Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0450/14
Data do Acordão:06/17/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:REFORMA QUANTO A CUSTAS
DISPENSA DO PAGAMENTO
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:I - A imposição da taxa de justiça surge como contrapartida da prestação de um serviço ao particular, face ao princípio do utilizador pagador, terá de ter presente face à natureza da taxa o sentido de correspondência e de equivalência e ainda o princípio da proporcionalidade a que toda a actividade pública está sujeita bem como todo o sistema fiscal cfr artigos 103 e 266/2 da CRP.
II - Tendo o legislador fixado o custo do serviço judiciário com base no valor da acção, reconhecendo que em muitos casos tal critério conduzia a que o usuário desses serviços se visse obrigado a suportar uma taxa de justiça de montante manifestamente desproporcionado em relação ao custo do serviço prestado, e à concreta actividade judicial desenvolvida procurou obstar a tal como a CRP lho impunha.
III - E como decorre do RCP dando ao juiz o poder de dispensar o pagamento de taxa de justiça, quer de determinadas questões incidentais atípicas, quer nas acções de maior valor, designadamente quando o trabalho exigido ao tribunal e a complexidade das questões a ele submetidas fossem de menor monta.
Nº Convencional:JSTA000P19175
Nº do Documento:SA2201506170450
Data de Entrada:04/11/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

A folhas 307 dos autos vem a Fazenda Publica requerer a reforma do acórdão de folhas quanto a custas alegando em síntese que o acórdão negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgar a acção procedente.
Face a esta condenação impõe-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida “ex vi” do disposto no artigo 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais.
Todavia o juiz pode atendendo à especificidade da causa designadamente à complexidade e conduta processual das partes dispensar a parte vencida do pagamento do remanescente.
Entende a requerente que neste processo adoptou um comportamento processual irrepreensível, de colaboração com o Tribunal, não praticando actos inúteis ou expedientes de natureza dilatória.
Sucede também que neste processo nem sequer foi realizada prova testemunhal.
E relativamente à especificidade técnica da causa a mesma não pode ser considerada complexa e difícil dado o facto de as questões terem sido já objecto de decisão doutros tribunais cujos arestos foram tidos em conta na decisão.
Por tudo o exposto entende que deve ser dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
E sem conceder invoca a inconstitucionalidade da norma constante dos nºs 1 2 e 7 do artigo 6º do RCP bem como da al. c) do artigo 26 e al. d) do nº 2 do artigo 25 na parte em que delas resulta que as taxas devidas sejam determinadas em função do valor da acção sem o estabelecimento de qualquer limite máximo quando prevêem sem mais o pagamento de 50% do somatório das taxas de justiça pagas pelas partes para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário sem que esse valor tenha que ser justificado.
Tal facto viola o princípio do acesso ao direito e aos tribunais e da proporcionalidade.
Notificada a recorrida veio responder a folhas 324 alegando não se verificar a inconstitucionalidade invocada e concretamente quanto ao pedido de dispensa refere que o mesmo deve improceder até porque a requerente em parte alguma invocou a sua dificuldade económica.

Cumpre decidir.

De direito:

Como é sabido todos os processos salvo os que beneficiam de isenção estão sujeitos ao pagamento de custas que são a fonte do financiamento do sistema judicial. Por isso o legislador optou pelo estabelecimento de uma taxa fixada previamente tendo em consideração não só o valor da causa mas também a sua complexidade.

Partindo embora do valor da acção que fixa em princípio o valor económico da pretensão e o proveito o legislador mitigou nas acções de montante superior a € 275 000 o montante da taxa de justiça permitindo a isenção do pagamento da taxa do remanescente ou a sua redução desde que preenchidos os requisitos para tal.

A taxa de justiça refere o número 2 do artigo 529 do CPC corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa.

E o artigo 530 do CPC estabelece no nº 1 que a taxa de justiça é apenas paga pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido recorrente e recorrido nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais.

No mesmo sentido também o artigo 1º do Regulamento das Custas Processuais que assim prescreve:
«1 — Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento.
2 — Para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem uma tributação própria
Por sua vez o nº 7 do mesmo preceito e diploma legal considera para efeitos da condenação no pagamento da taxa de justiça de especial complexidade as causas que contenham articulados ou alegações prolixas e as que digam respeito a questões de elevada especialização jurídica especificidade técnica ou importe a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso e bem assim as causas que impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
Pelo que há que considerar se neste caso se justifica a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
O artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais que reafirma que a taxa de justiça deve ser fixada nos termos anteriormente referidos estipula que nas causas de valor superior a €275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Decorre deste preceito que o legislador previu e fixou a taxa de justiça que deve sempre ser paga pelo impulso processual relativamente a todas as causas de valor inferior ou igual a € 275000 mas o montante da taxa correspondente ao valor superior aos € 275000 ficou dependente da verificação de determinados e concretos pressupostos legais, podendo as partes pedir a dispensa desse pagamento e o juiz podendo fazê-lo até oficiosamente.
O artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, consagra o princípio do acesso ao direito e aos tribunais e dele decorre que a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos.
A Constituição não consagra contudo a gratuitidade do serviço de justiça mas o princípio constitucional que vimos referindo implica que o Estado não pode estabelecer um regime de custas de tal modo gravoso que se torne obstáculo ao proclamado acesso impondo-lhe ainda o dever de criar os meios instrumentais que assegurem a todos a efectivação desse direito.
Nestes sentido J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., Coimbra, 1984, p. 182. e entre outros o acórdão do Tribunal Constitucional nº 467/91 in DR II Série de 2 de Abril de 1992.

