Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0107/17.5BEFUN
Data do Acordão:12/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:IRC
ZONA FRANCA DA MADEIRA
DERRAMA
Sumário:I - Não constitui nova fundamentação do acto impugnado nem obsta à sua apreciação pelo tribunal de recurso a nova argumentação desenvolvida pela recorrente para demonstrar o erro de julgamento em questão apreciada pelo tribunal recorrido e no próprio acto impugnado, ainda que não integre os fundamentos que suportam a liquidação impugnada.
II - Constitui «imposto extraordinário» o que tiver sido instituído para vigorar durante um período limitado de tempo, ou porque lhe é estabelecido um período de vigência limitado, ou porque é enquadrado em medidas fiscais com carácter marcadamente temporário.
III - A derrama regional a que alude o artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de Março, é um «imposto extraordinário» porque, tendo sido integrada num diploma destinado a vigorar num só ano económico, lhe foi estabelecido um período de vigência limitado.
IV - A derrama regional a que alude o artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de Março, é um «imposto extraordinário sobre lucros» para os efeitos da alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de Junho.
Nº Convencional:JSTA000P28650
Nº do Documento:SA2202112090107/17
Data de Entrada:05/18/2021
Recorrente:AT-RAM E OUTROS
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1 – A………… IBÉRIA, LDA., com os sinais dos autos, deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal (na sequência do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º 2810201504004701) impugnação judicial ao acto de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), relativo ao exercício de 2014, no qual foi apurada derrama regional no montante de € 581.074,80.

2 – Por sentença de 15 de Janeiro de 2021, o TAF do Funchal julgou procedente o pedido de anulação da autoliquidação de IRC correspondente ao exercício de 2014 na parte impugnada e improcedente o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

3 – A Representante da Fazenda Pública, inconformada com sentença do TAF do Funchal, vem dela interpor recurso, apresentando, para tanto, alegações que remata com as seguintes conclusões:
«[…]
A. Decidiu por aplicação analógica integral dos fundamentos acolhidos no Acórdão do STA de 02/12/2020 proferido no Processo 194/17.6BEALM, o Tribunal recorrido entendeu que a derrama regional de 2014 seria um imposto extraordinário sobre lucros e despesas por ter sido criada e integrada em diploma legal destinado a vigorar durante um período limitado de tempo, num só ano económico, (lei de orçamento regional), se bem que mantida em anos subsequentes pelos vários orçamentos da Região Autónoma da Madeira subsequentes.

B. Mais referindo na sentença recorrida que a derrama regional é dogmaticamente distinta da derrama estadual prevista nos termos do artigo 87.º-A do CIRC, pois a derrama estadual constitui uma receita ordinária, tendo sido “instituída para vigorar ordinariamente, isto é, em todos os exercícios”

C. Concluiu a sentença recorrida que a derrama regional de 2014, sendo imposto extraordinário, é “enquadrável na previsão contida na alínea e) do art. 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, e que a esta conclusão não obstam as limitações/alterações introduzidas pelos Decretos Legislativos Regionais n.ºs 2/2011/M, de 10 de janeiro, e n.º 5-A/2014/M, de 23 de julho.”

D. A Fazenda Pública entende que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, quanto aos pressupostos de direito, decorrente da qualificação da derrama regional de 2014, como “imposto extraordinário sobre lucros e despesas” e da consequente aplicação à derrama regional da isenção estabelecida na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho.

E. Com efeito, a derrama regional foi criada pelo art.º 3.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, conjugados com o n.º 1 do artigo 56.º da Lei Orgânica n.º 1/2010, de 29 de março, e do artigo 2.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, que aprovou a lei de consolidação orçamental

F. Em 2014, o regime jurídico da derrama regional foi republicado e regulamentado no Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de julho, o qual veio “adaptar às especificidades regionais, os artigos 87.º-A e 105.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, e republicado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.” , sendo também aí estabelecido que o diploma legal retroage os seus efeitos a 1 de janeiro de 2014, sendo “aplicável aos períodos de tributação que se iniciem, em ou após a referida data”,

G. Assim, podemos concluir que a derrama regional teve por objetivo adaptar à RAM o regime da derrama estadual, e que a derrama regional, tal como a derrama estadual, foi instituída para vigorar ordinariamente, não estando já em 2014 exclusivamente integrado e regulamentado em lei de orçamento regional de vigência anual.

H. Por outro lado, a leitura do texto da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, demonstra que criação da derrama estadual tem uma finalidade de consolidação orçamental, enquadrando-se a derrama estadual num conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento

I. E foi com a mesma finalidade de consolidação orçamental que a Região Autónoma da Madeira adaptou o sistema fiscal nacional de derrama estadual às especificidades regionais nos termos do n.º 1 e 2 da alínea b) do artigo 56.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, normativos que fundamentaram a derrama regional formulada nos termos do art.º 3.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de julho de 2014.

J. Alias, se atentarmos ao teor do preâmbulo e artigo 1º do Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de julho, tal leitura demonstra que a derrama regional não constitui nenhuma das formas de financiamento extraordinário da Região Autónoma da Madeira determinadas na Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, (que fixou os meios que asseguram o financiamento na Região Autónoma da Madeira em 2014).

K. E se compararmos o teor deste diploma legal com o da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, torna-se evidente a finalidade única e análoga de consolidação orçamental de ambas as derramas, não podendo a derrama regional ser qualificada como um imposto extraordinário, porque o regime vigente e aplicável não teve como fim a obtenção de receitas extraordinárias, não foi destinada a necessidades orçamentais extraordinárias, nem por um período de tempo limitado.

