Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0179/07
Data do Acordão:06/06/2007
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:IRS
IMPOSTO DE MAIS VALIASS
TERRENO COM APTIDÃO AGRÍCOLA
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
Sumário:Por força do disposto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão de terrenos agrícolas que foram adquiridos antes da vigência do CIRS e se mantinham com essa natureza no momento da sua entrada em vigor.
Nº Convencional:JSTA00064281
Nº do Documento:SA2200706060179
Data de Entrada:02/27/2007
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:DL 442-A/88 DE 1988/11/30 ART5 N1.
CIMV65 ART1 N1 PAR2.
CIRS88 NA REDACÇÃO DO DL 141/92 DE 1992/07/17 ART10 N1 A.
CONST97 ART103 N3.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A… impugnou no Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto uma liquidação de IRS relativa ao ano de 1998.
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que sucedeu na competência daquele Tribunal, julgou a impugnação procedente.
Inconformada, a Fazenda Pública interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
A. O presente recurso tem por objecto a douta decisão proferida pelo tribunal a quo, que julgou que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IRS, relativa ao ano de 1997, no montante de € 31.503,04, por haver concluído que violava o preceituado no art. 5º do Decreto-lei n.º 442-A/88, de 30/11.
B. Subjaz à liquidação em litígio o ganho obtido pela alienação onerosa de um "prédio rústico para construção urbana" segundo declaração no título aquisitivo do alienante/impugnante e adquirente, sito no Lugar … ou …, da freguesia de …, concelho de Vila do Conde, inscrito na matriz predial correspondente sob o art. ….
C. Não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, por considerar que estamos perante um erro de julgamento quanto ao momento a que se deve reportar a qualificação como "terreno para construção”.
D. Em causa está o enquadramento em IRS - Categoria G, dos ganhos obtidos com a venda em 03/06/1998 de um terreno destinado à construção urbana, que a impugnante havia adquirido como rústico em 1974, em consequência de partilha.
E. A natureza do bem jurídico vendido tem de ser vista em função das circunstâncias, qualidades e propriedades que esse bem detém à data do acto translativo gerador de rendimentos.
F. Sendo que, o conceito de terreno para construção para efeitos fiscais, não pode ser um conceito formal, antes devendo ser um conceito material, dirigido às realidades para que foi formulado, traduzindo-se, no caso, na destinação específica à construção urbana.
G. Já anteriormente à vigência do CIRS se mostravam tais ganhos sujeitos a imposto de mais-valias, na medida em que o extinto CIMV sujeitava a imposto "os ganhos com a transmissão onerosa de terrenos para construção", compreendendo o conceito de terrenos para construção "... os assim declarados no título aquisitivo" (cfr. art. 1º, n.º 1 e §2).
H. Ora, à data da transmissão já era clara e inequívoca a intenção de destinar a construção o terreno, facto que foi feito constar expressamente pelas partes no título aquisitivo – a escritura de compra e venda.
I. A escritura pública, como documento autentico, porque não foi impugnada a sua força probatória, faz fé plena de que a declaração foi feita (art. 372º e 371º n.º 1 do CC.), sendo tal força a que respeita ao próprio conteúdo do documento.
J. In casu, em reforço da tese que defendemos por apelo à jurisprudência dominante, vertida, entre muitos, no Ac. do STA (Pleno) de 12/3/80, Rec. 1340 e mais recentemente no Ac. do TCA Norte de 14/12/2006, Proc. 00443/04, sempre será de aceitar por maioria de razão, a qualificação do terreno como tal, em termos da incidência a imposto de mais-valias: - os objectivamente afectos à construção urbana e também os a tal destinados, no momento da sua transmissão.
K. A presunção estabelecida no § 2º, art. 1º, do CIMV, perante outros elementos trazidos aos autos, sejam contemporâneos ou posteriores à aquisição, dado que a natureza própria do terreno para construção, até aí designado de rústico pela impugnante e assim tratado, tem de verificar-se no momento em que se realizou a transmissão onerosa, pois aí radica o facto tributário na sua dimensão temporal.
L. Por força do regime transitório instituído no art. 5º do DL. 442-A/88, de 30/11, só os ganhos decorrentes da alienação de direitos reais relativos a prédios rústicos ou urbanos, adquiridos a título oneroso antes da entrada em vigor do CIRS (01/01/1989), estavam subtraídos à tributação em sede de IRS, valendo a disposição prevista no n.º 1 da citada norma, apenas para as situações de não sujeição ao imposto de mais-valias, anteriormente em vigor.
M. Sendo de concluir neste aresto, que a valorização e consequentemente o ganho inesperado e fortuito, em virtude da efectiva ou potencial afectação a construção tem perfeito enquadramento na previsão da alínea a) do n.º 1 do art. 10º do CIRS, como rendimentos da categoria G.
