Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:033/21.3BALSB
Data do Acordão:09/22/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
DECISÃO
MÉRITO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Sumário:Nos termos do disposto no nº 2 do art. 25º do RJAT, só as decisões arbitrais que conheçam de mérito são susceptíveis de recurso para o STA, quando estejam em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido por algum dos Tribunais Centrais Administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Nº Convencional:JSTA000P28160
Nº do Documento:SAP20210922033/21
Data de Entrada:03/09/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:TEJO ENERGIA - PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉCTRICA, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

A Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) vem, nos termos do n.º 1 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributaria — “RJAT”), com a alteração introduzida pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no processo n.º 283/2020–T do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é Recorrida TEJO ENERGIA – PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉCTRICA, S. A., sinalizada nos autos, no que respeita ao segmento decisório que conclui pela competência do CAAD para aferir da legalidade de contribuições financeiras, in casu a Contribuição Especial para o Sector Energético (CESE), invocando oposição entre a decisão arbitral anteriormente identificada e a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral com o nº 248/2019-T, que se indica como fundamento.

Inconformada, formulou a recorrente Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, as seguintes conclusões:


A. A questão aqui em dissenso formula-se nos seguintes moldes:
«Tem o CAAD competência para dirimir litígios atinentes a contribuições financeiras, in casu a CESE?»
B. A título prévio, refira-se que, facto não despiciendo, nem a decisão recorrida, nem tão pouco a decisão fundamento divergem na definição jurídico-tributária da CESE como uma contribuição financeira.
C. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência vem interposto nos termos do n.º 1 do art.º 152.º do CPTA e n.º 2 do art.º 25.º do RJAT e tem por objecto a Decisão Arbitral proferida no processo nº 283/2020 – T CAAD por aquele centro de arbitragem por se encontrar em contradição com a decisão fundamento, proferida por aquele mesmo centro de arbitragem no Processo nº 248/2019 – T CAAD, no segmento decisório que se reporta ao entendimento que o CAAD não tem competência para dirimir litígios atinentes a contribuições financeiras, in casu a CESE?
D. Ora, a decisão arbitral sob recurso entendeu que sim.
E. Por seu turno, na Decisão arbitral proferida no Processo nº 248/2019-T CAAD, convocado como fundamento, entendeu o seguinte:
«33. Nestes termos, como a espécie tributária da CESE é uma contribuição financeira (e não um imposto) e como o âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, por força do disposto no RJAT (arts. 2.º e 4.º) e na Portaria de Vinculação (art. 2.º), apenas abrange as pretensões relativas a impostos administrados pela AT, segue-se simplesmente afirmar a conclusão da incompetência ratione materiae deste Tribunal para a apreciação do presente litígio.
Verifica-se, pois, a incompetência absoluta deste Tribunal Arbitral, o que implica uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância da Requerida, conforme disposto no art. 16.º do CPPT, aplicável ex vi al. c) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT e nos arts. 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, al. a) do CPC, aplicáveis ex vi alínea e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT.»
F. Ora, os dois arestos divergem no entendimento do enquadramento da seguinte questão:

«Tem o CAAD competência para dirimir litígios atinentes a contribuições
G. O entendimento vertido na Decisão recorrida colide com a Decisão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito.
H. Como tem sido afirmado de forma constante pela jurisprudência do STA, a identidade da questão fundamental de direito reporta-se, concomitantemente, aos preceitos ou princípios jurídicos aplicados e às situações de facto que eles concretamente disciplinaram. E que essa identidade não necessita de ser formal ou absoluta, mas uma identidade essencial.
I. O que se verifica in casu.
J. Ambas as decisões se reportam somente à apreciação negativa ou positiva sobre a questão se tem o CAAD competência para dirimir litígios atinentes a contribuições financeiras.
K. Sendo que a identidade da questão de direito passa, necessariamente, e antes do mais, pela identidade da questão de facto subjacente, na exacta medida em que aquela pressupõe que as situações de facto em que assentaram as soluções jurídicas contenham elementos que as identifiquem como “questões” merecedoras de tratamento jurídico semelhante, conforme refere o Acórdão do STA, proferido no âmbito do processo número 0485/02 de 08-05-2003.
L. Enquanto na Decisão recorrida se considerou o CAAD competente para a decidir sobre litígios onde subjazem a análise das contribuições financeiras, a decisão recorrida, liminarmente, decidiu em sentido contrário, i.e., pela incompetência material do CAAD.
M. O que caracteriza e confere identidade às duas situações é que os factos são em tudo semelhantes e as normas jurídicas também.