L. A derrama regional constitui, isso sim, a “adaptação às especificidades regionais, os artigos 87.º-A e 105.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, e republicado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro”

M. Assim sendo, tendo em conta a republicação do regime da derrama regional pelo Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M; tendo em conta o seu objetivo de adotar à Região os artigos 87-A e 105-A do CIRC, e tendo em conta que a derrama regional não está incluída no rol de meios de financiamento extraordinários previstas na Lei Orgânica n.º 2/2013, de 16 de junho, então não existe fundamento para concluir que, neste caso, a derrama regional tenha carácter temporário e transitório, ao invés do que entendeu a Sentença recorrida

N. Por identidade com a derrama estadual, a derrama regional tem a finalidade de consolidação orçamental, não tem carácter extraordinário, nem temporário, como evidencia o cotejo do disposto na Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, e no do regime jurídico da derrama regional efetuado pelo DLR 5-A/2014/M de 23 julho.

O. A não ser assim, questionamo-nos então o seguinte: fosse a derrama regional um imposto extraordinário, o que só por mero dever de cautela se hipoteniza, então não deveria incidir derrama estadual e derrama regional conjuntamente sobre o lucro tributável das empresas com sede na Região Autónoma da Madeira?

P. Ora, obviamente que tal não se verifica, porque não há, nem pode haver, incidência conjunta de taxa de derrama regional e de derrama estadual sobre o mesmo lucro tributável, do mesmo sujeito passivo, com sede na RAM.

Q. Na verdade, o regime jurídico da derrama regional aplica-se na RAM, em substituição do da derrama estadual, porque a derrama regional não é mais do que a adaptação à região da derrama estadual.

R. Têm ambas a mesma natureza, mesmo conteúdo dogmático, mesmo objetivo, mesma incidência.

S. O facto de, historicamente, a vigência da derrama regional ter sido integrada e sucessivamente prorrogada pelos vários Orçamentos da Região Autónoma da Madeira, desde 2010, resulta apenas do cumprimento do princípios orçamentais da anualidade e da universalidade previstos, respetivamente, no n.º 1 e 4 do art.º 4.º e no n.º 2 do art.º 5.º, da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto.

T. Alias, o preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 31-A/2013/M, de 31 dezembro, que aprovou o Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2014, explica que esse Orçamento «cumpre com os diversos princípios e regras orçamentais estabelecidos na Lei de Enquadramento do Orçamento, nomeadamente as regras da anualidade, do equilíbrio, da não consignação, do orçamento bruto, da especificação, da unidade e da universalidade» e que dá continuidade à implementação de medidas necessárias à sustentabilidade e estabilização das finanças públicas da Região e à salvaguarda dos seus compromissos financeiros.

U. E foi neste contexto que o disposto no art.º 19.º do Decreto Legislativo Regional n.º 31-A/2013/M, (inserido no Capítulo V, respeitante à «Adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais»), prorrogou a vigência do regime da derrama regional para o exercício de 2014, com o propósito de consolidação orçamental.

V. Note-se aliás a referência feita na sentença recorrida, quanto à natureza da derrama local: “A derrama local constava ao tempo do artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro e consta atualmente do artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (Lei das Finanças Locais). Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional de 9 de abril de 2013 (acórdão n.º 197/2013), perdeu o carácter extraordinário porque se apresenta agora como um «mecanismo corrente de financiamento dos municípios». Ou seja, a derrama local constitui atualmente uma receita ordinária dos municípios (que se repete, por natureza, todos os anos), embora o seu lançamento esteja dependente de uma deliberação anual.

W. Neste mesmo sentido, entendemos que a derrama regional constitui uma receita ordinária embora haja, quanto a esta, uma deliberação anual em sede de orçamento regional.

X. O que a derrama regional, in casu, não pode ser, é um imposto extraordinário sobre lucros e despesa, pois constitui uma mera adaptação sem alterações do regime da derrama estadual, vigorando para o futuro na região Autónoma da Madeira, em substituição da derrama estadual, não sendo temporária nem extraordinária, nem se destina a suportar despesas extraordinárias que estejam taxativamente enumeradas nas leis orçamentais.

Y. Ao não poder ser a derrama regional caracterizada como imposto extraordinário sobre lucros e despesas, então esta não poderá ser enquadrada na previsão da alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, pelo que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento na aplicação do direito.

Z. A sentença a quo incorre ainda em erro de julgamento de direito, por violação do princípio da legalidade fiscal e da proibição de integração analógica no âmbito de benefícios fiscais, ao decidir que a Impugnante, enquanto entidade licenciada a operar na Zona Franca da Madeira, no ano de 2014, está isenta do pagamento de derrama regional, ao abrigo do disposto na alínea e) do art.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho.

AA. Com efeito, a alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, consagra uma isenção do imposto extraordinário sobre lucros destinado às empresas instaladas na zona franca da Madeira, sendo que esse imposto foi criado especificamente, nos termos do nos termos do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 119-A/83, de 28 de fevereiro, como imposto acessório à contribuição industrial.

BB. Mas, desde 1 de janeiro de 1989, as entidades instaladas na zona franca da Madeira deixaram de poder beneficiar da isenção que fora prevista na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, por inexistência jurídica do imposto extraordinário sobre lucros criado pelo art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 119- A/83, de 28 de fevereiro, por efeito da abolição da contribuição industrial.

