Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0501/18.4BEVIS
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
Sumário:I - No regime dos recursos jurisdicionais aplicável aos meios processuais comuns à jurisdição administrativa e tributária é aplicável o regime previsto no CPTA como legislação subsidiária, por força do disposto na alínea c) do artigo 2.º do CPPT.
II - O recurso per saltum previsto no artigo 151.º do CPTA só é admitido desde que se encontrem preenchidos os requisitos seguintes: (i) o fundamento do recurso consista apenas na violação de lei substantiva ou processual; (ii) o valor da causa, fixado segundo os critérios estabelecidos nos artigos 32.º e seguintes, seja superior a 500,000 (euro) ou seja indeterminável; (iii) incida sobre decisão de mérito; (iv) o processo não verse sobre questões de funcionalismo público ou de segurança social.
Nº Convencional:JSTA000P28478
Nº do Documento:SA2202111100501/18
Data de Entrada:11/04/2020
Recorrente:A............ – SOC. TURISMO E RECREIO SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
A............– SOC. TURISMO E RECREIO, SA, melhor identificada nos autos vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, exarada a fls. 1361 e seguintes do SITAF, a qual julgou rejeitar liminar o pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC referente ao exercício de 2011.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 1387 a 1405 do SITAF;
A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu nos autos da ação administrativa n.º 501/18.4BEVIS, que julgou improcedente a referida acção, absolvendo a Autoridade Tributária dos pedidos de anulação do ato de rejeição do pedido de revisão de ato tributário apresentado e de condenação à prática do ato devido de admissão e apreciação do mérito do pedido em causa aí formulados.
B. Entende a Recorrente que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação do acervo normativo aplicável.
C. No pedido de revisão a Recorrente solicita a anulação do acto tributário com base na inconstitucionalidade da norma que conduziu à emissão do acto: a alínea b) do n.º 8 do artigo 69º do Código do IRC.
D. No pedido de pronúncia arbitral invocou-se a manifesta desproporcionalidade decorrente da interpretação feita pela AT da norma em vigor.
E. A operatividade da excepção do caso julgado pressupõe que exista a repetição de uma causa, depois da primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admita recurso ordinário, implicando que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, o que acontece quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
F. O Tribunal não estará em condições contradizer ou reproduzir uma decisão anterior quando a questão a apreciar - ainda que assentando nos mesmos pressupostos de facto - assente em pressupostos de direito distintos dos que estiveram na base da decisão anterior.
G. Isto porque, ainda que se esteja perante a mesma factualidade, a convocação de um acervo normativo distinto implicará uma diferente valoração dos mesmos factos, de tal modo que terá de concluir-se estarem em causa objectos diferentes.
H. A causa de pedir, como facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, consubstancia-se na factualidade alegada pelo demandante como fundamento do efeito prático-jurídico visado, com a significação resultante do quadro normativo a que o tribunal deva atender.
I. Uma coisa é dizer que uma norma foi mal interpretada pela AT e que daí resultaram consequências violadoras de princípios inconstitucionais: caso em que a apreciação da questão assentará na formulação juízos acerca da actuação da AT, e não acerca da validade de quaisquer normas.
J. Outra coisa completamente diferente é dizer que uma norma é inconstitucional: caso em que a decisão do Tribunal assentará necessariamente num juízo valorativo acerca da norma em causa e da sua conformidade com os princípios constitucionais invocados.
K. Com efeito que estas causas de pedir implicam por parte do Tribunal a formulação de juízos cognoscitivo-valorativos completamente distintos, não se podendo concluir haver a repetição de uma causa.
L. Assim, afigura-se forçoso concluir que não se formou caso julgado material quanto à questão da inconstitucionalidade alínea b) do n.º 8 do artigo 69º do Código do IRC.
M. Ademais, a interpretação do n.º 4 do artigo 581.º do CPC no sentido de que para efeitos da existência do caso julgado não relevam eventuais divergências ao nível do direito aplicável é inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º CRP).
N. Do princípio da legalidade não decorre qualquer impedimento à apreciação por parte da AT do pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação contestados, por inconstitucionalidade da alínea b) do n.º 8 do artigo 69.º do CIRC, mas apenas – quanto muito - a necessidade de decidir a lide desfavoravelmente ao contribuinte, considerando o tributo conforme à Constituição, razão pela qual não se verifica por essa via qualquer falta de propriedade ou idoneidade do expediente utilizado.
O. É hoje doutrinal e jurisprudencialmente pacífico o entendimento segundo o qual, existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da AT, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação do contribuinte, o erro em questão é imputável àqueles serviços.
P. Uma vez recebido o pedido, a Administração terá de sobre ele se pronunciar, nos termos do princípio da decisão previsto no artigo 56º da LGT, devendo, no caso de se verificarem os pressupostos da revisão, proceder à mesma, por imposição dos princípios da justiça e do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos administrados, plasmados nos artigos 266º, n.º 1, da Constituição e 55º da LGT.