N. Nessa medida mostram-se verificados os pressupostos previstos no art.º 152.º do CPTA, para admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência.
O. Entende-se na decisão recorrida, em total dissonância com a decisão fundamento, que o CAAD é competente para dirimir questões sobre contribuições financeiras.
P. Entendimento que manifestamente vai ao arrepio quer da mens legislatoris, quer da letra da lei conforme decorre hialinamente do iter cognoscitivo vertido na decisão fundamento
Q. Sempre se diga que a decisão adoptada como decisão fundamento tem vindo a ser a posição largamente adoptada pelo centro de arbitragem, no que a esta temática se refere.
R. E que, como tal, a decisão recorrida não deverá prevalecer.
S. A decisão fundamento (n.º 248/2019 – T CAAD), na mais correcta interpretação jurídica, tal com é entendimento da Recorrente e no sentido da qual deverá ser uniformizada a jurisprudência neste Tribunal Superior, entendeu que o CAAD não é competente para apreciar aquelas matérias.
T. Concluindo lapidarmente que
«33. Nestes termos, como a espécie tributária da CESE é uma contribuição financeira (e não um imposto) e como o âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, por força do disposto no RJAT (arts. 2.º e 4.º) e na Portaria de Vinculação (art. 2.º), apenas abrange as pretensões relativas a impostos administrados pela AT, segue-se simplesmente afirmar a conclusão da incompetência ratione materiae deste Tribunal para a apreciação do presente litígio.
Verifica-se, pois, a incompetência absoluta deste Tribunal Arbitral, o que implica uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância da Requerida, conforme disposto no art. 16.º do CPPT, aplicável ex vi al. c) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT e nos arts. 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, al. a) do CPC, aplicáveis ex vi alínea e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT.»
U. Na mesma senda, conforme referem Sérgio Vasques e Carla Castelo Trindade, em artigo publicado nos Cadernos de Justiça Tributária n.º (Abril/Junho 2013) – “O âmbito material da arbitragem tributária” – pág. 19, dizem-nos o seguinte:
«As limitações introduzidas pela Portaria de Vinculação” (…) Em face desta redacção (…) podemos assacar i) que o âmbito material da arbitragem se resume à análise de questões relativas a impostos, não sendo, portanto, susceptíveis de recurso à arbitragem, porquanto fogem aos termos de vinculação da administração tributária, as questões relativas a taxas e contribuições
V. Acrescentando que:
«A Administração Tributária vincula-se unicamente a litígios que se prendam com impostos deixando portanto de fora as questões relacionadas com taxas e com contribuições» (pp. 25 – op. cit.).
W. Posição igualmente partilhada por Conceição Gamito e Teresa Teixeira da Motta no artigo publicado na Revista Arbitragem Tributária n.º 2 (Janeiro 2015), sob o título “A Arbitrabilidade das taxas”( pp. 18 e ss), onde numa ampla análise ao regime da arbitragem tributária e à subsunção das taxas e contribuições à mesma são redundantes ao afirmar que:
«(…) não obstante a ampla designação como arbitragem tributária e a constante referência a tributos no que aos atos arbitráveis respeita, as taxas e contribuições encontrar-se-ão, prima facie, excluídas do âmbito material de competência dos tribunais arbitrais»
X. Destarte, é manifesto que o CAAD não tem competência para julgar litígios com origem em contribuições financeiras, por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º e do n.º 1 do art.º 4.º ambos do RJAT e no art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, verificando-se assim a incompetência, em razão da matéria, do centro de arbitragem, cujo conhecimento é oficioso,
Y. O que, desde logo, impede a apreciação de matéria atinentes à legalidade de contribuições financeiras pelo centro de arbitragem e determinaria, inelutavelmente, absolvição da instância da Requerida, ora Recorrente, conforme disposto no art.º 16.º do CPPT, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT e nos n.ºs 1 e 2 do art.º 576.º e alínea a) do art.º 577.º do CPC, aplicáveis ex vi alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.
Z. Aliás, como bem concluiu a Decisão fundamento.
AA. Porquanto, o âmbito da jurisdição do CAAD abrange unicamente, como decorre da interpretação conjugada dos arts. 2.º, n.º 1 do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração esteja cometida à AT, não compreendendo, portanto, as pretensões relativas a “contribuições” por ela administradas.
BB. Ao contrário do entendido pela decisão ora recorrida, a falta de vinculação é exactamente questão de matéria, porquanto redunda na competência material do CAAD, pelo que é de conhecimento oficioso (vide art.º 13.º CPTA, n.ºs 1, 2 e alínea a) do n.º 4 do art.º 98 e n.º 1 do art.º 95 todos do CPTA ex vi alínea c) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT.)
