Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0973/17
Data do Acordão:09/28/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22309
Nº do Documento:SA1201709280973
Data de Entrada:09/08/2017
Recorrente:A..... ASSOC DE ......................
Recorrido 1:JF DE ERMESINDE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:


I. RELATÓRIO


A………. – Associação de …………… intentou, no TAF de Penafiel, contra Junta de Freguesia de Ermesinde a presente providência cautelar pedindo a suspensão de eficácia do seu acto que decidiu atribuir, por sorteio, espaços de venda na feira de Ermesinde.

Aquele Tribunal indeferiu a requerida providência.

Decisão que o Tribunal Central Administrativo Norte manteve.

É desse acórdão que a Autora vem recorrer (150.º/1 do CPTA).

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. A Autora requereu, no TAF de Penafiel, a suspensão de eficácia do acto da Junta de Freguesia de Ermesinde que determinou a atribuição, por sorteio, de espaços de venda na feira de Ermesinde. E o TAF, depois de em despacho próprio, ter afastado a possibilidade desse acto ser suspenso em função do conteúdo da Resolução Fundamentada por esta se basear em “alegações genéricas e conclusivas, algumas das quais contraditórias e sem consideração de outras premissas” e, portanto, não ser demonstrativa que a execução do acto suspendendo fosse prejudicial para o interesse público, proferiu sentença onde conclui não se verificar o perigo de constituição de uma situação de facto consumado e da produção de prejuízos de difícil reparação. Ou seja, entendeu que não estava preenchido o pressuposto do periculum in mora.
Daí que tivesse indeferido a solicitada medida cautelar.

O TCA Norte, para onde a Autora apelou, manteve aquela decisão pela seguinte ordem de razões:
- Desde logo, porque se não verificava a alegada nulidade da sentença visto, por um lado, não ser exacta a alegação de que o requerimento de aditamento de mais cinco testemunhas não obteve qualquer resposta e, por outro, não foi por essa razão que as mesmas não foram inquiridas. Acrescia que ficou patente a desnecessidade dessa prova para a formação da convicção sumária do Julgador. Deste modo, nenhuma questão que devesse ter sido apreciada deixou de ser resolvida.
- Depois, e no tocante ao periculum in mora, considerou quea Recorrente não alegou factos susceptíveis de demonstrar o periculum in mora na vertente da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo, nem na vertente da constituição de facto consumado.“ Com efeito, “O argumento-chave da causa de pedir é este: Há lugares a sortear que estão já ocupados por feirantes.
Ora, quais os feirantes que ocupam já esses lugares e a que título o fazem? Responde-se: Verdadeiramente, não se sabe nos autos.
Não vêm identificados, nem sequer se sabe se a Requerente representa efectivamente algum dos feirantes cujo lugar (que ocupa a título ignorado por não alegado) vai ser levado a sorteio. …. Ora, não se sabendo - por não alegado ou não concretizado, nem quanto aos lugares, nem quanto à sua ocupação, nem quanto à identidade dos feirantes, nem quanto à identificação, de entre eles, se não todos, os que a Requerente representa - quais “os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal” … não poderia o Tribunal a quo concluir pela produção de prejuízos de difícil reparação para esses interesses, sem esquecer que, outrossim - mesmo na bondade da não decisividade da concreta identificação de tais interesses -, sequer alega factos que integrem minimamente o pressuposto em causa, quanto à concretização dos prejuízos de difícil reparação ou que permitam equacionar situação de facto consumado.”

