Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01161/04.5BEVIS
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28510
Nº do Documento:SA22021111001161/04
Data de Entrada:09/22/2021
Recorrente:LACTICOOP - UNIÃO DE COOPERATIVAS DE PRODUTORES DE LEITE DE ENTRE DOURO E MONDEGO, UCRL
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório –

1 - LACTICOOP – UNIÃO COOPERATIVAS PRODUTORES DE LEITE ENTRE DOURO E MONDEGO, UCRL, com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), na redação dada pela Lei n.º 118/2019, de 17/09, interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13 de maio de 2021, na parte em que este concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra liquidação de IRC do ano de 1998 (na parte dos acréscimos à matéria coletável com fundamento na variação patrimonial positiva decorrente de perdão da uma dívida).
A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. A presente revista incide, em termos sumários – quanto aos quais se fará, adiante, a necessária alegação –, sobre a apreciação da correção ao nível do acréscimo à matéria coletável da Recorrente com fundamento na verificação de uma variação patrimonial positiva decorrente da concretização de um perdão de dívida ao abrigo do artigo 21.º do Código do IRC.
B. É inequívoca a relevância jurídica e, mais ainda, social, da apreciação em sede de recurso de revista da questão inerente à correção operada ao nível do acréscimo à matéria coletável da Recorrente com fundamento na verificação de uma variação patrimonial positiva decorrente da concretização de um alegado perdão de dívida.
C. Resulta clara a importância fundamental da análise desta questão em sede de revista, mormente em face da sua inquestionável relevância jurídica e social. À luz do que vem dito e considerada a densificação de conceitos feita nos acórdãos acima citados, é incontornável que esta é uma questão de complexidade jurídica superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas que cumpra efetuar, no contexto de um enquadramento normativo particularmente complexo e em que há, em concreto, a necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis e se exija ao intérprete e ao julgador complexas operações de natureza lógica e jurídica indispensáveis à resolução das questões suscitadas. No mesmo conspecto, impõe-se dizer que esta relevância jurídica não é meramente teórica, medida pelo exercício intelectual a incidir sobre as normas discutidas, mas antes eminentemente prática, com interesse e utilidade objetivas, no contexto concreto dos autos mas, mais ainda, no contexto do direito constituído que regulamenta a indústria financeira e este segmento em particular.
D. No caso concreto, aliás, a história do processo e duração do mesmo, tornam a decisão de que se decorre particularmente carente de revisão, porquanto, por sua via, e de uma forma que não se hesita em considerar inútil e meramente dilatório, prolonga o já inusitado tempo de pendência de uma ação de valor tão excecionalmente material e de desfecho tão particularmente decisivo para a subsistência da entidade que ao mesmo careceu de recorrer, em vista da concretização da justiça.
E. Conceda-se em que não cuidamos de um agente económico convencional, mas de uma organização cuja sobrevivência se revela de um interesse e importância fundamentais para a consistência de todo o setor, que, assim, ao ver mais uma vez protelada uma decisão definitiva sobre um caso de evidência jurídica incontornável, é, definitivamente, abalado na sua sustentabilidade.
F. Na verdade, a LACTICOOP, UCRL é uma união de 16 cooperativas agrícolas que se dedica à recolha e concentração de leite em natureza. A sua missão é contribuir para o desenvolvimento de um setor leiteiro nacional sustentável através da prossecução dos melhores padrões de eficiência técnico-económica na produção e a qualidade na recolha de leite.
G. E este é um ponto de fulcral relevância para os efeitos que aqui nos atêm: a atividade de produção de leite é um dos mais importantes sectores da agricultura e um pilar fundamental da economia e da criação de valor agrícola nas várias regiões onde a Recorrente desenvolve a sua atividade. A produção de leite desempenha um papel central no equilíbrio social e ecológico nas regiões rurais em que se insere, através da criação de emprego, da fixação de populações e da proteção e preservação da biodiversidade, das paisagens e da qualidade dos solos, contribuindo, assim, para minimizar a crescente desertificação das zonas rurais. Além da sua importância económica e social, é indiscutível a importância do leite como alimento na dieta mediterrânea pelo elevado valor nutritivo que apresenta contribuindo para um crescimento e manutenção de uma vida saudável.