CC. Conforme o Tribunal Superior da nossa ordem jurídica já se pronunciou (cf.acórdão n.º 117/2016 do Tribunal Constitucional):
«a matéria tributária situa-se no âmago das atribuições do Estado, nela se evidenciando a necessária prossecução de interesses públicos absolutamente essenciais a uma comunidade politicamente organizada, razão que levou a CRP, no n.º 1 do artigo 103.º, a estatuir que «o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado (…) Se não for possível sindicar judicialmente a decisão de um tribunal arbitral tributário que, à revelia do quadro regulamentar estabelecido, se considere competente numa certa matéria, então tal significará que não existe nenhuma forma de assegurar que funções tributárias que o Estado deve exercer não lhe serão “confiscadas”, sem controlo por um tribunal do Estado (…) Decorrente desta circunstância, a arbitrabilidade dos litígios de natureza tributária apresenta particularidades que justificam um tratamento diferenciado relativamente à arbitragem em geral.

Por um lado, a competência dos tribunais arbitrais tributários depende de um ato administrativo, praticado sob forma de portaria, pelos membros do Governo indicados no n.º 1 do artigo 4.º do RJAT. Quer isto dizer que o legislador se absteve de regular a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária, remetendo tal regulamentação para o Governo, que a exercerá dentro do quadro legal, norteado, seguramente, por razões de oportunidade e conveniência.»
DD. Termos em que deverá proceder o correcto entendimento que se retira da decisão arbitral n.º 248/2019 – T CAAD, uniformizando-se em consequências, jurisprudência no sentido do a que ali vem firmado.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas.,
a) deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser admitido por se mostrar verificada contradição entre a decisão arbitral proferida no processo n.º 283/2020-T CAAD e a decisão arbitral fundamento exarada no processo nº 248/2019-T CAAD, quanto ao segmento decisório que julga o CAAD competente para apreciar questões referentes à contribuições financeiras, e substituída por Acórdão consentâneo com o disposto nos preceitos acima citados e à luz da doutrina da decisão fundamento.
b) Mais se requer que, atendendo a que o valor da ação é superior a € 275.000,00, seja a Impugnante dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do art.º 6.º do Regulamento de Custas Processuais, tendo em consideração o valor e a natureza da causa.

A recorrida TEJO ENERGIA – Produção e Distribuição de Energia Eléctrica, S.A. veio apresentar contra-alegações que terminou com as seguintes conclusões:

Do indeferimento liminar do recurso
a. Resulta notório da mera leitura das alegações de recurso que não se mostram reunidos os pressupostos substantivos para a interposição e conhecimento deste recurso, tal como o mesmo está configurado no artigo 25.º, n.º 2, do RJAT, pelo que se impõe o indeferimento liminar do recurso.
b. A Recorrente não observou o ónus de alegação concreta ou especificada associado a um recurso deste tipo e natureza, não tendo identificado de forma precisa e circunstanciada os aspetos de identidade que determinariam a contradição alegada e a infração imputada ao acórdão recorrido, nem procedeu ao devido enquadramento das decisões em análise, tendo optado por ignorar a circunstância determinante de não estarem em causa duas decisões que se tivessem pronunciado sobre o mérito das pretensões deduzidas nos respetivos autos, sendo distintas as questões sob apreciação numa e noutra e, por conseguinte, o objeto ou o conteúdo das decisões proferidas.
c. Não corresponde à verdade, nem podia ter sido afirmado pela Recorrente, que «Ambas as decisões se reportam somente à apreciação negativa ou positiva sobre a questão se tem o CAAD competência para dirimir litígios atinentes a contribuições financeiras.»; nem, tão pouco, se descortina na decisão recorrida o segmento decisório a que alude a Recorrente e que estaria em contradição com a decisão arbitral invocada como fundamento.
d. Não estão em causa decisões de mérito sobre a mesma questão fundamental de direito, que tivesse sido colocada nos mesmos moldes ao tribunal arbitral e que tivesse sido objeto de decisão, para que pudesse admitir a interposição de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo com fundamento específico numa oposição que, no caso, é inexistente.
e. Atento o fundamento de contradição invocado – competência do tribunal arbitral –, verifica-se que o meio de reação adequado de que a Recorrente deveria ter lançado mão, caso assim o pretendesse, era a impugnação da decisão recorrida, como o fez no passado, quanto a uma decisão semelhante onde colocou questão idêntica à deste recurso, ação que corre termos no Tribunal Central Administrativo Sul sob o n.º de processo 124/19.0BCLSB.
