Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:056/20.0BALSB
Data do Acordão:01/20/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
MÉRITO DO RECURSO
JURISPRUDENCIA CONSOLIDADA
SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Sumário:Não há que conhecer do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência de decisão arbitral se, não obstante a existência de contradição entre as decisões, a orientação perfilhada na decisão recorrida estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. o n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, aplicável “ex vi” do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).
Nº Convencional:JSTA000P27056
Nº do Documento:SAP20210120056/20
Data de Entrada:06/23/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 25.º n.º 2 e n.º 4 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal da decisão arbitral proferida 30 de março de 2020 no processo n.º 787/2019-T CAAD, por alegada contradição com o decidido na decisão arbitral de 22 de abril de 2019, proferida no processo n.º 539/2018-T, transitada em julgado.
A recorrente termina a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões:
A O Acórdão arbitral recorrido (787/2019-T) incorreu em erro de julgamento, porquanto decidiu o Tribunal Arbitral “(…) a) Declarar ilegal e anular a liquidação de IRS n.º 2019 5005573150, referente ao ano de 2018, na parte em que não considerou a limitação da tributação das aludidas mais-valias imobiliárias a 50% do respetivo valor, com as legais consequências; b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira: (i) A reembolsar à Requerente o imposto liquidado e pago em excesso, no montante de € 13.886,02 (treze mil oitocentos e oitenta e seis euros e dois cêntimos); (ii) No pagamento das custas do presente processo.”
B E sustenta o referido acórdão arbitral que “ (…) A Requerida entende que a aludida jurisprudência do TJUE não é vinculativa, uma vez que o quadro legal, assim como a obrigação declarativa, já não é aquele que existia à data da prolação do mencionado acórdão pelo TJUE, atenta a alteração legislativa consubstanciada no aditamento ao artigo 72.º do Código do IRS dos seus números 7 e 8 (atuais números 9 e 10), pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (OE 2008); assim, segundo a Requerida, o Acórdão Hollmann refere-se a situações ocorridas na vigência do artigo 72.º do Código do IRS, na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, pelo que o caso concreto não está abrangido por tal arco temporal.
No entanto, não tem a Requerida razão na posição que sustenta.
Porquanto, a propósito de um regime de opção similar àquele que está consagrado no artigo 72.º, n.º 9, do Código do IRS, o TJUE já se pronunciou no acórdão de 18 de março de 2010, proferido no processo C-440/08 (Caso Gielen), no qual foi decidido o seguinte: «O artigo 49.° TFUE opõe-se a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal como a dedução concedida aos trabalhadores independentes, em causa no processo principal, apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes.»
Esta decisão está estribada nos seguintes vetores argumentativos:
«50. Antes de mais, importa recordar que a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, como F. Gielen, escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório.
51. Ora, cumpre frisar a este respeito que, no presente caso, essa escolha não é susceptível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.
52. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência, como é essencialmente observado pelo advogado-geral no n.º 52 das suas conclusões, validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório.
53. Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite a liberdade de estabelecimento é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, acórdão de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colect., p. I-11753, n.° 162).
54. Decorre do exposto que a escolha concedida, no âmbito do litígio em causa no processo principal, ao contribuinte não residente, através da opção de equiparação, não neutraliza a discriminação constatada no n.º 48 do presente acórdão.»
Desta forma, resulta meridianamente evidente que a previsão do regime facultativo em apreço, para além de fazer impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, a opção de equiparação não é suscetível de excluir a discriminação em causa, a qual continua pois a subsistir.
Com efeito, como bem se salienta na decisão arbitral proferida no processo n.º 600/2018-T, «[o] regime previsto por defeito (na falta de opção) no n.º 1 do artigo 72.º é mais oneroso para os não residentes do que para os residentes, pois enquanto a taxa máxima aplicável às mais-valias realizadas por residentes é de 24% do seu valor (taxa máxima de 48% prevista no artigo 68.º, aplicável a 50% do saldo das mais-valias), a taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS é de 28%, aplicável à totalidade do saldo.»
(…) Nesta conformidade, procede o vício de violação de lei alegado pela Requerente, por incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com o artigo 63.º do TFUE, na parte em que restringe a redução a 50% das mais-valias sujeitas a IRS a sujeitos passivos residentes em Portugal, com a consequente anulação parcial do ato de liquidação de IRS controvertido, na parte em que não considerou a limitação da tributação das aludidas mais-valias imobiliárias a 50% do respetivo valor.
Como se extrai do acórdão do STA, de 22.03.2011, proferido no processo n.º 01031/10, foi a Autoridade Tributária que, «perante a declaração dos contribuintes, lhes liquidou o imposto que considerou devido (como aliás sempre sucede no IRS): à taxa prevista para os não residentes (25%, nos termos do artigo 72.º n.º 1 do Código do IRS) e sobre o montante total da mais-valia realizada e não apenas sobre 50% deste valor (artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS), assim ignorando a jurisprudência comunitária e a deste Supremo Tribunal que a acolheu (cfr. o Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, rec. n.º 439/06) quanto à incompatibilidade daquela disposição legal, assim aplicada, com o (então) artigo 56.º do TJCE (actual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), sujeitando-se deste modo, como veio a acontecer, a ver anulada nessa parte a liquidação impugnada, dado o primado do direito comunitário.»