H. Ora, o acórdão recorrido vem dado no âmbito de um recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, com data de 11.07.2011, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial proposta pela Lacticoop em face da liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 1998, no valor global de € 10.433.573,41. Em apreciação deste recurso, o Tribunal Central Administrativo Norte considerou que seria de declarar nula aquela decisão por esta omitir no relatório a indicação dos factos dados como não provados e por não ter efetuado uma apreciação critica da prova, com base nas normas constantes dos artigos 123.º e 125.º do CPPT.
I. No recurso que interpôs e que obteve procedência, a AT alegou que a decisão não é clara, é ambígua e superficial, o que provoca a sua nulidade ao abrigo al.b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, «…pois faz uma análise subjetiva da questão a resolver, ao defender o entendimento de que o que está em causa é a análise de “dois modelos de apreciação da realidade económica-empresarial…». Ainda que o tivesse feito de uma forma desfasada e pouco congruente, parece ser de concluir das alegações da RFP que esta pretendeu invocar, num e noutro caso, a alegada verificação da causa de nulidade tipificada na sobredita al. b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC e que vem reproduzida no também já citado artigo 123.º do CPPT, ao que terá o Tribunal acedido, na opinião da Lacticoop, erradamente.
J. Dispõem em concreto, as sobreditas normas, que a sentença é nula quando não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão –, sendo que, para este caso em concreto, relevam apenas os fundamentos de facto.
K. No entanto, no caso da sentença de primeira instância, tal alegação de nulidade é totalmente descabida, quer porque a mesma não se verifica em concreto, na medida em que o Tribunal não deixou de fazer a especificação que lhe era devida, quer porque, também em concreto, a alegada omissão na indicação dos factos, por não reportar a factos essenciais, não releva para a decisão da causa – naturalmente, só relevam para estes efeitos, os factos tidos como fundamentais.
L. A omissão invocada – e admitida pelo Tribunal Central Administrativo – só redundaria na dita nulidade se fosse absoluta e se incidisse sobre os factos fundamentais para a boa decisão do pleito.
M. A estipulação daquela não especificação dos factos na sentença como causa de nulidade é imposta pela garantia de cumprimento dos fins da própria sentença. No entanto, a lei apenas considera que se verifica tal nulidade quando esteja em causa uma situação de falta absoluta de fundamentação da decisão proferida.
N. Pelo contrário, nos casos em que essa fundamentação é meramente insuficiente ou confusa – o que, obviamente, não se consente no caso em apreço – a lei considera que a sanção a aplicar não pode ser tão gravosa, bastando-se com a mera anulabilidade da sentença por erro de julgamento da matéria de facto. Aliás, «…como também é sabido e é jurisprudência assente, a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respetivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão» (cfr.,entre outros, o ac. do STA, de 10/5/73, BMJ 228, 259; o ac. do STJ, de 8/4/75, BMJ 246, 131 e o ac. desta secção do TCA, de 20/4/99, Rec. 62.285).
O. A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade - cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140.» - cfr. o Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22/05/2007 (P.01068/06).
P. Daí que, a nosso ver e salvo o devido respeito, mereça revisão a decisão que admite a procedência da alegada nulidade da sentença, independentemente, embora, da questão de saber se a sentença errou, ou não, quanto a tal julgamento da matéria de facto. Esta decisão, tomada nestes termos, tem um efeito demolidor na esfera da aqui Recorrente, porquanto a força a manter retidas quantias – as relativas ao valor do imposto – absolutamente imprescindíveis à prossecução da respetiva atividade por uma nova série (insuportável) de anos, até à procedência do aresto que lhe puser fim.
Q. Isto significa, em bom rigor, aceder a que um preciosismo processual, relativo a elementos não essenciais ou determinantes da vontade do julgador, se sobreponha à realização da justiça na presente causa, com um menor dano possível para quem não teve alternativa senão recorrer a tribunal para ver reconhecido o seu direito à anulação de uma liquidação adicional de imposto ostensivamente ilegal.