3. A divergência essencial da Recorrente em relação ao Acórdão sob censura situa-se no facto deste ter confirmado o decidido no TAF relativamente à produção da prova.
Com efeito, o Acórdão sufragou a decisão Tribunal de 1.ª instância que quando este entendeu que “Atenta a natureza urgente do processo e o disposto no n.º 1 do art.º 119.º do CPTA … e entendendo o Tribunal que o processo reúne todos os elementos necessários à decisão final, indefere-se o pedido de produção de prova testemunhal requerido pelas partes pelo que não havendo lugar à produção de mais diligência de prova passaremos, de seguida à prolação da sentença.” E fê-lo por ter considerado que o articulado inicial era vago e indefinido já que não identificava os feirantes que ocupavam os lugares que iriam ser sorteados e os prejuízos que poderia advir para os mesmos daquele sorteio.
Mas não tem razão.
Com efeito, a Recorrente na petição inicial indicou os lugares que iriam ser sorteados e que os mesmos haviam sempre sido ocupados pelos mesmos feirantes, ainda que não os tenha identificado nominalmente (vd. art.ºs 11 e 14.º), que esses feirantes eram detentores de direitos de ocupação desses Iugares há vários anos (art.º 15.º), que investiram em estruturas para adequar o exercício da actividade a tais lugares (art.º16), que foi nesses Iugares que fizeram e fidelizaram a sua clientela (art.º 17), a qual compra a crédito, pelo que para esses comerciantes a perda de lugares corresponderá à perda dos seus créditos, atendendo a que a feira é o único Iugar de contacto com os clientes (art.º 18), que os clientes estão habituados e facilmente localizam os feirantes no local onde actualmente se encontram (art.º 19.º) o que deixará de suceder caso se mantenha o propósito da requerida, em levar a sorteio todos os lugares, já ocupados pelos feirantes, e não somente os lugares vagos existentes como deveria ser (art.º 20.º).
Daí que a Recorrente se queixe, e com razão, de não ter tido oportunidade de provar:
- Que os seus associados são detentores de direitos de ocupação de lugares há vários anos e investiram em estruturas para adequar o exercício da actividade aos lugares que ocupam e que foi nesses lugares que fizeram e fidelizaram a sua clientela.
- Que tal clientela compra a crédito, pelo que para alguns desses comerciantes, o sorteio de tais lugares acarretará a perda dos seus créditos, atendendo a que a feira é o único lugar de contacto com os clientes, os quais estão habituados e facilmente localizam este ou aquele feirante no local onde actualmente se encontram, acarretando assim, a realização deste concurso, graves prejuízos e danos irreparáveis aos feirantes.
- Que no sorteio a realizar irão ser atribuídos espaços de venda, que depois podem ser retirados aos sorteados (em sede de processo principal), criando atritos entre os feirantes e prejudicando a paz social.
- Que o não decretamento da requerida providência redundará em prejuízos irreparáveis para os feirantes, decorrente de uma situação de facto consumado inultrapassável.
- Que a realização do sorteio provocará danos irreversíveis, pois os feirantes perderão os seus lugares de venda e o seu meio de subsistência e a decisão final que venha a ser proferida nos presentes autos, não terá qualquer efeito útil, pois os lugares já terão sido atribuídos, por sorteio, a outros feirantes.
- Que depois será impossível reconstituir a situação anterior, pois não será admissível realizar novo concurso, os novos titulares não o permitirão.

Ou seja, a Recorrente articulou os factos suficientes para, previsivelmente, poder ver julgada procedente a sua pretensão se não tivesse sido impedida de fazer prova dos mesmos. Com efeito, é verosímil a sua tese de que foi a impossibilidade de provar tais factos que determinou o julgamento recorrido no tocante ao periculum in mora e, portanto, de provar um dos requisitos essenciais para o deferimento da sua pretensão.
E tudo indica que as instâncias não fizeram correcto julgamento quando rejeitaram a possibilidade do Requerente poder fazer a pretendida prova testemunhal uma vez que, ao contrário do foi entendido, ele tinha articulado os factos essenciais, indispensáveis ao deferimento da providência requerida.
Daí que a admissão da revista seja indispensável para uma melhor aplicação do direito.

DECISÃO.


Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.

Sem custas.

Lisboa, 28 de Setembro de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.