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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0167/11
Data do Acordão:06/22/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
ILEGITIMIDADE
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
Sumário:I - Embora o responsável subsidiário goze do direito de se opor a que a execução dos seus bens se efectue enquanto não forem penhorados e vendidos todos os bens do devedor principal (benefício da excussão), a reversão da execução fiscal contra si pode efectuar-se em momento anterior a essa venda, desde que os bens penhoráveis do devedor principal (e eventuais responsáveis solidários) sejam fundadamente insuficientes para o pagamento da dívida exequenda e acrescido (artigos 23.º n.º 2 da LGT e 153.º n.º 2 do CPPT).
II - Nos casos em que os bens penhorados ao devedor originário têm um valor pré-determinado e esse valor é inferior ao da dívida exequenda revertida é possível concluir no sentido na “fundada insuficiência”, pois que apenas neste caso é possível concluir, em momento anterior ao da venda dos bens, pela insuficiência destes para pagamento da dívida.
Nº Convencional:JSTA000P13040
Nº do Documento:SA2201106220167
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 18 de Outubro de 2010, que julgou totalmente improcedente a oposição por si deduzida à execução fiscal n.º 3565-2004/01001531 e apensos, do Serviço de Finanças de Valongo-2, Ermesinde, por dívidas de IVA dos meses de Maio, Julho e Agosto de 2002, no valor global de 9.405,73 €, contra si revertida.
O recorrente terminou as suas alegações de recurso apresentando as seguintes conclusões:
1.º Da matéria dada como provada pelo tribunal “a quo”, constante do ponto 3.1 alíneas I) a L), resulta, a existência de bens da devedora originária, a saber:
II) (…) quatro veículos automóveis (fls. 119 a 122),
L) Das diligências realizadas (…) foram penhorados direitos de crédito da executada originária, que foram aplicados no pagamento de outros processos de execução fiscal (fls. 40 e seguintes).
2.º A dívida aqui em causa é de 9.405,73€ (cf. alínea c) da matéria dada como provada).
3.º Os veículos automóveis e os direitos de crédito da executada originária penhorados seriam suficientes para o pagamento deste valor.
4.º Não consta da matéria dada como provada, que esses bens já foram vendidos, nem vem justificada pela administração fiscal a razão de os direitos de créditos da executada originária terem sido aplicados no pagamento de outros processos de execução fiscal e não no presente processo de execução fiscal.
5.º Não consta da matéria dada como provada, o cumprimento por parte da administração fiscal de imperativos legais, não tendo a administração tributária cumprido o disposto no artigo 23.º n.º 2 e n.º 4 da Lei Geral Tributária, a sentença de que se recorre, violou, por omissão, estes normativos legais.
6.º A administração tributária não provou o cumprimento dos requisitos previstos na lei, nem a inexistência ou fundada insuficiência do património da devedora originária para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.
7.º O ora recorrente não é responsável pelo pagamento da dívida, pelo facto de não estarem presentes no presente caso em concreto os pressupostos da sua responsabilidade subsidiária nos termos definidos nos artigos 23.º e 24.º da Lei Geral Tributária.
8.º Devendo assim ser considerado procedente o fundamento da parte final da alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do C.P.P.T., invocado pelo recorrente.
9.º Foi violado pelo tribunal “a quo” todos os normativos referidos na motivação e conclusões do presente recurso.
Deve assim o presente recurso ser julgado provado e procedente, e ser revogada a sentença de que se recorre, com a consequente anulação do despacho de reversão, como acto de inteira justiça.
2 - Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal não emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 - Questão a decidir
É a de saber se, no caso dos autos, se verifica o pressuposto da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários legitimante da reversão da execução contra o responsável subsidiário.
6 - Matéria de facto
Na sentença objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
A) O Serviço de Finanças de Valongo - 2, Ermesinde, instaurou contra a executada originária “B…”, o processo de execução fiscal n.º 3565-2004/01001531 por dívidas de Iva dos meses de Maio, Julho e Agosto de 2002, no valor global de 10.382,98 € (fls. 22 e seguintes) .-
B) Essas dívidas tinham como datas limite de pagamento 10/7/2002, 10/9/2002 e 10/10/2002 (fls. 23 a 25). -
C) O processo de execução fiscal foi revertido contra o oponente, pelo montante de 9.405,73€, por fundada insuficiência de bens da executada originária e por o prazo legal de pagamento das dívidas ter terminado no período do exercício do cargo de gerente do oponente (fls. 31 e 52). -
D) O oponente foi gerente da executada originária de 20/12/1991 a 12/6/2006 (fls. 73 a 79 e 105 a 118). -
E) O oponente, em representação da executada originária, assinou as declarações de alteração apresentadas no Serviço de Finanças de Valongo - 2, Ermesinde (fls. 105 a 112).
