Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01006/18.9BELRA
Data do Acordão:11/21/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:TRANSFERÊNCIA DE FARMÁCIA
PORTARIA
PEDIDO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25183
Nº do Documento:SA12019112101006/18
Data de Entrada:10/21/2019
Recorrente:INFARMED - AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, IP
Recorrido 1:FARMÁCIA A.........., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

1. RELATÓRIO

FARMÁCIA A………….., LDA, titular do NIPC …………, devidamente identificada nos autos, intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAF), o presente processo cautelar (depois convertido nos termos do art. 121º do CPTA) contra o INFARMED – Autoridade do Medicamento e Produtos de Saúde, IP (“INFARMED”), com sede no Parque de Saúde de Lisboa, indicando como contra-interessado, B………….., com domicílio profissional no …………, em Torres Novas, pedindo “ i) A suspensão da eficácia da decisão pela qual o INFARMED determinou a suspensão do procedimento de transferência da farmácia da requerente; ii) No processo principal, a anulação desse mesmo ato administrativo, a condenação da E.D. a retomar o procedimento iniciado pela requerente e a declarar a aptidão da localização da nova farmácia”.
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Por sentença do TAF de Leiria, proferida em 02 de Janeiro de 2018 foi julgada a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolvidos os demandados dos pedidos.
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O Autor apelou para o TCA Sul e este, por acórdão proferido em de 06 de Junho de 2019, concedeu parcial provimento ao recurso, revogou sentença e, em substituição do TAF de Leiria, anulou o acto administrativo de 14.08.2018 e condenou o INFARMED a retomar no prazo máximo de dez dias o procedimento iniciado pela ora requerente de modo a decidi-lo antes de decidir o procedimento iniciado pelo contra-interessado.
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O INFARMED, inconformado, veio interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
«1.ª Nos termos do artigo 150º/1 do CPTA verifica-se a pertinência na admissão do presente recurso de revista, pela sua relevância jurídica e social.
2.ª A relevância jurídica do presente recurso consubstancia-se na circunstância de ser necessária uma melhor interpretação jurídica da decisão tomada pelo douto Tribunal a quo, porquanto, e com o devido respeito, afigura-se que a mesma está viciada.
3.ª De facto, a decisão tomada pelo TCA Sul é contrária e viola diversos princípios gerais da atividade administrativa previstos no CPA e consagrados na Lei Fundamental, além de violar o sentido e inutilizar a ratio legis artº 20º da Portaria 352/2012.
4.ª A relevância jurídica do presente recurso é também evidente pelo facto de haver uma diametral oposição entre as decisões jurídicas tomadas em 1ª e 2ª instância no presente processo, sendo que não se afigura que alguma esteja grosseiramente errada.
5.ª Acresce que este Supremo Tribunal nunca se pronunciou sobre esta matéria, pelo que este é momento indicado para esclarecer a questão jurídica objeto deste recurso.
6.ª Por outro lado, a admissão do presente recurso reveste de uma evidente relevância social, na medida em que a decisão tomada pelo TCA Sul coloca manifestamente em causa a leal concorrência entre as farmácias de oficina.
7.ª É que, a concorrência entre farmácias é tão forte que não surpreenderia que houvesse “reserva” de locais para transferência de farmácia através da interposição de pedidos incompletos nos termos do artigo 20º da Portaria 352/2012.
8.ª Assim, e considerando que, nos termos do artigo 2º do DL 307/2007, as farmácias de oficina “prosseguem uma atividade de saúde e de interesse público”, é evidente a relevância social deste recurso para clarificar uma questão que pode colocar em causa a normal e saudável concorrência das farmácias de oficina.
9.ª A matéria relativa aos pedidos conflituantes não está expressamente regulamentada na legislação em vigor, isto é na Portaria 352/2012.
10.ª Sendo que, o CPA, na parte relativa ao procedimento de atos administrativos também não clarifica a atuação a tomar, tendo em conta que em parte alguma existe uma regra que considere a particularidade dos pedidos de transferência das farmácias de oficina.
11.ª É que, quando um proprietário de uma farmácia requer a transferência de localização da sua farmácia para outro local, automaticamente faz uma “reserva” desse local e de todo o espaço à sua volta num raio de 350 metros.
12.ª Desta forma, não havendo regulação direta dos pedidos conflituantes de transferências de farmácias, a sua análise tem de ser efetuada com recurso aos princípios gerais da atividade administrativa.
13.ª Assim, e em função dos princípios da justiça e razoabilidade, da imparcialidade, da boa-fé e da proporcionalidade, ter-se-á de considerar que não é legítimo um requerimento de transferência de farmácia incompleto para um local sobreponível, ter procedência sobre um requerimento posterior devidamente instruído nos termos do artigo 20º da Portaria 352/2012.
14.ª Isto porque, poderíamos estar a admitir uma solução que iria favorecer uma possibilidade de fraude à lei, em que os sujeitos apresentariam pedidos sem dispor de toda a documentação para garantir a “reserva” de um determinado local enquanto ganhava tempo para instruir corretamente o seu pedido.
15.ª Sendo que, a solução alegada na conclusão anterior seria em si contrária ao interesse público consubstanciado na concorrência saudável e leal entre farmácias – de forma a garantir a proliferação daqueles estabelecimentos pelo território e pela população – o que, seria também violador do princípio da prossecução do interesse público.
16.ª Contra o que se acabou de concluir, não se diga que resulta solução diferente do artigo 105º do CPA, porquanto aquele código visa apenas ser uma lei geral que não tem em consideração as especificidades de cada setor e de cada relação jus-administrativa».