R. Sublinhe-se com toda a veemência que estas exigências de fundamentação se reportam apenas aos factos tidos como essenciais para a análise e boa decisão da causa, o que não é definitivamente o caso dos factos referidos nas alíneas LL) – facto não controvertido e mencionado, nomeadamente, no relatório de inspeção tributária junto ao processo administrativo constante dos presentes autos – e RR) – facto definitivamente não determinante para os efeitos da qualificação jurídica dos contratos envolvidos na operação que dá causa à correção e consequente liquidação de imposto –.
S. Cabe ao Tribunal para este efeito, apenas, especificar os factos relevantes para a solução da questão de direito em apreço nos autos – cfr. o Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte, de 22/05/2007 (P. 01068/06) e, quanto a esses, não apresentam – a AT e o Tribunal Administrativo Norte – qualquer tipo de censura.
T. Posto isto, impor-se-ia à AT e ao Tribunal que concluíram pela verificação do vício de nulidade da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância que determinassem se, em concreto, os factos especificados e não especificados são cruciais para a boa decisão da causa, exercício que necessariamente conduziria a uma decisão diversa da que foi ditada.
U. Partindo destas considerações, é imperativo concluir que, não só não se verifica na sentença de primeira instância a omissão na especificação dos factos relevantes, como a invocada ausência de exame crítico das provas.
V. A concessão do Tribunal Central Administrativo a respeito da verificação deste vício chega a ser paradoxal: se, por um lado, assume que houve factos relevantes para a decisão da causa que não foram especificados, por outro, considera que a questão em ali apreço se centra, justamente, na qualificação jurídica dos contratos que estão no cerne da questão em análise (cujas cópias foram juntas aos autos pela impugnante e não impugnadas pela RFP), cuja apreciação pelo Tribunal redundou numa qualificação jurídica diversa daquela que a RFP defende.
W. É a própria AT – que, em desespero de causa, é também quem invoca o vício de nulidade acolhido pelo Tribunal Central Administrativo – quem reconhece que houve uma apreciação concreta dos ditos contratos pelo Tribunal de primeira instância – tanto é que não concorda com a qualificação jurídica dos mesmos daí resultante – e se reconhece que a questão decidenda se centra, exatamente, na qualificação jurídica dos mesmos, caem por terra os dois vícios que vêm invocados: não especificação da matéria de facto relevante e ausência de exame crítico da mesma – que, neste caso, reconhece a AT, são os contratos.
X. Note-se, aliás, que o Tribunal de primeira instância refere, justamente, que a sua decisão assenta, principalmente, na apreciação dos documentos juntos pelas partes, designadamente, dos ditos contratos de cessão de créditos e de dação em pagamento.
Y. Posto isto, a análise levada a cabo por este Tribunal e que está na base da decisão agora considerada nula assenta na análise daqueles contratos e na sua consequente qualificação jurídica – sem prejuízo da AT poder, como faz, contestar a validade da dita decisão sob a forma de erro de julgamento.
Z. Assim, não só o Tribunal de primeira instância não deixou de especificar os factos que entendeu como relevantes para a boa decisão da causa, como ainda, não deixou de os analisar de forma especificada, ao ponto de os subsumir nas normas mobilizáveis para a sua qualificação jurídica – reportamo-nos aqui, essencialmente, aos ditos contratos.
AA. Analisar em sede de revista se se deve considerar verificado o vício de nulidade assinalado com referência à decisão proferida, nos presentes autos, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, consubstancia, de forma paradigmática, a necessidade de apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental, com consequências insuportáveis para um dos setores económicos mais relevantes a nível nacional, e que, por isso, se enquadra inelutavelmente na hipótese prevista no artigo 285.º do CPPT.
BB. Pelo carácter fraturante da interpretação colhida no acórdão objeto de revista e pelos seus efeitos em termos sociais, a análise desta questão impõe-se como uma irrenunciável exigência de clarificação.
CC. Não se verifica, à luz do direito mobilizável, o vício de nulidade da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, uma vez que não estão, de facto, verificados todos os seus pressupostos. Desde logo, conforme referido, encontram-se explicitados e devidamente fundamentados todos os factos considerados essenciais à boa aplicação do direito, não se achando por revelar qualquer outro a que devesse ter que ser dada atenção em ordem à realização plena da justiça no caso vertente.