A imposição assim da taxa de justiça surgindo como contrapartida da prestação de um serviço ao particular, face ao princípio do utilizador pagador, terá de ter presente face à natureza da taxa o sentido de correspondência e de equivalência e ainda o princípio da proporcionalidade a que toda a actividade pública está sujeita bem como todo o sistema fiscal cfr artigos 103 e 266/2 da CRP.
E tendo em conta este princípio de proporcionalidade que enforma todo o nosso sistema tributário não é pelo facto de o utilizador pagador ter meios económicos suficientes ou mesmo considerados elevados que por tal motivo ficará desde logo obrigado a pagar o remanescente da taxa de justiça devida.

Tendo o legislador fixado o custo do serviço judiciário com base no valor da acção, reconhecendo que em muitos casos tal critério conduzia a que o usuário desses serviços se visse obrigado a suportar uma taxa de justiça de montante manifestamente desproporcionado em relação ao custo do serviço prestado, e à concreta actividade judicial desenvolvida procurou obstar a tal como a CRP lho impunha.
E desde logo com o DL 324/2003, de 27.12 (nos seus artºs 27º, nº 3 e 73º-B), dando ao juiz o poder de isentar o pagamento de taxa de justiça, quer de determinadas questões incidentais atípicas, quer nas acções de maior valor, designadamente quando o trabalho exigido ao tribunal e a complexidade das questões a ele submetidas fossem de menor monta.

Estipulava o artº 27º, do CCJ:
1 - Nas causas de valor superior a € 250.000 não é considerado o excesso para efeito do cálculo do montante da taxa de justiça inicial e subsequente.
2 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o remanescente é considerado na conta a final.
3 - Se a especificidade da situação o justificar, pode o juiz, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente.

Depois com o Dec-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro que aprovou o Regulamento das Custas Processuais o legislador mitiga o valor das custas processuais decorrente do valor da causa.
Como decorre da motivação desse diploma legal ínsita no seu preâmbulo:
“De acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da acção. Constatou-se que o valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa.”
E ainda, “(…) quando se trate de processos especiais, procedimentos cautelares ou outro tipo de incidentes, o valor da taxa de justiça deixa de fixar-se em função do valor da acção, passando a adequar-se à efectiva complexidade do procedimento respectivo.”

Por sua vez o artigo 2º da Lei 7/2012 de 13 de Fevereiro manteve o mesmo propósito no nº 7 que foi inserido ao artº 6 do RCP.
De acordo com este artigo nas causas de valor superior a 275 000,00 euros o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes dispensar o pagamento.
É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre 275000 euros e o efectivo e superior valor da causa para efeito de determinação da deste artigo aquela taxa que deve ser considerado na conta final, se não for determinada a dispensa do seu pagamento.
A referida decisão judicial de dispensa, excepcional, depende segundo o estabelecido neste normativo da especificidade da situação, designadamente da complexidade da causa e da conduta processual das partes.
A referência à complexidade da causa e à conduta processual das partes significa em concreto a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes.
Veja-se também neste sentido o acórdão do STA de 23 07 2014 in Processo 885/14 e Salvador Costa in RCP 4 edição pp 84 onde se diz que “o referido circunstancialismo … é cumulativo”.
Face aos considerandos supra enunciados, importa avaliar a situação concreta que é veiculada neste recurso.

A causa sob recurso não pode considerar-se complexa, para efeitos do disposto na norma do artº 6/7 do RCP já que as questões de direito suscitadas quer na impugnação judicial quer no recurso não revestem especial complexidade.

Por outro lado o comportamento processual das partes foi irrepreensível não tendo praticado actos inúteis nem se servindo de expedientes dilatórios sendo parcos e claros nas alegações que produziram.

Pelo que o pedido de reforma é de atender.
Razão que faz com que fique prejudicado o conhecimento da invocada inconstitucionalidade.

Decisão:

Face ao exposto acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário em atender o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, mas apenas quanto à taxa relativa ao recurso.
Sem custas.

Lisboa, 17 Junho de 2015. – Fonseca Carvalho (relator) – Isabel Marques da SilvaPedro Delgado.