F) Nos anos de 1998, 1999 e 2003 a 2005, a executada originária pagou ao oponente rendimentos do trabalho dependente (fls. 113 e seguintes). -
G) O oponente esteve inscrito na Segurança Social como membro de órgão estatutário da executada originária de 1/9/1999 a 12/6/2006 (fls. 116 a 118). -
H) A executada originária realizou descontos para a Segurança Social em nome do oponente, de Outubro de 2002 a Junho de 2005, como membro de órgão estatutário (fls. 116 a 118);
I) O Serviço de Finanças de Valongo - 2, Ermesinde, não identificou bens susceptíveis de penhora pertencentes à executada originária, para além de quatro veículos automóveis, com as matrículas …, Fiat Fiurino DS 1.7; … Fiat 188 Van 1.3 JTD; …, Fiat Scudo 1.9 TDS; e …, Chrysler, ligeiro de passageiros (fls. 119 a 122). -
J) Estes veículos estão penhorados para garantia da quantia de 43.126,45€ (fls. 119 a 122). -
K) A administração tributária considerou que o valor desses veículos não é suficiente para garantia do pagamento dos créditos tributários (fls. 40 e seguintes). -
L) Das diligências realizadas pelo Serviço de Finanças de Valongo - 2, Ermesinde, foram penhorados direitos de crédito da executada originária, que foram aplicados no pagamento de outros processos de execução fiscal (fls. 40 e seguintes). -
M) Não foram encontrados quaisquer outros bens ou direitos susceptíveis de constituírem garantia do pagamento das dívidas exequendas (fls. 40 e seguintes).-
N) O valor das dívidas exequendas resulta de IVA autoliquidado pela executada originária, em declarações periódicas mensais remetidas aos serviços da administração tributária sem o respectivo meio de pagamento (fls. 78 e 123 a 125). -
O) O oponente foi citado para o processo de execução fiscal em 17/6/2009 (fls. 68).--
7 - Apreciando.
7.1 Da fundada insuficiência dos bens penhoráveis como pressuposto da reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário
A sentença recorrida, a fls. 141 a 145 dos autos, julgou totalmente improcedente a oposição deduzida pelo ora recorrente, por ter entendido, quanto à invocada ilegitimidade, que esta não ficou demonstrada pois o oponente não fez qualquer prova da inexistência de algum dos fundamentos da sua responsabilidade subsidiária que constavam do despacho de reversão (cfr. sentença recorrida, a fls. 145 dos autos).
Discorda do decidido quanto à ilegitimidade o recorrente, alegando que os veículos automóveis e os direitos de crédito da executada originária penhorados seriam suficientes para o pagamento do valor da dívida aqui em causa - de 9.405,73€ -, que não consta da matéria dada como provada, que esses bens já foram vendidos, nem vem justificada pela administração fiscal a razão de os direitos de créditos da executada originária terem sido aplicados no pagamento de outros processos de execução fiscal e não no presente processo de execução fiscal, como não consta da matéria dada como provada, o cumprimento por parte da administração fiscal de imperativos legais, não tendo a administração tributária cumprido o disposto no artigo 23.º n.º 2 e n.º 4 da Lei Geral Tributária, a sentença de que se recorre, violou, por omissão, estes normativos legais, pelo que, conclui, a administração tributária não provou o cumprimento dos requisitos previstos na lei, nem a inexistência ou fundada insuficiência do património da devedora originária para a satisfação da dívida exequenda e acrescido, não sendo o ora recorrente responsável pelo pagamento da dívida, pelo facto de não estarem presentes no presente caso em concreto os pressupostos da sua responsabilidade subsidiária nos termos definidos nos artigos 23.º e 24.º da Lei Geral Tributária.
Vejamos.