DD. Na verdade, ao contrário do que parece resultar do acórdão do Tribunal Central Administrativo, o Tribunal de primeira instância centrou e delimitou devidamente as questões a apreciar, nomeadamente, no que concerne à correta qualificação jurídica dos contratos em análise nos autos e, por essa via, à correta aplicação das normas tributárias a mobilizar em concreto.
EE. Do que se disse no ponto anterior resulta que o efeito prático-económico visado pelas partes com o contrato de 30.9.1998 foi, claramente, obter a exoneração da A............, S. A., relativamente à dívida que tinha para com a Lacticoop SGPS, por via da compensação com o crédito que, por sua vez, detinha sobre a Lacticoop UCRL. Mas terá a estruturação jurídica do negócio envolvido um perdão de dívida, ou terá antes ocorrido um fenómeno de transmissão de obrigações, sem extinção da dívida originária mas com mera modificação da pessoa do credor (ou do devedor)?
FF. A qualificação jurídica do contratos celebrados resulta, uma vez mais, dos termos em que os mesmos foram celebrados, não existindo qualquer dúvida, em concreto, sobre o que terá acontecido à dívida da Lacticoop UCRL perante a A............, S. A.: dos acordos celebrados resulta evidente que a dívida não foi perdoada por esta última, como sustenta a AT, tendo ocorrido, pelo contrário, um incontroverso fenómeno de transmissão ou transformação da obrigação pré-existente.
GG. Parece manifesto que as características da remissão não estão presentes no acordo de compensação de saldos nem nos efeitos que lhe estão associados – e que, para tal conclusão, não teriam sido necessários outros factos além daqueles que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro considerou como provados nos presentes autos –.
HH. Naturalmente que o contrato em causa é complexo e gera efeitos que estão muito para além da extinção do crédito da A............, S. A., sobre a Lacticoop UCRL, mas é possível, apenas a partir da sua análise e com os esclarecimentos prestados pelas testemunhas, resolver as questões decidendas que vinham colocadas ao Tribunal e concluir nos mesmos termos que este concluiu.
II. Uma coisa é certa, da sua análise resulta completamente clarividente que não existe qualquer perdão de dívida e, mais, que a extinção do crédito da A............, S. A. não é acompanhada de correlativa extinção da dívida da Lacticoop UCRL.
JJ. Por um lado, não ocorre qualquer remissão abdicativa do crédito por parte da A............, S. A.. Esta em momento algum se demitiu do seu crédito sem contrapartida, mas antes satisfez o interesse correspondente através da mobilização desse crédito, no quadro do acordo celebrado, para obter a extinção da sua dívida perante a Lacticoop SGPS. A A............, S. A., não rejeitou o crédito sobre a Lacticoop UCRL nem se emitiu dele ou de o fazer valer. Pelo contrário, usou esse crédito para obter a liberação de uma dívida à Lacticoop SGPS.
KK. Por outro lado, a dívida da Lacticoop UCRL não se extinguiu, ou pelo menos não se extinguiu sem que, concomitantemente, a Lacticoop UCRL se tivesse constituído devedora da Lacticoop SGPS por um valor correspondente (ligeiramente superior, até, em resultado da igualação efetuada pela A............, S. A.). Seja porque é a mesma dívida que, em resultado da cessão do crédito em pagamento feita pela A............, S. A. à Lacticoop SGPS, passou a ter sujeito ativo distinto, seja porque a dívida se extinguiu mas em contrapartida da assunção de dívida equivalente, a verdade é que não pode afirmar-se que a Lacticoop UCRL se tenha livrado desse débito ou que tenha conseguido essa liberação sem contraprestação.
LL. A mera observação da realidade económica do negócio, que acima se procurou pôr em destaque e que resulta convenientemente exposto na fundamentação da decisão de primeira instância sobre que se refere o vício de nulidade agora declarado, mostra-nos — e isto é de extrema importância para este ponto —, não obstante, de forma absolutamente transparente, que não decorreu do acordo de compensação de saldos nenhum avantajamento patrimonial da Lacticoop UCRL.
O montante que ela devia antes continuou a dever depois, embora a um credor distinto. E as características da dívida também não se alteraram.