I.2 – Contra-alegações
Foram apresentadas contra alegações com o seguinte quadro conclusivo:
A. O presente recurso, por não preencher os pressupostos consagrados no n.º 1 do artigo 151.º do CPTA, deve ser liminarmente rejeitado.
B. A decisão recorrida não é merecedora de qualquer reparo, sendo a sua interpretação e conclusão as únicas juridicamente possíveis, atento o quadro legal vigente, inexistindo assim qualquer erro de julgamento que inquine a sua validade.
C. Ao invés, são as alegações de recurso que padecem de erro manifesto nos pressupostos de direito.
D. Como decorre do disposto no n.º 4 do artigo 13.º do RJAT, o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Recorrente, porque assenta nos mesmos fundamentos, analisados e decididos pelo CAAD no âmbito do P. 10/2017, não pode ser apreciado sob pena de violação do caso julgado.
E. Como resulta dos autos existe uma identidade de pedidos do P.P.A e do pedido de revisão oficiosa, tendo o CAAD apreciado a alegada violação do princípio da proporcionalidade do artigo 69.º do CIRC.
F. A interpretação do n.º 4 do artigo 581.º só pode ser a efetuada pelo Tribunal a quo.
G. Designadamente, nas ações de condenação à prática de ato devido, como a dos autos, o objeto do processo é a pretensão material que a Autora pretende fazer valer na ação e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronúncia condenatória, sendo, por isso, irrelevantes os vícios que lhe são imputados.
H. É inegável a inexistência de qualquer violação do artigo 20.º da CRP.
I. Ainda que assim não fosse, como é, sempre teria o pedido de revisão oficiosa que ser rejeitado com fundamento na sua intempestividade e idoneidade.
J. O pedido de revisão oficiosa porque apresentado fora do prazo consagrado para a reclamação graciosa só podia ter como fundamento o erro imputável aos serviços.
K. Estando a Recorrida vinculada ao princípio da legalidade não podia deixar de aplicar uma norma legal com fundamento em inconstitucionalidade, sobretudo, como sucede nos autos, quando existe decisão transitada em julgado que já apreciou tal pedido e julgou a sua legalidade.
L. E, como tal, nunca a aplicação da norma em causa poderia configurar um erro imputável ao serviço.
M. Andou bem a decisão recorrida quando decidiu pela improcedência total da ação e pela absolvição da Recorrida dos pedidos.
N. Conclui-se, assim, pela total improcedência da argumentação expendida pela Recorrente, e pela inexistência de qualquer erro de julgamento que inquine a bem elaborada decisão recorrida.

