Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0824/12
Data do Acordão:11/07/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ANULABILIDADE
Sumário:I - Em regra, os vícios dos actos administrativos e tributários implicam a sua mera anulabilidade, só ocorrendo nulidade quando falte qualquer elemento essencial do acto, quando a lei expressamente o determine, ou quando se verifiquem as circunstâncias referidas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 133.º do CPA, designadamente quando ocorra ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental.
II - A fundamentação do acto tributário de liquidação não constitui um direito fundamental, ou, sequer, um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, e a sua falta ou insuficiência não implica a ausência de elemento essencial do acto, não podendo, assim, gerar a nulidade do acto.
III - Esse vício, sendo gerador de mera anulabilidade, tem de ser suscitado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P14817
Nº do Documento:SA2201211070824
Data de Entrada:07/16/2012
Recorrente:A......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO

A………, nif. ………, deduziu Impugnação contra a liquidação adicional de IMT, de 4.11.2010, no montante global de € 3.098,23, no seguimento do indeferimento da reclamação oportunamente apresentada.
Por sentença de 18 de Abril de 2012, o TAF de Braga considerou verificada a excepção de caducidade e julgou a impugnação improcedente. Reagiu o recorrente, interpondo o presente recurso, cujas alegações integram as seguintes conclusões:

A) O Tribunal a quo decidiu pela verificação da exceção da caducidade da impugnação judicial invocada pela Fazenda Pública e que a falta de fundamentação da liquidação adicional de IMT consubstancia um ato anulável.
B) Concluiu, assim, pela extemporaneidade da impugnação.
C) Sucede, porém, que o ato de liquidação adicional de IMT, é um ato administrativo que impõe/agrava o encargo imposto ao Recorrente. Art.124° n°1, al. a) do CPA.
D) Por esta razão, sobre este tipo de atos administrativos impende um especial dever de fundamentação. Art. 124° n°1 do CPA
E) O dever de fundamentação é uma exigência constitucional, devendo efetuar-se de forma expressa e acessível. Art. 268° n°3 da CRP e Art. 77° da LGT
F) No caso concreto, a fundamentação do ato assume um carácter essencial, pois só desta forma o destinatário: poderá reconstituir o itinerário cognitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, conforme refere Acórdão do STA de 15-11-2006 proc. 0875/06, do relator São Pedro.
G) De resto, nos atos que impõem e/ou agravam encargos, como no caso dos autos, a fundamentação assume caráter essencial.
H) A exigência de fundamentação, nos termos expostos, não se verifica no ato de liquidação adicional de IMT sub judice.
I) PeIo que a sua ausência ou insuficiência constituem uma nulidade nos termos do previsto na primeira parte do n°1 do art.133° do CPA.
J)A nulidade destes atos é invocável a todo o tempo. Art. 134º n°1 e 2 do CPA.
K) Não ocorreu, assim, a caducidade do direito de impugnação. Art. 102° n° 3 do CPPT
L) A decisão recorrida violou as disposições legais citadas e deve ser revogada com a consequente admissão da impugnação, por tempestiva.
Justiça

Não houve contra-alegações.

O EMMP pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:

