do prazo limite de pagamento voluntário. Não requereu, atempadamente, a insolvência da sociedade devedora originária. Os contratos por meio dos quais as entidades bancárias passam a ser a entidade gestora de tesouraria da sociedade devedora originária não assumem a virtualidade de precludir o dever de diligência e zelo do oponente, enquanto gerente da sociedade devedora originária. Não existem circunstâncias exógenas que justifiquem o incumprimento do crédito tributário. Não o é a eventual dívida do Estado angolano à sociedade G..., dado que não existe prova da sua existência, nos termos alegados pelo recorrido. O que sucedeu, no caso, foram um conjunto de decisões gestionárias, nas quais o recorrido participou, como membro do conselho de administração da sociedade devedora originária, que resultaram na oneração do património da mesma e na superação do activo pelo passivo, sem que o recorrido, enquanto gerente da sociedade tenha logrado assegurar o cumprimento da dívida exequenda. A operação em Angola encontra-se entre as decisões gestionárias referidas. A invocação da intervenção do administrador da massa insolvente também não assume a eficácia dirimente que o recorrido lhe pretende assacar, dado que a mesma apenas ocorre em momento posterior à situação de incumprimento e, depois, de insolvência da sociedade devedora originária (n.ºs 37 a 40 do probatório). O mesmo é válido em relação ao plano de pagamento em prestações, o qual foi interrompido, sem o cumprimento do crédito tributário (V. supra). Ao recorrido, enquanto gestor da sociedade devedora originária, era exigível a condução da actividade da empresa de forma a garantir o concurso atempado dos credores ao património da mesma, o que não foi assegurado.

Lido atentamente este excerto do acórdão, na parte em que vem impugnado por este recurso, podemos concluir de forma perfunctória que a responsabilização do recorrente pelo não pagamento atempado da dívida fiscal em execução não resulta apenas da “não apresentação atempada da devedora originária à insolvência”.
Porém, é essencial que este Supremo Tribunal se pronuncie sobre o fundamento invocado no acórdão recorrido, não requerimento “atempadamente, a insolvência da sociedade devedora originária”, para efeitos de responsabilização do recorrente, isto é, saber se tal fundamento enferma ou não dos vícios que lhe são imputados pelo recorrente e, caso se conclua em sentido coincidente com a argumentação do recorrente, saber em que medida tal fundamento por si só é relevante para que possa ser alterado o decidido.
Impõe-se, assim, a admissão do recurso para melhor aplicação do direito.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, Secção do Contencioso Tributário, que compõem a formação a que alude o artigo 285º, n.º 6 do CPPT, em admitir o presente recurso de revista.
Custas a final pelo vencido.

D.n.

Lisboa, 25 de janeiro de 2023. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.