I.3 – Parecer do Ministério Público
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir parecer a fls. 1434 do SITAF com o seguinte conteúdo:
“1.OBJETO.
Saneador-Sentença do TAF de Viseu, que julgou improcedente AA deduzida contra o ato de rejeição de pedido de revisão de ato tributário e de condenação à prática de ato devido de admissão e apreciação do mérito do pedido em causa aí formulado.
2.DA INCOMPETÊNCIA DO STA EM RAZÃO DA HIERARQUIA.
Tendo em que conta o valor da presente ação (€ 66.067,35), seguindo jurisprudência uniforme do STA, parece que este Tribunal será incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso jurisdicional (Acórdãos de 2014.01.15-P.01495/12; 2014.02.12-P. 01495/12; 2014.07.09-P. 0165/14; 2014.07.09-P. 01107/12; 2014.09.10-P. 0486/14; 2014.09.10-P. 0604714; 2014.11.19-P. 0526/14; de 2015.05.27; de 2016.01.27-P. 01762/13; de 2016.01.27-P. 01079/13, de 2017.01.25-P. 0273/16; de 2017.02.01-P. 01131/16; de 2017.02.01-P. 0168/14; de 2017.02.08-P. 045/16, de 2017.05.17-P. 0410/17, todos disponíveis no sítio da Internet ww.dgsi.pt).
De facto, como como se refere no sumário do acórdão do STA de 2014.11.19-P. 0526/14:
“I- No regime dos recursos jurisdicionais aplicável aos meios processuais comuns à jurisdição administrativa e fiscal é aplicável o regime previsto no CPTA como legislação subsidiária, por força do disposto na alínea c) do art. 2.º do CPPT.
II-O recurso per saltum previsto no art. 151.º do CPTA só é admitido desde que se encontrem preenchidos os requisitos seguintes; (i) o fundamento do recurso consista apenas na violação de lei substantiva ou processual; (ii) o valor da causa, fixado segundo os critérios estabelecidos nos arts. 32.º e segs., seja superior a três milhões de euros ou seja indetermináveis (n.º 1 do art. 151.º); (iii) incida sobre decisão de mérito; (iv) o processo não verse sobre questões de funcionalismo público ou se segurança social (n.º 2 do art. 151.º).
III-A tal não obsta o disposto nos artigos 26.º e 38.º do ETAF, pois, sendo certo que a repartição de competências entre o Supremo Tribunal Administrativo e os Tribunais Centrais Administrativos, em regra, se efetua nos termos daqueles preceitos, nada obsta a que outros preceitos, contidos em diploma legal com igual posição hierárquica, regulem de modo que conduza a resultado diverso (como sucede, v. g., no art. 151.º do CPTA).”
O DL 214-G/2015, de 02/10, em vigor a 01/12/2015, procedeu a alterações ao CPTA, nomeadamente ao artigo 151.º, baixando o requisito do valor da causa de € 3.000.000,00 para € 500.000,00, sendo aplicável ao caso em análise.
Portanto, no presente recurso não se verifica um dos requisitos de admissão do recurso per saltum, previsto no artigo 151.º do CPTA, pois o valor da causa é inferior a € 500.000,00.
3.CONCLUSÃO.
O STA deve ser julgado incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso jurisdicional, ordenando-se a baixa dos autos ao TCAN nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 151.º/4 do CPTA.”