No mesmo sentido, mais recentemente, concretamente em 20.02.2019, o STA proferiu no processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17 o acórdão assim sumariado:
«I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da UE, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da UE.
III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (art. 135.º do Código de Procedimento Administrativo).»
C Ao contrário do que decidiu a Decisão Arbitral fundamento (processo n.º 539/2018-T), na qual o Tribunal arbitral considerou que:
“ 14 - Apresenta-se, pois, neste processo, uma dupla situação que encerra incongruências, entre si, quanto ao que o Requerente pretende, porquanto: a) Por um lado, pretende a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, que é aplicável às mais- valias obtidas em território português, que, de facto manda considerar a tributação de 50% saldo das mais-valias de imóveis, respeitantes às transmissões efetuadas por residentes, previstas na alínea a)2 do n.º 1 do artigo 10.º.
b) Por outro lado, exige que seja feita uma tributação do referido saldo, reduzido em 50%, com aplicação da taxa aplicável a não residentes de 25%, conforme opção de tributação pelo regime geral, conforme campo 07 do quadro 8B da sua Declaração mod. 3 de IRS, e não pela aplicação das taxas gerais do artigo 68.º e das demais regras aplicáveis aos residentes.
15 - Ora, esta forma de tributação mista, de escolha do melhor dos regimes de tributação, ou seja, ser considerado como residente para efeitos de aplicação do artigo 43.º, n.º 2 e não residente para efeitos de aplicação da taxa do artigo 72.º, n.º 1, ambos do CIRS, o que é incongruente e inaplicável, e nem sequer se pode argumentar que há violação dos Tratados da União Europeia, por não se estar perante uma qualquer discriminação.
16 - Isto porque o Requerente tinha ao seu dispor a possibilidade de ver tributadas as suas mais-valias de harmonia com todas as regras aplicáveis aos residentes, se, para tanto, tivesse feito essa opção, ao abrigo do n.º 9 do artigo 72.º do Código do IRS, como a lei lhe permite - o que não aconteceu.
17 - Assim, ao não ter optado pela tributação das suas mais-valias imobiliárias, pela aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, não assiste razão ao Requerente.
18 - Aliás, nem aos residentes as normas do CIRS permitem esta dualidade de tratamento, ou seja, redução a 50% das mais-valias imobiliárias e aplicação das taxas do artigo 72.º do CIRS, obrigando sempre, neste caso, ao englobamento deste saldo com os demais rendimentos para aplicação à totalidade dos rendimentos auferidos as taxas gerais do artigo 68.º do Código do IRS.
19. O regime escolhido pelo Requerente, embora invoque que é um residente na União Europeia, foi o da tributação pelas taxas do artigo 72.º aplicáveis a não residentes e não as aplicáveis a residentes, pelo que o regime escolhido deve ser aplicado "in toto", como procedeu, e bem, a Requerida, no entender do Tribunal.
19 - Assim sendo, não se poderá invocar a discriminação negativa como pretende o Requerente e isto porque as suas opções foram respeitadas.
20 - Recorda-se que o Acórdão do TJCE de 2007OUT11 (Hollman) foi proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS, já anteriormente citadas, precisamente para permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeiram - o que não foi o caso.”
D Concluindo o Acórdão fundamento que:
“20 - Nesta conformidade, entende este Tribunal que a liquidação impugnada não sendo incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE, dada a opção do Requerente, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação n.º 2018.5005490173, relativa ao ano de 2017 e no valor de €47.034,56.
(…)
Termos em que se decide:
a) Julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter na ordem jurídica a liquidação de IRS impugnada.
b) Julgar igualmente improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor do Requerente. (…)”
E Verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se o regime de exclusão de tributação de mais-valias previsto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS é aplicável aos não residentes.
F Quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário (vd., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2015-06-03, processo 0793/14) que:
as situações de facto sejam substancialmente idênticas;
• haja identidade na questão fundamental de direito;
• se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; e,
• a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.
G - As presentes alegações demonstram que, no caso vertente, se encontram reunidos os referidos requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos.
H - Para que se considere que há oposição de acórdãos, entende a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que os acórdãos em confronto versem sobre situações fácticas substancialmente idênticas e que se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito. Ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito, o se verificou.
I - Entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento há uma identidade de situações de facto, na medida que em ambos os casos, a factualidade consignada se reporta a tributação no âmbito de IRS, tendo em conta a aplicação do art. 43.º, n.º 2 do CIRS aos não residentes.
J - As decisões em confronto perfilharam, sobre a mesma questão fundamental de direito, soluções opostas de forma expressa, isto é, adotaram sobre a mesma questão de direito soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto.
K - Resta concluir que o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada na Decisão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue improcedente o pedido arbitral.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente.