“Do recurso interposto por A……… resulta a questão controvertida relativa à aplicação do disposto no art. 102.º n.º 3 do C.P.P.T., disposição que permite que a impugnação seja apresentada a todo o tempo, o que se defende com base na falta de fundamentação do acto tributário e com base na não inclusão de elementos que no caso são essenciais.
É de manter o decidido no sentido de ser de aplicar o disposto no art. 102.º n.º 2 do C.P.P.T., constituindo a falta de fundamentação causa de mera anulabilidade do acto.
Com efeito, não só a falta de fundamentação está expressamente incluída entre as causas de nulidade previstas no art. 133.º n.º 2 do CPA., como no caso faltam elementos que devam ser de considerar como essenciais, por referência ao n.º1 dessa mesma disposição.
E especificamente quanto ao acto tributário, tal como foi previsto no art. 77.º n.º 2 da L.G.T. aprovada pelo Dec.Lei n.º 398/98, de 17/9, em que se prevê que a mesma possa ocorrer de forma “sumária”, apenas se previu especificamente que tenha de incluir “as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria colectável e do tributo”.
Não indica o recorrente qual destes elementos faltem.
Da notificação efectuada é de verificar que tais elementos foram incluídos, conforme resulta da al. A) do probatório, bem como de fls. 6 dos autos para que se remete, em que são ainda referidas as disposições legais que fundam o acto de liquidação de IMT.
Acresce que da previsão constitucional da sua falta poder integrar acto lesivo, o que foi referido a “direitos e interesses legalmente protegidos”- art. 268.º n.ºs 3, 4 e 5 da C.R.P., nada mais é possível extrair quanto à invocada falta de elemento que seja de considerar como essencial.
E se continua a admitir-se que a sua falta possa integrar vício de forma — tal resulta em face do valor científico da respectiva teoria estabelecida com base no desaparecido art. 15.º da Lei Orgânica do S.T.A. e pelo próprio conceito de acto definitivo e executório, o qual foi substituído pelo conceito de acto lesivo -, tal não deve levar a que se extraia que o mesmo ocorre sempre, nomeadamente, quando falte outro elemento.
Concluindo, parece não ser de considerar que exista no caso falta de fundamentação quanto a elemento que seja essencial, e de modo a afastar a aplicação que foi efectuada do disposto no art. 102.º do CPPT, com base no qual se indeferiu a impugnação por ser extemporânea, pelo que o recurso é de improceder.

2 – FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:
A) A 18.11.2010, o impugnante foi notificado da liquidação adicional de IMT, n.° 2976550, de 4.11.2010, no montante de € 3.098,23, efetuada em resultado da avaliação de ½ do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Pousada de Saramagos, concelho de V. N. de Famalicão, sob o n.° 150, cfr. fls. 6 dos autos;
B) A 18.03.2011, o impugnante apresentou reclamação graciosa, cfr. fls. 10 do apenso;
C) A 13.04.2011, foi a Reclamação Graciosa indeferida, cfr. fls. 33 e 34 do apenso;
D) A decisão de indeferimento foi notificada, através de carta registada com aviso de recepção, assinado a 15.04.2011, por pessoa diversa do notificando, cfr. fls. 35 do processo apenso;
E) A 11.10.2011, a presente impugnação judicial deu entrada no TAF de Braga, cfr. fls. 2 dos autos.

3 – DO DIREITO

O meritíssimo juiz do TAF de Braga, julgou a impugnação improcedente por entender que (destacando-se apenas os trechos mais relevantes da decisão):