N. Não se verifica a ilegalidade sentenciada, pelo que a liquidação impugnada deve manter-se na ordem jurídica.
O. A douta sentença recorrida violou o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.10º do CIRS, na redacção então vigente.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.
A impugnante contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
A – Salvo o devido respeito, o presente recurso não aponta qualquer vicio à sentença recorrida, dado que, a sentença perfilha de forma clara, as conclusões inseridas no recurso;
B – Com efeito, entre o vicio alegado e reconhecido na sentença e o objecto do presente recurso não à identidade, dado que o vício invocado e reconhecido na sentença, era apenas o de que em concreto, o terreno da Impugnante, por ter natureza rústica no momento de aplicação do CIRS, não está sujeito à regra de tributação do Art.º 5º do Dec.-Lei n.º 442-A/88 de 30.11, não havendo identidade entre o bem adquirido e o bem vendido, tanto mais que em 1998, o CIMV se encontrava revogado há mais de 10 anos;
C – Tal como decidido no Ac. Do STA de 29.03.2006 citado na douta sentença, o recurso deve ser julgado improcedente;
Como é de JUSTIÇA
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
1.Recorrente: Representante da Fazenda Pública
2.Objecto do recurso: a questão objecto do presente recurso consiste em saber se os ganhos (Mais-Valias) resultantes da venda, em 1998, de um terreno, agora destinado a construção, mas adquirido como prédio rústico em 1974, estão isentos de IRS por estarem abrangidos no regime transitório previsto no artº 5º nº 1 do Decreto-lei nº 442-A/88 (redacção do Decreto-lei nº 141/92 de 17/6).
Alega a ilustre recorrente, e este é o principal argumento da sua contestação à decisão recorrida, que já anteriormente à vigência do CIRS se mostravam tais ganhos sujeitos a imposto de mais-valias, na medida em que o extinto CIMV sujeitava a imposto "os ganhos com a transmissão onerosa de terrenos para construção", compreendendo o conceito de terrenos para construção"...os assim declarados no título aquisitivo" (cfr. art. 1º, n.º 1 e n.º 2). E que à data da transmissão já era clara e inequívoca a intenção de destinar a construção o terreno, facto que foi feito constar expressamente pelas partes no título aquisitivo - a escritura de compra e venda.
3. Fundamentação:
Afigura-se-nos que recurso não merece provimento, devendo ser confirmada a sentença recorrida que, aliás, está conforme com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo – vide Acórdãos de 29.03.2006, processo 01213/05 (I - Nos termos do art. 5º do DL nº 442-A/88, de 30/11, os ganhos que não eram sujeitos a imposto de Mais-Valias só ficavam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens a que respeitam tivesse sido efectuada depois da entrada em vigor do CIRS. II - Se, antes da sua vigência, foi adquirido um prédio rústico, vendido em 1996, agora como terreno para construção, os ganhos daí resultantes não estão sujeitos a IRS, por não estarem abrangidos pela citada previsão legal.) e de 12.12.2006, processo 01100/05, ambos in www.dgsi.pt.
É que, conforme resulta da matéria de facto provada, na data da aquisição (1974) o imóvel em causa era um prédio rústico e até à data da venda o mesmo destinou-se sempre a cultivo agrícola.
Com efeito o que interessa para a aplicação do regime transitório do artº 5º nº 1 do Decreto-lei nº 442-A/88 (diploma que aprovou e regulou a entrada em vigor do Código do IRS) é saber a qualidade que o bem detinha no momento da entrada em vigor daquele diploma legal (1 de Janeiro de 1989).
Vejamos.
Nos termos do art. 1.º do CIMV o imposto de mais-valias incidia sobre os ganhos realizados através da transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que fosse o título por que se operasse, quando dela resultassem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no artigo 17.º da Lei n.º 2 030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41 616, de 10 de Maio de 1958, e que não tivessem a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial.
Dispunha por sua vez o nº 2 do mesmo normativo que eram «havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo. Já o regime do art. 10.º n.º 1 Código do IRS, na sua redacção original, classificou como rendimentos da categoria G os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, resultassem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
Porém, o regime transitório da categoria G, previsto pelo art. 5.º n.º 1 do DL. 442A/88 de 30.11, veio estabelecer que "os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código”.
Como se sublinha no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.12.2006, acima citado, «o que se pretendeu com a mudança de regime de tributação operada a partir de 1989 foi tributar em IRS, categoria G, todas as transmissões onerosas sobre imóveis; todavia, para evitar efeitos retroactivos, estabeleceu-se que para serem tributadas tais transmissões era necessário que os bens abrangidos fossem adquiridos e alienados dentro da vigência da nova lei, com excepção daqueles que já eram antes tributados por força do CIMV, ou seja, os terrenos para construção, os quais passariam agora a ser tributados nos termos do Código do IRS».