MM. Rejeitada a hipótese do perdão de dívida, restava apenas caracterizar o negócio celebrado e identificar os efeitos dele decorrentes.
NN. Numa perspetiva económica ou finalística, ocorreu uma cessão do crédito da A............, S. A. à Lacticoop SGPS, que é feita em cumprimento da dívida daquela para com esta última.
OO. No acordo de compensação de saldos de 30.9.1998, o que parece fundamental, não obstante a já assinalada imprecisão terminológica, é a vontade de compensação entre créditos e de, por essa via, obter a exoneração da A............,S.A.. Quando as partes declaram pretenderem que “o saldo em dívida da A............ à LACTICOOP – SGPS seja utilizado para compensação da dívida da LACTICOOP à A............”, o sentido de tal declaração não pode ser outro senão o de o pivot dessa operação, que é a A............, S. A. (única simultaneamente credora e devedora), anular essas duas posições de sinal contrário e valor substancialmente equivalente oferecendo ao seu credor, a Lacticoop SGPS, em lugar do pagamento, o crédito que detinha sobre a Lacticoop UCRL.
PP. O que este contrato prevê é que se compensem as duas dívidas — o que, tendo em conta que a A............, S. A. era devedora de uma e credora da outra, só pode significar que a segunda é utilizada para obter a exoneração da primeira — e que, em resultado disso, a A............, S. A., deixe de dever à Lacticoop SGPS e a Lacticoop UCRL deixe de dever à A............, S. A., mas, neste último caso, passando a mesma Lacticoop UCRL a dever à Lacticoop SGPS em resultado desta compensação de dívidas (cfr. a cláusula 4ª).
QQ. O que mostra que, na economia deste acordo, a exoneração da A............, S. A. é conseguida à custa da cessão do seu crédito sobre a Lacticoop UCRL (e do pagamento a esta última do valor residual da diferença entre os dois créditos), ou seja, do oferecimento desse crédito em cumprimento da sua obrigação.
RR. E mais: o acordo revela também que a Lacticoop SGPS aceitou que a dação do crédito tivesse eficácia imediatamente liberatória da A............, S. A. — isso mesmo é o que resulta, sem mais, do facto de a Lacticoop SGPS dar, desde logo, quitação à A............, S. A., do valor da dívida.
SS. Afigura-se, pois, que na falada compensação entre dívidas se deve ver a dação em pagamento, pela A............, S. A., à Lacticoop SGPS, do crédito que detinha sobre a Lacticoop UCRL, dação essa que, em desvio à presunção do artigo 840º, n.º 2, do Código Civil, foi feita com eficácia imediatamente liberatória.
TT. A dívida da Lacticoop UCRL não se extinguiu, por conseguinte, em resultado desta operação, mas apenas sofreu uma alteração de sujeito ativo que, por efeito da cessão do crédito, passou a ser a Lacticoop SGPS.
UU. Por isso, nunca – em nenhuma circunstância – estaria em causa qualquer remissão de dívida, mas, quando muito, a substituição de uma dívida por uma nova, com mudança do credor. Tal como aponta MENEZES CORDEIRO, citando DERNBURG, na novação há extinção de uma dívida e constituição de uma outra nova, mas, do ponto de vista económico, ocorre transformação da obrigação. Ou seja, continuaríamos, mesmo que de novação se tratasse, completamente arredados de qualquer semelhança com a demissão de um crédito que é própria do perdão de dívida.
VV. Também se se vir na compensação de saldos uma assunção de dívida pela Lacticoop UCRL, com extinção da sua dívida à A............, S. A., esta exoneração não pode assimilar-se a uma remissão de dívida. A Lacticoop UCRL deixa de dever à A............, S. A., porque passa a dever à Lacticoop SGPS.
WW. Bem andou, por isso, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro ao concluir não se verificar a variação patrimonial positiva propugnada pela AT (por alegado perdão de dívida) unicamente com base nos elementos que teve em conta para assim concluir e nos factos que expressamente considerou provados, com base na fundamentação – também ela suficiente – do seu juízo de oportunidade a seu respeito.