I - RELATÓRIO
A……… (…), veio deduzir a presente Impugnação contra a liquidação adicional de IMT, de 4.11.2010, no montante global de € 3.098,23, no seguimento do indeferimento da reclamação oportunamente apresentada.
Alega, em suma, o seguinte:
• Falta de fundamentação.
Requer, a final, na sequência do deferimento da impugnação, a nulidade da liquidação.
A Fazenda Pública, na sua contestação invocou, prima facie, a intempestividade da presente Impugnação Judicial, por ter sido ultrapassado o prazo previsto no art° 102.°, n.° 2, do CPPT.
Subsidiariamente, pugnou, pela improcedência da impugnação judicial.
(…)
EXCEPÇÃO DA CADUCIDADE DO DIREITO DE DEDUZIR IMPUGNAÇÃO:
(…)
A questão da caducidade do direito de impugnar constitui excepção peremptória, de conhecimento oficioso (cfr. art.° 333.° do Código Civil), e a sua eventual procedência prejudica o conhecimento das outras questões suscitadas na presente acção, pelo que se impõe que dela se conheça desde já.
(…)
Ora, dispõe o art.° 102.°, n.° 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que, no caso de indeferimento de reclamação graciosa (com interesse para os presentes autos), a impugnação será apresentada no prazo de 15 dias após a notificação.Tais prazos são de natureza substantiva, contínuos e contados de acordo com as regras do art. 279° do Código Civil (CC): art. 20° nº 1 do CPPT.
Assim, de acordo com a al. b) deste art. 279° do CC (não se inclui na contagem do prazo o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr).
Nesta conformidade, ao prazo de propositura da impugnação judicial, não se aplicam as regras estabelecidas nos art.° 144.° e 145.°, n.° 5, do Código de Processo Civil, aplicáveis aos prazos processuais, designadamente a possibilidade da prática do acto em qualquer dos três dias úteis seguintes subsequentes ao termo do prazo, mediante o pagamento da respectiva multa.
Por seu turno, nos termos do disposto no art.° 38.°, n.° 1 do CPPT “As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes (...)”.
Outrossim, dispõe o art.° 39.°, n.° 3 “ — Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.”
Assim, estando a situação prevista no CPPT., não existe necessidade de recorrer à aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.
Ora, conforme se extrai dos factos supra enunciados, a administração procedeu de acordo com a lei, cfr. art.° 38.°, n.° 1, do CPPT, notificando o impugnante, por carta registada com aviso de recepção, da decisão de indeferimento da reclamação apresentada. O aviso de recepção encontra-se assinado a 15.04.2011 (alínea D) do probatório). Assim, a notificação considera-se efectuada na data em que foi assinado o aviso de recepção, não prejudicando tal conclusão o facto de ter sido assinada por pessoa diversa do notificando. Pois, neste caso, presume-se que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário, nos termos do n.° 3, parte final, do artigo 39° do CPPT.. Destarte, à administração fiscal cabia demonstrar que a carta foi, válida e regularmente, entregue no domicílio do contribuinte, o que logrou fazer, conforme se deixou dito. Ao contribuinte, maxime ao impugnante, por seu lado, cabia elidir a presunção de recebimento prevista na lei, nos termos do disposto no art.° 39.°, n.° 3, parte final, do mesmo diploma legal. Não o tendo feito e tendo sido demonstrado que a administração fiscal procedeu correctamente à notificação, terá que se considerar que o impugnante foi notificado nas data e termos supra referidos.
Ora, nos presentes autos, o impugnante não nega que a notificação foi feita, pelo contrário, apenas pretende beneficiar do prazo previsto no art.° 102.°, n.° 3 do CPPT., aplicável para os casos em que sejam invocadas causas de nulidade, podendo a impugnação ser deduzida a todo o tempo.
Porém, conforme se extrai do teor da petição inicial, o impugnante invoca como causa de pedir a falta de fundamentação da liquidação, que constitui fundamento da sua anulação e não de nulidade (ao contrário do alegado). Aliás, como evola da leitura conjugada dos art.°s 133.° (atos nulos) e 133.° (atos anuláveis) do CPA..
Assim, contrariamente ao alegado pelo impugnante, in casu, não tem aplicação o disposto no n.° 3 do art.° 102, do CPPT, mas o seu n.° 2, por estarmos perante fundamentos de anulabilidade da liquidação.
Nesta conformidade, tendo o impugnante sido notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a 15.04.2011, e tendo a presente impugnação judicial sido apresentada a 11.10.2011 (alínea E)), há que concluir que o prazo de 15 dias foi ultrapassado.
Pelo exposto, a presente impugnação judicial é extemporânea, verificando-se, desta forma, a excepção da caducidade do direito de acção.
Demonstrada a procedência da excepção da caducidade da impugnação judicial, relativamente aos vícios invocados, cominados com a anulabilidade, fica prejudicado o conhecimento das questões suscitadas, cfr. art. 660° n.° 2 do CPC, impondo-se, por outro lado, a absolvição da ré do pedido, nos termos do disposto no art.° 493.°, n.° 3 do CPC., aplicável ex vi do art.° 2.° alínea e) do CPPT.

III - DECISÃO
Pelo exposto, verificando-se a invocada excepção da caducidade, improcede a impugnação, absolvendo-se, em conformidade, a Fazenda Pública do pedido.”

DECIDINDO NESTE STA
O Tribunal a quo entendeu que o recorrente tinha, nos termos do nº 2 do artº 102º do CPPT, 15 dias contados nos termos do artº 279º do Código Civil, para impugnar a liquidação de imposto em causa, contados da notificação da decisão de indeferimento da reclamação previamente apresentada.