f. O recurso aos tribunais superiores da jurisdição administrativa e fiscal através das hipóteses contempladas nos artigos 25.º e 27.º do RJAT não é alternativo, exigindo a verificação de pressupostos específicos e diferenciados, não podendo admitir-se o presente recurso como forma de reação adequada face à natureza formal (vale por dizer, processual) e não de mérito da única questão suscitada pela Recorrente nas respetivas alegações.
g. O recurso previsto no artigo 25.º do RJAT deverá incidir sobre as questões de direito de que caiba conhecer em ordem à tomada de uma decisão final quanto à procedência ou improcedência da causa e, portanto, sobre as questões de fundo suscitadas na decisão recorrida, estando em causa um recurso de natureza substitutiva.
h. A decisão fundamento terá de ser uma decisão de mérito, que se tenha pronunciado sobre a causa de pedir e o pedido em que se funda a ação principal, que, quanto aos mesmos argumentos invocados pelas partes e quanto à apreciação das mesmas normas jurídicas, se tenha pronunciado em sentido contrário à decisão recorrida, para que se possa verificar e proceder à comparação do juízo emitido quanto às mesmas questões de fundo na decisão recorrida.
i. Ao erigir como condição necessária à admissibilidade de recurso que a decisão recorrida se trate de uma decisão de mérito, o legislador delimitou o âmbito do recurso por referência à natureza da decisão proferida, que não pode limitar-se a uma decisão quanto a questões prévias ou formais de índole puramente processual, em que o tribunal arbitral não toma posição quanto à causa de pedir e ao pedido em que se sustenta a pretensão deduzida em juízo, tal como asseverado pela jurisprudência.
j. Se a decisão recorrida tem de ser uma decisão de mérito sobre a pretensão deduzida em juízo, a questão fundamental de direito em relação à qual se suscitaria eventual oposição de julgados terá de assumir idêntica natureza, enquanto questão substantiva decidida na decisão recorrida, apreciada pelo tribunal arbitral a propósito do conhecimento do mérito da causa.
k. Para que, no âmbito de um recurso como o presente, pudesse ser apreciada a questão fundamental de direito que conformou a decisão de mérito recorrida teria forçosamente de se identificar a mesma questão na decisão fundamento, o que apenas seria possível se esta última fosse também ela uma decisão sobre o fundo da causa, em que o tribunal arbitral se tivesse pronunciado quanto ao mérito da pretensão deduzida na decisão fundamento, o que não é, manifestamente, o caso.
l. Está inviabilizado o conhecimento do recurso por oposição de julgados que considera como decisão fundamento uma decisão que se atém à apreciação de uma questão processual alheia ao conhecimento da pretensão deduzida e se abstém de conhecer do objeto da ação, não encerrando qualquer juízo de mérito sobre as questões de fundo colocadas.
m. A decisão fundamento invocada pela Recorrente não se trata de uma decisão de mérito que tivesse posto termo ao processo através de um juízo definitivo quanto à pretensão material das partes, mas uma decisão de verificação de uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa e que levou à absolvição da instância da entidade requerida, pelo que não se poderá estabelecer qualquer paralelismo ou comparação quanto às decisões em apreço.
n. O recurso por oposição de julgados previsto no artigo 25.º, n.º 2, do RJAT não visa o conhecimento de questões prévias, de exceção ou formais de pura relevância processual, que, ao invés, constituem fundamento de impugnação da decisão nos termos do artigo 27.º do RJAT, mas a apreciação de questões de mérito em relação às quais teria sido suscitada a sua contraditoriedade.
o. A este Supremo Tribunal não cabe conhecer de questões que não tenham sido apreciadas na decisão de mérito recorrida, nem tenham conformado o sentido da decisão, sem que seja possível identificar qualquer oposição de decisões, pelo que o recurso interposto, inadmissível à luz da lei, deverá ser liminarmente indeferido.
p. A contrariedade quanto à mesma questão fundamental de direito refere-se à causa de pedir na qual se baseia o pedido e que foi objeto de apreciação e decisão na decisão recorrida, questão sobre a qual necessariamente terá também de ter incidido a decisão fundamento, o que não se verificou.
q. Na decisão fundamento, o tribunal arbitral pronunciou-se quanto a uma questão prévia, suscitada por uma das partes, em matéria de exceção, tendo emitido decisão no sentido da verificação de uma causa que obstava ao conhecimento do mérito da causa, pelo que não foi apreciado o mérito da ação ou da pretensão deduzida pela impugnante nesses autos, ao contrário do que sucedeu na decisão recorrida, em que apreciou diretamente a causa de pedir e o pedido em que se funda a ação principal, tendo emitido juízo próprio quanto aos argumentos aduzidos pelas partes com relevância decisória para o desfecho da lide.
