Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0669/08
Data do Acordão:01/07/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:IRC
REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA
REDUÇÃO DE TAXA
ESTABELECIMENTO ESTÁVEL
EMPRESA
RECURSO JURISDICIONAL
EFEITO SUSPENSIVO
Sumário:I - A atribuição de efeito suspensivo aos recursos jurisdicionais, dependente da prestação de garantia, prevista no art. 286.º, n.º 2, do CPPT, não se justifica nos casos em que o recurso é interposto pela Fazenda Pública.
II - A circunstância invocada pelo recorrente de que a atribuição de efeito devolutivo lhe causa «eventual prejuízo», não está prevista como fundamento da atribuição de efeito suspensivo do recurso jurisdicional.
III - O conceito de «estabelecimento estável» que emana do art. 5.º do CIRC, embora neste Código só tenha utilidade relativamente a entidades não residentes (isto é, sem sede ou direcção efectiva) em território português, é potencialmente aplicável, para efeitos de regimes de tributação especiais das Regiões Autónomas, como reportando-se a entidades que sejam residentes em Portugal, mas não tenham sede ou direcção efectiva em determinada Região Autónoma.
IV - Por força do princípio da igualdade, enunciado no art. 13.º da CRP, que proíbe distinções desprovidas de justificação objectiva e racional, deve interpretar-se em conformidade com a Constituição o art. 2.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, de 20 de Fevereiro, com o sentido de beneficiarem da taxa reduzida de IRC todas os sujeitos passivos deste imposto sem sede nem direcção efectiva na Região Autónoma da Madeira que na área desta Região possuam instalações qualificáveis como «estabelecimento estável», independentemente de a sua sede ou direcção efectiva ser no estrangeiro ou em área do território nacional exterior aquela Região Autónoma.
V - Na verdade, para além da identidade material da situação real, a nível da Região Autónoma da Madeira, de empresas nacionais e estrangeiras nela não residentes, a razão que justificou a criação de taxas reduzidas de IRC para entidades não residentes na Região Autónoma da Madeira, que é «fomentar o investimento produtivo na Região Autónoma da Madeira» (Preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001), vale igualmente para o investimento por empresas estrangeiras e por empresas nacionais.
Nº Convencional:JSTA00065460
Nº do Documento:SA2200901070669
Data de Entrada:07/16/2008
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PENAFIEL PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART286 N2 ART146 N2 ART199 N5.
LGT98 ART100.
DLR 2/2001/M DE 2001/02/20 ART2 N1 N2.
DLR 29-A/2001/M DE 2001/12/14.
L 13/98 DE 1998/02/24 ART13.
CIRC88 ART2 ART3 ART5.
CONST76 ART13 ART204.
CCIV66 ART9.
Jurisprudência Nacional:AC TC PROC140/97 DE 1999/03/03 IN BMJ N485 PAG26.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A..., S.A., impugnou judicialmente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel uma liquidação de IRC e juros compensatórios, relativa ao exercício de 2003.
Aquele Tribunal julgou a impugnação procedente, anulando o acto impugnado.
A Fazenda Pública interpôs para este Supremo Tribunal Administrativo o presente recurso jurisdicional da sentença daquele Tribunal, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
A. A liquidação efectuada não padece de qualquer ilegalidade,
B. Na verdade limitou-se a corrigir uma liquidação que não se encontrava de acordo com o estipulado no Decreto Legislativo Regional, nº. 2/2001/M, de 20/02, aplicando taxa nacional de 30%, já que a impugnante tem sede no Continente, do Território Português
C. Não tendo a impugnante sede na Região Autónoma da Madeira, não lhe é aplicável taxa reduzida, de 27%, já que esta é reservada apenas aos seus residentes, ou a quem tendo estabelecimento estável na Região, o tenha apenas nessa Região.
D. A taxa reduzida é apenas aplicável aos rendimentos dos sujeitos passivos residentes na Região Autónoma da Madeira, tal como definidos na al. a) do art. 13.º da Lei n.º 13/98 de 24 de Fevereiro.
E. Foi a Assembleia Legislativa Regional que assim determinou, visando apenas abranger os seus residentes, como o diz expressamente no parágrafo quinto do preâmbulo da Lei.
F. Quando os sujeitos passivos têm sede no Continente, e instalações na RAM, é-lhes aplicável a taxa geral de 30%, inclusive aos rendimentos obtidos naquela Região, muito embora aquele imposto continue a ser receita da Região.
G. A lei ao referir estabelecimento estável, refere-se apenas a estabelecimento estável de entidades estrangeiras, com sede fora do Território Nacional.
H. Para as instalações sem personalidade jurídica própria de entidades com sede em território português reserva a designação de sucursais, delegações, agências escritórios etc.
1. A douta sentença ao assim não considerar, violou as disposições do D.L. Regional n.º 2/2001/M, de 20/02, com as alterações introduzidas pelo D.L.Regional n.º 29-A/2001, de 20/12, e D.L.Regional n.º 30-A/2003/M, de 31/12, bem como a alínea a) do artº. 13º. da Lei 13/98, de 24/02, pelo que deve ser revogada.
Termos em que,
Pelo multo que V. Exas. suprirão, se requer que seja dado provimento ao presente recurso, revogando a douta sentença recorrida, e julgando Improcedente a presente impugnação com as legais consequências
A Impugnante contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
A. Ao contrário do que pugna a Fazenda Pública e como resulta da lei, o presente recurso tem efeito suspensivo,
B. Como resulta da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo e ao contrário do que entende a Administração Fiscal, a taxa de IRC em vigor na Região Autónoma da Madeira no exercício de 2003 é aplicável aos sujeitos passivos que tenham sede no Continente e um estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira, relativamente aos rendimentos obtidos nessa Região Autónoma, determinados nos termos do artigo 13.º da Lei de Finanças das Regiões Autónomas (Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro).
C. Este entendimento resulta da aplicação do regime legal em vigor à época dos factos, em especial, do artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, dos artigos 13.º e 32.º da Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro (Lei de Finanças das Regiões Autónomas que possui valor reforçado) e do artigo 2,º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, de 20 de Fevereiro (com as alterações introduzidas pelo Decreto Legislativo Regional n.º 29-A/2001 /M, de 20 de Dezembro).
D. Qualquer outro entendimento, designadamente o entendimento de que a taxa de IRC prevista no artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional nº 2/2001/M, de 20 de Fevereiro de 2001, (com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 29-A/2001/M aplica-se apenas às pessoas colectivas residentes na Madeira e a não-residentes em território português com estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira padece de ilegalidade por violação do número 2 do artigo 2.º do mencionado Decreto Legislativo Regional em articulação com o artigo 13.º, aº 1, alíneas a) e b), da Lei de Finanças das Regiões Autónomas (lei de valor reforçado) e tipicidade por violação do princípio da igualdade inscrito no artigo 110 da CRI? por tratar de forma diferente estabelecimentos estáveis de entidades não residentes localizadas na Madeira relativamente a estabelecimentos estáveis de entidades residentes aí também localizadas sem justificação para tal, vícios estes que se deixam aqui expressamente arguidos.
E. Ao contrário do que conclui a Fazenda Pública o conceito de estabelecimento estável não se refere apenas a estabelecimentos estáveis de entidades estrangeiras com sede fora do território nacional,
F. Isso mesmo é confirmado pela origem do conceito e pelo uso que dele foi feito ao longo do tempo como é referido nos artigos 247 e 25.º destas alegações.
G. Embora se reconheça que se trata de um conceito com um campo de aplicação privilegiado no seio do Direito Fiscal Internacional, tal não significa que o referido conceito tenha a sua aplicação exclusiva no âmbito do Direito Fiscal Internacional.
H. A conclusão anterior é demonstrada desde logo pela definição de estabelecimento estável constante do número 1 do artigo 5.º do CIRC, mas também pelo regime da derrama consagrado na Lei das Finanças Locais e pelo regime do beneficio fiscal às zonas &ancas da Madeira e Santa Maria, como ficou mais detalhadamente demonstrado nos artigos 26º a 29.º destas alegações.
I. A decisão recorrida não merece qualquer censura ao ter anulado a liquidação de imposto efectuada, bem como a liquidação de juros compensatórios e moratórios, seja porque mesmo que se entendesse que o imposto era devido - o que só por hipótese académica se admite e sem conceder - não se poderia as sacar qualquer culpa à ora Recorrida pois as divergências interpretativas não são susceptíveis de fundar um juízo de culpa necessário para fundamentar a liquidação de juros compensatórios
Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmada a sentença recorrida pois só assim se fará a costumada, Justiça!
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
Questão prévia do efeito atribuído ao recurso: alega a recorrente que ao recurso deve ser atribuído efeito suspensivo da decisão recorrida, aplicando-se subsidiariamente o art. 740º nº 1 do Código de Processo Civil, face ao eventual prejuízo que o não deferimento de tal pretensão acarreta para a Fazenda Pública.
A nosso ver carece de razão.
Resulta do art. 286º, n.º 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário que os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos.
Porém, como refere Jorge Lopes de Sousa no seu CPPT anotado, 4 edição. pág. 1164, «a regra do efeito suspensivo estar dependente da existência de garantia só se justifica nos casos em que os recursos jurisdicionais sejam interpostos por quem na sequência da decisão possa ser obrigado a pagar uma quantia.
Por isso, deverá interpretar-se restritivamente esta regra limitando o seu campo de aplicação aos limites traçados pela sua razão de ser, afastando-a nos casos em que o recurso é interposto pela Fazenda Pública ou pelo Ministério Público».
Deverá, pois, improceder a questão prévia suscitada pela Fazenda Pública.
Objecto do recurso:
A questão objecto do presente recurso prende-se com a interpretação do conceito de estabelecimento estável acolhido no art. 2º, n.º 2 do Dec. Legislativo Regional 2/2001/M de 20.02
A recorrente alega que o Código do IRC, apenas utiliza a designação de estabelecimento estável situado em território português para entidades não residentes, ou seja que não tenham sede nem direcção efectiva em território português (alínea c) do art. 30º e al. c) do art. 2º do CIRC).
E que para as instalações sem personalidade jurídica própria de entidades com sede em território português a própria Lei de Finanças das Regiões Autónomas (Lei 13/98) reserva a designação de sucursais, delegações, agências escritórios etc.
Conclui sublinhando que o conceito de estabelecimento estável acolhido naquele diploma legal, se refere apenas a estabelecimento estável de entidades estrangeiras, com sede fora do território nacional.
Afigura-se-nos que o recurso merece provimento
Dispõe o art. 2, n.º 2 do referido Dec Leg. Regional que a taxa especial referida no número anterior é aplicável aos sujeitos passivos do IRC que possuam sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira e o imposto em causa constitua receita da Região, nos termos previstos nas alíneas e do artigo 13.º da Lei de Finanças das Regiões Autónomas. A redacção do preceito não é clara.
Mas consideramos, ao invés do que se sustenta na decisão impugnada e também nas alegações da recorrida, que o citado normativo não prevê expressamente que os sujeitos passivos que beneficiam da aplicação da taxa reduzida de IRC relativamente aos rendimentos obtidos na Região Autónoma da Madeira, serão os definidos pelas alíneas a) e b) do art. 13.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas.
Não é isso que decorre daquele texto legal.
O que ali se diz é que a taxa especial é aplicável aos sujeitos passivos do IRC que possuam sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira (1º requisito) e sempre que se verifique (cumulativamente) um segundo requisito ou seja que o imposto constitua receita da região, já que a diminuição na taxa nacional de IRC, prevista naquele normativo, se aplica apenas, aos rendimentos obtidos na região autónoma.
Ademais na análise do preceito forçoso é recorrer ao subsídio interpretativos do elementos sistemático e também à ratio legis, tendo sempre como presente que a captação do sentido de uma norma não pode fazer-se de uma forma isolada.
Ora o DLR 2/2001/M de 20.02 prevê a redução da taxa de IRC devida pelos sujeitos passivos residentes na região autónoma da Madeira.
Analisando a razão de ser da norma, ou ratio legis, constatamos do respectivo preâmbulo, que era intenção do legislador reduzir a taxa do IRC em relação aos rendimentos dos sujeitos passivos residentes na Região Autónoma, tendo tal redução o escopo de «favorecer o investimento produtivo» (....) contribuindo para a correcção das assimetrias de distribuição de rendimento resultantes da insularidade e para a melhoria das condições de vida dos seus residentes»
Esclarecendo-se depois, ainda naquele preâmbulo o conceito de «residentes na região autónoma» como sendo os que como tal são definidos na alínea a) do artigo 13.º da Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro, ou seja «pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável numa única Região.
Por outro lado o elemento sistemático também aponta naquele sentido já que, como bem refere a recorrente, o Código do IRC, apenas utiliza a designação de estabelecimento estável situado em território português para entidades não residentes, ou seja que não tenham sede nem direcção efectiva em território português (alínea c do art. 3º e al. c) do art. 2º do CIRC).
E na interpretação da lei há-de presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados art. 9.º, nº 3 do Código Civil).
Acresce dizer que a interpretação defendida pela recorrente não viola o princípio da igualdade.
O princípio da igualdade, inscrito nos artigos 13º e 266º, n.º 2, da Constituição da República, obriga a Administração Pública a tratar igualmente os cidadãos que se encontram em situação objectivamente idêntica e desigualmente aqueles cuja situação for objectivamente diversa( ) Vide neste sentido João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo, página 81.
No caso não estamos perante situações idênticas como decorre de forma expressa do preâmbulo do diploma, onde se salienta que a atenuação da carga fiscal sobre as pessoas colectivas visa garantir a competitividade e criação e emprego das empresas com actividade no arquipélago, que suportam os custos da insularidade.
E a instalação de meras sucursais, delegações, agências ou escritórios não é comparável a deslocação para a região autónoma da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável de pessoas colectivas, situações essas que propiciam a competitividade e criação de emprego em níveis muito superiores e por isso são mais valorizadas.
O tratamento diverso tem, pois, justificação bastante, pelo que não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade.
Nestes termos somos de parecer que o presente recurso não merece provimento, devendo revogar-se o julgado recorrido.
As partes foram notificadas deste douto parecer, pronunciaram-se nos termos que constam de fls. 123 a 128.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
– A Impugnante é uma sociedade anónima que se dedica à construção civil e obras públicas
– Tem sede em Amarante.
– Desde 1996 que tem instalações na Região Autónoma da Madeira, sita na ... – Lote E2, Concelho de ..., Funchal.
– A impugnante foi objecto de uma inspecção relativa ao IRC de 2003.
– Na sequência da inspecção foram efectuadas correcções à matéria tributável de IRC no montante de 2.770.803,51 euros.
– No exercício de 2003, o volume de negócios da ora impugnante realizado na Região Autónoma da Madeira correspondeu a 0,47% do seu volume total de negócios cfr. doc. de fls. 25 dos autos.
– A liquidação em crise veio, corrigir a colecta de IRC à taxa da Região Autónoma da Madeira de 701.965,35 euros para 1.098.648,65 euros.
3 – A Fazenda Pública suscita a questão prévia do efeito do recurso.
No despacho de admissão do recurso, foi-lhe fixado efeito devolutivo,
O art. 286.º n.º 2, do CPPT estabelece que «os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos».
Como fundamento da sua pretensão de atribuição de efeito suspensivo ao recurso, a Fazenda Pública alega que haverá «eventual prejuízo» para a Fazenda Nacional (fls. 65).
A regra que se extrai daquele art. 282.º e a de o efeito ser devolutivo, pelo que a atribuição de efeito suspensivo só pode ocorrer se se verificar uma das excepções nele referidas.
A excepção que deriva da prestação de garantia, pela sua própria natureza, só é aplicável aos recursos interpostos pelos contribuintes, pois o regime de prestação de garantia, designadamente a sua forma de cálculo, prevista no art. 199.º, n.º 5, do CPPT («valor da dívida exequenda, juros de mora até ao termo do prazo de pagamento limite de 5 anos e custas a contar até à data do pedido, acrescida de 25% da soma daqueles valores») tem como pressuposto a sua prestação pelo contribuinte.
A excepção de a atribuição de efeito devolutivo afectar o efeito útil do recurso não se vislumbra: se a sentença for revogada, o acto impugnado manterá os seus efeitos, podendo ser efectuada a cobrança da quantia devida; por outro lado, a execução da decisão contra a Fazenda Pública não pode ter lugar antes do trânsito em julgado, como decorre do preceituado nos arts. 100.º da LGT e 146.º, n.º 2, do CPPT.
A circunstância invocada pela Fazenda Pública, que é o «eventual prejuízo», não está prevista como fundamento da atribuição de efeito suspensivo.
Pelo exposto, indefere-se a pretensão da Fazenda Pública de atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso jurisdicional.
4 – A Impugnante é uma sociedade comercial com sede em Amarante e instalações na Região Autónoma da Madeira.
No ano de 2003, a Impugnante autoliquidou IRC à taxa de 27%, em vigor naquela Região Autónoma, prevista no art. 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, de 20 de Fevereiro, na redacção dada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 29-A/2001/M, de 14 de Dezembro, vigente no ano de 2003.
No presente recurso jurisdicional, a Fazenda Pública defende que, por força do disposto no art. 13.º, alínea a), da Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro, (Lei das Finanças Regionais, em vigor naquele ano), a taxa de 27% apenas é aplicável a sujeitos passivos residentes na Região Autónoma da Madeira e aos que, tendo «estabelecimento estável» na Região, apenas o tenham numa única Região, sendo de interpretar esta referência a «estabelecimento estável» como reportando-se apenas a sociedades estrangeiras com sede fora do território nacional.
5 – Como bem refere o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, a decisão do presente recurso jurisdicional prende-se com a questão do conceito de estabelecimento estável acolhido no art. 2.º, n.º 2, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, de 20 de Fevereiro.
O este art. 2.º, n.º 2, na redacção inicial, vigente em 2003 ( ( ) A redacção inicial só foi alterada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 3/2007/M, de 9 de Janeiro. )
2 – A taxa referida no número anterior é aplicável aos sujeitos passivos do IRC que possuam sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira e o imposto em causa constitua receita da Região, nos termos previstos nas alíneas a) e b) do artigo 13.º da Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
A Impugnante não tinha sede nem direcção efectiva na Região Autónoma da Madeira, pelo que a taxa especial de IRC prevista no n.º 1 do mesmo artigo só lhe pode ser aplicada se se apurar que possuía «estabelecimento estável» naquela Região Autónoma.
A tese da Fazenda Pública é a de que a designação de «estabelecimento estável» apenas é aplicável a entidades não residentes em território português, isto é, que neste não tenham a sua sede ou direcção efectiva, como resulta do disposto no n.º 3 do art. 2.º do CIRC.
O conceito de «estabelecimento estável» é, de facto, utilizado no CIRC apenas para definir a sujeição a IRC de entidades não residentes, como se conclui do art. 2.º, n.º 1, alínea c), que define como sujeitos passivos daquele imposto «as entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e cujos rendimentos nele obtidos não estejam sujeitos a IRS», e do art. 3.º, n.º 1, alíneas c) e d), que estabelecem que, relativamente a essas entidades não residentes em território nacional, o IRC incide sobre «o lucro imputável a estabelecimento estável situado em território português» e «os rendimentos das diversas categorias, consideradas para efeitos de IRS, auferidos por entidades mencionadas na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior que não possuam estabelecimento estável em território português ou que, possuindo-o, não lhe sejam imputáveis». (( )Redacções vigentes em 2003, antes da redacção do DL 287/03, de 12 de Novembro.
A redacção deste diploma apenas aditou uma referência aos incrementos patrimoniais na alínea d) do n.º 1 do art. 3.º do CIRC.)
Porém, o conceito de «estabelecimento estável» não é dado naquelas normas, mas sim no art. 5.º do CIRC em que se refere que se considera «estabelecimento estável qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola».
E, no n.º 2 do mesmo artigo, esclarece-se que «incluem-se na noção de estabelecimento estável, desde que satisfeitas as condições estipuladas no número anterior: a) Um local de direcção; b) Uma sucursal; c) Um escritório; d) Uma fábrica; e) Uma oficina; f) Uma mina, um poço de petróleo ou de gás, uma pedreira ou qualquer outro local de extracção de recursos naturais situado em território português».
Os outros números deste art. 5.º concretizam esse conceito de «estabelecimento estável», mas de nenhuma destas disposições se conclui que o conceito apenas possa aplicar-se a entidades sem sede ou direcção efectiva no território português.
O que sucede é que as entidades que tenham sede ou direcção efectiva em território português (entidades residentes, na terminologia do art. 2.º, n.º 3, do CIRC) são sujeitos passivos de IRC por força da localização dessa sede ou direcção efectiva, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 2.º do CIRC, pelo que o facto de terem instalações em território nacional que caibam no conceito de «estabelecimento estável» torna-se irrelevante, uma vez que a sujeição a IRC não depende deste facto, por já derivar da localização da sede ou direcção efectiva.
Mas, este facto de o conceito de «estabelecimento estável» só ter utilidade no CIRC para efeito da tributação de entidades não residentes, não permite concluir que ele não possa relevar para efeitos da tributação especial da Região Autónoma da Madeira, uma vez que se trata de um regime especial, pois entrevê-se a possibilidade de ele ser utilizado, à escala regional, como reportando-se a entidades que não tenham sede ou direcção efectiva em determinada Região Autónoma.
Por isso, não é apenas com base no CIRC que se pode esclarecer a questão que é objecto do presente recurso jurisdicional.
6 – Como se vê pelo referido art. 5.º do CIRC, no conceito de «estabelecimento estável» que nele se define caberão as sucursais, escritórios agências ou delegações, desde que se materializam numa «instalação fixa através da qual seja exercida uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola».
A Fazenda Pública sustenta que a Lei das Finanças das Regiões Autónomas (Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro), vigente em 2003 ( ( ) Esta Lei foi revogada pela Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de Fevereiro. ) adoptou conceitos diferentes, reservando a designação de «estabelecimento estável» para as entidades não residentes em território português e atribuindo as designações de «sucursais, delegações, agências e escritórios» às instalações sem personalidade jurídica de entidades com sede em território português.
O art. 13.º da Lei n.º 13/98, que define as especialidades do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas das Regiões Autónomas, estabelece o seguinte:
Artigo 13.º
Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas
1 – Constitui receita de cada Região Autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas:
a) Devido por pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável numa única Região;
b) Devido por pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede ou direcção efectiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica próprias em mais de uma circunscrição, nos termos referidos nos n.ºs 2 e 3 do presente artigo;
c) Retido, a título definitivo, pelos rendimentos gerados em cada circunscrição, relativamente às pessoas colectivas ou equiparadas que não tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território nacional.
2 – Relativamente ao imposto referido na alínea b) do número anterior, as receitas de cada circunscrição serão determinadas pela proporção entre o volume anual correspondente às instalações situadas em cada Região Autónoma e o volume anual, total, de negócios do exercício.
3 – Na aplicação da alínea b) do n.º 1 relativamente aos estabelecimentos estáveis de entidades não residentes, o volume de negócios efectuado no estrangeiro será imputado à circunscrição em que se situe o estabelecimento estável onde se centraliza a escrita.
Deste artigo não se pode retirar a conclusão de que a redução de IRC, no que concerne às entidades que apenas possuam «estabelecimento estável» nas Regiões Autónomas, apenas se aplique a residentes no estrangeiro.
Na verdade, por um lado, a alínea a) do n.º 1 faz referência a «estabelecimento estável» sem indicar que este conceito se restringe a entidades não residente em território nacional, pelo que não se pode através dela concluir pela restrição deste conceito a entidades não residentes em território nacional.
Por outro lado, embora a alínea b) do n.º 1 deste art. 13.º, ao referir-se a entidades com sede ou direcção efectiva em território português, não utilize o conceito de «estabelecimento estável», referindo, antes o tipo de instalações que o integram, o que poderia sugerir que aquele conceito não se aplicaria a entidades residentes em território português, o certo é que o n.º 3 do mesmo artigo, reportando-se à mesma alínea b), refere explicitamente a hipótese de aplicação dessa alínea b) a estabelecimentos estáveis de não residentes, o que impõe concluir que, afinal, as instalações aí referidas também podem ser de entidades sem sede ou direcção efectiva em território nacional.
Por isso, não se pode concluir, como pretende a Fazenda Pública, que a Lei n.º 13/98 utilize o conceito de «estabelecimento estável» apenas para entidades não residentes e as expressões «sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica próprias» relativamente a entidades residentes (como sede ou direcção efectiva em território nacional).
Está, pois, afastado o obstáculo literal invocado pela Fazenda Pública à possibilidade de ser dado relevo, para efeitos de IRC, ao «estabelecimento estável» de entidades residentes não residentes em determinada Região Autónoma, mas com sede ou direcção efectiva em território nacional.