O recorrente por sua vez entende que o acto impugnado padece de nulidade por falta de fundamentação e que a impugnação foi apresentada tempestivamente.

Afigura-se-nos que não assiste razão ao recorrente.
A fundamentação do acto é um elemento de compreensibilidade e inteligibilidade do mesmo. A sua falta é ilegal, mas ainda assim o acto existe. Esta ilegalidade acarreta a anulabilidade e não a nulidade como pretende o recorrente.
Neste sentido o acórdão do STA, de 25 de Maio de 2011, proferido no processo nº 91/11, onde se pode ler:
3.2. Os Recorrentes imputam à decisão erro de julgamento por nela se ter considerado que caducara o direito de impugnar o acto de liquidação com base em vício de falta de fundamentação, por se tratar de vício gerador de mera anulabilidade do acto que tem de ser suscitado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, prazo que se encontrava já ultrapassado quando foi apresentada a petição de impugnação judicial. Os Recorrentes não questionam que esse prazo de 90 dias se encontrava ultrapassado. O que advogam é que o único vício invocado - falta de fundamentação - é susceptível de determinar a nulidade do acto impugnado face à consagração constitucional do direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários e à sua importância em termos garantísticos, devendo ser considerado como um direito fundamental, pelo que a sua invocação podia ser feita a todo o tempo, em harmonia com o preceituado no n.º 3 do artigo 102.º do CPPT. Vejamos. No domínio do direito administrativo, do qual o direito tributário constitui área especial, rege o princípio geral da anulabilidade, sendo anuláveis todos os «os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção» (artigo 135.º do CPA), isto é, todos os actos a que falte qualquer requisito de validade.
E só estão feridos de nulidade os actos previstos no n.º 1 do artigo 133.º do CPA, isto é, «os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade», e que o n.º 2 exemplifica com situações que se têm por mais ocorrentes, designadamente, com os «actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental» - alínea d) do n.º 2.Referindo-se a esta alínea d), FREITAS DO AMARAL (No “Curso de Direito Administrativo”, II vol. pág. 412.) explica que “a expressão direitos fundamentais só abrange, neste artigo, os direitos, liberdades e garantias e direitos de natureza análoga, excluindo os direitos económicos, sociais e culturais que não tenham tal natureza”. E, como refere GOMES CANOTILHO (in "Direito Constitucional”, pág. 536.), os direitos, liberdades e garantias são aqueles “cujo conteúdo é essencialmente determinado [ou determinável] ao nível das opções constitucionais; não são direitos, liberdades e garantias aqueles que só se tornam «líquidos e certos» no plano da legislação ordinária, isto é, aqueles cujo conteúdo é essencialmente determinado por opções do legislador ordinário”. No mesmo sentido podem ver-se diversos arestos do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente nos acórdãos proferidos em 13/01/1994, no recurso n.º 032425, em 30/01/1996, no recurso n.º 35752, e em 05/06/2007, no recurso n.º 0275/07. Deste modo, e em regra, os vícios dos actos administrativos e tributários implicam a sua mera anulabilidade, só ocorrendo nulidade quando falte qualquer elemento essencial (a inidentificabilidade orgânica e material mínima, nas palavras de MARCELO REBELO DE SOUSA) (in “Inexistência Jurídica” DJAP, volume V, página 242.), quando a lei expressamente o determine, ou quando se verifiquem as circunstâncias expressamente referidas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 133.º do CPA, designadamente quando ocorra ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental. E, assim sendo, nem todos os actos que ferem princípios constitucionais são nulos, só o sendo aqueles que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, isto é, que brigam com direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, e já não aqueles que brigam com o principio da legalidade tributária. Os actos violadores do princípio da legalidade tributária são anuláveis, e não nulos. Relativamente ao dever de fundamentação dos actos administrativos e tributários constitui linha jurisprudencial dominante que, não obstante se tratar de uma imposição constitucional, não constitui um direito de natureza fundamental cuja ofensa possa determinar a nulidade do acto. Aliás, a falta de fundamentação nem sequer põe em causa a identificabilidade orgânica ou a identificabilidade material do acto, repercutindo-se, apenas, e em princípio, na sua inteligibilidade e justificação perante os interessados (por estar em causa essencialmente a sua compreensibilidade), pelo que também não implica a falta de qualquer elemento essencial do acto, não podendo, assim, gerar a sua nulidade. Por particularmente expressivo, não resistimos a transcrever, nos seus excertos essenciais e verdadeiramente elucidativos, o Acórdão n.º 594/08 do Tribunal Constitucional, cuja doutrina sufragamos, e onde se conclui que a fundamentação dos actos administrativos não constitui um direito fundamental, ou, sequer, um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias (por não constituir, sequer, garantia do direito fundamental de recurso contencioso contra actos administrativos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados), embora possa vir a ser permeado com as exigências dos direitos fundamentais nos casos, pontuais e específicos, em que a fundamentação do acto seja condição indispensável da realização de direitos fundamentais.