Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0538/18.3BELSB
Data do Acordão:01/11/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24057
Nº do Documento:SA1201901110538/18
Recorrente:A............
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO:
A………… impugnou, no TAC de Lisboa, o despacho da Sr.ª Directora Nacional Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 26.02.2018, que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional que havia formulado e determinou a sua transferência para a Noruega.

Sem êxito já que aquele Tribunal julgou a acção improcedente, absolvendo a Entidade Demandada dos pedidos.
E o TCA Sul, para onde o Requerente apelou, confirmou essa decisão.

É desse acórdão que vem a presente revista (artigo 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O Requerente apresentou, em 29.01.2018, junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, um pedido de protecção internacional e aquele, sabendo que o Requerente já havia formulado idêntico pedido na Noruega, solicitou às autoridades norueguesas a retoma do procedimento aí iniciado, o que elas aceitaram. Por essa razão, a Sr.ª Directora Nacional Adjunta do SEF determinou, nos termos do art.º 38° da Lei n° 27/08, de 30.6, a transferência do requerente para a Noruega por esta ser a responsável pela análise do seu pedido e, em consequência, considerou a pretensão do Requerente inadmissível.
Decisão que ele impugnou no TAC de Lisboa mas este julgou a acção improcedente.

O TCA Sul manteve essa decisão pela seguinte ordem de razões:
“….
10. … o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF efectuou, aos 22/02/2018, um pedido de retoma a cargo do Autor às autoridades norueguesas ….
11. Tendo as autoridades norueguesas aceite, em 26/02/2017, o pedido de retoma a cargo do cidadão ….
12. Pelo exposto, foi determinado que a Noruega fosse considerada o Estado responsável pela retoma a cargo do A., ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do art.18.° do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho.
13. Alega também o recorrente a existência de preterição de uma formalidade essencial, por inexistência de audição do interessado (recorrente), antes de ser proferida decisão de mérito sobre o pedido em causa, o que, manifestamente, não corresponde à realidade dos factos;
14. Efectivamente, salienta-se que o procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido é um procedimento especial, nos termos da epígrafe do Capítulo IV, com uma regulação própria, conforme disposto no artigo 36.º da citada Lei n.º 27/2008, procedimento esse que, como bem se alcança dos Autos, foi observado pelo SEF;
….
17. Ou seja, ….. tendo a Noruega aceite tal responsabilidade, nos termos legais referidos, cabia ao Director Nacional do SEF proferir a decisão de transferência da responsabilidade, acto ora impugnado. Estamos, portanto, perante um acto estritamente vinculado, sendo que a validade dos actos praticados no exercício de poderes vinculados tem de ser feita em função dos pressupostos de facto e de direito fixados por lei, ou seja, pela confrontação da factualidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei. ….
….
Neste sentido, como o SEF solicitou a tomada a cargo do Requerente, às autoridades norueguesas, que a aceitaram, razão pela qual o pedido apresentado em Portugal foi considerado inadmissível.”

3. O Requerente não se conforma com essa decisão e, por isso, pede a admissão desta revista para que este Supremo conheça da:
Nulidade do Acórdão por este não especificar os seus fundamentos de direito visto se ter limitado a afirmar que “«não há lugar ao direito de audiência prévia dos interessados», sem para tanto, indicar princípio, regra ou norma que fundamente a desconsideração de formalidades essenciais.”
Erro de julgamento por o SEF ter proferido o acto impugnado sem ter dado ao Recorrente a oportunidade de se pronunciar sobre essa decisão, de exercer o contraditório, e o Acórdão recorrido ter sufragado essa conduta. Ocorreu, assim, a preterição de uma formalidade essencial visto o Recorrente ter “direito a ser ouvido sobre as informações essenciais ao seu pedido … constantes de um relatório escrito que as indique, assim se assegurando a audiência do interessado.”

4. Como se acaba de ver a razão que levou o TAC e, depois, o TCA Sul a julgar improcedente a anulação do acto impugnado foi o facto de eles considerarem que o SEF tinha decidido acertadamente quando se declarou incompetente para apreciar a pretensão do Recorrente por essa competência pertencer à Noruega, Estado onde ele formulou, em primeiro lugar, o pedido de protecção internacional. Daí que não tenham chegado a pronunciar-se sobre o mérito da sua pretensão.
O Recorrente censura o Acórdão não só por ele não estar fundamentado mas também por declarar legal um acto proferido com violação do direito de audiência.
Essa crítica não procede no tocante à falta de fundamentação visto o Acórdão ter afirmado que não havia lugar ao exercício daquele direito por o procedimento onde o acto foi praticado ser um procedimento especial, com regulamentação própria, e nesta não se prever o direito de audiência. Deste modo, sendo a alegada nulidade do Acórdão manifestamente improcedente, não justifica a admissão da revista para a apreciação dessa questão.

E também não procede a crítica à alegada preterição do direito de audição por as instâncias terem julgado acertadamente quando afirmaram que o procedimento ora em causa era especial - «determinação do Estado responsável» (arts. 36º e ss. da Lei n.º 27/208, de 30/6) – e nele se não prever uma audiência do requerente antes da decisão final («vide» o art. 37º, n.º 2, do referido diploma).
Não se justifica, pois, admitir o presente recurso devendo antes a regra da excepcionalidade das revistas.
Nestes termos, acordam em não admitir a revista.
Sem custas, por isenção do recorrente (art. 84º da Lei n.º 27/2008).
Porto, 11 de Janeiro de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.