XX. Partindo da análise jurídica dos acordos estabelecidos com a ora Recorrente e analisando, como se impunha, a natureza e os efeitos económicos de tais acordos, não podia o Tribunal de primeira instância – qualquer que fossem os demais factos que tivesse considerado provados ou não provados – ter atingido outra conclusão que não esta.
YY. Por conseguinte, tecidas as considerações expostas, nada há a apontar àquela decisão (de primeira instância) em matéria de julgamento de facto e de direito, não procedendo assim, por maioria de razão e como se depreende, a declarada nulidade da sentença ou, bem assim, agora a talho de foice, qualquer outro vício, designadamente, o de anulabilidade por erro de julgamento, razão pela qual se impõe a procedência do presente recurso de revista.
TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EXAS. QUE ADMITAM O PRESENTE RECURSO DE REVISTA E QUE O JULGUEM PROCEDENTE, DETERMINANDO A REVOGAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO, PROFERINDO-SE NOVO ACÓRDÃO QUE, NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS JÁ INVOCADOS, JULGUE TOTALMENTE PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
ASSIM SE FAZENDO, JUSTIÇA!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta junto deste Supremo Tribunal não emitiu parecer sobre a admissibilidade da revista.

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão recorrido (fls. 14 a 21 da respetiva numeração autónoma).

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação -

5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O acórdão do TCA Norte sindicado, no que à questão em relação à qual a recorrente solicita revista respeita - apreciação da correção ao nível do acréscimo à matéria coletável da Recorrente com fundamento na verificação de uma variação patrimonial positiva decorrente da concretização de um perdão de dívida ao abrigo do artigo 21.º do Código do IRC (conclusão A) das alegações de recurso) -, deu provimento ao recurso da Fazenda Pública quanto à alegada verificação de nulidade da sentença do TAF de Aveiro, fundamentando o decidido nos seguintes termos (fls. 26 a 31 do acórdão)
«A Fazenda Pública começa por alegar que a sentença em crise é nula por (i) omitir a indicação dos factos não provados e não efetuar a apreciação crítica da prova, por (ii) omissão de pronúncia, já que não formulou corretamente a questão jurídica a resolver – concretamente a qualificação jurídica dos factos, e por (iii) não justificar os fundamentos de facto e de direito.
Como já decidiu esta secção, no acórdão de 25.05.2016, proc. 00724/04.3BEVIS:
«O dever de fundamentação tem assento constitucional (art. 205º/1 da Constituição), e constitui mesmo uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira in CRP anotada, II, 527).
O cumprimento do dever de fundamentação/motivação da sentença contribui «…para a sua eficácia, pela via da persuasão dos respectivos destinatários e da comunidade jurídica em geral, (ii) consinta às partes e aos tribunais de recurso, fazer reexame do processo lógico ou racional subjacente à decisão, e (iii) constitua um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere), nessa medida se configurando como garantia do respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões (Ac. do TRE n.º 368/12.6GBLLE.E1 de 13- 05-2014 (Relator: ANTÓNIO CLEMENTE LIMA)
Seguindo Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, II, 2011, pp. 357 e segs. «Relativamente à matéria de facto, esta nulidade abrange não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo n.º 2 do art.º 123º do CPPT, como a falta do exame crítico das provas, previsto no n.º 3 do art. 659º do CPC. Como vem entendendo uniformemente o STA só se verifica tal nulidade quando ocorra falta absoluta de fundamentação…» (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra n.º 151/10.3GBPBL.C1 de 29-06-2011 Relator: JORGE DIAS Sumário: 1.- O exame crítico das provas tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo; 2.- Assim a exigência normativa do exame crítico das provas torna insuficiente a referência àquilo em que o tribunal se baseou, tornando-se necessário saber o porquê, a razão de ser da formação da convicção do tribunal).
Como se cumpre.
Como também refere Jorge Lopes de Sousa (In CPPT, II, 2011, pp. 321 e 322), o cumprimento do dever de fundamentação segue determinado paradigma.
«A fundamentação da sentença, no que concerne à fixação da matéria de facto, é exigida pelo n.º 2 do art. 123. do CPPT. Essa fundamentação deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro. A fundamentação da sentença visa primacialmente impor ao juiz reflexão e apreciação crítica da coerência da decisão, permitir às partes impugnar a decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correcção ou incorrecção.