«[…] Pode dizer-se que o dever de fundamentação cumpre, essencialmente, três funções: a de propiciar a melhor realização e defesa do interesse público; a de facilitar o controlo da legalidade administrativa e contenciosa do acto e a de permitir aos órgãos hierarquicamente superiores ou tutelares controlar, mais eficazmente, a actividade dos órgãos subalternos ou sujeitos a tutela. A natureza deste dever de fundamentação - se direito fundamental integrante do direito fundamental ao recurso contencioso, se direito autónomo análogo a direito ou garantia fundamental, se direito de natureza não fundamental ou simples imposição objectiva, dirigida imediatamente à Administração, não atributiva de um direito subjectivo - é objecto de controvérsia. A jurisprudência do Tribunal Constitucional […] dividiu-se sobre a matéria. Assim, enquanto alguns acórdãos afirmaram a sua natureza de direito fundamental com base, essencialmente, numa irradiação necessária do direito ao recurso contencioso, postulada pelas suas exigências de efectividade e de concessão de tutela plena, ou defenderam a tese do direito de fundamentação como direito autónomo, análogo a direito ou garantia fundamental, cuja configuração como direito de origem e nível exclusivamente legal poderia ser mesmo surpreendida na legislação anterior e sujeito no seu regime, no mínimo, ao princípio, da proibição das restrições injustificadas ou desproporcionadas [Acórdãos nºs 109/85 e 190/85 e 78/86, publicados no DR II série, respectivamente, de 10.09.1985, 10.02.1986 e 14.06.1986], outros negaram essa natureza de direito fundamental ou de direito de natureza análoga [Acórdãos nºs 63/84, 86/84, 89/84, 51/85, 150/85, 32/86 e 266/87, publicados no DR II série, respectivamente, de 02.08.1984, 02.02.1985, 05.02.1985, 13.04.1985, 19.12.1985, 09.05.1986 e DR I Série, de 28.08.1987]. Analisando a estrutura da norma constitucional que o prescreve, verifica-se que a fundamentação está prevista como dever objectivo, que integra o quadro de legalidade ao qual a Administração está sujeita quando pratica actos ou deliberações administrativas [ver artigo 266º nº 2 da CRP]. Ao dispor que os actos administrativos carecem de fundamentação, o legislador constitucional está a constituir, em geral, sem necessidade de intermediação do legislador ordinário, ou seja, directamente e com tal âmbito, o dever da Administração de, na sua actividade, fundamentar os actos administrativos quando estes afectem direitos ou interesses legalmente protegidos. Mesmo assim, a norma constitucional não dispensa a conformação ou, pelo menos, a mediatização concretizadora do legislador relativamente ao alcance ou extensão da obrigatoriedade da fundamentação e não é claro que resolva as questões de externação-comunicação que lhe estão associadas e que visivelmente pretende abranger” [José Carlos Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, 1991, página 218]. É que o preceito constitucional que consagra a obrigatoriedade de fundamentação tem um núcleo essencial, a que corresponde o dever de fundamentação contextual dos fundamentos, e uma garantia acessória, que a lei concretizou no dever de comunicação expressamente estabelecido - um dever que será um corolário implicado, mas não abrangido no dever de fundamentação e, por isso, sujeito a um regime jurídico diverso [José Carlos Vieira de Andrade, obra citada, página 62].Mas, daí, não resulta que, em correlação com o dever de fundamentação, se contraponha, no outro pólo, uma posição autónoma do interessado que tenha por conteúdo concreto o direito em si à fundamentação, desfuncionalizado relativamente a outros direitos, fundamentais ou não, que possam constituir objecto de relações jurídico-administrativas, e que tutele um bem jurídico-constitucional cuja protecção encontre a sua razão de ser determinante no princípio da dignidade da pessoa humana que constitui o radical unitário dos direitos fundamentais ou de natureza análoga [José Carlos Vieira de Andrade, obra citada, páginas 194 e seguintes]. O interessado tem o direito a exigir que a Administração, na sua actividade decisória sobre quaisquer direitos, fundamentais ou não, e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, cumpra o quadro de legalidade, nele se abrangendo o dever de fundamentação, sem que possa afirmar-se, sem mais e em geral, a existência de um direito subjectivo dos interessados ao cumprimento do bloco de legalidade, por parte da Administração, donde os preceitos relativos ao dever de fundamentação serem [são] afinal aquilo que parecem ser: normas de acção que regulam o comportamento administrativo em função de um conjunto multipolar de interesses, incluindo dos administrados, que nessa medida são juridicamente protegidos [José Carlos Vieira de Andrade, obra citada, página 214]. De qualquer modo, é certo que a projecção normativa dos direitos fundamentais fortalece o dever de fundamentação quando estes estejam em causa, não podendo o legislador ordinário eliminar o dever em termos de precludir o conhecimento pelo particular das razões do acto que toque os seus direitos fundamentais, nem restringi-lo nesses casos fora do quadro previsto no artigo 18º da Constituição [José Carlos Vieira de Andrade, obra citada, página 213], ou seja, apenas fora do núcleo essencial exigido pela garantia dos direitos fundamentais dos administrados, o legislador ordinário