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A recorrida, Farmácia A…………, contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
«a) Ao contrário do que pretende o recorrente, o presente recurso de revista excecional deve ser rejeitado liminarmente por não se verificarem as referidas condições de admissibilidade do mesmo.
b) Na verdade, além de não satisfazer os requisitos de admissibilidade legal do recurso de revista, o recorrente ancora os fundamentos não na violação de lei substantiva ou processual, mas, numa realidade que adrede cria de modo a invadir a área reservada de conformação do legislador.
c) Por outro lado, e antes do mais, é de referir que a argumentação do recorrente é ipsis verbis a que havia apresentado junto do tribunal a quo, o que conduz à inadmissibilidade do recurso.
d) Na verdade, o recorrente faz assentar o seu discurso recursivo em dois quadros fatuais que sabe não serem verdadeiros, não tendo, de resto, feito qualquer esboço de prova dos mesmos.
e) O primeiro dos quadros fácticos que o recorrente sabe que se não verifica é o de que a recorrida tenha requerido o licenciamento do estabelecimento «apenas» “para guardar lugar”, quando facilmente se percebe que não foi isso que aconteceu, pois se comprou as lojas e realizou os inerentes estudos e obras é porque pretende, como sempre pretendeu, instalar o estabelecimento nos exatos termos em que o requereu.
f) O segundo quadro fáctico que o recorrente sabe outrossim não ser verdadeiro, nem sequer produziu qualquer prova disso, é o de que o requerimento do contra interessado estava corretamente instruído, quando sabe que isso não é verdade, pois a 21.05.2018 estava a solicitar elementos adicionais.
g) Ainda que a concorrência entre farmácias seja forte, não se percebe como é que o recorrente hipnotiza para a situação dos autos uma eventual “tentativa de reserva de lugar”, quando o que é cristalino é que, o que a recorrida pretende, como sempre pretendeu, é o licenciamento do seu estabelecimento que não só preenche os requisitos formais e materiais, como para o qual efetuou avultados investimentos.
h) A decisão recorrida em nada bole ou interfere com a qualidade ou rigor do serviço que as farmácias prestam aos utentes ou clientes, carecendo, ao fim e ao cabo, de um fio condutor lógico e racional tal asserção.
i) Contrariamente ao alegado não se vê que seja manifesta a relevância jurídica da questão, tanto mais que não se vislumbram contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que tenha particular repercussão na comunidade.
j) Ou seja, o litígio sub judice, não extravasa as próprias partes e por isso mesmo é que o recorrente não cita, em abono das suas estranhas conjeturas, um único caso em que, assentando numa idêntica base fatual, a decisão, necessariamente jurisdicional, tenha sido contrária à perfilada no acórdão recorrido.
k) O recorrente não indica acórdãos quer deste STA quer das instâncias – porque não os há – que tenham perfilado decisões contrárias à decisão recorrida e que justifiquem a intervenção do Supremo para fazer cessar eventuais divergências.
l) Ainda assim, sublinhe-se que o recorrente ancora a sua esdrúxula pretensão num quadro fáctico que sabe não ser verdadeiro – “Isto porque, não é legítimo que fique precludido o direito de transferência de farmácia com base num pedido incompleto, existindo outro particular que dispõe de toda a documentação.”.
m) Ademais, a deliberação foi unânime entre os venerandos juízes desembargadores e, como se vê, “está fundamentada num discurso lógico, coerente e plausível, pelo que tudo indica ser esta revista desnecessária para uma melhor aplicação do direito.” – Ac. do STA de 07.06.2019, processo n.º 0606/18 in www.dgsi.pt
n) Ex adverso, a “solução” preconizada pelo recorrente, a ser adotada, o que, de todo, não se espera, lança um manto de suspeição sobre o comportamento da Administração, posto que facilmente se considera um processo mal instruído, e, assim, legitimar-se-iam procedimentos de facilitismos e clientelas, o mesmo é dizer violar os princípios fundamentais e estruturantes da atividade administrativa de um Estado de Direito de que hodiernamente tanto se fala.
o) Isto, claro, sem deixar de sublinhar que a pouco comum pretensão do recorrente não tem o mínimo acolhimento na letra da lei nem em qualquer das formas da sua interpretação.
p) O recurso de revista, deve, pois, ser rejeitado por inadmissibilidade legal, ou, quando assim se não entenda, deve naufragar por manifestamente improcedente».
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O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artº 150º do CPTA], proferido em 27 de Setembro de 2019.
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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artº 146º, nº 1 do CPTA não emitiu pronúncia.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto assente nos autos, é a seguinte:
«1. A autora é proprietária do estabelecimento de farmácia designado por “Farmácia A………..”, titular do alvará nº …………. - cf. cópia do alvará, junto com o RI como Doc. 1.
2. Por requerimento apresentado no portal do INFARMED no dia 11.05.2018, a autora, através da sua sócia C………………, solicitou autorização para a transferência da localização da farmácia identificada em “1.“- cf. doc. 2 junto com o RI e acordo.
3. O pedido de transferência de localização decorre exclusivamente de forma electrónica no ‘Portal Licenciamento” da entidade demandada INFARMED, sendo atribuído o nome de utilizador e a respectiva senha de acesso - cf. doc. 3 junto com o RI e acordo.
4. No referido portal, é possível aceder à página de pedidos, na qual, além dos dados de identificação do requerente e do tipo de pedido, sob o título “Documentos obrigatórios”, constam os seguintes campos destinados à submissão de documentos: (i) Memória Descritiva; (ii) Declaração OF Diretor Técnico; (iii) Planta de Localização; (iv) Requerimento; (v) ped requerente.tipo.documento.certidão distancias; (vi) Demonstração de critérios; (vii) Quadro farmacêutico; e (viii) Registo Criminal Diretor Técnico - cf. doc. 4 junto com o RI.
5. Do portal identificado em “3" mais constam formulários, minutas e informação relativa aos documentos que obrigatoriamente devem acompanhar o pedido de transferência de localização da farmácia - cf. docs. 1 e 2 juntos com a contestação do contra-interessado.
6. Do portal identificado em “3" consta ainda aviso com o seguinte teor:
"O pedido ao INFARMED, I.P. deve ser instruído com toda a documentação prevista na legislação aplicável, uma vez que a falta de algum dos documentos legalmente exigidos, aquando da entrada do pedido, é motivo para indeferimento do mesmo - cf. doc. 2 junto com a contestação do contra-interessado.
7. Em 11.05.2018. a autora carregou na plataforma identificada em “3” os documentos identificados como Declaração OF Diretor Técnico; Quadro farmacêutico; Demonstração de critérios; Registo criminal do diretor técnico; ped. requerente.tipo.documento.certidão.distâncias; Planta de Localização; Memória descritiva e Requerimento transferência- cf. docs. 4 a 12 junto com o RI. cujo teor se dá por reproduzido.
8. Em 19.05.2018 o contra-interessado deu entrada, junto da entidade demandada, de um pedido de transferência de farmácia da sua propriedade para localização que dista menos de 350 metros do local pretendido pela autora.- cf. acordo.
9. Através da plataforma identificada em “3”, a autora recebeu, no dia 21.05.2018, mensagem da entidade demandada com o seguinte teor:
"Solicita-se a V. Exª. o envio da seguinte documentação: Fotocópia do contrato de sociedade e certidão do registo comercial; Informação adequada à avaliação do cumprimento do critério de salvaguarda da acessibilidade das populações aos medicamentos e sua comodidade (...); Declaração da Ordem dos Farmacêuticos da respectiva inscrição, bem como certidão do registo criminal da Dra. D…………..; Planta e memória descritiva do edifício ou fracção para onde se pretende a transferência, incluindo a descrição das instalações das divisões e respectivas áreas (...). Para o efeito acima referido dispõe V. Exª. de um prazo de 10 dias úteis a contar da recepção da presente, sob pena de indeferimento do pedido (...)" - cf. doc. 12 junto com o RI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10. No dia 22.05.2018 a autora carregou na plataforma identificada em “3" os documentos identificados como Planta e Memória descritiva; Salvaguarda Acessibilidade; Certidão Permanente; Contrato da Sociedade; Registo Criminal D………..; Declaração OF D…………. - cf. docs. 13 a 19 juntos com o RI.
11. Através da plataforma identificada em “3" a autora recebeu, no dia 28.08.2018, mensagem da entidade demandada com o seguinte teor:
"Informa-se V. Exa que por deliberação de 14 de agosto de 2018, do Conselho Diretivo do INFARMED - Autoridade do Medicamento e da Saúde, IP, foi aprovado que a apreciação do pedido de transferência da Farmácia A…………, ficará dependente da análise do pedido de transferência da Farmácia E…………, e da decisão que venha a ser adotada sobre este último, considerando que deve prevalecer o pedido de transferência da Farmácia E………… que deu entrada em 18.05.2018 e que foi correctamente instruído no momento da instrução, tendo por base o seguinte:
Em 11-05-2018 deu entrada no Portal Licenciamento um pedido de transferência da Farmácia A…………, para a Avenida ………., Edifício ……….., Loja ……….., na freguesia de …………, ……………., concelho Torres Novas, distrito de Santarém. O referido pedido não se encontrava completo, estando em falta documentos legalmente exigidos, pelo que foram solicitados documentos em 21-05-2018.
Acontece que em 19-05-2018 deu entrada um pedido de transferência da Farmácia E………….., para a Avenida ……….., Lote ……, ……….., na freguesia de …………, ………….., concelho de Torres Novas, distrito de Santarém, cuja localização pretendida dista menos de 350 metros do local pretendido pela Farmácia A…………. Este segundo pedido foi corretamente instruído com toda a documentação necessária. Considerando que estamos no âmbito de um procedimento que é apreciado por ordem de entrada dos requerimentos, e que, por esse motivo, a entrada de um pedido de transferência preclude o direito de transferência de outra farmácia que tenha apresentado um pedido para a mesma zona mas em data posterior, em 22-05-2018 foi emitido parecer jurídico sobre qual será o pedido que terá "prioridade": o que entrou em data anterior, mas que não se encontrava completo (apenas ficou completo após o pedido de elementos do INFARMED, I.P. ao qual foi dada resposta em 22-05-2018) ou o que entrou em data posterior mas corretamente instruído, que é do entendimento que deverá prevalecer o pedido de transferência da farmácia E………., que deu entrada em 19.05.2018, que foi corretamente instruído no momento da instrução.
Com efeito, o problema surge pelo facto de em 11-05-2018 ter dado entrada no Portal Licenciamento um pedido de transferência da Farmácia A………, incompleto por falta de documentos legalmente exigidos, para a Avenida ………….., no concelho de Torres Novas, distrito de Santarém e de mais tarde, em 19.05.2018 ter entrado um novo pedido de transferência, corretamente instruído, com toda a documentação, da Farmácia E……….. para a mesma Avenida.
A matéria relativa aos pedidos conflituantes não está expressamente regulamentada na legislação em vigor, isto é na Portaria nº 352/2012, de 30 de outubro. Contudo à luz dos princípios gerais da atividade administrativa tem sido entendido que o pedido apresentado em primeiro lugar preclude a possibilidade de apresentação de um novo pedido de transferência.