Mas, à semelhança do que sucede com a fundamentação dos actos administrativos, a fundamentação da sentença tem também efeitos exteriores ao processo assegurando a transparência da actividade jurisdicional.
Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto.
Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Mas, quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos relativamente aos quais essa apreciação seja necessária» (sublinhado nosso).
Procedendo ao exame crítico da prova, o juiz deve esclarecer quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma. Deve indicar os fundamentos suficientes para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (Miguel Teixeira de Sousa in, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 348).
E no caso de haver elementos probatórios divergentes, deve explicar (fundamentar) as razões porque deu prevalência a uns sobre os outros.
O exame crítico da prova não precisa de ser exaustivo. Nem se conhecem fórmulas seguras para a sua explicitação que necessariamente variará em função, designadamente, do maior ou menor poder de síntese do julgador e da sua capacidade para articular os depoimentos e restantes meios de prova, retirando deles o que de relevante e essencial levou à sua convicção.
Mas algumas notas constituem orientação segura.
Assim, salienta Miguel Teixeira de Sousa, (op. cit pág. 348). “a fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente por cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostrarem inconclusivos e terminar com referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção…”
Importante é que, tendo presente o dever de fundamentação e os objectivos que a mesmo visa alcançar, o julgador se empenhe na sua explicitação e não se escude em fórmulas vazias destituídas de qualquer densidade que nada dizem e por isso nada fundamentam.
Através da fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente. (…)».
A falta de exame crítico da prova configura uma causa de nulidade da sentença, porquanto a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC e no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, mas também a falta de exame crítico da prova, requisito igualmente exigido no artigo 607.º, n.º 4, do CPC (cfr.Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág. 358; ac.S.T.A-2ª.Secção, 12/2/2003, rec.1850/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/11/2015, proc.8773/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/12/2015, proc.6439/13).
A fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, quando a mesma se mostre necessária, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro.

Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa.
Sucede que, como vem sendo uniformemente entendido, a nulidade em causa apenas opera quando a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade.
Descendo ao caso em análise, temos que a sentença recorrida omite qualquer referência a factos não provados, sequer para afirmar, sendo caso disso, que, com relevância para a decisão a proferir, os mesmos não existiam.
Por outro lado, a sentença recorrida também omite totalmente a indicação dos factos julgados provados com base na prova testemunhal, bem como a identificação dos concretos depoimentos que relevaram para a formação da convicção do juiz relativamente a cada um desses factos. E, assim sendo, também temos de conceder que a sentença recorrida não contém a apreciação crítica da prova que lhe é exigível.
E, no caso vertente, tal apreciação crítica era necessária, dado que a Fazenda Pública recorre igualmente do julgamento da matéria de facto, especificamente quanto aos pontos LL) e RR) do probatório, sendo que nem toda a matéria neles vertida resulta dos documentos juntos aos autos. Assim, devendo admitir-se que parte daqueles factos resulta da prova testemunhal produzida, impera conhecer quais os depoimentos com base nos quais a Meritíssima Juíza a quo formulou a sua convicção, sabendo-se (somente) que esta “resulta de um juízo sobre os documentos juntos, principalmente, e dos depoimentos das testemunhas ouvidas, credíveis, apesar do entusiasmo que puseram no depoimento”.
Temos, então, que a apontada omissão de apreciação crítica da prova testemunhal impede a reapreciação da matéria de facto em 2.ª instância (a qual seria necessária para apreciar o recurso da Fazenda Pública quanto ao erro de julgamento de facto), sendo certo que, aqui, não há que fazer novo julgamento de facto.
Concluímos, pois, que a sentença recorrida enferma da nulidade agora analisada, a qual determina a declaração da sua nulidade, na parte em que vem recorrida pela Fazenda Pública, devendo os autos baixar à 1.ª instância para ser proferida nova decisão (quanto à questão da variação patrimonial positiva decorrente do alegado perdão de dívida), isenta dos apontados vícios, se a tanto nada obstar.