pode optar por soluções diversas das já estabelecidas. Nesta perspectiva, pode concluir-se não existir, em geral, um direito fundamental à fundamentação, ou, sequer, um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias [José Carlos Vieira de Andrade, obra citada, páginas 202 e 204], mas poder ele vir a ser permeado com as exigências dos direitos fundamentais, pelo menos, naqueles casos em que a fundamentação seja condição indispensável da realização ou garantia dos direitos fundamentais. […][…] Pensa-se, todavia, como no referido Acórdão nº 150/85, que a fundamentação dos actos administrativos não constitui pressuposto juridicamente necessário, ou condição insuprível, do exercício do direito de recurso contencioso, mas unicamente condição ou factor da sua maior viabilidade prática. A fundamentação constitui um instrumento institucional administrativo cuja existência potencia o conhecimento dos pressupostos de facto ou de direito, com base nos quais se praticou o acto ou deliberação administrativas, com certo conteúdo ou disposição constitutiva - a motivação e a justificação do acto [Acórdão nº 53/92] - e, consequentemente, das possíveis causas da sua invalidade. Ora, o direito de acção ou de recurso contencioso tem por conteúdo a garantia da possibilidade do acesso aos tribunais para a defesa desses direitos e interesses legalmente protegidos, afectados ou violados por actos administrativos. A fundamentação, apenas, propicia, na perspectiva de um eventual exercício desse direito ou garantia fundamental e da sua efectividade, a obtenção do material de facto e de direito cujo conhecimento poderá facilitar ao administrado, de modo mais ou menos determinante e decisivo, a interposição da concreta acção e o seu êxito, através da qual se pretende obter a tutela dos concretos direitos ou interesses legalmente protegidos cuja ofensa é imputada ao concreto acto e deliberação. Por mor da sujeição da administração ao princípio da legalidade administrativa e através desse instituto, o cidadão terá à mão, porventura, mais facilmente do que acontece nas relações privadas, onde lhe caberá desenvolver a actividade investigatória que tenha por pertinente, os elementos de facto e de direito com bases nos quais se pode determinar, pelo recurso aos tribunais, configurar os concretos termos da causa e apetrechar-se dos meios de prova, para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos dever de fundamentação não tem, pois, uma relação de necessidade com o direito de acesso aos tribunais, existindo este sem aquele. Nesta perspectiva, pode concluir-se que o dever de fundamentação não constitui uma condição indispensável da realização ou garantia do direito fundamental de recurso contencioso contra actos administrativos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados.[…] Estabelecendo, embora, o dever da fundamentação, a referida norma constitucional não fixa, todavia, as consequências do seu incumprimento. Como diz José Carlos Vieira de Andrade, caberá, por isso, à lei ordinária esclarecer, por exemplo, se o vício é [ou é sempre] causa de invalidade do acto administrativo, que tipo de invalidade lhe corresponderá, bem como em que condições serão admissíveis a sanação do vício ou o aproveitamento do acto. Assim sendo, bem poderá, em princípio, o legislador ordinário, na sua discricionariedade constitutiva, sancionar a falta de fundamentação, apenas, com a anulabilidade, erigida a sanção-regra [artigo 135º do CPA], e não com a nulidade, assumida, legislativamente, como sanção específica [artigo 133º do CPA], bem como subordiná-las a diferentes prazos de arguição. E, dizemos em princípio, porque a violação da ordem jurídica pode ser de tal gravidade que, para se manter o essencial da força jurídica da garantia institucional constitucional do dever de fundamentação, tenha a sanção para a sua falta de constituir na nulidade. Serão situações especiais em que a falta de fundamentação assume, ou uma natureza própria de elemento essencial do acto, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do nº 1 do artigo 133º do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133º nº 2 alínea d) do CPA]. Tal acontecerá sempre que, para além da imposição genérica da fundamentação, a lei prescrever, em casos determinados, uma declaração dos fundamentos da decisão em termos tais que se possa concluir que ela representa a garantia única ou essencial da salvaguarda de um valor fundamental da juricidade, ou então da realização do interesse público específico servido pelo acto fundamentando ou quando se trate de actos administrativos que toquem o núcleo da esfera normativa protegida [pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais] e apenas quando a fundamentação possa ser considerada um meio insubstituível para assegurar uma protecção efectiva do direito liberdade e garantia [José Carlos Vieira de Andrade, obra citada, página 293]. […]». No caso vertente, está em causa um acto de liquidação de imposto previsto no nosso ordenamento jurídico, e não qualquer acto tributário que contenda com o conteúdo essencial de direito fundamental. E porque a invocada falta ou insuficiência de fundamentação também não constitui, como vimos, elemento essencial da liquidação, não pode o vício determinar a nulidade deste acto.
Assim sendo, e entendendo que a falta de fundamentação invocada pelo recorrente a existir só pode gerar a anulabilidade, verifica-se que a impugnação foi deduzida extemporaneamente.