2 – Contra-alegou a recorrida, pugnando pela manutenção da decisão arbitral sob recurso, porquanto de erro de julgamento enferma a decisão arbitral fundamento e não a decisão arbitral recorrida, conforme à jurisprudência do TJUE, do STA e à maioria da jurisprudência arbitral tributária.

3 – O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste STA emitiu douto parecer no sentido da verificação dos pressupostos do recurso para uniformização de jurisprudência e, quanto ao mérito, no sentido de que o recurso não merece provimento.

4 – Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção.
- Fundamentação –

5 – Questões a decidir
Importa decidir previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o prosseguimento para conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, a saber a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão invocado como fundamento relativamente à mesma questão fundamental de direito e bem assim a de que a decisão arbitral recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada da Secção.
Verificados aqueles pressupostos, haverá que conhecer do mérito do recurso.

6 – Matéria de facto
6.1 É do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral recorrida:
a) A Requerente é casada sob o regime de comunhão de adquiridos com B………… e é residente em França.
b) Em 29.06.2019, a Requerente procedeu à entrega, em separado, da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2018, na qual declarou, quanto à respetiva residência fiscal (campo 8), ser não residente, residir em país da EU ou EEE (250) e pretender a tributação pelo regime geral. (cf. documento n.º 3 anexo ao PPA).
c) A Requerente entregou com aquela mesma declaração de rendimentos, os respetivos anexo F (Rendimentos Prediais) e Anexo G (Mais-valias e outros incrementos patrimoniais), tendo, neste último, feito constar a alienação onerosa de dois bens imóveis (frações “E” e “F” do artigo matricial U-9323 da freguesia 080805) em agosto e outubro de 2018, declarando a sua quota-parte (50%) dos respetivos valores de realização, no montante total de €200.000,00, ao qual foi subtraída a soma da sua quota-parte dos valores de aquisição, no valor de €98.163,42 (obtido após aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda – no caso 1,23 – sobre o valor de 79.807,66) e a sua quota-parte de despesas e encargos, no valor de €2.650,67. (cf. documento n.º 3 anexo ao PPA)
d) Nessa sequência, a AT emitiu a liquidação de IRS n.º 2019 5005573150, referente ao ano de 2018, na qual foi apurado o rendimento coletável de €100.796,40 - resultante do somatório do valor das mais-valias imobiliárias (€99.185,90) com o valor do resultado positivo apurado nos rendimentos prediais (€1.610,50) -, sobre o qual foi aplicada a taxa de 20%, daí resultando o montante total de imposto a pagar de € 28.222,99 - €27.772,05 quanto às mais-valias imobiliárias e €450,94 quanto aos rendimentos prediais -, com data limite de pagamento de 04.09.2019 (cf. documento n.º 1 anexo ao PPA)
e) Em 10.08.20109, a Requerente efetuou o pagamento integral do montante global de imposto (€28.222,99) resultante da liquidação de IRS n.º 2019 5005573150. (cf. documento n.º 2 anexo ao PPA).
f) Em 22.11.2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD)