I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 1361 a 1379 do SITAF:
A) Em 04 de abril de 2016 foi emitida a liquidação de IRC n.º 2016 8310033116, respeitante ao ano de 2011 e à sociedade “A…………, S.A.”, no valor de EUR 66.067,35 e data limite de pagamento de 2016/05/02, cfr. liquidação constante de fls. 42 do processo administrativo (PA) inserido no SITAF, aqui dado por reproduzido o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos;
B) Contra a referida liquidação foi interposta reclamação graciosa autuada sob o n.º 2720201604003934, vide fls. 480 e ss. do processo administrativo;
C) Do indeferimento daquela reclamação foi interposto recurso hierárquico autuado sob o n.º 2720201610000529, cfr. resulta de fls. 583 e ss. do processo;
D) Na sequência do indeferimento do recurso hierárquico foi deduzido pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao processo n.º 10/2017-T junto do Centro de Arbitragem Administrativa, vide posição das partes e ainda o documento imediatamente seguinte à contestação;
E) As questões submetidas à apreciação do Tribunal no pedido de pronúncia eram:
a. Caducidade do direito à entrega da declaração de substituição;
b. Da violação do princípio da proporcionalidade e do princípio da tributação do rendimento real c. Das tributações autónomas de ajudas de custo, cfr. o segundo documento a seguir à contestação contendo 50 fls.;
F) Foi proferida decisão de improcedência total no processo 10/2017-T, idem anterior;
G) No que respeita ao facto «E.b» o Tribunal Arbitral pronunciou-se nos seguintes termos:
“Entendem as Requerentes que a aplicação, ao caso concreto, das normas ínsitas nos nºs 8 e 9 do artigo 69.º do Código do IRC viola os princípios constitucionais da proporcionalidade e da tributação pelo rendimento real, previstos na Constituição.
(…)
Analisada a redação das supratranscritas disposições, verifica-se que todas – artigo 69.º, n.ºs 4, 8 e 9 do CIRC - têm carácter imperativo, não sendo concedida à administração fiscal qualquer margem de discricionariedade na sua aplicação uma vez que o n.º 8 do referido artigo elenca e determina, de forma expressa e inequívoca, os casos em que o regime especial de tributação dos grupos de sociedades cessa a sua aplicação, remetendo, nomeadamente, para as situações referidas nas alíneas a), b), d) ou g) do n.º 4 do artigo 69.º, relativamente à sociedade dominante.
Este entendimento foi acolhido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 03/12/2014 (proc. nº 0256/12), no qual considerou o seguinte: (…)
É certo que toda a atuação da Requerida AT encontra-se sujeita ao princípio da legalidade tributária, por força do artigo 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, do artigo 8.º da LGT e do artigo 3.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo.
No caso concreto que resulta da aplicação das normas previstas no artigo 69.º, n.ºs 8 e 9 do CIRC não se verifica qualquer margem para a aplicação do princípio da proporcionalidade de modo a obstar à aplicação da norma, ou a temperá-la por efeito desse princípio.
Dito por outras palavras, a AT não dispõe de margem de discricionariedade na aplicação das normas previstas no artigo 69.º, n.ºs 8 e 9 do CIRC não podendo, por isso, considerar a aplicação do princípio da proporcionalidade na atividade ordinária de mera aplicação deste preceito porquanto a convocação deste princípio não é permitida pelo legislador ordinário (o que não invalida, naturalmente, que possa ponderar a validade constitucional da norma em apreço à luz do princípio da proporcionalidade que decorre da Constituição, como de seguida se analisará).
Com efeito, a aplicação do disposto no artigo 69.º, n.ºs 8 e 9 do CIRC implica que a Requerida AT se deva limitar a verificar as condições objetivas de aplicação da lei, in casu, às Requerentes.
A Requerida AT apenas podia atuar em conformidade com o princípio da proporcionalidade se pudesse adotar, de entre as medidas necessárias e adequadas para atingir esses fins, aquelas que impliquem menos gravames, sacrifícios ou perturbações à posição jurídica dos administrados.
Ora, neste caso, não existe um leque de medidas a adotar.
Apenas uma consequência é (era, na redação aplicável) associada à verificação do incumprimento dos requisitos previstos no artigo 69.º, n.ºs 8 e 9 do CIRC: a cessação da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades.
O regime previsto nos n.ºs 8 e 9 do artigo 69.º do CIRC – em particular resultante da alínea c) do n.º 4 do artigo 69.º, como ocorre no caso sub judice - determina a imposição de uma sanção – a cessação da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades – que não permite qualquer margem de apreciação por parte da administração fiscal.
Pode discutir-se se, no caso concreto, as consequências fiscais são ou não excessivas.
Pode até convocar-se o princípio da proporcionalidade que resulta da Constituição e a consequente análise deste, à luz do regime legal que resulta do disposto no artigo 69.º, n.ºs 8 e 9 do CIRC por forma a ajuizar da conformidade constitucional deste preceito.
Acontece que esse regime legal, previsto no CIRC, visa justamente efetivar e potenciar a igualdade dos contribuintes perante a lei fiscal.
A imposição da sanção foi elaborada pelo legislador, em termos gerais e abstratos, estatuindo que a verificação do incumprimento das condições previstas tem, como consequência, a cessação da aplicação do regime especial e a inerente aplicação das normas gerais de tributação a cada sociedade.
A não ser assim, e se acaso a lei permitisse a aplicação, a casos concretos, de alguma ponderação, teria de se encontrar o critério ou os critérios que autorizariam a administração fiscal a desaplicar a lei ou a aplica-la de forma ponderada, o que colocaria necessariamente em crise o princípio da legalidade tributária.
Dito de outra forma, a cessação da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades pode decorrer do incumprimento, por uma ou várias sociedades menos relevantes, financeiramente, no contexto do grupo ou do incumprimento por uma ou várias sociedades muito relevantes financeiramente.