Pelo que ficou dito, deve improceder o recurso e, confirmar-se a decisão recorrida.
4- DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, e em confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente.
Lisboa, 7 de Outubro de 2012. – Ascensão Lopes (relator) – Pedro Delgado – Valente Torrão.

Segue acórdão de 21 de Novembro de 2012:

Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1- RELATÓRIO
A………, nif. ………, deduziu Impugnação contra a liquidação adicional de IMT, de 4.11.2010, no montante global de € 3.098,23, no seguimento do indeferimento da reclamação oportunamente apresentada.
Por sentença de 18 de Abril de 2012, o TAF de Braga considerou verificada a excepção de caducidade e julgou a impugnação improcedente. Reagiu o recorrente, interpondo recurso, para este STA que por acórdão de 07/11/2012 negou provimento ao recurso, e confirmou a sentença recorrida.
O Acórdão foi logo notificado às partes.
Porém o mesmo encerra um lapso material de escrita quanto à data em que foi proferido dele constando a data de 07/10/2012.
Impõe-se a rectificação do referido lapso.
4- DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em rectificar o acórdão nos seguintes termos: Onde se lê: “07/10/2012”, deverá doravante ler-se: “07/11/2012” efectuando-se as necessárias correcções e registo.
Sem custas.
Lisboa, 21 de Novembro de 2012. - Ascensão Lopes (relator) – Pedro Delgado - Casimiro Gonçalves (em substituição legal do Sr. Conselheiro Valente Torrão).