6.2 Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral fundamento:
1- O Requerente era residente à data de 2017, em Madrid, Espanha, ou seja, era residente num Estado-Membro da União Europeia, como comprovou;
2- O Requerente apresentou a sua Declaração Modelo 3 de IRS, de substituição, com o Anexo G, declarando para efeitos de mais-valias os valores de aquisição e de alienação onerosa de dois prédios urbanos, participações sociais, valor de despesas e encargos e rendimentos prediais (Doc. 6).
3- Verifica-se pelo Rosto da Declaração Mod. 3 que no quadro 8B foram assinalados pelo Requerente o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da União Europeia) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).
4- E verifica-se também que o Requerente não preencheu os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68.º do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro).
5- Os referidos bens alienados e rendimentos declarados foram todos auferidos todos em território português e eram os seguintes:
3.1 - Fracção autónoma designada pela letra C, a que corresponde o 1.º andar D.to, destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua da ………, n.º …… Letras ……, freguesia de Santa Isabel, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz da freguesia de Campo de Ourique sob o artigo 807 (Doc. 4), por escritura de 15/09/2017, pelo preço de € 255,000,00 (Doc. 3).
A referida fracção havia sido adquirida pelo preço de € 90.000,00, por escritura pública de 20/04/2015 (Doc. 2).
3.2 - Fracção autónoma designada pela letra F, a que corresponde o 2.º andar Esq.º, destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua ………, n.º ……, em Alcântara, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 539 (Doc. 4), por escritura de venda de 21/03/2017, pelo preço de € 155,000,00 (Doc. 5).
A referida fracção havia sido adquirida pelo preço de € 55.000,00, por escritura pública de 10/11/2015 (Doc. 4).
3.3 - Participações sociais vendidas 06/10/2017, pelo montante de € 21.290,10, que havia adquirido em 26/08/2014, pelo preço de € 19.805,40.
3.4 - Rendimentos prediais de € 4.300,00 respeitantes às rendas relativas às duas fracções autónomas alienadas, referidas nos pontos anteriores, sem menção de encargos ou retenções por conta.
6- A sua declaração foi aceite e validada pela Autoridade Tributária, dando origem à liquidação n.º 2018.5005367017, com um montante de imposto a pagar de € 46.551,36 (Doc. 7), posteriormente rectificada por uma 2.ª liquidação com o n.º 2018.5005490173, com um valor de imposto a pagar de € 47.034,56, originando um estorno do montante também a pagar, em relação à 1.ª liquidação, de € 483,20 (Doc.8).
7- O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de € 46.551,31 em 24-08-2018 e também de € 483,20 na mesma data, num total de € 47.034,56 (Doc.s 9 e 10).
8- Pela demonstração da 2.ª liquidação de IRS, com o n.º 2018.5005367017, conforme certidão junta aos autos, constata-se o apuramento de um rendimento global e colectável de € 167.980,58 e a colecta de €47.034,56 (à taxa de 28%).
9- O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de € 46.551,31 e também de € 483,20, num total de € 47.034,56, em 24-08-2018 (Doc.s 9 e 10)».

7 – Decidindo
7.1. Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso
Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo do qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.
Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se entre as decisões arbitrais, recorrida e fundamento, existe contradição sobre a mesma questão fundamental de direito e se a decisão recorrida perfilha orientação conforme à jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, caso em que o recurso não deve ser admitido, ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT.
Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão fundamento é exigível «que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)».
No caso dos autos, as partes estão de acordo quanto à existência de oposição juridicamente relevante entre as decisões arbitrais, no que são secundadas pelo Exmo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal.
E assim é, efectivamente.
Em ambas as decisões a questão decidenda era a de saber se a exclusão de tributação em IRS de 50% das mais-valias imobiliárias prevista no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, obtidas em território português por não residentes em Portugal mas residentes noutro Estado-Membro da União Europeia - uma residente em França, no caso da decisão recorrida; um residente em Espanha, na decisão arbitral fundamento -, podia não lhes ser aplicável sem violação do direito europeu, designadamente do disposto no artigo 63.º n.º 1 do TFUE - principio da Liberdade de Circulação de Capitais -, tendo a decisão arbitral recorrida decidido em sentido negativo, anulando a liquidação impugnada e condenando a AT ao pagamento de juros indemnizatórios e a decisão arbitral-fundamento decidido em sentido afirmativo, mantendo a liquidação impugnada (e naturalmente julgando improcedente o pedido de pagamento dos juros). Embora as liquidações impugnadas respeitem, numa e noutra decisão, a anos diferentes - 2018, na decisão recorrida; 2017, na decisão fundamento -, as normas do Código do IRS aplicáveis não sofreram, para o que ora importa, alterações substancialmente relevantes.
Não obstante a verificada contradição, o recurso não deve prosseguir para conhecimento do mérito, porquanto a decisão recorrida se encontra em plena sintonia com orientação mais recentemente consolidada deste STA sobre a matéria.
Efectivamente, no passado dia 9 de Dezembro foram proferidos em Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal administrativo dois Acórdãos – proferidos nos processos n.º 75/20.6BALSB e n.º 64/20.0BALSB -, pelos quais se consolidou o entendimento – já antes consagrado em Acórdãos da Secção -, segundo o qual o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art. 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, ou, na outra versão, Quanto a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo
II - O entendimento contrário é discriminatório, nos termo do artigo 65.º n.º 3, por referência ao n.º1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e não pode ser aplicado pois violaria o princípio do primado com assento no artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
Estando a decisão recorrida em plena sintonia harmonia com esta jurisprudência do STA, que entretanto se consolidou, e tendo o recurso sido admitido, não há que conhecer do respectivo mérito, porquanto dispõe o n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT, que O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, o que se verifica in casu.
- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela recorrente.

Comunique-se ao CAAD.

Assinado digitalmente pela Relatora, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

Lisboa, 20 de janeiro de 2021. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.