Esta declaração de nulidade é apenas parcial porquanto o vício que a determina em nada afeta a parte da sentença não recorrida pela Fazenda Pública, cujo julgamento assentou em prova documental, para a qual não se justificava uma apreciação crítica da prova, tendo em conta o seu valor objetivo.
Isto posto, deve ser provido o recurso interposto pela Fazenda Pública, restando prejudicado o conhecimento dos demais vícios por ela imputados à sentença recorrida.» (fim de citação; destacados nossos).
Alega a recorrente que é inequívoca a relevância jurídica e, mais ainda, social, da apreciação em sede de recurso de revista da questão inerente à correção operada ao nível do acréscimo à matéria coletável da Recorrente com fundamento na verificação de uma variação patrimonial positiva decorrente da concretização de um alegado perdão de dívida e que resulta clara a importância fundamental da análise desta questão em sede de revista, mormente em face da sua inquestionável relevância jurídica e social (…), é incontornável que esta é uma questão de complexidade jurídica superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas que cumpra efetuar, no contexto de um enquadramento normativo particularmente complexo e em que há, em concreto, a necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis e se exija ao intérprete e ao julgador complexas operações de natureza lógica e jurídica indispensáveis à resolução das questões suscitadas. No mesmo conspecto, impõe-se dizer que esta relevância jurídica não é meramente teórica, medida pelo exercício intelectual a incidir sobre as normas discutidas, mas antes eminentemente prática, com interesse e utilidade objetivas, no contexto concreto dos autos mas, mais ainda, no contexto do direito constituído que regulamenta a indústria financeira e este segmento em particular (conclusões B) e C) das suas alegações de recurso).
Resulta à evidência do transcrito trecho do acórdão sindicado - e a recorrente não deixa de o reconhecer na parte final das suas alegações -, que a questão, alegadamente complexa e socialmente relevante – a apreciação da correção ao nível do acréscimo à matéria coletável da Recorrente com fundamento na verificação de uma variação patrimonial positiva decorrente da concretização de um perdão de dívida ao abrigo do artigo 21.º do Código do IRC -, não foi objecto de pronúncia de mérito pelo TCA, pelo nunca poderia ser objecto do recurso. O TCA entendeu - não sendo este seu entendimento ostensivamente errado ou juridicamente insustentável, a justificar a admissão da revista “para melhor aplicação do direito” -, - que, para poder apreciar o recurso da Fazenda Pública quanto a essa questão, recurso esse que incidia também sobre matéria de facto -, necessário era que a primeira instância tivesse procedido à apreciação crítica da prova testemunhal e que a omissão de apreciação crítica da prova testemunhal impede a reapreciação da matéria de facto em 2.ª instância (a qual seria necessária para apreciar o recurso da Fazenda Pública quanto ao erro de julgamento de facto), sendo certo que aqui, não há que fazer novo julgamento de facto (cfr. fls. 30 do acórdão). E também não se concede que a questão de saber se foi ou não feito o exame crítico da prova pela 1.ª instância seja particularmente complexa, estando justificado no acórdão a razão pela qual o TCA não pôde apreciá-la, nos termos em que foi decidida e incidindo o recurso da Fazenda também sobre matéria de facto.
Compreende-se, claro está, o desalento da recorrente com a baixa do processo à primeira instância, tantos anos volvidos desde a data na instauração da impugnação, acrescidos de quase uma década de espera entre a decisão de 1.ª instância e a decisão do recurso no TCA, a expressividade dos valores em causa e a natureza das actividades prosseguidas pela recorrente.
Muito nos entristece e penaliza que a justiça tributária tanto tarde, em prejuízo de todos e do prestígio da jurisdição.
A admissão da revista em nada contribui, porém, para remediar esta situação, pois que o TCA Norte julgou não estar em condições de apreciar o recurso que lhe foi dirigido, numa decisão plenamente plausível, este STA tem poderes de cognição limitados à matéria de Direito, aplicando aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (…) o regime jurídico que julgue adequado (cfr. o n.º 3 do artigo 285.º do CPPT) e, por imposição legal (cfr. o n.º 4 do art. 285.º do CPPT), o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que não é o caso.

A revista não será, pois, admitida.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.


Custas do incidente pela recorrente.

Lisboa, 10 de Novembro de 2021. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.