7 – Os textos legais são apenas o ponto de partida da reconstituição do pensamento legislativo em que se consubstancia a interpretação jurídica, impedindo que o intérprete considere como pensamento legislativo o que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art. 9.º, n.ºs 1 e 2, do CC).
No caso em apreço, constata-se que não há o obstáculo textual invocado pela Fazenda Pública a que, no âmbito da tributação das Regiões Autónomas, se aplique o conceito de «estabelecimento estável» a entidades residentes no território português (isto é, com sede ou direcção efectiva em território português) fora da área da Região Autónoma a que essa tributação se reporta.
Na reconstituição do pensamento legislativo há que ter em conta os limites traçados pela Constituição, pois, se o texto legal permitir mais que uma interpretação e só uma se sintonizar com os preceitos constitucionais, a proibição constitucional de aplicação de normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (art. 204.º da CRP) impõe que se opte por essa única interpretação constitucionalmente admissível.
No caso em apreço, a Impugnante defende que será materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, uma interpretação no sentido de excluir do âmbito de aplicação da taxa reduzida de IRC prevista no art. 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001 as entidades com sede em direcção efectiva no território português, fora da Região Autónoma da Madeira, que possuam nela instalações qualificáveis como «estabelecimento estável».
E tem efectivamente razão.
No art. 13.º da C.R.P. estabelece-se o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.
Este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional. (( )Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
n.º 143/88, de 16-6-1988, proferido no processo n.º 319/87, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 378, página 183;
n.º 149/88, de 29-6-1988, proferido no processo n.º 282/86, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 378, página 192;
n.º 118/90, de 18-4-90, proferido no processo n.º 613/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 396, página 123;
n.º 169/90, e 30-5-1990, proferido no processo n.º 1/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 397, página 90;
n.º 186/90, de 6-6-1990, proferido no processo n.º 533/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 398, página 81;
n.º 155/92, de 23-4-1992, proferido no processo n.º 204/90, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 416, página 295;
n.º 335/94, de 20-4-1994, proferido no processo n.º 61/93, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 436, página 129;
n.º 468/96, de 14-3-1996, proferido no processo n.º 87/95, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 455, página 152;
n.º 1057/96, de 16-10-1996, proferido no processo n.º 347/91, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 460, página 284;
n.º 128/99, de 3-3-1999, proferido no processo n.º 140/97, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 26.)
No caso em apreço, não se vislumbra qualquer razão que possa levar a que empresas com sede e direcção efectiva fora da Região Autónoma da Madeira que nela tenham instalações idênticas qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do art. 5.º do CIRC, e que desenvolvam a mesma actividade, possam beneficiar de taxas de IRC diferentes pelo facto de a sede ou direcção efectiva se situar no território nacional ou no estrangeiro.
Na verdade, para além da identidade material da situação real a nível da Região Autónoma da Madeira, a razão que justificou a criação de taxas reduzidas de IRC para entidades não residentes na Região Autónoma da Madeira, que é «fomentar o investimento produtivo na Região Autónoma da Madeira» (Preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001), vale igualmente para o investimento por empresas estrangeiras e por empresas nacionais.
Assim, é de concluir que a interpretação do art. 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001 no sentido da aplicação da taxa reduzida de IRC a todas as entidades que não tenham sede ou direcção efectiva na Região Autónoma da Madeira que nela tenham instalações qualificáveis como «estabelecimento estável», à face do art. 5.º do CIRC, é a única que se sintoniza com o princípio constitucional da igualdade.
Por isso, há que adoptar esta interpretação conforme à Constituição, como se fez na sentença recorrida.
De resto, é também esta a interpretação que permite melhor satisfazer o primacial interesse visado com a redução de IRC, que é incentivar ao investimento na Região Autónoma da Madeira, pelo que é de presumir ter sido a solução adoptada na lei, por ser a mais acertada (art. 9.º, n.º 3, do CC).
Termos em que acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida, com esta fundamentação.
Custas pela Fazenda Pública, com procuradoria de 1/8 (um oitavo).
Lisboa, 7 de Janeiro de 2009. – Jorge de Sousa (relator) – António Calhau – Pimenta do Vale.