Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:074/22.3BCLSB
Data do Acordão:09/08/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
TRIBUNAL ARBITRAL
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
Sumário:É de admitir a revista do acórdão do TCA que recusou o sancionamento de ilícito-típico disciplinar com base em alegada aplicação da lei mais favorável, quer pela relevância da questão em causa quer pelas legítimas dúvidas jurídicas que suscita.
Nº Convencional:JSTA000P29854
Nº do Documento:SA120220908074/22
Data de Entrada:07/19/2022
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:SPORTING CLUBE DE PORTUGAL - FUTEBOL, SAD E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL [FPF] vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - datado de 19.05.2022 - na parte em que ficou vencida, ou seja, na parte em que foi negado provimento à sua apelação e se absolveu o SPORTING CLUBE DE PORTUGAL - FUTEBOL SAD, mantendo-se nessa medida, embora por diferentes razões, a decisão que havia sido proferida pelo Tribunal Arbitral do Desporto no sentido de revogar a decisão de aplicação de multa, a essa SAD, por força do artigo 112º, nºs 1, 3 e 4, do RD/LPFP20 - «Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional».

Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social da questão».

A recorrida - SPORTING CLUBE DE PORTUGAL - FUTEBOL SAD - apresentou «contra-alegações» em que defende, além do mais, a «não admissão da revista» por falta de verificação dos necessários pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. No fundo, o acórdão objecto da presente pretensão de revista - do TCAS, de 19.05.2022 -, na parte em que é impugnado pela FPF, mantivera o decidido pelo acórdão aí recorrido - do TAD, de 10.02.2022 - no sentido de revogar a condenação da SAD do Sporting decretada por acórdão do Conselho de Disciplina [Secção Profissional] da FPF - de 20.07.2021 - com base na aplicação do artigo 112º, nºs 1, 3 e 4, do RD/LPFP20. E fê-lo essencialmente por aí se entender, de uma forma inovatória, e mediante uma engenharia argumentativa que passa pela «aplicação conjugada» dos artigos 112º, nº4,do RD/LPFP20, pela redacção desta norma resultante do RD/LPFP21 - alteração ratificada na Assembleia Geral Extraordinária da FPF realizada a 14.07.2021 -, pela aplicação da artigo 71º, nº4, da Lei nº27/2007, de 30.07 - na redacção da Lei nº74/2020, de 19.11 [Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido] - e pela aplicação da norma «transitória» consagrada no artigo 11º, nº2, do RD/LPFP quer na versão 20 quer na versão 21. Sendo que, desta aplicação conjugada conclui assim: Do nº2 do artigo 11º decorre que, embora a SPORTING SAD tenha praticado uma infracção disciplinar nos termos do artigo 112º, nºs 1, 3 e 4, do RD/LPFP20 - ou seja por as declarações proferidas por Miguel Braga lhe serem imputadas, dado que as mesmas foram reproduzidas e divulgadas pela sua imprensa privada [Canal Sporting TV] - a mesma não é punível, dado que, face ao prescrito no artigo 112º, nºs 1, 3 e 4, do RD/LPFP21, a respectiva conduta já não constitui infracção disciplinar. Assim sendo, cabe, em substituição, julgar procedente o recurso interposto pela SPORTING SAD perante o TAD, no segmento em que solicitou a anulação do acórdão do Conselho de Disciplina da FPF de 20.07.2021 na parte que lhe respeita, anulando tal acórdão nessa parte.

A ora recorrente - FPF - insiste em que para além da «condenação» de A………… - ……… da SAD, que foi disciplinarmente punido, com condenação confirmada pelo TCAS e de que não recorreu - também o deverá ser a entidade desportiva que divulgou pela sua imprensa privada - Sporting TV - as respectivas declarações ofensivas por ele produzidas, pois é isso que resulta do estipulado nas normas do dito artigo 112º do RD/LPFP20, e que o julgamento realizado pelo TCAS em substituição se mostra errado.

Esta «Formação» - artigo 150º, nº6, do CPTA - procedendo à apreciação preliminar sumária que lhe compete por lei, constata que o «julgamento» realizado pelo acórdão recorrido não se mostra - essencialmente - desalinhado com a jurisprudência que a respeito tem sido produzida por este tribunal de revista - ver AC STA de 26.02.2019, processo nº066/18.7BCLSB e AC STA de04.06.2020, processo nº0154/19.2BCLSB - apenas a alterando por efeito da aplicação de norma alegadamente «mais favorável» - resultante da conjugação das redacções do nº4 do artigo 112º do RD/LPFP20 e do RD/LPFP21, com os artigos 71º nº4 da «Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido» e 11º nº2 dos RD referidos.

Ora, a verdade é que esta alteração é susceptível de gerar legítimas dúvidas jurídicas, patentes na reacção da ora recorrente, e, por isso, mostra-se de toda a conveniência admitir o recurso de revista para as submeter ao crivo do STA, visando dissipá-las e esclarecê-las em ordem a uma mais certa e segura aplicação do direito num âmbito de considerável relevância social.

Deste modo, importa, neste caso, quebrar a regra da excepcionalidade do recurso de revista, e admiti-lo.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir o recurso de revista interposto.

Sem custas.

Lisboa, 8 de Setembro de 2022. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho.