Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0770/14
Data do Acordão:05/06/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
ADMISSÃO
SUBCAPITALIZAÇÃO
Sumário:I - O recurso de revista excepcional previsto no artigo 150º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas “como uma válvula de segurança do sistema”, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II - Justifica-se a admissão de revista excepcional - dada a sua importância jurídica fundamental - sobre a questão de direito internacional que consiste em saber se o regime da subcapitalização previsto no então artigo 61.º do Código do IRC é compatível com os artigos 26.º, n.ºs 4 e 5 e 11.º, n.º 8 da CDT celebrada entre Portugal e os EUA, bem como, por se tratar de questão de conhecimento oficioso, se tal regime é compatível com o princípio europeu da liberdade de circulação de capitais.
Nº Convencional:JSTA000P18966
Nº do Documento:SA2201505060770
Data de Entrada:06/26/2014
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A…………….., LDA, com os sinais dos autos, vem interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista, ao abrigo do disposto no artigo 150.ºdo CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27 de Fevereiro de 2014, que deferiu a reforma do acórdão anteriormente proferido pelo TCA-Sul nos presentes autos, negou provimento ao recurso por ela interposto do despacho interlocutório que dispensou a inquirição das testemunhas arroladas e concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2006, no montante de €1.561.874,37€, julgando, em substituição, improcedente essa impugnação.

A recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. A decisão do TCAS de que se recorre padece de três (3) erros judiciais patentes e ostensivos, sobre questões que, per se, se revestem de importância fundamental e que fazem com que a admissão deste recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

B. Sobre a primeira questão, temos que o Venerando TCAS começou por dar provimento, em 2013, ao recurso da FP, por entender que a recorrida (ora Recorrente) não havia feito prova de um ponto essencial nos autos, esquecendo por completo que a ora Recorrente havia interposto um recurso de um despacho interlocutório que dispensou a inquirição das testemunhas arroladas (a fls 296, tendo o mesmo subido nos autos com a decisão final).

C. Tendo anulado esse Acórdão, o TCAS profere o Acórdão ora recorrido, mantendo o essencial do Acórdão anterior: indeferiu o recurso do despacho interlocutório apresentado pela ora Recorrente (considerando que a prova testemunhal não era admissível in casu), para logo de seguida deferir o recurso da FP, considerando que a Impugnante não fez a prova necessária.

D. Para o efeito, o TCAS entendeu que a demonstração prevista no n.º 6 do artigo 61.º do Código do IRC, que cabe ao sujeito passivo, só pode ser efetuada por prova documental, não sendo admissível prova testemunhal, por irrelevante.

E. No entanto, a demonstração pedida pelo n.º 6 do artigo 61.º não concerne a um dado objetivo (como o valor do capital social ou a situação líquida da sociedade), mas a um facto complexo e de apreciação subjetiva, cuja prova testemunhal seria muito importante, pelo que a decisão constitui um erro patente e ostensivo.

F. Logo de seguida, o TCAS deferiu o recurso da FP com fundamento no facto da ora Recorrente não ter feito prova de ter realizado a devida consulta do mercado bancário de financiamento, sendo certo que ficou provado dos autos duas consultas ao .......... e ao ............

G. A prova testemunhal visava demonstrar, atendendo aos fatores previstos no n.º 6 do artigo 61.º, que a Impugnante poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento (prova que não apresentava dificuldade para as testemunhas, atendendo ao facto da Impugnante se inserir num dos maiores grupo multinacional do mundo) e nas mesmas condições de uma entidade independente.

H. Ao negar o direito à inquirição das testemunhas, considerando depois que ficou por provar um facto relativamente ao qual as testemunhas iam ser - e podiam ser - inquiridas, o TCAS cometeu um erro judicial patente e ostensivo.

I. A questão da admissibilidade ou, melhor dizendo, da aferição da necessidade de prova testemunhal, é essencial para uma boa aplicação do Direito, pois é uma questão complexa que implica o preenchimento de um conceito indeterminado e que se encontra na confluência entre o direito constitucional à tutela jurisdicional efetiva, o princípio da proibição da indefesa, o princípio do inquisitório, o princípio da descoberta da verdade material e o princípio da proporcionalidade.

J. Para além de violar ostensivamente aqueles princípios constitucionais, a decisão do TCAS demonstra o conflito permanente entre a busca da celeridade processual, o princípio do inquisitório e os princípios constitucionais que visam assegurar a tutela jurisdicional efetiva.

K. Caberá a este STA pronunciar-se, como órgão de cúpula, sobre qual destes princípios deve ter primazia... e se é lícito considerar a priori irrelevante a prova testemunhal, nas situações em que o facto a provar é complexo e depende de um juízo subjetivo; tanto basta para demonstrar a relevância jurídica fundamental desta questão.

L. Quanto à relevância social fundamental, entende a Impugnante que este caso apresenta contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma para a orientação de outros casos (cfr. nas palavras deste STA, Acórdão de 30.04.2013, processo n.º 0562/13).

M. Com efeito, existem variadíssimas normas tributárias que impõem ao sujeito passivo a comprovação de um facto, sem se indicar o tipo de prova admissível e em relação às quais a prova testemunhal não deve ser restringida (cfr., artigos 14.º, n.º 15, alínea a), última parte, 23.º-A, n.º 8, 51.º-B, n.º 3, 53.º, n.º 7, 139.º, n.º 1, para citar apenas o Código do IRC).

N. Ora, a resolução do presente caso poderá se revelar paradigmática, através da fundamentação proferida por este STA, para a resolução de muitos outros casos, nomeadamente quando estejam em causa os artigos mencionados.

O. Ou seja, a decisão do STA in casu servirá para os restantes tribunais (com destaque para o Venerando TCAS) aferirem se podem simplesmente decidir que a prova testemunhal é irrelevante, quando está em causa a demonstração de um facto complexo de apreciação inerentemente subjetiva.

P. Entende-se também que a admissão deste recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, na medida em que o juízo a priori da pertinência ou impertinência da prova testemunhal, nas situações em que a lei impõe ao sujeito passivo a prova de um facto complexo, que exige um juízo eminentemente subjetivo, deve merecer a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa para dissipar dúvidas.

Q. Tanto basta para que o presente recurso seja admitido.

R. Quanto à segunda questão, a Impugnante havia imputado dois vícios ao ato impugnado: (i) a administração tributária não aplicou o procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT e (ii) a administração tributária não teve em conta que o requerimento apresentado a 28.01.2007 para ilidir a presunção legal prevista no n.º 1 do artigo 61.º do Código do IRC havia já sido tacitamente deferido por força do artigo 64.º do CPPT.

S. Toda a doutrina e toda a jurisprudência que se debruçaram sobre o regime de subcapitalização qualificam o artigo 61.º sub judice como uma norma específica antiabusiva, o que também decorre explicitamente do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 5196, de 29 de janeiro.

T. Sendo uma norma específica antiabuso, a sua aplicação estava dependente do procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT (nesse sentido, ALFREDO JOSÉ DE SOUSA E JOSÉ DA SILVA PAIXÃO).

U. Contra tudo isto, o TCAS refere apenas que o regime de subcapitalização mais não é do que uma correção aritmética à matéria colectável de IRC, pelo que, não sendo uma norma antiabuso, não se lhe aplica o artigo 63.º do CPPT.

V. A Impugnante havia arguido também que o n.º 1 do artigo 61.º do Código do IRC continha implícita uma presunção legal, sujeita ao artigo 64.º do CPPT (conforme ensinam os ILUSTRÍSSIMOS CONSELHEIRO JORGE LOPES DE SOUSA e PROF. CASALTA NABAIS).

W. Embora a existência desta presunção legal seja de difícil apreensão, a mesma encontra-se ínsita no regime de subcapitalização, como demonstram aqueles AUTORES.

X. Assim sendo, é aplicável à subcapitalização o regime previsto no artigo 64.º do CPPT, conforme ensina o VENERANDO CONSELHEIRO JORGE LOPES DE SOUSA, tendo o requerimento apresentado pela Impugnante a esse propósito sido tacitamente deferido.

Y. Contra isto, o TCAS refere apenas que “as correcções técnicas em causa nada têm que ver com a determinação da matéria colectável por presunção”, não lhe sendo aplicável o artigo 64.º do CPPT.

Z. A forma como o TCAS contraria toda a doutrina e jurisprudência que alguma vez se debruçaram sobre a subcapitalização, bem como os considerandos do próprio legislador, sem para o efeito argumentar o que quer que seja nesse sentido, configura um erro grosseiro e faz duvidar se não foi operada uma inversão do processo cognitivo que deve presidir a qualquer decisão judicial: primeiro devem ser analisados todos os factos e o direito aplicável e depois – apenas depois – se deve decidir.

AA. O TCAS cortou cerce o debate, esquivando-se assim à necessidade de fundamentar duas questões essenciais:

i) porque razão não considera aplicável o artigo 63.º do CPPT à norma de subcapitalização, que é considerada unanimemente como uma norma específica antiabuso?
ii) porque razão não considera aplicável o artigo 64.º do CPPT à norma de subcapitalização, que é considerada unanimemente como estabelecendo uma presunção implícita?

BB. O Venerando TCAS resolve estes problemas (insolúveis de outra forma), decidindo, sem a adequada explicação, que não está em causa uma norma antiabuso e que não existe qualquer presunção implícita, cometendo um duplo erro patente e ostensivo.

CC. Entende a Impugnante que a incorreta caracterização, pelo TCAS, de um instituto jurídico-tributário como é o regime da subcapitalização, que foi introduzido no ordenamento português há quase 20 anos, como uma das três primeira medidas antiabusivas criadas na lei tributária nacional, reveste uma importância jurídica fundamental.

DD. Ademais, este regime, pela sua excecionalidade na fiscalidade portuguesa, apresenta contornos de grande complexidade, tal como a doutrina aliás sempre salientou, complexidade essa comprovada pelos erros grosseiros do Venerando TCAS, comprovando-se assim de novo a relevância jurídica fundamental da questão.

EE. Quanto à relevância social fundamental da mesma, é de sublinhar que correm atualmente em tribunal vários casos com contornos muito semelhantes, todos de valor elevadíssimo, que clamam por um Acórdão do STA que venha dar a última palavra na sua qualidade de órgão de cúpula.

FF. Entende-se também que a admissão deste recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, não se visando apenas a correção de um erro ostensivo in casu mas também, e principalmente, providenciar coordenadas para uma melhor aplicação do direito, mormente do correto enquadramento dos institutos jurídico-tributários fundamentais, como sejam (i) as medidas antiabuso, (ii) a existência de presunções implícitas e (iii) o regime da subcapitalização.

GG. Como terceira questão, a Impugnante considera ainda que o Acórdão sub judice comete um erro ostensivo e manifesto no que toca a interpretação do regime de subcapitalização e a sua incompatibilidade com uma norma constante da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos.

HH. A Impugnante alegou (e demonstrou) que a liquidação impugnada violava o artigo 26.º n.ºs 4 e 5 da CDT celebrado entre Portugal e os EUA, sendo por conseguinte inconstitucional por violação do artigo 8.º da CRP, uma vez que estabelece uma discriminação entre juros pagos a residentes e juros pagos a um residente nos EUA, algo que não é permitido pela CDT, conforme explicitamente referem os Comentários ao Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património.

II. A Recorrente alegou também que não se poderia argumentar contra o exposto referindo que o artigo 11.º, n.º 8 da CDT celebrado entre Portugal e os EUA permite a aplicação do artigo 61.º, n.º 1 do Código do IRC.

JJ. Isto porque o n.º 8 do artigo 11.º da CDT permite apenas a desconsiderar fiscalmente o excesso de juros pagos entre entidades relacionadas, quando comparado com os juros que seriam pagos entre entidades independentes; pelo contrário, o n.º 1 do artigo 61.º do Código do IRC permite desconsiderar muito mais: todos os juros que decorrem de empréstimos que excedam o dobro da participação no capital próprio.

KK. De acordo com a norma da CDT, a Administração Tributária teria de analisar qual o montante de juros que não seria pago entre entidades independentes (e desconsiderar esse excesso), sublinhando-se que este "excesso de juros" nada tem que ver com o "endividamento excessivo" referido no regime da subcapitalização da nossa lei interna: um diz respeito aos juros pagos em excesso face às condições de mercado, e o outro tem a ver com o limite de endividamento a partir do qual se aplica o regime.

LL. Pelo contrário, a Administração Tributária apenas calculou quais os juros relativos a empréstimos que excedem o dobro da participação no capital, e desconsiderou todos esses juros, violando-se assim explicitamente o estabelecido na CDT, até porque a Administração Tributária nunca chegou a referir qual seria o juro de mercado, ou seja, o juro que seria praticado entre entidades independentes.

MM. Perante tudo isto, o TCAS refere apenas que "estando em causa a regra de não dedutibilidade de um custo em IRC por falta de comprovação dos seus pressupostos, da efetividade e da indispensabilidade, não se antolha quebra por parte do regime dos normativos internacionais convocados".

NN. O TCAS comete um erro grosseiro sobre uma questão que reveste uma importância fundamental para efeitos do artigo 150.º do CPTA, uma vez que a mesma reconduz-se "a uma tarefa de interpretação e conjugação de normas jurídicas que dimanam do direito internacional convencional" com normas internas, que determinam ou podem determinar soluções jurídicas diversas em face de conceitos complexos, utilizando as doutas palavras deste próprio STA (Acórdão de 18.06.2013, processo n.º 0571/13).

OO. Está em causa a incompatibilidade entre a norma de subcapitalização interna e a norma de não descriminação constante nos n.ºs 4 e 5 do artigo 26.º da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos, sendo igualmente necessário apreciar o disposto no artigo 11.º n.º 8 da referida CDT, que estabelece o tratamento fiscal a conferir aos juros excessivos face à regra de mercado.

PP. Note-se que estão em causa dois dos mais complexos institutos tributários (subcapitalização e preços de transferência), conjugados com um dos princípios basilar do direito internacional convencional, o que demonstra a importância jurídica fundamental da questão.

QQ. Tendo presente que as normas de não discriminação, assim como a norma que consta do artigo 11.º n.º 8 da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos, estão presentes em todas as CDT celebradas pelo Estado Português, considera-se verificada também uma relevância social fundamental na apreciação das ditas questões, nomeadamente no escopo daquele princípio fundamental.

RR. Por último, mesmo que se considere que nenhuma das questões apontadas per se tem a virtude de legitimar um recurso de revista (o que apenas se admite por mero dever de patrocínio), sempre se dirá que a conjugação de todas toma imperativo a admissão do recurso.

SS. Isto porque todas as questões supra foram decididas com erro grosseiro, devendo este Venerando STA deixar claro que a pressão em reduzir pendências não pode legitimar decisões proferidas sem a compressão devida da matéria sub judice, por mais complexa que esta seja.

TT. E não pode este STA ignorar que o presente caso clama por um recurso, devendo a decisão sub judice ser rejeitada por um sistema - qualquer sistema - que preze esse nome.

UU. Termos em que a conjugação de todas as questões suscitadas supra, quando encaradas no seu conjunto - e mesmo que se considere que individualmente não tenham esse condão, o que não se admite - tornam a admissão do presente recurso indeferível, já que poucos casos haverá onde é tão absolutamente necessária uma melhor aplicação do direito.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser revogada a decisão recorrida.


2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:

«Vem interposto recurso de revista do Acórdão do TCA Sul de 27.02.2014 que, concedendo provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do TAF de Lisboa de 28.09.2012, revogou a sentença recorrida e, julgando improcedente a impugnação deduzida contra o acto de liquidação do IRC n.º 2009 8510029365, manteve na ordem jurídica o acto impugnado.
Sustenta que a decisão recorrida "(...) padece de três (3 erros judiciais patentes e ostensivos, sobre questões que, per se, se revestem de importância fundamental e que fazem com que a admissão deste recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".
Vejamos:

O recurso de revista previsto no n.º 1 do art. 150.º do CPTA, consagrando um duplo grau de recurso jurisdicional fundado em critérios qualitativos, tem natureza excepcional, apenas sendo admissível quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito" (cfr., também, o art. 672.º, n.º1 do novo C.P.Civil).
Como salienta António Santos Abrantes Geraldes, in "Recursos no Novo Código de Processo Civil", 2013, p. 297, «As expressões adverbiais empregues na formulação normativa ("excepcionalmente" e "claramente necessária") não consentem que se invoque como fundamento da revista excepcional a mera discordância quanto ao decidido (...). Tão pouco bastará a verificação de uma qualquer divergência interpretativa, sob pena de vulgarização do referido recurso em situações que não estiveram no espectro do legislador». A «revista excepcional não visa, em primeira linha, a defesa dos interesses das partes, antes a protecção do interesse geral na boa aplicação do direito» - (cfr. Ac. do STJ de 12.07.12, citado por Abrantes Geraldes, ob. cit. p. 298).
A primeira questão que a recorrente coloca tem a ver, como se substancia na Conclusão 1 da Alegação de Recurso, com a "aferição da necessidade da prova testemunhal” .
Ora, a aferição da necessidade ou não da produção de prova testemunhal é um juízo que só pode ser formulado em face de uma situação concreta, não sendo esse juízo extrapolável para situações em que o enquadramento factual da situação seja diverso. A esse propósito o que se refere na decisão recorrida é que, no caso, a prova testemunhal requerida não é relevante e essa afirmação claramente mostra que o juízo formulado na decisão recorrida sobre a necessidade ou não da produção da prova testemunhal requerida teve a ver com a concreta situação apreciada, com as circunstâncias do caso, e não com qualquer posição de princípio quanto à admissibilidade do meio de prova testemunhal que justifique a intervenção deste Supremo Tribunal em ordem a uma melhor aplicação do direito.

A segunda questão colocada pela recorrente tem a ver com a alegada preterição do regime do art. 63.º do CPPT e a não aplicação do regime vertido no art. 64.º do CPPT.
Porém, à semelhança do que ocorre com a anterior questão, também não se vê que esta seja uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou que a admissão do recurso se mostre necessária em ordem a uma melhor aplicação do direito. Mesmo abstraindo das especificidades do caso, não parece que as questões procedimentais invocadas apresentem dificuldade e complexidade susceptíveis de gerar acentuadas divergências a nível doutrinal e jurisprudencial ou que a eventual controvérsia em tomo dessas questões tenha significativa capacidade de expansão, tendo desde logo em conta o facto do regime de subcapitalização ter sido entretanto revogado.
Com efeito, embora pareça evidente, face ao respectivo texto legal e de acordo com a melhor doutrina\ que o art. 61.º, n.º 1 do CIRC que vigorou até 31.12.2009 (ex-art. 57.º-C do CIRC) configurava uma norma especial anti-abuso, na medida em que visava limitar o nível de endividamento das sociedades residentes junto de entidades não residentes com as quais mantinha relações especiais, como forma de obviar ao eventual financiamento das sociedades residentes através de empréstimos, com a consequente erosão da base tributável , também se tem por manifesto, face às normas dos arts. 63.º, n.º 2 do CPPT e 38.º, n.º 2 da LGT e na linha da melhor doutrina3, que isso não implicava que tivesse que ser observado o procedimento a que alude aquele art. 63.º do CPPT.
Tal procedimento só teria lugar quando a disposição em causa fosse enquadrável na definição constante do n.º2 do art. 63.º do CPPT ou no n.º 2 do art. 38.º da LGT, sendo aquela norma, já revogada, de âmbito mais restritivo do esta mas cuja aplicação não excluía. Não era o caso da norma do art. 61.º do CIRC, como esclarece Jorge Lopes de Sousa, em anotação àquele preceito (cfr. CPPT Anotado, 5.ª Ed., vol 1, pág. 501). E é nessa linha de raciocínio que se inscreve a pronúncia do aresto recorrido quando considera que ser aplicável, no caso, o procedimento previsto no art. 63.º do CPPT, por o mesmo só ser aplicável nos casos do n.º 2 do art. 38.º da LGT.
No que concerne ao art. 64.º do CPPT também parece claro, face ao respectivo texto legal, que o mesmo não tinha aplicação no caso em apreço, mesmo considerando, como parece considerar Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotado, 5.ª Ed., vol 1, pág. 501, que na norma do art. 61.º do CIRC, bem com nas demais que cita, se estabelecem presunções, que podem ser ilididas nos termos do art. 64.º do CPPT.
Na verdade, o que dispõe tal preceito é que "o interessado que pretender ilidir qualquer presunção prevista nas normas de incidência tributária deverá para o efeito, caso não queira utilizar as vias da reclamação graciosa ou impugnação judicial de acto tributário que nela se basear, solicitar a abertura de procedimento contraditório próprio".
Ora, não resulta do probatório que a ora recorrente tenha desencadeado esse procedimento, como bem se salienta na abordagem que sobre a questão é feita na decisão da 1.ª Instância. De todo o modo, a possibilidade do uso do procedimento em causa, como decorre do n.º 1 do preceito, constitui uma alternativa ao uso da reclamação graciosa e da impugnação judicial pelo que a respectiva utilização tem ínsita, quanto à matéria em causa, uma renúncia ao uso destes, o que no caso não se verificou (cfr. Jorge Lopes de Sousa, in ob cit., págs. 503 e 504).
Não se vê, em qualquer caso, que o Acórdão recorrido tenha tratado a matéria em causa de forma pouco cuidada, ostensivamente errada ou juridicamente insustentável.
A terceira questão colocada pela recorrente diz respeito à compatibilização do regime de subcapitalização com as normas normas de não discriminação constantes dos n.ºs 4 e 5 do art. 26.º da CDT celebrada entre Portugal e os Estados Unidos e com as regras do art. 11.º, n.º 8 desse mesmo instrumento normativo.
Embora se reconheça que não constitui tarefa fácil a interpretação e conjugação de normas jurídicas que dimanam do direito internacional convencional com normas de direito interno e que, no caso, tal se verifica ainda assim se entende que, também quanto a este segmento, não deverá ser admitida a revista.
Com efeito, como se assinala no recente Acórdão deste Supremo Tribunal de 06.03.2014 - Rec. n.º 01241/13, o recurso de revista só é admissível "se for claramente necessário para uma melhor aplicação do direito ou se estivermos perante uma questão que pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental, sendo que esta importância fundamental tem de ser detectada, não perante o interesse teórico ou académico da questão, mas perante o seu interesse prático e objectivo, medido pela utilidade da revista em face da capacidade de expansão da controvérsia ou da sua vocação para ultrapassar os limites da situação singular". E que, por outro lado, "a clara necessidade da revista para uma melhor aplicação do direito há de resultar da repetição ou possibilidade de repetição noutros casos"; "quando o caso concreto contém uma questão bem caracterizada e passível de se repetir em casos futuros e a decisão nas instâncias esteja ostensivamente errada ou seja juridicamente insustentável, ou se suscitem fundadas dúvidas por se verificar uma divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, tomando-se objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema".
Ora, não se vislumbrando que o Acórdão recorrido tenha tratado a matéria em causa de forma pouco cuidada, ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, também não se vê que a admissão da revista possa encontrar justificação na eventual capacidade de expansão da controvérsia e na susceptibilidade de repetição noutros casos, tendo em conta a circunstância, já antes referida, do regime de subcapitalização a que aludia o art. 61.º do CIRC, na redacção que vigou até 31.12.2009, já se encontrar revogado.
Em face do exposto, considerando que não se mostram preenchidos, no caso, os pressupostos do recurso de revista a que alude o n.º 1 do art. 150.º do CPTA, sou de parecer que o presente recurso não deverá ser admitido. »

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação -

4 – Matéria de facto
Ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 663.º do Código de Processo Civil dá-se por reproduzido, para todos os efeitos legais, o probatório constante do acórdão recorrido, a fls. 604 a 620 dos autos

5 – Apreciando.
5.1 Da admissibilidade do recurso
O presente recurso foi interposto e admitido, sem prejuízo do disposto no art. 150.º/5, do CPTA, como recurso de revista (cfr. requerimento de interposição e despacho de admissão, a fls. 694 e 747 dos autos, respectivamente), havendo agora que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o recente Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».
O acórdão recorrido julgou verificada a arguida nulidade por omissão de pronúncia do anterior acórdão do TCA -Sul proferido nos autos - que não se pronunciara sobre o recurso do despacho interlocutório proferido em 1.ª instância que dispensara a produção de prova testemunhal por desnecessidade -, anulando-o, julgando, após, não merecer censura o despacho que dispensou a produção de prova testemunhal, porquanto, estando em causa a aplicação do (então) n.º 6 do artigo 61.º do Código do IRC e sendo a questão controvertida a de saber se a impugnante fez prova de que os empréstimos contraídos com a casa não foram obtidos em condições análogas às que seriam obtidos junto de entidades independentes, em livre concorrência, a prova em causa depende de elementos contabilísticos, bancários, financeiros e económicos, através dos quais se forme a convicção sobre as condições de mercado de empréstimos naquele sector de actividade, (…) não relevando no caso a prova testemunhal, pois que da mesma não se extrai elementos objectivos que permitam integrar o âmbito previsivo em apreço, para além dos que resultam dos referidos elementos documentais (cfr. acórdão recorrido, a fls. 599/600 dos autos).
No que concerne ao mérito do recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara procedente a impugnação judicial da liquidação de IRC referente ao exercício de 2006, o acórdão recorrido concedeu-lhe provimento, no entendimento de que, em face dos elementos coligidos nos autos, e contrariamente ao julgado em 1.ª instância, se impunha concluir que a recorrida não fez prova de que os empréstimos contraídos com a casa mãe foram obtidos em condições análogas às que seriam obtidos junto de entidades independentes, em livre concorrência (…). Prova que, perante a demonstração dos pressupostos elencados no artigo 61.º/1, do CIRC, por parte da AT, cabe à impugnante/recorrida efectuar. Ónus que, como resulta dos autos, em particular do relatório de inspecção que suporta a correcção em análise, a mesma não cumpriu (…) – cfr. acórdão recorrido, a fls. 626 dos autos. Passando a conhecer em substituição dos demais fundamentos da impugnação, o acórdão recorrido apreciou o alegado vício de preterição de formalidades essenciais – não aplicação do regime previsto no artigo 63.º do CPPT e não aplicação do regime previsto no artigo 64.º do CPPT (acórdão recorrido, a fls. 627/628 dos autos), da alegada fundada duvida sobre o facto tributário (acórdão recorrido, a fls. 628/629 dos autos) e da alegada violação do acordo para evitar a dupla tributação, celebrado entre Portugal e os EUA e da alegada inconstitucionalidade do artigo 61.º/1 do CIRC (acórdão recorrido, a fls. 629/632 dos autos), julgando-os a todos inverificados, razão pela qual julgou improcedente a impugnação.
Havia entendido a 1.ª instância que não houvera no procedimento conducente ao acto de liquidação preterição de formalidades essenciais, pois que o procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT não seria aplicável nos casos em que estão em causa disposições anti-abuso de natureza especial, como é a prevista no art. 61.º do CIRC, não sendo igualmente aplicável o deferimento tácito previsto no n.º 3 do artigo 64.º do CPPT porque o requerimento apresentado pela impugnante a 28/01/2007 foi apresentado ao abrigo do disposto no n.º 6 e 7 do CIRC, e não ao abrigo do procedimento especial previsto no art. 64.º do CPPT (…), não sendo oponível à AT um efeito jurídico resultante de um normativo legal, quando no próprio requerimento não se faz menção à utilização desse procedimento e ainda porque sendo tal procedimento alternativo ao uso da reclamação graciosa e impugnação judicial, e tendo a impugnante deduzido a presente impugnação judicial, não se verificam os pressupostos do n.º 1 daquele preceito legal para que pudesse operar o deferimento tácito da petição. Não obstante, entendeu a 1.ª instância verificado o vício de violação de lei da liquidação, pois que a posição da AT – de que a Impugnante não satisfez o ónus da prova que sobre si impendia uma vez que antes de recorrer a empréstimos intragrupo deveria ter tentado efectivamente obtê-los junto de instituições bancárias independentes, e como não o fez, nunca poderá fazer prova do requisito legal de que “poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento -, não tem qualquer assento legal, pois que o então n.º 6 do artigo 61.º do CIRC apenas exige que o sujeito passivo demonstre que poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento e em condições análogas de uma entidade independente, não prevendo a lei que essa demonstração revista a forma de tentativa prévia e efectiva de obtenção de empréstimo, tendo a sentença recorrida julgado que a Impugnante satisfez o seu ónus da prova ao demonstrar as condições que, objectivamente, instituições bancárias nacionais associavam a financiamentos em tudo idênticos ao contratado, havendo que considerar que a Impugnante efectuou a prova exigida no art. 61.º, n.º 6 do CIRC, e ainda que assim não se entenda, a adequada para que seja aplicado o disposto no art. 100.º do CPPT (cfr. sentença recorrida, a fls. 400 a 406 dos autos), juízo último este que o TCA-Sul não confirmou.
Resulta do exposto que a divergência fundamental entre a sentença revogada e o acórdão recorrido respeita à apreciação que neles foi efectuada quanto à verificação do alegado vício de violação de lei imputado à liquidação, resultando tal divergência essencialmente da (diversa) valoração da prova junta pela impugnante para efeitos de afastamento da aplicação do regime da subcapitalização nos termos do então n.º 6 do artigo 61.º do Código do IRC, prova essa que, nos termos do n.º 7 do mesmo preceito legal, devia integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º (do Código do IRC).
Pretende, contudo, a recorrente a admissão de revista excepcional quanto a três questões (i) uma questão de prova, (ii) uma questão procedimental e (iii) uma questão de direito internacional alegadamente todas de carácter fundamental e que preenchem os requisitos do artigo 150.º do CPTA, pois sobre cada uma delas o TCAS cometeu (…) um erro judicial patente e ostensivo, são questões que se revestem de importância fundamental e fazem com que a admissão deste recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cfr. alegações de recurso a fls. 696 dos autos e respectiva conclusão A).
Contrariamente ao alegado não se vê, contudo, que em relação à questão de prova e à questão procedimental colocadas pela recorrente se justifique a admissão da revista.
No que à questão de prova respeita porque decorre inequivocamente do disposto no n.º 4 do artigo 150.º do CPTA, supra transcrito, que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que manifestamente não é o caso dos autos, pois que, quando muito, se poderia era retirar do n.º 7 do artigo 61.º do Código do IRC argumento justificativo do juízo confirmativo da sentença recorrida proferido pelo TCA-Sul quanto à inexistência de erro de julgamento do despacho que dispensou a inquirição das testemunhas arroladas pela impugnante. No demais, é gratuita e infundamentada a suspeição de que o juízo efectuado no acórdão recorrido quanto à prova se deveu, de algum modo à enorme pressão sobre os Tribunais para despachar processos e não se alcança como uma decisão sobre prova, inteiramente dependente das concretas circunstâncias do caso concreto, possa ser um paradigma para a orientação de outros casos futuros, de modo a justificar a admissão da presente revista.
No que respeita à questão procedimental – preterição de formalidades essenciais por não aplicação do regime previsto no artigo 63.º do CPPT e não aplicação do regime vertido no artigo 64.º do CPPT –, não se nos afigura, contrariamente ao alegado, que tenha sido cometido qualquer erro ostensivo na apreciação de tais questões ou que estas se revelem de importância jurídica ou social fundamental. Da qualificação do regime da subcapitalização como norma especial anti-abuso não decorria necessariamente - como bem demonstrou a sentença de 1.ª instância que, neste particular, foi corroborada pelo acórdão recorrido - , que lhe fosse aplicável o regime do artigo 63.º do CPPT, como pretendido pela recorrente, sendo que a aplicação do procedimento previsto no artigo 64.º do CPPT se encontrava, in casu, prejudicada pelo facto de o requerimento apresentado pela impugnante em 28/01/2007 o ter sido ao abrigo do disposto no n.º 6 e 7 do CIRC, e não ao abrigo do procedimento especial previsto no art. 64.º do CPPT e da a impugnante não ter renunciado – antes ter usado -, a via alternativa da impugnação judicial. Para além do mais, também estas questões procedimentais, em si mesmas, não se mostram particularmente complexas ou intrincadas, a justificar a revista em razão da importância jurídica fundamental da questão, ou susceptíveis de se repetirem, com contornos semelhantes, num número indeterminado de casos futuros, porquanto como bem reconhece o recorrente, o regime de subcapitalização foi entretanto revogado e o artigo 63.º do CPPT tem hoje redacção clara no sentido da sua aplicação exclusiva à disposição anti-abuso constante do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, mais parecendo que a aplicabilidade do artigo 64.º do CPPT estava in casu prejudicada pelas particularidades do caso dos autos, como decidido na sentença de 1.ª instância.