CC. Ora, se, a partir de 1 de janeiro de 1989, o legislador foi omisso quanto à previsão de uma norma que estipule para a derrama regional, (cujo regime legal que apenas surgiu pela primeira vez muito posteriormente, em 2010, e se tem mantido até ao presente), uma isenção idêntica àquela que estabelecera para o «imposto extraordinário sobre lucros» na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, não pode o intérprete substituir-se a legislador fazendo uma integração analógica.

DD. A Sentença recorrida procedeu a uma integração analógica da derrama regional no âmbito da norma de isenção do «imposto extraordinário sobre lucros» prevista na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, e não uma interpretação extensiva, (aludida na parte final do art.º 10.º do EBF), porque não demonstrou que o legislador, quando consagrou a isenção prevista para o «imposto extraordinário sobre lucros», tenha pretendido nela incluir outro tributo como a derrama regional.

EE. Assim, a aplicação desse benefício fiscal no âmbito da derrama regional, viola o princípio da legalidade fiscal, previsto no n.º 2 do art.º 103.º da CRP, porque pretende fazer uma aplicação analógica do regime previsto na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, o qual se queria referir apenas ao imposto extraordinário sobre lucros e sobre despesas, entretanto abolido.

FF. Diante do exposto, o Tribunal a quo não deveria ter aplicado à derrama regional, impugnada nos presentes autos, a isenção prevista na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, existindo fundamento para este Tribunal a quem reconhecer ser de considerar a derrama regional um imposto ordinário e consequentemente afastar a aplicação desta isenção prevista para o «imposto extraordinário sobre lucros» à derrama regional, bem como concluir que o ato tributário impugnado é legal.

Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de V. Exas., deve a sentença ora recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que declare a impugnação improcedente-
Porém V. Exas., decidindo, farão a costumada
JUSTIÇA!.
[…]».


3 – A A………… STEEL, SLU, contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«[…]
1º A douta sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial deduzida na sequência do despacho de indeferimento proferido pelo Exmo. Senhor Diretor Regional da Autoridade Tributária e dos Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, datado de 07.02.2017, no âmbito do processo de reclamação graciosa n.º 2810201504004701, relativo ao ato de autoliquidação de IRC do exercício de 2014;

2º Nos presentes autos discutia-se a sujeição da Recorrida a derrama regional, criada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2014 pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 31-A/2013/M, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2014;

3º O Tribunal a quo concluiu pela ilegalidade do ato tributário sub judice por violação da isenção prevista na alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho;

4º A Fazenda Pública interpôs o presente recurso argumentando, em suma, que a derrama regional não configura um imposto extraordinário para efeitos da referida isenção;

5º Do teor das doutas alegações de recurso não resulta qualquer discordância com o decidido pelo Tribunal a quo no que concerne à não aplicação dos aditamentos introduzidos pelo artigo 16.º, n.º 2, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2011/M, de 10 de janeiro, e pelo artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014, de 23 de julho, nem tão-pouco no que concerne ao âmbito dos poderes legislativos tributários da Região Autónoma da Madeira, pelo que estas questões não integram o objeto do presente recurso;

6º A derrama regional foi criada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, que aprovou o Orçamento Retificativo para o ano de 2010, e prorrogada para o ano de 2014 pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 31-A/2013/M, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2014;

7º A derrama regional foi criada no âmbito do exercício do poder tributário próprio da região autónoma e para vigorar na Região Autónoma da Madeira (cf. artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da CRP e do artigo 107.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira);

8º De acordo com a doutrina e jurisprudência, as características de um tributo extraordinário são: i) que o objetivo primordial da criação do imposto seja a obtenção de receitas para fazer face a necessidades orçamentais extraordinárias; e (ii) que a vigência seja limitada por determinado período de tempo que, contudo, poderá ser renovável (cf., neste sentido, J.F. LEMOS PEREIRA e A.M. CARDOSO MOTA, Teoria e Técnica dos Impostos, 11.ª edição (revista e atualizada), Editora Rei dos Livros, 1987; NUNO DE SÁ GOMES, Manual de Direito Fiscal, volume I, Editora Rei dos Livros, 1995);

9º No caso vertente, o Tribunal a quo, decidiu, e bem, pela qualificação da derrama regional como imposto extraordinário para os efeitos da isenção prevista na alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho;

10º Com efeito, este tributo foi criado por força da necessidade de receitas fiscais adicionais para fazer face aos prejuízos causados pela tempestade que assolou a ilha da Madeira em 20.02.2010 e tem natureza temporária;

11º Contrariamente ao aduzido pela Fazenda Pública, a derrama regional, atenta a sua natureza extraordinária, reconhecida pela doutrina, consta dos meios que asseguram o financiamento na Região Autónoma da Madeira, fixados na Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro – nesse sentido, veja-se o disposto no artigo 32.º, n.º 2, daquele diploma, com redação em tudo semelhante ao artigo 25.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 1/2010, de 29 de março (cf., neste sentido, em análise ao referido artigo 25.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 1/2010, de 29 de março, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2014, 4.ª Reimpressão, p. 152);

12º A afetação da receita do imposto não releva na qualificação deste enquanto imposto extraordinário;

13º Exemplo disso mesmo são os diversos tributos extraordinários criados no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal, celebrado em maio de 2011, entre as autoridades portuguesas, a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional, tais como a sobretaxa extraordinária sobre os rendimentos sujeitos a IRS, a CESB e a CESE, qualificados como extraordinários (cf. a propósito da sobretaxa de IRS veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 414/2012; a propósito da CESE veja-se a decisão arbitral n.º 312/2015-T, de 07.01.2016);

14º Contrariamente ao defendido pela Fazenda Pública, as receitas da derrama regional não são ordinárias, porquanto, como resulta da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, o seu regime foi inserido em lei do orçamento regional, que vigora apenas para o exercício correspondente, pelo que a receita por si gerada é extraordinária, sem que a tal conclusão obste a sua renovação através do mesmo mecanismo (cf. acórdão de 02.12.2020, proferido no processo n.º 194/17.6BEALM);

15º Note-se que, também o imposto extraordinário sobre lucros, criado nos termos do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 119-A/83, de 28 de fevereiro, que a Fazenda Pública invoca nas alegações de recurso, tem natureza de imposto extraordinário, sem contudo, a receita estar afeta a despesa extraordinária;

16º Sem prejuízo, refira-se ainda a impossibilidade de consignação de receitas por parte das Regiões Autónomas (cf. artigo 2.º, n.º 6, da Lei de Enquadramento Orçamental);

17º A derrama regional foi criada com caráter temporário, como notou e bem o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 02.12.2020, proferido no processo n.º 194/17.6BEALM, em que o Tribunal a quo se suportou;

18º A circunstância de o regime ter vindo a ser prorrogado evidencia, na verdade, que o legislador pretende manter a derrama regional temporariamente, pois, caso assim não fosse, certamente aprovaria o seu regime em Decreto Legislativo Regional próprio;

19º Em face do exposto, como reconhecido no Despacho n.º 46/2010, de 18.08.2010, da Secretaria Regional do Plano e Finanças, conclui-se que a derrama regional tem a natureza de imposto extraordinário sobre lucros, subsumível, desta forma, na isenção prevista na alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, improcedendo, nesta parte, as doutas alegações de recurso;

20º Em consequência, enquanto imposto extraordinário sobre lucros, a derrama regional enquadra-se no âmbito da isenção prevista na alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, não tendo o Tribunal a quo procedido a qualquer integração analógica;

21º Contrariamente ao que decorre das alegações de recurso, o âmbito de aplicação da isenção consagrado no artigo 7.º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, não se encontra limitado ao imposto extraordinário sobre lucros previsto no artigo 33.º do Decreto- Lei n.º 119-A/83, de 28 de fevereiro;

22º O elemento literal (cf. artigo 11.º da LGT e artigo 9.º do CC) constitui o ponto de partida da interpretação assumindo, de acordo com a doutrina e jurisprudência, (i) uma função negativa ou de exclusão, que consiste em eliminar os sentidos que não tenham apoio na letra da lei; e (ii) uma função positiva ou de seleção, que consiste em favorecer o sentido técnico- jurídico;

23º De acordo com o artigo 7.º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, “As empresas instaladas na zona franca da Madeira gozam dos seguintes benefícios fiscais: (…) e) Isenção de impostos extraordinários sobre lucros e despesas.”;

24º Em primeiro lugar, veja-se que o legislador não remeteu para o diploma que aprovou o imposto extraordinário sobre lucros – Decreto-Lei n.º 119-A/83, de 28 de fevereiro –, nem tão-pouco para o diploma que aprovou a sua regulamentação – Decreto Regulamentar n.º 66/83, de 13 de julho –, optando por aludir genericamente a uma tipologia de impostos;

25º Em segundo lugar, veja-se que o legislador usou o plural “impostos extraordinários”, ao invés do singular “imposto extraordinário”;

26º Em terceiro lugar, na formulação do benefício fiscal o legislador optou pela preposição simples “de”, ao invés de usar a preposição “de” com a contração com o artigo definido “o” – do;

27º O elemento literal demonstra assim que o legislador não pretendeu limitar o âmbito da aplicação do benefício fiscal em apreço ao imposto extraordinário previsto no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 119-A/83, de 28 de fevereiro;

28º Caso fosse intenção do legislador limitar a aplicação do benefício fiscal em apreço ao referido imposto extraordinário, certamente teria remetido para este diploma ou adotado uma formulação mais específica, como, por exemplo, “Isenção do imposto extraordinário sobre lucros e despesas”;

29º Também o elemento sistemático reforça esta conclusão, pois a formulação da alínea d) do artigo 7.º demonstra claramente que o legislador não pretendeu limitar os benefícios fiscais a um imposto em concreto, mas conceber os benefícios fiscais em função de tipologias de impostos, consciente, naturalmente, da constante mutação de regimes jurídicos fiscais;

30º Pelo que se conclui que o benefício fiscal previsto na alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, não tem o âmbito de aplicação limitado ao imposto extraordinário previsto no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 119-A/83, de 28 de fevereiro;

31º De facto, este benefício fiscal mantém-se em vigor na ordem jurídica, não tendo sido objeto de revogação, nem tendo cessado a sua vigência, quer por força da abolição da contribuição industrial, como referido nas doutas alegações de recurso, quer por força da aprovação do EBF, como aliás reconheceu o Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 07.11.2017 e de 02.12.2020, proferidos no âmbito dos processos n.º 46/15.4BEALM e n.º 194/17.6BEALM, respetivamente;

32º Por outro lado, a derrama regional tem a natureza de imposto extraordinário sobre lucros, pelo que se enquadra no âmbito da isenção prevista na alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 7 de junho, não tendo o Tribunal a quo procedido a qualquer integração analógica;

33º Por fim, refira-se que no sentido da aplicação da isenção em apreço à derrama regional se pronunciou já o Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 02.12.2020 e de 07.11.2017, proferidos no âmbito dos processos n.º 194/17.6BEALM e n.º 46/15.4BEALM;

34º Em face de todo o exposto, deve pois manter-se a sentença recorrida, devendo o recurso ser julgado improcedente.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença na parte recorrida, reconhecendo-se, em consequência, o direito da Recorrida aos juros indemnizatórios nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA.

Sendo o valor do recurso superior a € 275.000,00 e verificando-se os pressupostos estabelecidos no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, requer-se que seja a Recorrida dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

[…]».



4 - O Excelentíssimo Representante do MP junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação


1. De facto
A decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade concreta:
[…]

1. No dia 19 de janeiro de 2001, a Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A. emitiu a licença n.º 07457, que autorizou a sociedade A………… IBÉRIA, LDA. a exercer a sua atividade no âmbito da Zona Franca da Madeira – cfr. doc. n.º 1 junto com a reclamação graciosa, constante de fls. 61 a 64 do Processo Administrativo (PA) apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. Em 30 de dezembro de 2011, foi aditado o averbamento n.º 4 à licença n.º 07457 mencionada no ponto antecedente, com o seguinte teor:

“Sem prejuízo do disposto na Resolução n.º 1374/2010, do Conselho de Governo da Região Autónoma da Madeira de 10 de Novembro, bem como da aplicação dos demais benefícios previstos para entidades autorizadas a operar na Zona Franca da Madeira, a sociedade integra, a partir de 1 de janeiro de 2012, o regime geral de tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas”cfr. doc. n.º 1 junto com a reclamação graciosa, constante de fls. 61 a 64 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3. No exercício de 2014, a A………… IBÉRIA, LDA. procedeu aos pagamentos antecipados a título de IRC constantes do doc. n.º 3 junto com a reclamação graciosa, constante de fls. 78 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

4. A 28 de maio de 2015, a A………… IBÉRIA, LDA. apresentou Declaração Modelo 22 do IRC, referente ao exercício de 2014, com a identificação 2810-C0478-4, na qual foi apurado um lucro tributável de € 15.521.495,98 e onde foi inscrito no campo 373 do quadro 10 o montante de € 581.074,80 a título de “derrama estadual” – cfr. doc. n.º 2 junto com a reclamação graciosa, constante de fls. 68 a 76 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

5. Na sequência da apresentação da declaração mencionada no ponto antecedente, foi emitida em nome da sociedade A………… IBÉRIA, LDA. a liquidação de IRC n.º 2015 2910443273, datada de 23 de setembro de 2015, referente ao exercício de 2014, na qual se apurou um valor de imposto a pagar de € 0,02 – cfr. fls. 03 a 14 do PA apenso.

6. A A………… IBÉRIA, LDA. apresentou junto do Serviço de Finanças do Funchal – 1, em 28 de dezembro de 2015, reclamação graciosa da autoliquidação de IRC do exercício de 2014, propugnando pela correção daquele ato tributário quanto a derrama regional, “determinando-se a restituição à Reclamante do montante de € 581.074,80, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios” – cfr. fls. 19 a 78 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

7. O pedido mencionado no ponto antecedente motivou a instauração do procedimento de reclamação graciosa n.º 2810201504004701, que correu termos no Serviço de Finanças do Funchal – 1 – cfr. fls. 17 e 18 do PA apenso.

8. Remetido o procedimento de reclamação graciosa n.º 2810201504004701 à Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, pela mesma foi prestada a informação n.º 88 VF, datada de 14 de setembro de 2016, na qual se consignou que:

I – DO PEDIDO

A………… IBÉRIA LDA, ZONA FRANCA DA MADEIRA, melhor identificada supra, veio apresentar reclamação graciosa da liquidação de IRC do exercício de 2014 – visando a anulação da autoliquidação n.º 2015 2910443273, no montante parcial de € 581.074,80 (montante referente a derrama regional).

A reclamante alega não lhe ser aplicável a quantia fixada a título de derrama regional, tendo em atenção a qualidade por si detida de empresa sediada na ZFM, apesar de sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC.

[…]

IV – DA APRECIAÇÃO

Como já referido, a sociedade reclamante detém a qualidade de empresa devidamente licenciada para operar na Zona Franca da Madeira,

No entanto, apesar desta qualidade, e ao contrário do alegado pela reclamante, independentemente de beneficiar do regime do artigo 33.º/36.º do EBF, o facto de a empresa ser licenciada para operar na Zona Franca da Madeira não é razão bastante para desonerar a ora reclamante do pagamento de derrama regional.

Com efeito,

[…]

12. Nesse sentido, o artigo 16.º do DLR 2/2011 de 10/01, inserido no capítulo V desse diploma dedicado à «adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais» veio aditar ao DLR 14/2010/M de 05/08, o n.º 4 ao artigo 16.º, passando a ficar previsto que a derrama regional não é aplicável às entidades licenciadas e a operar na ZFM, que beneficiem quer do regime de isenção do artigo 33.º do EBF, quer dos regimes de redução de taxa de IRC, previstos nos artigos 35.º e 36.º desse mesmo diploma.

13. Assim, para o sujeito passivo beneficiar da isenção de pagamento da derrama regional, é necessário verificar a imputação dos rendimentos obtidos, nomeadamente se resultaram da atividade desenvolvida no âmbito do regime de isenção ou redução da taxa em IRC, e não aos que resultaram do regime geral.

[…]

15. Relativamente ao ano de 2014, foi regulamentado pelo Orçamento regional para esse ano, no seu artigo 19.º que: «[…] mantêm-se em vigor para a Região Autónoma da Madeira, a derrama regional.»

16. Por sua vez, o DLR 5-A/2014/M, aplicável ao caso, veio aprovar as alterações ao regime jurídico da derrama regional, aprovado pelos artigos 3.º a 6.º do DLR n.º 14/2010/M, adaptando às especificidades regionais, os artigos 87.º-A e 105.º-A do CIRC.

17. Este mesmo diploma dispõe que se excluem da aplicação da presente norma as entidades licenciadas a operar na Zona Franca da Madeira que beneficiem do regime de redução de taxa de IRC previsto no art. 36.º do EBF;

18. e que a redação conferida por este mais recente diploma ao regime jurídico da derrama regional, é aplicável aos lucros tributáveis referentes aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1/01/2014.

19. Este diploma entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e retroagiu os seus efeitos a 1 de janeiro e 2014, sendo aplicável aos períodos de tributação que se iniciem, em ou após a referida data.

[…]

21. Assim, nos termos legais supra expostos, todas as empresas sujeitas e não isentas de IRC passaram a liquidar derrama regional, só sendo excluídas desta as que beneficiem do regime de redução de taxa.

[…]

25. Mas, se se verifica que os rendimentos de uma entidade sediada no CINM não cumprem os requisitos desse benefício e estão sujeitas ao regime geral, então deve ser aplicada derrama regional.

26. E foi isso que se verificou no caso concreto em análise, verificando-se que a obtenção dos rendimentos que geraram o apuramento daquele montante de derrama regional, objeto desta reclamação, derivou da atividade da reclamante sujeita ao regime geral de tributação de IRC, ou seja, da atividade à qual não é aplicável o regime de exclusão/redução de taxa.

[…]

29. Assim, entendemos que foi bem autoliquidada a derrama regional.

[…]

V – DA CONCLUSÃO

Nos termos supra referidos, somos de parecer que deverá ser indeferida a presente reclamação graciosa n.º 2810201504004701, mantendo-se a liquidação reclamada n.º 2015 2910443273, no montante de € 581.074,80, devido a título de derrama regional.

Visto que a informação vai no sentido do indeferimento da pretensão do contribuinte, será de proceder ao direito de audição nos termos do artigo 60.º da LGT.

À consideração superiorcfr. fls. 82 a 91 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

9. Sobre a informação referida no ponto antecedente recaiu despacho de concordância da Subdiretora Regional da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Madeira, na qualidade de substituto legal, datado de 16 de setembro de 2016 – cfr. fls. 83 do PA apenso.

10. Por ofício n.º 9.433, datado de 19 de setembro de 2016, foi a sociedade A………… IBÉRIA, LDA. notificada do projeto de decisão referido nos pontos 8. e 9. para efeitos de audição prévia – cfr. fls. 92 a 101 do PA apenso e doc. n.º 1 junto com a petição inicial.

11. A Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira prestou informação n.º 112 LF, datada de 19 de dezembro de 2016, com o seguinte teor:

“No dia 25 de janeiro de 2016, deu entrada nesta Direção Regional, através do n.º 1.050, o procedimento de reclamação graciosa n.º 2810201504004701, […], contra a liquidação de IRC n.º 2015 2910443273, relativa ao exercício de 2014. A reclamante foi notificada do projeto de decisão de indeferimento, através do nosso ofício n.º 9.433, de 19-09-2016 por carta registada não tendo vindo a exercer o direito de audição.

Deste modo, atendendo a que o direito de audição não foi exercido, a decisão deverá ser tomada de acordo com o projeto e os elementos constantes do processo, o qual deverá ser convertido em definitivo, indeferindo-se a presente reclamação graciosa.

À consideração superior de V. Exa.” – cfr. fls. 102 e 103 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

12. Sobre a informação referida no ponto antecedente recaiu despacho de concordância do Diretor da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Madeira, datado de 07 de fevereiro de 2017 – cfr. fls. 102 do PA apenso.

13. A sociedade A………… IBÉRIA, LDA. foi notificada da indicada decisão de indeferimento por ofício n.º 1.702, datado de 17 de fevereiro de 2017 – cfr. fls. 104 e 105 do PA apenso e doc. n.º 2 junto com a petição inicial.

14. A presente impugnação judicial foi apresentada em 31 de março de 2017 – cfr. fls. 01 e ss. dos autos (suporte digital).

15. Por deliberação unânime das sócias A………… METALS S.L.U. e A………… STEEL S.L.U., tomada a 28 de julho de 2017, foi dissolvida e liquidada a sociedade A………… IBÉRIA, LDA. – cfr. ata n.º 54 constante de fls. 116 e 117 dos autos (suporte digital), cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

16. Pela Ap. 4 de 28 de julho de 2017, foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da A………… IBÉRIA, LDA. – cfr. fls. 119 dos autos (suporte digital).

Inexistem factos não provados, com interesse para a solução da causa.

[…]».

2. Questões a decidir
A questão que vem suscitada no presente processo é apenas a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao qualificar a derrama regional criada pelos artigos 3.º a 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, como um «imposto extraordinário sobre lucros».



3. De direito
A questão que vem suscitada no âmbito do presente recurso foi já apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 2 de Dezembro de 2020 (proc. 0194/17.6BEALM), disponível em www.dgsi.pt, no qual se escreveu o seguinte:

“(…)

3.3. A questão fundamental a decidir é, então, a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao qualificar a derrama regional criada pelos artigos 3.º a 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, como um «imposto extraordinário sobre lucros» [conclusões “viii” a “xxiii”].

Assinale-se, entre parêntesis, que a questão de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao qualificar aquele imposto como «imposto regional autónomo não acessório» [também colocada pela Recorrente, mas nas conclusões “iii” a “vii”] não releva para o caso.

Porque de tal qualificação não depende a resposta à questão subjacente, que é a de saber se a derrama regional enquadra na previsão normativa da alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho. E se essa questão não releva para a decisão não tem que ser apreciada.

A doutrina alude a impostos extraordinários para referenciar os que tenham sido criados para atender a circunstâncias extraordinárias e gerar receitas extraordinárias por períodos limitados de tempo (neste sentido, Alberto Xavier, in «Manual de Direito Fiscal I», Almedina 1981, pág. 93 e nuno de sá gomes, in «Manual de Direito Fiscal», Volume I, Rei dos Livros 1999, pág. 137).

Por estarem em causa circunstâncias extraordinárias (a deterioração da conjuntura económico-financeira de Portugal e o agravamento da crise da dívida soberana na Europa) e ter carácter marcadamente temporário (para incidir exclusivamente sobre os rendimentos auferidos em 2011) foi confirmada, como imposto extraordinário, pelo Tribunal Constitucional, a denominada «sobretaxa extraordinária» criada pelo n.º 4 do artigo 2.º da Lei n.º 49/2001, de 7 de setembro (acórdão n.º 412/2012).

Já o designado «imposto extraordinário sobre lucros», criado pelo Decreto-Lei n.º 119-A/83, de 28 de fevereiro, e a que a Recorrente alude nas doutas alegações de recurso, recebeu essa designação atendendo sobretudo ao facto de ser um imposto temporário (ter uma «duração meramente anual», como refere o acórdão do Pleno desta Secção de 9 de julho de 1997 – Recurso n.º 14.521, Apêndice ao Diário da República de 30/03/2000, pág. 83).

Parece, assim, seguro que será extraordinário o imposto que tiver sido instituído para vigorar durante um período limitado de tempo, servindo a excecionalidade das circunstâncias que determinaram a sua criação para confirmar ou acentuar a característica transitória ou temporária do imposto.

Dizendo de outro modo: o legislador utiliza a expressão «imposto extraordinário» para designar o imposto que é limitado temporalmente, ou porque lhe é estabelecido um período de vigência limitado, ou porque é enquadrado em medidas fiscais com carácter marcadamente temporário.

Ora, a derrama regional a que aludem os artigos 3.º a 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, é – quanto a nós, notoriamente – um imposto temporário. Porque foi integrada num diploma destinado a vigorar num só ano económico, o diploma que alterou o orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2010.

Não obsta a tal o facto de ter sido mantida nos anos seguintes. Na verdade, o facto de a derrama regional ter sido «mantida» ou «renovada» em sucessivos diplomas que aprovaram os orçamentos da Região Autónoma da Madeira até confirma o carácter temporalmente limitado do imposto, visto que, através de tal procedimento legislativo, se condicionou a própria existência do imposto à sua criação em lei anual.

Pelo seu lado, o facto de o preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, aludir a circunstâncias extraordinárias (decorrentes da intempérie que assolou a Região em 20 de fevereiro de 2010) que obrigaram a conceber formas de financiamento extraordinário, confirma que o legislador concebeu o imposto para vigorar durante um período limitado de tempo. E por isso inseriu todo o seu regime numa «lei temporária».

Não obsta a tal o facto de os diplomas posteriores não fazerem referência a circunstâncias extraordinárias, visto que a temporalidade do imposto não depende absolutamente, em última análise, de uma justificação extraordinária.

A situação da derrama da Região Autónoma da Madeira é, por isso, totalmente distinta da derrama estadual e da derrama local.

A derrama estadual consta do artigo 87.ºA do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, tendo sido instituída para vigorar ordinariamente, isto é, em todos os exercícios.

A derrama local constava ao tempo do artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro e consta atualmente do artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (Lei das Finanças Locais). Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional de 9 de abril de 2013 (acórdão n.º 197/2013), perdeu o carácter extraordinário porque se apresenta agora como um «mecanismo corrente de financiamento dos municípios».

Ou seja, a derrama local constitui atualmente uma receita ordinária dos municípios (que se repete, por natureza, todos os anos), embora o seu lançamento esteja dependente de uma deliberação anual.

No caso da derrama regional, porém, o regime fiscal respetivo foi integralmente inserido em lei do orçamento. Obedecendo, assim, à ideia de que a receita por ela criada é uma receita extraordinária do exercício correspondente, sem prejuízo da sua renovação através de idêntico mecanismo.

Contrapõe a Recorrente que a derrama regional não pode ser caracterizada como imposto extraordinário por ter uma finalidade de consolidação orçamental.