Ora, como resulta da matéria de facto dada como provada, o prédio em questão era, à data da entrada em vigor do Código do IRS, um prédio rústico destinado ao cultivo agrícola tendo sido adquirido, também nessa qualidade, antes da vigência do referido diploma legal.
Assim sendo, haverá de concluir-se que os ganhos resultantes da respectiva venda estão isentos por estarem abrangidos no regime transitório previsto no artº 5º nº 1 do Decreto-lei nº 442-A/88 (redacção do Decreto-lei nº 141/92 de 17/6).
Termos em que somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
a). Em 3/6/1998, a impugnante vendeu à sociedade “B…”, pelo preço de 30.000.000$00, “o prédio rústico para construção urbana”, sito no Lugar … ou …, da freguesia de …, com a área de três mil duzentos e cinquenta metros quadrados, descrito na Conservatória de Registo Predial do concelho de Vila do Conde, sob o nº …, do Livro …, inscrito na matriz predial sob o artigo …. - cfr. fls. 15/18.
b). A impugnante entrou na posse do imóvel identificado em a)., em 1974, na sequência de partilha.
c). Em 3/6/1998, pela sociedade “B…” (adquirente do referido terreno) foi liquidada a sisa correspondente a tal aquisição, tendo sido declarado que se pretendia comprar o seguinte:
“- Terreno destinado a construção urbana, com a área de 3.250 m2;
- Sito no lugar …, freguesia de …;
- Omisso na respectiva matriz, não tendo ainda apresentado a declaração para a sua inscrição, (...).
- O terreno constitui a totalidade do prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo 174.” - cfr. fls. 58 do P.A apenso.
d). Na sequência de uma acção inspectiva levada a cabo pelos Serviços Fiscais, estes concluíram que o terreno identificado em a), era de considerar como para construção e como tal sujeito a IRS dado ter vindo à posse do sujeito passivo posteriormente a 9/6/65 e, consequentemente, propuseram uma correcção no valor de 14.882.378$00 (6 74.232,99) - cfr. relatório de fls. 32/35 do P.A apenso.
e). Em resultado de tal correcção, a Administração Tributária emitiu a liquidação nº 5331642973, com imposto a pagar no montante de 6 31.503,04, cuja data limite para pagamento ocorreu em 4/9/2002 - cfr. fls. 54 do P.A..
f). A presente impugnação foi apresentada em 3/12/2002 - cfr. fls. 2 dos autos.
g). Na data da aquisição, em 1974, o imóvel identificado em a) era um prédio rústico.
h). Até à venda, o referido terreno destinou-se sempre a cultivo agrícola.
3 – O terreno em causa nos autos foi adquirido pela Impugnante em 1974, na sequência de partilha, como terreno agrícola, e destinou-se sempre a cultivo agrícola até à sua venda, ocorrida em 1998, com destino a construção.
A questão que é objecto do presente recurso jurisdicional é a de saber se esta venda está sujeita a tributação em IRS, a título de mais-valias.
O art. 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o CIRS, estabelece um «Regime transitório da categoria G» nos termos do qual, na redacção inicial «os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código».
No que concerne a terrenos, o Código do Imposto de Mais-Valias apenas previa a tributação nos casos de «transmissão onerosa de terreno para construção» (art. 1.º, n.º 1.º, daquele Código).
Nos termos do § 2.º do mesmo artigo, «são havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo».
No caso em apreço, não vem provado que o terreno em causa estivesse integrado em zona urbanizada ou compreendida em plano de urbanização, pelo que a qualificação como terreno para construção, para efeito do Imposto de Mais-Valias, só poderia advir de declaração como tal no «título aquisitivo».
Este «título aquisitivo» era o título através do qual o transmitente do terreno, que era o sujeito passivo do Imposto de Mais-Valias, o adquiriu e não o título através do qual o transmitiu, pois este, na mesma terminologia, teria, decerto, a designação de «título transmissivo» ou «título translativo».
No caso em apreço, não se demonstrou que no título aquisitivo do terreno em causa tivesse sido declarado que a aquisição do terreno tinha em vista a construção, pelo que os ganhos obtidos com transmissão do prédio em causa não estavam sujeitos a Imposto de Mais-Valias.