Aqui, pode discutir-se, de jure condendo, se o legislador não podia ter criado um sistema gradativo ou progressivo que permitisse a desaplicação parcial da sanção que resulta dos n.ºs 8 e 9 do artigo 69.º do CIRC – a cessação da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades.
Mas, neste cenário, e de jure condendo, é legítimo perguntar qual seria o critério gradativo ou proporcional que permitiria determinar a cessação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades ou ponderar a sua desaplicação parcial, como parecem defender as Requerentes que não colocasse em causa a ideia de generalidade e abstração que caracteriza as normas fiscais.
Independentemente da resposta à questão anterior, certo é que essa não foi a opção do legislador fiscal.
O legislador fiscal, ao determinar regras claras e objetivas para a cessação da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, como aquelas que constam do artigo 69.º, n.ºs 4; 8 e 9 do CIRC, facilmente compreensíveis e até antecipáveis no contexto do planeamento fiscal, não ofendeu o princípio da proporcionalidade que se extrai da Constituição.
Por outro lado, entendem ainda as Requerentes que a aplicação da cessação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades deve igualmente ser apreciado face ao princípio da tributação do rendimento real.
Entende-se que este princípio não é ofendido.
É que, como é mencionado no acórdão do Tribunal Constitucional nº 139/2016, citando o acórdão do mesmo Tribunal nº 753/14 «ainda que, em tese geral, o princípio da capacidade contributiva implique que deva ser considerado como tributável apenas o rendimento líquido, com a consequente exclusão de todos os gastos necessários à produção ou obtenção do rendimento, o certo é que não pode deixar de reconhecer-se ao legislador – como admite a doutrina – «uma certa margem de liberdade para limitar a certo montante, ou mesmo excluir, certas deduções específicas, que, embora relativas a despesas necessárias à obtenção do correspondente rendimento, se revelem de difícil apuramento» (Casalta Nabais, ob. cit., pág. 521) [a obra em causa é O Dever Fundamental de Pagar Impostos]. O ponto é que tais limitações ou exclusões tenham um fundamento racional adequado e se apliquem à generalidade dos rendimentos em causa.
Trata-se de opções de política fiscal que assentam numa ideia de praticabilidade, que exige ao legislador a elaboração de leis cuja aplicação e execução seja eficaz e económica ou eficiente, e que conduzam a resultados consonantes com os objetivos pretendidos. Com essa finalidade, com que se pretende também assegurar os princípios materiais da igualdade e da justiça fiscal, é constitucionalmente justificável que o legislador possa recorrer não apenas às referidas presunções legais, mas também a técnicas de tipificação e de simplificação, que permitam disciplinar certos aspetos do direito dos impostos segundo critérios de normalidade, afastando as situações atípicas ou anormais (idem, págs. 622-623).
[…] Como se deixou exposto num outro momento, o artigo 104.º, n.º 2, não institui um critério absoluto e rigoroso de tributação das empresas segundo o lucro real, apontando antes para uma aproximação tendencial entre a matéria coletável e os lucros efetivamente auferidos, sem excluir o recurso a rendimentos presumidos e a métodos indiciários”. (sublinhado nosso).
Ainda quanto ao princípio constitucional da tributação pelo rendimento real, refira-se que em nada este sai beliscado, no caso dos autos, pois que a norma constitucional introduz um elemento moderador, o advérbio «fundamentalmente» - cfr. Acórdão do STA proferido no proc. 0959/06, em 15-02-2007.
Pode assim concluir-se que a opção tomada pelo legislador no CIRC e, em particular, no artigo 69.º, encontra inscrição na margem de conformação do legislador fiscal, sendo insuscetível de fundar autónoma censura constitucional uma vez que tem o propósito de criar regras jurídicas precisas e rigorosas, adequadas ao princípio da certeza e segurança jurídica que devem igualmente nortear o legislador fiscal, e que, como tal, podem facilmente ser interpretadas e cumpridas pelo contribuinte o que, no caso em apreço, não terá sucedido.
Face a todo o exposto, nesta parte, o pedido arbitral não deve proceder. (…)”, idem F);
H) Contra esta decisão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional que decidiu não conhecer do seu objeto, vide acórdão proferido no proc.º 6/2018 e que confirmou a decisão sumária n.º 692/2007, vide os dois documentos imediatamente antecedentes do PA, sendo o primeiro de três e o segundo de nove folhas;
I) Em 14 de fevereiro de 2018 a A…………, S.A. apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRC n.º 2016 8310033116, com fundamento na inconstitucionalidade da alínea b) n.º 8 do art.º 69.º do CIRC, cfr. petição constante de fls. 3 e ss. do procedimento administrativo;
J) A petição referida no facto precedente deu origem ao PRO n.º 27202018020000202 instaurado no SF de Viseu, vide petição constante de fls. 3 e ss. do PA;
K) Em 9 de Agosto de 2018 o pedido foi liminarmente rejeitado com o fundamento de que “a apresentação de um pedido junto do Tribunal Arbitral para apreciar um ato tributário de liquidação de IRC impede a AT de proceder por via administrativa à sua revisão sendo essa a verdadeira ratio legis do n° 4 do artigo 13° do RJAT - impedir que seja apreciada por via administrativa a legalidade de um ato tributário que seja objeto de pronúncia arbitral. Assim, por maioria de razão, está vedada à Administração Tributária a revisão oficiosa do ato tributário de liquidação - atrás identificado - objeto de decisão pelo Tribunal Arbitrário [pretenderia dizer Arbitral], nos termos do artigo 78° da LGT, atento a identidade do objeto visado”, cfr. despacho de fls. 62 e proposta de decisão para efeitos de audição prévia de fls. 50 e ss. do PA;