Contudo, esta preferência tem subjacente que os pedidos de transferência sejam apresentados com todos os elementos e documentação necessária e exigida. Este raciocínio é conforme o princípio da justiça e razoabilidade (artigo 8º do CPA), dado que não é legítimo que fique precludido o direito de transferência de farmácia com base num pedido incompleto, existindo outro sujeito que dispõe de toda a documentação. Admitir uma solução contrária seria irrazoável, pois poderíamos estar a admitir uma solução que iria favorecer uma possibilidade de fraude à lei, em que os sujeitos apresentariam pedidos sem dispor de toda a documentação para garantir a "reserva", além disso tal consistiria, outrossim, uma violação ao princípio da imparcialidade, previsto no artigo 9º do CPA, pois o INFARMED, I.P. poderia estar a colocar numa posição mais vantajosa um sujeito, de forma irrazoável e sem motivo justificativo.
Ademais, ao abrigo do princípio da boa-fé (artigo 10º do CPA) e da proporcionalidade stricto sensu (artigo 7º do CPA) esta é a solução mais conforme. Não é proporcional, nem razoável, face ao fim pretendido, que um pedido de transferência fique "garantido" e que impeça a entrada de novos pedidos, se não estiver corretamente instruído com todos os elementos necessários.
Não obstante o mencionado supra ressalva-se que como esta matéria não está expressamente prevista na lei, sendo a única solução obtida com recurso aos princípios gerais da atividade administrativa previstos no CPA, sendo esta a posição que nos parece mais conforme com a legislação em vigor.
Nestes termos, prevalece o pedido de transferência da Farmácia E………, que deu entrada em 19.05.2018, e que foi corretamente instruído no momento da instrução, sendo que nestes termos, a apreciação do pedido de transferência da Farmácia A………, ficará dependente da análise do pedido de transferência da Farmácia E………., e da decisão que venha a ser adotada. (...)"- cf. doc. 20 junto com o RI.
12. A plataforma identificada em "3" não continha, à data da submissão dos requerimentos por autora e contra-interessada, um campo destinado à submissão de outros documentos - cf. confissão resultante de requerimento de 17.12.2018, constante de fls. 417 dos autos cautelares e “4” da Contestação da acção principal.
13. Os documentos cuja apresentação foi solicitada no dia 21.05.2018 não estavam todos na posse da autora, à data da submissão do pedido - cf. confissão, tal como resulta de “28º” do Rl e da P».
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2.2. O DIREITO
A presente revista dirige-se contra a decisão do TACS que revogando a sentença proferida no TAC de Lisboa, no âmbito da providência cautelar de suspensão de eficácia, em que foi antecipado o julgamento da causa principal, julgou parcialmente procedente a acção intentada pela requerente/ora recorrida contra o INFARMED, anulando agora o acto administrativo proferido em 14.08.2016, e condenando o ora recorrente a retomar no prazo máximo de 10 dias o procedimento [transferência de uma farmácia] iniciado pela farmácia da autora/ora recorrida de modo a decidi-lo antes do procedimento iniciado pelo contra interessado.
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Resulta da matéria de facto dada como provada [e só essa poderemos ter em conta para apreciar e decidir a presente revista, pois a lei isso nos impõe] que a autora/ora recorrida formulou um pedido de transferência de farmácia no dia 11.05.2018, nos termos do disposto no artº 20º da Portaria nº 352/2012 de 30 de 10, sem que todavia tivesse junto todos os documentos ali exigidos, até porque à data não os possuía todos; por seu turno, o contra interessado formulou o pedido [pedido de transferência de farmácia da sua propriedade para localização que dista menos de 350 metros do local pretendido pela autora/recorrida] no dia 19.05.2018 [não consta dos autos que este pedido estivesse deficitário de qualquer documentação, ao invés do alegado pela autora no recurso de apelação para o TCAS].
Através da plataforma referida no ponto 3 da matéria assente, consta que a autora/recorrida foi notificada pela entidade demandada para, no prazo 10 dias, juntar a documentação em falta, designadamente a referida no ponto 9 dos factos assentes, sob pena de indeferimento do pedido.
Face a este quadro factual, o Infarmed entendeu através do acto objecto da presente acção, que a data de apresentação relevante de pedidos que classifica de conflituantes era a da apresentação com todos os elementos necessários e obrigatórios por lei e pelo aviso de abertura e, nessa tomada de posição, apreciou em primeiro lugar o pedido que deu entrada em 18.05.2018, ou seja, o pedido apresentado pelo contra interessado, sustando o pedido da autora ao desfecho daquele.
Por sua vez, o acórdão recorrido discordando deste entendimento que também havia sido consignado na decisão de 1ª instância, entendeu [apesar da questão não estar expressamente regulada] que face aos princípios que regem o procedimento administrativo, o que conta é a data do início de cada procedimento, independentemente de ter havido ou não necessidade de corrigir deficiências do requerimento inicial.
E para tanto, revogando a decisão de 1ª instância, consignou-se no acórdão recorrido, para o que ora interessa:
« (…)
Passemos, assim, à análise do recurso de apelação.
4. Sobre o erro de julgamento quanto aos arts. 6º, 8º, 9º, 10º, 11º-1, 38º, 59º, 62º, 105º, 108º, 115º-1 e 117º-1 do CPA, e 20º-1 b) da Portaria nº 352/2012
Eis-nos no cerne do litígio.
4.1. O ato administrativo em causa, de 14-08-2018, determinou a suspensão do procedimento de transferência da farmácia da requerente
A cit. portaria (Regulamenta o procedimento de licenciamento e de atribuição de alvará a novas farmácias, bem como a transferência da localização de farmácias e o averbamento no alvará) diz, i.a., o seguinte:
Art. 2º Requisitos
1 - A abertura de novas farmácias depende do preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:
a) Capitação mínima de 3500 habitantes por farmácia aberta ao público no município, salvo quando a farmácia é instalada a mais de 2 km da farmácia mais próxima;
b) Distância mínima de 350 m entre farmácias, contados, em linha reta, dos limites exteriores das farmácias;
c) Distância mínima de 100 m entre a farmácia e uma extensão de saúde, um centro de saúde ou um estabelecimento hospitalar, contados, em linha reta, dos respetivos limites exteriores, salvo em localidades com menos de 4000 habitantes.
2 - Sem prejuízo dos demais requisitos estabelecidos na lei, a transferência de farmácia no município depende do preenchimento cumulativo das alíneas b) e c) do número anterior.
3 - A distância prevista na alínea b) do número anterior aplica-se também à abertura ou transferência de farmácia em relação a farmácia situada em município limítrofe.
4 - A determinação do número de habitantes é feita em função dos dados mais recentes disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística, I. P.
Art. 20º Pedido de transferência
1 - O proprietário de farmácia que pretenda transferi-la dentro do mesmo município deve apresentar um pedido ao INFARMED, I. P., instruído com os seguintes documentos:
a) Fotocópia do respetivo bilhete de identidade ou cartão do cidadão, no caso de se tratar de uma pessoa singular, ou fotocópia do contrato de sociedade e certidão do registo comercial, no caso de se tratar de uma sociedade comercial;
b) Identificação da farmácia a transferir, incluindo o nome da rua e o número de polícia ou lote;
c) Planta de localização do edifício ou fração para onde se pretende a transferência, à escala de 1:2000, incluindo o nome da rua e o número de polícia, de lote, ou de indicação do prédio com projeto de construção licenciado, ou dele dispensado, que represente a área envolvente da farmácia numa distância de 350 m contada dos limites exteriores da farmácia;
d) Certidão camarária relativa ao preenchimento dos requisitos respeitantes à distância previstos nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 2º;
e) Demonstração do preenchimento dos critérios estabelecidos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 26º do Decreto-Lei nº 307/2007, de 31 de agosto, na redação dada pela Lei nº 26/2011, de 16 de junho;
f) Se aplicável, as declarações previstas na alínea c) do nº 6 do artigo 26º do Decreto-Lei nº 307/2007, de 31 de agosto, na redação dada pela Lei nº 26/2011, de 16 de junho;
g) Identificação do diretor técnico e de outro farmacêutico, quando exigível, e declaração da Ordem dos Farmacêuticos da respetiva inscrição, bem como certidão do registo criminal;
h) Memória descritiva do edifício ou fração para onde se pretende a transferência, incluindo a descrição das instalações das divisões e das respetivas áreas, conforme regulamento do INFARMED, I. P.
2 - Em simultâneo com a apresentação dos documentos, o proprietário da farmácia deve proceder ao pagamento da quantia indicada na alínea b) do nº 2 do artigo 28º, sob pena de se considerarem os documentos como não apresentados.
Artigo 22.º Pedidos conflituantes
1 - Os pedidos são conflituantes quando reúnam, cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) Sejam apresentados no mesmo dia;
b) Sejam objeto de decisão de aptidão;
c) As novas localizações das farmácias distem menos de 350 m entre si.
2 - De entre os pedidos conflituantes, o INFARMED, I. P., seleciona um, através de sorteio.
3 - O INFARMED, I. P., notifica os proprietários das farmácias que apresentem pedidos conflituantes da data, da hora e do local da realização do sorteio»
4.2. A recorrente fez o seu pedido em 11-05-2018 e o C-I (com referência à Farmácia E…………) só o fez em 18-05-2018.
Já vimos que a E.D. decidiu, apenas em 14-08-2018, que iria apreciar o pedido da requerente depois de apreciar o pedido do contra-interessado, fundamentando essa decisão no seguinte: cit. o pedido da requerente foi apresentado sem todos os documentos legalmente exigidos; o posterior e cit. pedido do contra-interessado foi apresentado de modo completo; pelo que, como os dois se condicionam – por causa das distâncias entre farmácias cits. – dever-se-à apreciar e decidir em primeiro lugar o pedido do contra-interessado, apesar de o pedido da requerente ter ficado corretamente instruído em 22-05-2018, de modo a se cumprir os princípios gerais da atividade administrativa.
A recorrente alega, de novo, que tinha quase todos os documentos que não pôde carregar no portal por motivo a si alheio, justificação que o Tribunal Administrativo de Círculo não considerou como aceitável, ao passo que o pedido do C-I não estava corretamente instruído e devia ter sido indeferido.
Ora, não foi alegado e, assim, não ficou provado que o pedido do C-I não estava corretamente instruído.
Quanto ao não carregamento eletrónico imediato de todos os documentos por parte da requerente, é manifesto que foi isso que ocorreu, como, objetivamente, é confessado pela recorrente. E não releva, não tem pertinência o facto de serem um ou dois. Bastava ser um só em falta, a certidão camarária cit.
E, por isso, como está confessado pela requerente-recorrente que não tinha todos os cits. documentos no dia da sua apresentação com o requerimento à E.D., não interessa saber se a plataforma eletrónica obrigatória da E.D. impediu ou não a apresentação de alguns dos documentos em falta. Cai assim o argumento principal da requerente.
4.3. Por outro lado, quanto à importante questão da ordem cronológica de apreciação e decisão dos dois pedidos, temos de aferir se o Direito postula a tese da E.D. e do Tribunal Administrativo de Círculo.
Em 1º lugar, devemos sublinhar que a recorrente parece confundir apreciação do pedido ou requerimento com exame formal do mesmo e seus documentos. São realidades diferentes. O exame formal ou liminar antecede necessariamente a apreciação material ou substantiva subjacente à decisão final.
Mas falta verificar se a tese da E.D. e do Tribunal Administrativo de Círculo sobre a correção legal do ato administrativo impugnado, quanto à cronologia da apreciação e decisão, é mesmo a que resulta do Direito vigente. Ou seja, não estaria a E.D., neste caso concreto, obrigada a apreciar e decidir primeiro o primeiro requerimento que recebeu, ainda que instruído de modo incompleto?
Desde já, devemos dizer que os dois pedidos cits. não são conflituantes para efeitos do art. 22º cit.
Deste art. 22º poderemos retirar pistas para melhor responder ao problema principal deste processo.
E o que resulta, i.a., do CPA?
Dispõe o CPA, acima da portaria cit., o seguinte:
Art. 38º
1 - Se a decisão final depender da decisão de uma questão que tenha de constituir objeto de procedimento próprio ou específico ou que seja da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais, deve o órgão competente para a decisão final suspender o procedimento administrativo, com explicitação dos fundamentos, até que tenha havido pronúncia sobre a questão prejudicial, salvo se da não resolução imediata do assunto resultarem graves prejuízos para interesses públicos ou privados.
2 - A suspensão cessa:
a) Quando a decisão da questão prejudicial depender da apresentação de pedido pelo interessado e este não o apresentar perante o órgão administrativo ou o tribunal competente nos 30 dias seguintes à notificação da suspensão;
b) Quando o procedimento ou o processo instaurado para conhecimento da questão prejudicial estiver parado, por culpa do interessado, por mais de 30 dias;
c) Quando, por circunstâncias supervenientes, a falta de resolução imediata do assunto causar graves prejuízos para interesses públicos ou privados.
3 - Se não for declarada a suspensão ou esta cessar, o órgão administrativo conhece das questões prejudiciais, mas a respetiva decisão não produz quaisquer efeitos fora do procedimento em que for proferida.
Art. 105º
1 - A apresentação de requerimentos, qualquer que seja o modo por que se efetue, é sempre objeto de registo, que menciona o respetivo número de ordem, a data, o objeto do requerimento, o número de documentos juntos e o nome do requerente.
2 - Os requerimentos são registados segundo a ordem da sua apresentação, considerando-se simultaneamente apresentados os recebidos pelo correio na mesma distribuição.
3 - O registo é anotado nos requerimentos, mediante a menção do respetivo número e data.
4 - Nos serviços que disponibilizem meios eletrónicos de comunicação, o registo da apresentação dos requerimentos deve fazer-se por via electrónica».
É manifesto que o cit. pedido do contra-interessado não é ou não encerra uma questão prejudicial – em sentido próprio ou estrito - ante o cit. pedido da requerente.
E do registo de apresentação de requerimentos não decorre necessariamente o dever de a A.P. os “admitir, instruir, apreciar e decidir” pela ordem cronológica desse registo. Tudo depende, pelo menos, das circunstâncias concretas, dos incidentes concretos, das diligências concretamente necessárias.
Mas, o caso em preço tem uma importante especificidade, a qual, aliás, explica a necessidade sentida pela E.D. para apresentar a fundamentação acima transcrita. É que as pretensões administrativas da requerente e do contra-interessado são, por causa das exigências legais cits., mutuamente excludentes em termos do seu mérito, i.e., em termos de uma poder condenar o destino da outra.
Assim, estando nós no campo da materialidade, da substância, o critério não pode ser apenas o importante critério legal formal e cronológico resultante do art. 105º cit., embora este não deva ser ignorado. Este pode é ser ou não ser confirmado pela materialidade das situações jurídicas.
Ora, o CPA dá importância à data de início de cada procedimento e à cronologia (cf. art. 105º do CPA). Isto tem consequências (i) em termos de prazos como decorre dos arts. 13º e 129º do CPA e (ii) em termos de boa administração como decorre do art. 5º-1 do CPA, de onde se conclui que, formal e materialmente, vale a data de apresentação do requerimento.
E o art. 22º da portaria confirma a importância da data de início de cada procedimento.
Por outro lado, o art. 108º do CPA prevê: “1 - Se o requerimento inicial não satisfizer o disposto no artigo 102.º, o requerente é convidado a suprir as deficiências existentes. 2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, devem os órgãos e agentes administrativos procurar suprir oficiosamente as deficiências dos requerimentos, de modo a evitar que os interessados sofram prejuízos por virtude de simples irregularidades ou de mera imperfeição na formulação dos seus pedidos. 3- São liminarmente rejeitados os requerimentos não identificados e aqueles cujo pedido seja ininteligível.”
Como se vê, a lei não secundariza um requerimento ou a respetiva pretensão com base em questões formais. O importante é a pretensão apresentada em certa data.
De acordo com o art. 110º do CPA, “o início do procedimento é notificado às pessoas cujos direitos ou interesses legalmente protegidos possam ser lesados pelos atos a praticar e que possam ser desde logo nominalmente identificadas. Não há lugar à notificação determinada no número anterior nos casos em que a lei a dispense e naqueles em que a mesma possa prejudicar a natureza secreta ou confidencial da matéria, como tal classificada nos termos legais, ou a oportuna adoção das providências a que o procedimento se destina. A notificação deve indicar a entidade que ordenou a instauração do procedimento, ou o facto que lhe deu origem, o órgão responsável pela respetiva direção, a data em que o mesmo se iniciou, o serviço por onde corre e o respetivo objeto”.
Das seis disposições legais referidas deve-se concluir que, num caso como o presente, em que os pedidos podem ser mutuamente excludentes, vale o critério geral apurado. Conta a data do início de cada procedimento, independentemente de ter havido ou não necessidade de corrigir deficiências do requerimento inicial, ao contrário do entendido vagamente pela E.D.
O CPA aponta nesse sentido, tem-no como pressuposto. Especialmente num caso como o presente, em que os destinos dos pedidos são mutuamente excludentes.
E contra esta conclusão não vale de todo o argumento de que, assim, estar-se-ia a permitir que alguém fizesse primeiro um requerimento apressado mal instruído, só para ser primeiro apreciado e decidido, no pressuposto forçado de que, no mais, os dois procedimentos administrativos “conexos” teriam a mesma caminhada, o mesmo ritmo.
É que, a acontecer isso objetivamente, não haverá a final qualquer prejuízo substancial, porque o suposto primeiro requerimento apressado e mal instruído terá de ser sempre devidamente instruído (cf. os arts. 108º, 109º e 115º a 119º do CPA), sob pena de ser mal sucedido. E é de substância que aqui tratamos, não da forma completa ou incompleta de apresentação do requerimento inicial.
Portanto, tudo visto, decorre do CPA a seguinte norma jurídica: havendo dois procedimentos com pedidos mutuamente excludentes, vale a data do início de cada procedimento para efeitos de ordem cronológica de apreciação e decisão dos mesmos, independentemente de ter havido ou não necessidade de corrigir deficiências de um requerimento inicial ou de ambos os requerimentos iniciais.
Nenhum princípio geral da atividade administrativa permite ou impõe conclusão diferente.
Portanto, o Tribunal Administrativo de Círculo, tal como a E.D., violou a cit. norma jurídica e o princípio fundamental da legalidade administrativa, errando a E.D. na aplicação que diz ter feito dos princípios gerais da atividade administrativa.
(…)»
*
Vejamos do acerto da decisão recorrida, sendo que, em nosso entender, a mesma é para manter.
Em 1º lugar, não estamos no caso sub judice no âmbito de aplicação do disposto no artº 22º da Portaria nº 352/2012 de 20.10, uma vez que os pedidos só se podem denominar conflituantes quando se mostrem preenchidos, de forma cumulativa, os requisitos previstos nas alíneas a) a c) do nº 1 do citado artigo [e sempre que tal sucede, o legislador aponta a solução – sorteio], sendo que, no caso, os requerimentos apresentados pela autora/recorrida e pelo contra interessado deram entrada em datas diferentes.
O que se verifica é que os pedidos são mutuamente excludentes; com efeito, destinando-se o requerimento do contra interessado à transferência da localização da farmácia para um local que dista em menos de 350 metros para onde a autora/recorrida pretende a transferência da sua farmácia [cfr. nº 8 dos factos provados], tais pedidos para além de concorrentes, são igualmente excludentes; daí que seja prioritário decidir qual o pedido que terá de ser analisado em 1º lugar, pois desta análise resultará a “sorte” de um ou de outro requerimento.
Por outro lado, não existe norma legal que de forma expressa indique qual dos procedimentos deve ser analisado em 1º lugar, sendo que, apenas os artºs 38º e 105º do CPA, nos elucidam quanto ao registo dos requerimentos e desta forma, nos indicam os apresentados pela ordem sequencial.
É claro, no entanto, que havendo ordem de registo de entrada e verificando-se uma situação em que ao deferimento de um pedido, obsta ou pode obstar à procedência do entrado e registado em segundo lugar, a entidade administrativa deverá começar por conhecer do requerimento entrado primeiramente [artº 105º do CPA].
Porém, no caso concreto, importa chamar à colação um outro argumento que deverá relevar na consideração de saber quando é que os requerimentos se devem considerar completos e findos com vista e em ordem a serem analisados e decididos pela entidade demandada.
Na verdade, numa primeira análise, dir-se-ía que o requerimento apresentado em primeiro lugar, em termos de registo na plataforma, pela autora/recorrida deveria ficar prejudicado no seu conhecimento uma vez que não se mostrava completo na documentação exigida e, se assim fosse, nada haveria a apontar ao acto impugnado que determinou a suspensão do conhecimento do mesmo [não porque existisse uma causa prejudicial, mas sim porque se tratavam de pedidos concorrentes e excludentes].
Porém, analisemos a factualidade no seu todo.
Consta do ponto 6 dos factos provados, que o aviso de transferência de localização, continha uma informação relevante para os candidatos, que era o facto de os pedidos deverem ser instruídos com toda a documentação prevista na legislação aplicável, uma vez que a falta dos documentos legalmente exigidos, aquando da entrada do pedido, era motivo para indeferimento da mesma.
Ora, assim sendo, se autora/recorrida não apresentou juntamente com requerimento inicial, toda a documentação legalmente exigida, como parece resultar do ponto 9. dos factos provados, conjugado com o disposto no artº 20º da Portaria nº 352/2012 [pelo menos no que toca à fotocópia do contrato de sociedade, certidão do registo comercial, bem como, certidão do registo criminal e declaração da Ordem dos Farmacêuticos da respectiva inscrição de uma das farmacêuticas, e, ainda a planta e memória descritiva do edifício ou fracção para onde pretendia a transferência, incluindo a descrição das instalações das divisões e respectivas áreas] então, o que parece que a entidade demandada deveria ter feito, seria, por força do estatuído no aviso, indeferir o pedido formulado pela autora/recorrida.
Mas não.
Ao invés, a entidade demandada resolveu notificar a requerente e conceder-lhe um prazo de 10 dias úteis, para colmatar a omissão registada na apresentação do requerimento inicial, indicando-lhe os documentos em falta.
Ora, se a entidade demandada assim actuou, vinculando-se nesta tomada de posição, não nos parece que não tivesse de esperar pelo decurso deste prazo, para depois averiguar se a requerente havia cumprido o por si determinado e só depois, na posse das duas candidaturas/requerimentos decidir pela ordem de registo de entrada, qual das duas deveria prevalecer.
A não se entender assim, ficaria inclusive por compreender porque motivo, a entidade demandada decidiu conceder um novo prazo para efeitos de envio de toda a documentação legal, em falta, com vista à apreciação do pedido da requerente/autora, pois se era para suspender a apreciação do seu pedido, então, deveria ter indeferido desde logo o requerimento com base na disposição vertida no aviso, que assim o impunha.
Não faz pois, sentido convidar ao suprimento de documentação legalmente exigida, e não apresentada na totalidade, para depois numa situação mutuamente excludente, suspender a apreciação do pedido da autora apresentado em 1º lugar de registo de entrada, em detrimento do requerimento apresentado em 2º lugar, de registo de entrada, pelo contra interessado.
E também não faz sentido assumir esta conduta, quando no momento, na data exacta em que a entidade demandada decide que vai suspender a apreciação do pedido formulado em 1º lugar (pela autora) e apreciar primeiramente o pedido apresentado pelo contra interessado, nessa data de decisão, 14.08.2018, já tinha em seu poder o requerimento da autora devidamente preenchido e composto de todos os elementos solicitados, ou seja, já tinha o requerimento perfeito e completo.
Deste modo, teremos de concordar com o decidido no acórdão recorrido, quando argumenta que importa não confundir duas realidades distintas: uma, a do exame formal ou liminar e, outra que é a apreciação material ou substantiva subjacente à decisão final.
Com efeito, estamos perante duas pretensões administrativas da autora e do contra interessado, que são por causa das exigências legais, mutuamente excludentes, em termos de avaliação do seu mérito, ou seja, em termos de uma poder condenar o destino e sucesso da outra.
Assim sendo, a envolvência em que nos movemos é a da materialidade/substancialidade da “proposta”, pelo que o critério a adoptar não pode ser unicamente o critério formal ou cronológico, de quem entregou a proposta em primeiro lugar, que parece resultar do disposto do artº 105º do CPA; e muito menos, aplicá-lo de forma restritiva; é claro que este critério cronológico terá sempre relevância em questões de contagem de prazos [cfr. artºs 13º e 129º do CPA] e em termos de boa administração [artº 5º do CPA], fazendo valer deste modo, em termos formais e materiais, a data da apresentação do requerimento.
Só que, a partir do momento que a entidade demandada – cfr. artº 108º do CPA – decide convidar um dos requerentes, neste caso, a autora, a suprir a omissão da junção de determinados documentos essenciais e legalmente necessários, então, esta atitude só poderá significar que, mesmo assim, o critério da apresentação em primeiro lugar, se manterá, e que o critério não é posto em causa, desde que a requerente a quem foi dirigido o convite, apresente os documentos exigidos, dentro do prazo concedido, de molde a completar a proposta, pois a não ser assim, não fazia qualquer sentido o convite, uma vez que esta já sabia, que havendo documentação em falta, que não teria qualquer hipótese, porque outra candidatura iria ser analisada em primeiro lugar e vingaria uma outra proposta, sem que a sua fosse substantivamente apreciada pela aplicação da suspensão adoptada pela entidade demandada.
Deste modo, cremos que a única posição admissível e que poderá ser adoptada será a de que, no caso concreto, em que os pedidos são mutuamente excludentes, mesmo e principalmente tendo havido lugar ao convite para suprir omissões, continua a ser relevante, a data de entrada de cada requerimento, mas tendo sempre em consideração na análise de mérito que for efectuada, os elementos que entretanto enformaram a proposta e a tornam firme e completa na ordem jurídica.
Esta posição não conduz, como pretende fazer crer a entidade demandada, de que ao assim proceder, o requerente que não completa a proposta com todos os elementos legalmente exigidos ficaria sempre com uma posição privilegiada e de reserva de posição, pois, como vimos, as propostas só deverão ser apreciadas em termos materiais e substanciais, depois de devidamente completadas com toda a documentação necessária.
No caso das propostas não se encontrarem devidamente completadas, em termos de substância, aí sim, serão indeferidas e cada requerente sofrerá as consequências que tiver de sofrer, sem que haja lesão de quaisquer direitos por parte dos requerentes ao procedimento (cfr. artºs 108º, 109º e 115º do CPA).
Deste modo, impõe-se, com a presente fundamentação, manter a decisão recorrida, pois, havendo dois procedimentos com pedidos mutuamente excludentes, vale a data do início de cada procedimento, para efeitos de ordem cronológica de apreciação e decisão dos mesmos, mesmo quando tenha havido necessidade de corrigir deficiências de um requerimento inicial ou de ambos os requerimentos iniciais; esta regra, assume ainda mais preponderância, quando é a própria entidade demandada que toma a iniciativa de convidar um dos requerentes a colmatar as omissões verificadas na proposta apresentada.
Se assim não fosse entendido, ficaria prejudicado e sem razão de ser o convite dirigido à autora/ora recorrida, pois de nada lhe valeria instruir a proposta com os elementos solicitados.
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DECISÃO
Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente

Lisboa, 21 de Novembro de 2019. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Ana Paula da Fonseca Lobo – José Augusto Araújo Veloso.