É certo que há uma valorização dos terrenos agrícolas quando são transformados em terrenos para construção e afectados a actividade comercial ou industrial dos seus titulares, situação que passou a ser tributada em sede de IRS, na categoria de mais-valias, com a redacção dada à alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do CIRS pelo Decreto-Lei n.º 141/92, de 17 de Julho. No entanto, essa situação não era tributada em sede de Imposto de Mais-Valias e, ao passar a sê-lo em sede de I.R.S., a título de mais-valias, também em relação a estas valorizações se limitou o âmbito de incidência aos casos em que «a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código», como se estabeleceu na nova redacção que naquele diploma foi dada ao art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88.(A redacção do n.º 1 deste art. 5.º passou a ser a seguinte:
«os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código».)
Assim, para que a transmissão do terreno referida nos autos fosse tributada em sede de IRS, era necessário que, antes da data da entrada em vigor do CIRS, que ocorreu em 1-1-1989, o terreno em causa fosse qualificado como terreno para construção, pois só a valorização de terrenos com esta qualificação era tributada em sede de Imposto de Mais-Valias.
Não valem, neste contexto de tributação em sede de mais-valias, considerações atinentes à materialidade económica das situações da valorização de terrenos agrícolas, derivada da sua transformação em terrenos de construção e à sua pretensa identidade com as situações de valorização de terrenos adquiridos e transmitidos como terrenos para construção.
Na verdade, é patente pelo art. 1.º do Código do Imposto de Mais-Valias que ele não tinha a vocação para tributar a generalidade das situações de valorização de bens que tem o CIRS.
Aliás, o próprio Preâmbulo do Código do Imposto de Mais-Valias expressamente refere a deliberada restrição do âmbito de incidência do imposto, a título experimental, a algumas das situações de valorização de bens, alguns dos ganhos «trazidos pelo vento» e não todas as situações que poderiam abstractamente considerar-se equiparáveis.
Com efeito refere-se no ponto 2 desse preâmbulo que «a ideia de que se partiu para traçar os limites do imposto foi a de considerar mais-valias os aumentos de valor dos bens que os contribuintes não produziram nem adquiriram para venda. É uma ideia decerto sujeita a reparos sob o ponto de vista teórico, mas que tem a vantagem de poder ser utilizada na prática. No entanto, resolveu-se aplicá-la, não a todos os bens naquelas condições, e sim apenas aos bens cujas mais-valias se verificam com maior frequência, são de maior vulto ou não oferecem dificuldades sérias de determinação. É o que acontece, sem dúvida, com os terrenos para construção; com os elementos do activo imobilizado das empresas (entre eles os trespasses e os alvarás) e os seus bens de rendimento; com o direito ao arrendamento dos escritórios e consultórios; com as quotas em sociedades e as acções». «Caem precisamente sob a alçada do imposto as mais-valias desses quatro grupos de bens. Mas fica a porta aberta para se alargar a base da incidência, trazendo-lhe outros bens com as respectivas mais-valias, muito embora só possa pensar-se em fazê-lo depois de colhida a experiência deste diploma e de bem delineados em vários sectores os contornos da evolução económica que está em curso».
Por outro lado, o afastamento pelo art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 da tributação em IRS, a título de mais-valias, dos ganhos obtidos com a transmissão de terrenos que, à data da entrada em vigor do CIRS, eram qualificados como terrenos agrícolas (e, por isso, estavam fora do âmbito de incidência do Código do Imposto de Mais-Valias) compreende-se pelo facto de, tendo-se optado pelo cálculo dos ganhos tributáveis a título de mais-valias com base na diferença entre o valor da aquisição e o valor da transmissão, a tributação em IRS da valorização de terrenos agrícolas que haviam sido adquiridos antes da sua entrada em vigor incluiria, parcialmente, a aplicação retroactiva do novo regime de tributação a ganhos obtidos com a valorização dos prédios rústicos, pois forçosamente se iriam tributar, além dos ganhos correspondentes à valorização gerada na vigência do novo Código, também alguns correspondentes à valorização que, como prédios rústicos, pode ter tido ocorrido antes da sua entrada em vigor.
Ora, essa aplicação retroactiva de normas de incidência tributária, que, a partir da revisão constitucional de 1997 é absolutamente proibida pela nova redacção dada ao art. 103.º, n.º 3, da CRP, só era tolerável anteriormente em situações especiais em que estivesse em causa o interesse geral (Essencialmente neste sentido, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 216/90, de 20-6-1990, processo n.º 203/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 398, página 2ª7.), que não se vislumbram em matéria de tributação de mais-valias.
No caso em apreço, o terreno em causa foi adquirido como terreno agrícola e era terreno agrícola à data da entrada em vigor do CIRS, pelo que é de concluir que, em face do disposto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, os ganhos obtidos com a sua transmissão não se inserem no âmbito de incidência do IRS.
Por isso, não merece censura o decidido na sentença recorrida.
Termos em que acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 6 de Junho de 2007. – Jorge de Sousa (relator) – Baeta de Queiroz – Pimenta do Vale.