Já no respeita à questão de direito internacional – em particular a questão da compatibilidade do regime de subcapitalização com os artigos 26.º, n.ºs 4 e 5 e 11.º, n.º 8 da CDT celebrada entre Portugal e os EUA, bem como, por se tratar de questão de conhecimento oficioso, a compatibilidade de tal regime com o princípio europeu da liberdade de circulação de capitais – afigura-se-nos justificada a admissão da presente revista.
As questões que reclamam a concatenação de normas nacionais de aplicação exclusiva a não residentes – como era o regime da subcapitalização – com os princípios de direito europeu e de direito internacional são geralmente questões problemáticas de elevada complexidade, porquanto, desde logo, pressupõem a apreensão de um quadro legal particularmente amplo e o apelo a princípios fundamentais objecto de interpretação comunitária cuja observância se impõe aos Estados-Membros. E daí que se afigure tratar-se de questão de importância jurídica fundamental, a justificar a admissão da presente revista quanto a essa questão, tanto mais que, no caso dos autos, a fundamentação constante do acórdão recorrido quanto à questão de direito internacional não ponderou - sequer para afastar no caso concreto a sua aplicabilidade -, a decisão contida no Acórdão do TJUE de 3 de Outubro de 2013, processo C-282/12, proferida em reenvio prejudicial oriundo do TCA-Sul no processo 5365/12, afigurando-se, pois, necessária a intervenção deste STA, enquanto órgão de cúpula do sistema na elucidação dessa questão de importância jurídica fundamental.

Vai, pois, admitida a revista, exclusivamente quanto à questão de direito internacional, nos termos supra expostos.
- Decisão -
6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em, nos termos supra definidos, admitir o presente recurso de revista para conhecimento da questão de direito internacional suscitada nos autos.

Sem custas.

Lisboa, 6 de Maio de 2015. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Dulce Neto - Casimiro Gonçalves.