No entendimento deste tribunal, porém, os impostos que tenham sido instituídos com a finalidade de consolidação orçamental não deixam por isso de ser considerados impostos extraordinários, desde que tenham um carácter marcadamente temporário. O que sucede é que essa característica já não pode derivar da finalidade com que foram instituídos, visto que a finalidade de consolidação orçamental não pode ser considerada uma finalidade extraordinária em si mesma.

Sempre se dirá que não é verdade que a derrama regional não tenha sido incluída no rol dos meios de financiamento extraordinários previstos na Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de junho. Na verdade, todo o orçamento retificativo para a Região Autónoma da Madeira para 2010 tinha em vista «criar as condições orçamentais necessárias para levar a cabo as intervenções de recuperação» ditadas pelas circunstâncias decorrentes da intempérie que assolou a Região Autónoma da Madeira em 2010. Por isso, a derrama regional foi então criada tendo em vista assegurar as dotações orçamentais de receita necessárias para responder às responsabilidades instituídas pelo artigo 8.º daquela Lei Orgânica. Ou seja, comparticipar na reconstrução através das receitas respetivas.

É possível que (como conclui a Recorrente – conclusão “xix”) a prorrogação para o ano de 2012 do regime que criou a derrama regional, determinada pelo artigo 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 de março, tivesse cumprido finalidades distintas. No entanto, não deriva daí que tivesse deixado de ser um imposto extraordinário. Porque voltou a ter uma duração limitada no tempo. Na prática, o que ali sucedeu foi a criação da derrama regional para o ano de 2012, repristinando as normas instituídas para a criação de imposto equivalente de anos anteriores e limitando a sua vigência ao ano correspondente.

Pelo que o recurso não merece provimento por aqui.

3.4. Nas conclusões “xxiv” até final, a Recorrente coloca uma outra questão: a de saber se a derrama regional (ainda que seja considerada um imposto extraordinário) é um tributo distinto do «imposto extraordinário sobre lucros» a que alude a alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho. E se, por isso, não pode ser subsumido à respetiva previsão legal.

A correta interpretação destas conclusões não dispensa algum enquadramento: parece que a Recorrente não pretende pôr em causa que a derrama regional incida sobre uma parte do lucro tributável sujeito e não isento do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. E que, por ser calculada a partir do lucro tributável (ou de parte dele), deva ser considerada um «imposto sobre o lucro».

Se bem interpretamos, a ideia da Recorrente é que, ao aludir à «Isenção de impostos extraordinários sobre lucros e despesas», o legislador do Decreto-Lei n.º 165/86 citado pretendia reportar-se aos impostos que receberam essa específica designação.

Reconheça-se desde já que esse é um dos sentidos possíveis do texto da lei. Ao aludir a «impostos extraordinários sobre lucros» o legislador poderia ter em vista tanto os impostos que devam ser classificados com essa natureza como os impostos que tenham recebido essa específica designação.

Mas não é o sentido mais provável. A redação do preceito sustenta a sua aplicação a todos os impostos com a mesma natureza por mera interpretação declarativa. E não seria razoável que o legislador adotasse uma redação abrangente para reconduzir o benefício, que não foi temporalmente delimitado, a impostos específicos.

Por outro lado, as sucessivas Leis das Finanças Regionais continuaram a prever a existência de impostos extraordinários liquidados como adicionais ou sobre a matéria coletável de outros impostos muito para além da extinção dos «impostos extraordinários sobre lucros» criados pelo Decreto-Lei n.º 119-A/83, de 28 de fevereiro – ver, por último, o artigo 25.º da Lei Orgânica n.º 1/2010, de 29 de março.

Pelo que o legislador não assumiu ali nenhuma conexão intrínseca ou relação de dependência entre estes impostos e a extinta contribuição industrial. E, assumindo que o legislador é coerente quando se refere a «impostos extraordinários» nos diversos diplomas que regulam o sistema fiscal e financeiro da Região Autónoma, não é de admitir que adote a mesma designação nesses diplomas para se referir a realidades distintas.

Questão diversa seria a de saber se a alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86 teria sido tacitamente revogada com a entrada em vigor do Estatuto dos Benefícios Fiscais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, e a consequente adaptação dos benefícios fiscais da Zona Franca da Madeira aos novos impostos.

Mas a resposta é, também aqui, negativa. É sabido que a concentração da disciplina legal dos benefícios fiscais não serviu para eliminar a legislação avulsa que consagra benefícios fiscais, fora do âmbito estrito dos benefícios fiscais ali especificamente regulados. Assim, pelo facto de existir ali uma disposição dedicada aos benefícios fiscais na zona franca da Madeira, em sede de IRS e de IRC, não significa que as entidades licenciadas para ali operar não possam continuar a beneficiar de outros incentivos fiscais, designadamente de âmbito local ou regional.

Pelo que o recurso não merece provimento.

(…)”

E nenhuma razão nova decorre das alegações de recurso para que se inflicta o sentido do assim decidido na jurisprudência antes indicada e para a qual aqui se remete nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663.º, n.º 5 do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 281.º do CPPT, sem necessidade de juntar cópia daquela decisão, atento o facto de a mesma estar disponíveis, na íntegra, em www.dgsi.pt.

Por se considerarem verificados in casu os pressupostos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP e atento o carácter essencialmente remissivo desta decisão, determina-se ainda a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.


*

Custas pelo Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça.
*

Lisboa, 9 de Dezembro de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.