II.2 – De Direito
I. Veio a ora Recorrente interpor recurso para este Supremo Tribunal, ao abrigo dos artigos 97.º, n.º 2 do CPPT, 26.º, alínea b) do ETAF e 144º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, da decisão do TAF de Viseu que julgou improcedente o pedido de revisão de ato tributário e de condenação à prática de ato devido de admissão por ela formulado.

II. Enquanto o Tribunal a quo ancorou a sua decisão no n.º 4 do artigo 581.º do CPC, o que determinou a absolvição da Fazenda Pública da instância, o ora Recorrente sustenta, em síntese e ao contrário do ali decidido, que “…não se formou caso julgado material quanto à questão da inconstitucionalidade da alínea b) do n.º 8 do artigo 69º do Código do IRC”.

III. Foi atribuído ao processo o valor de € 66.067,35.

IV. Impõe-se, previamente ao conhecimento da questão que é objecto do presente recurso – e em linha com a exceção de incompetência alegada pelo Ministério Público no Parecer junto aos autos – indagar acerca da competência deste Supremo Tribunal para conhecer do mesmo. E, com efeito, desde já adiantamos que este Tribunal não é competente em razão da hierarquia, impondo-se, para o efeito, recordar as condições de recurso per saltum, atento a natureza do recurso.

V. Assim, e tendo em conta o disposto no artigo 151.º do CPTA aplicado por força do disposto na alínea c) do artigo 2.º do CPPT, segundo o qual o recurso per saltum para o STA só tem lugar desde que se encontrem preenchidos os requisitos seguintes: (i) o fundamento do recurso consista apenas na violação de lei substantiva ou processual; (ii) o valor da causa, fixado segundo os critérios estabelecidos nos arts. 32.º e segs., seja superior a 500,000 de euros ou seja indeterminável (n.º 1 do art. 151.º); (iii) incida sobre decisão de mérito; (iv) o processo não verse sobre questões de funcionalismo público ou de segurança social (n.º 2 do art. 151.º) – recorde-se que este valor foi fixado pelas alterações dadas ao CPTA pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10, em vigor desde 01/12/2015, sendo o anterior valor bastante superior.