O único pressuposto da responsabilidade tributária subsidiária cuja verificação se discute no presente recurso é o respeitante à fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal - artigo 23.º n.º 2 da Lei Geral Tributária (LGT) - entendendo o recorrente, ao contrário do decidido, que a administração tributária não provou a inexistência ou fundada insuficiência do património da devedora originária para a satisfação da dívida exequenda e acrescido, atendendo a que o valor da dívida em causa é de 9.405,73€ (cf. alínea c) da matéria dada como provada) e que os veículos automóveis e os direitos de crédito da executada originária penhorados seriam suficientes para o pagamento deste valor, pelo que defende a sua ilegitimidade como executado (por reversão).
Dispõe o n.º 2 do artigo 23.º da LGT que: «A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão», dispondo o respectivo n.º 3 que: «Caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei».
Dispõe, por sua vez, o n.º 2 do artigo 153.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que: O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.
Resulta dos transcritos preceitos legais que, gozando embora o responsável subsidiário do direito de se opor a que a execução dos seus bens se efectue enquanto não forem penhorados e vendidos todos os bens do devedor principal (benefício da excussão), a reversão da execução fiscal contra si pode efectuar-se em momento anterior a essa venda desde que os bens penhoráveis do devedor principal (e eventuais responsáveis solidários) sejam fundadamente insuficientes para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
Entendemos, com TÂNIA MEIRELES DA CUNHA (Da Responsabilidade dos Gestores de Sociedades perante os Credores Sociais: A Culpa nas Responsabilidades Civil e Tributária, Coimbra, Almedina, Maio de 2004, pp. 102 e ss.), que apenas se deverão subsumir ao art.º 23.º, n.º 2 da LGT os casos em que os bens penhorados ao devedor originário tenham um valor predeterminado, pois que nestes casos, o montante da insuficiência é certo e determinado, sendo possível cumprir adequadamente o dever de fundamentação do despacho de reversão, tal como determinado pelo n.º 4 do artigo 23.º da LGT, mencionando, além do mais a “extensão” da sua responsabilidade (sendo que, como diz a autora que vimos citando, a extensão só é determinável quando os bens do devedor originário tenham valor predeterminado).
Também JORGE LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, volume II, 5.º edição, 2007, pp. 48/50 – nota 5 ao art. 153.º do CPPT) considera ser duvidosa, pelo menos, a constitucionalidade desta possibilidade de reversão da execução fiscal antes da excussão do património do devedor originário, fora dos casos em que é possível saber antes da liquidação qual a medida exacta da insuficiência do património do devedor originário (como nos casos em que são penhorados bens com valor pecuniário definido, como, por exemplo, dinheiro ou crédito ou cheques (cfr. op. cit., p. 50 e nota 1), daí que se entenda que a interpretação que adoptámos do n.º 2 do artigo 23.º da LGT é a que melhor serve uma interpretação conforme à Constituição.
No caso dos autos, não nos parece que a fundada insuficiência justificativa da reversão prévia à excussão do património do devedor se tenha por demonstrada, atento ao valor da dívida exequenda revertida (cfr. a alínea c) do probatório fixado), e à efectuada penhora de quatro veículos automóveis (cfr. a alínea i) do probatório) - cujo valor, não se encontra determinado nem é determinável em momento anterior à venda, razão pela qual não se tem por demonstrado o pressuposto da “fundada insuficiência” de bens do devedor originário.
É que, como se disse no acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Abril de 2005 (rec. n.º 100/05) e se consignou no respectivo sumário, apenas haverá fundada insuficiência do património do originário devedor se do probatório for possível concluir que o valor dos seus bens (quantificado) é manifestamente insuficiente para satisfação da dívida exequenda e do acrescido, o que no caso dos autos não sucede por ausência de tal quantificação.
O recurso merece, pois, provimento.
Nestes termos, haverá que dar provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a oposição deduzida, por ilegitimidade do executado.
- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, na parte em que julgou o então oponente parte legítima na execução, julgando-a, com este fundamento, procedente, declarando extinta a execução em relação ao oponente, aqui recorrente.
Custas pela recorrida, apenas em primeira instância, pois que não contra-alegou neste Supremo Tribunal.
Lisboa, 22 de Junho de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) - António Calhau - Dulce Neto.