VI. Ora, perante acções que têm por objecto meios processuais comuns à jurisdição administrativa e tributária – como é nitidamente o caso, atento que estamos diante uma “acção administrativa de impugnação de ato administrativo e condenação à prática de ato devido” – são estas as condições de admissibilidade de recurso per saltum para o STA as aplicáveis, como este Supremo Tribunal já teve oportunidade de esclarecer anteriormente por diversas vezes.
Assim, por Acórdão lavrado em 1 de Fevereiro de 2017, no âmbito do Processo n.º 01131/16, foi esclarecido que: “No regime dos recursos jurisdicionais aplicável aos meios processuais comuns à jurisdição administrativa e tributária é aplicável o regime previsto no CPTA como legislação subsidiária, por força do disposto na alínea c) do art. 2.º do CPPT.”, posição esta já anteriormente vertida ipsis verbis no Acórdão proferido em 19 de Novembro de 2014, no âmbito do Processo n.º 0526/14.
Muito mais recentemente, por acórdão de 9 de Junho de 2021, teve este Supremo Tribunal ocasião de reiterar semelhante leitura, no âmbito do Processo n.º 02302/16, de cujas conclusões se retira que: “I - No regime dos recursos jurisdicionais aplicável aos meios processuais comuns à jurisdição administrativa e tributária é aplicável o regime previsto no CPTA como legislação subsidiária, por força do disposto na alínea c) do artigo 2.º do CPPT.
II - O recurso per saltum previsto no art. 151.º do CPTA só é admitido desde que se encontrem preenchidos os requisitos seguintes: (i) o fundamento do recurso consista apenas na violação de lei substantiva ou processual; (ii) o valor da causa, fixado segundo os critérios estabelecidos nos artigos 32.º e seguintes, seja superior a 500,000 (euro) ou seja indeterminável (n.º 1 do artigo 151.º); (iii) incida sobre decisão de mérito; (iv) o processo não verse sobre questões de funcionalismo público ou de segurança social (n.º 2 do artigo 151.º).
III – …
IV - A tal não obsta o disposto nos artigos 26.º e 38.º do ETAF, pois, sendo certo que a repartição de competências entre o Supremo Tribunal Administrativo e os Tribunais Centrais Administrativos, em regra, se efectua nos termos daqueles preceitos, nada obsta a que outros preceitos, contidos em diploma legal com igual posição hierárquica, regulem de modo que conduza a resultado diverso (como sucede, v.g., no artigo 151.º do CPTA, quando aplicável no contencioso tributário por remissão do n.º 2 do artigo 279.º do CPPT).

VII. Ora, no presente caso, o valor da acção é de € 66.067,35 - tal como consta da petição inicial e foi definido na sentença recorrida - pelo que fácil é de constatar que o valor da causa é muito inferior ao valor da alçada fixada para este Supremo Tribunal, impedindo o conhecimento do presente recurso por este Supremo Tribunal.
Por conseguinte, e sem mais considerações quanto às demais condições de recorribilidade da decisão per saltum que se possam eventualmente levantar in casu, impõe-se julgar procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal, em razão da hierarquia, sendo competente para tanto a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, para o qual deve o processo ser remetido

III. Conclusões
I - No regime dos recursos jurisdicionais aplicável aos meios processuais comuns à jurisdição administrativa e tributária é aplicável o regime previsto no CPTA como legislação subsidiária, por força do disposto na alínea c) do artigo 2.º do CPPT.

II - O recurso per saltum previsto no artigo 151.º do CPTA só é admitido desde que se encontrem preenchidos os requisitos seguintes: (i) o fundamento do recurso consista apenas na violação de lei substantiva ou processual; (ii) o valor da causa, fixado segundo os critérios estabelecidos nos artigos 32.º e seguintes, seja superior a 500,000 (euro) ou seja indeterminável; (iii) incida sobre decisão de mérito; (iv) o processo não verse sobre questões de funcionalismo público ou de segurança social.

IV. Decisão
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal, em razão da hierarquia, sendo competente para tanto a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, para o qual se ordena que o processo seja remetido.

Custas pelos Recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em uma UC (cfr. art. 527.º do CPC e art. 7.º, n.ºs 1, 4 e 8, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II anexa ao mesmo).


Lisboa, 10 de Novembro de 2021. – Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Anabela Ferreira Alves e Russo – José Gomes Correia.