r. As decisões indicadas pela Recorrente não se pronunciaram sobre a mesma questão fundamental de direito, questão que teria de ser necessariamente identificada por referência à questão substantiva decidida na decisão recorrida, relativa aos termos da apreciação e decisão do tribunal arbitral quanto à validade ou invalidade da liquidação impugnada, pelo que não existe qualquer oposição de decisões.
s. Não tendo sido apreciada a mesma questão fundamental de direito nas duas decisões, nunca poderá ser admitido o presente recurso, cujo indeferimento liminar se impõe.
t. A decisão recorrida julgou a ação procedente e tomou posição quanto à questão substantiva em apreço, sem ter sido emitida qualquer decisão de conteúdo ou sentido idêntico ou oposto à decisão fundamento já que, na decisão recorrida, o tribunal arbitral não adotou uma decisão expressa sobre a questão da competência, ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer.
u. O tribunal arbitral teve o cuidado de enunciar e distinguir duas questões iniciais sobre as quais entendeu dever tecer algumas considerações: em primeiro lugar, quanto a saber se a questão da competência do tribunal arbitral seria de conhecimento oficioso, quando não foi suscitada pelas partes – tendo concluído pela negativa –; e, em sequência, caso fosse de conhecimento oficioso, que não era, sobre qual teria sido o entendimento do tribunal arbitral nessa matéria.
v. Entre as decisões indicadas nas alegações de recurso não existe identidade da questão fundamental de direito apreciada nem da factualidade subjacente às decisões em contenda: na decisão fundamento foi suscitada a questão da exceção da incompetência do tribunal arbitral, o que implicou o seu conhecimento pelo tribunal arbitral; na decisão recorrida não foi suscitada qualquer questão prévia de exceção, pelo que as decisões não foram emitidas no mesmo contexto fáctico-jurídico, o que obsta ao conhecimento do recurso.
w. Na decisão recorrida, o tribunal arbitral pronunciou-se no sentido do não conhecimento oficioso da questão da competência, pelo que, não tendo a exceção sido deduzida pela Recorrente, não chegou a conhecer da hipotética questão de incompetência nem se pronunciou, com cariz decisório, sobre o tema da competência.
x. A identificar-se qualquer decisão do tribunal arbitral, esta estaria apenas na resposta à primeira questão colocada: o tribunal arbitral teria decidido que o conhecimento da competência do tribunal arbitral não era de iniciativa oficiosa, pelo que, não tendo sido suscitada qualquer exceção na matéria, o tribunal arbitral não emitiu qualquer decisão relativa à sua competência (ou não) para conhecer da lide.
y. As considerações enunciadas na decisão recorrida quanto à eventual questão da competência do tribunal arbitral não assumiram natureza decisória, nem se refletiram na decisão da causa, tratando-se da equação de uma mera situação hipotética, sem qualquer impacto efetivo na decisão adotada, pelo que não podem ser desvirtuadas com o propósito de forçar uma oposição inexistente para efeito de recurso.
z. Não se pode afirmar que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta, já que, para o preenchimento dos requisitos de admissibilidade de recurso, se exigia que a oposição tivesse decorrido de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta; considerações colaterais ou adicionais, no caso, sem relevância para a causa e não relacionadas com a apreciação das questões substantivas efetivamente resolvidas na decisão recorrida.
aa. Como firmado na jurisprudência, a alegada divergência deve assumir um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, integrando a verdadeira ratio decidendi, o que não se verifica no caso, uma vez que a questão da competência do tribunal arbitral não foi suscitada nem foi objeto de decisão na decisão recorrida, como nem sequer influiu ou foi tida em consideração na decisão final adotada, enquanto decisão de mérito relativa à causa de pedir e ao pedido formulado na ação principal.
bb. Não pode admitir-se o recurso interposto com fundamento na alegada oposição de julgados quanto à apreciação da questão da competência do tribunal, como questão fundamental de direito controvertida, quando essa questão não foi colocada nem foi objeto de decisão na decisão recorrida.
cc. A inexistência de uma oposição entre julgados resulta, ainda, do facto de a Recorrente apenas ter invocado a existência de um juízo contraditório entre a decisão recorrida e a decisão fundamento quanto ao entendimento que supostamente teria sido perfilhado quanto à exceção de incompetência do tribunal arbitral, que não se verificou, e nenhuma outra: não existe qualquer outra causa de oposição ou “questão fundamental de direito” que tenha sido identificada pela Recorrente como fundamento para o recurso e que, porventura, coubesse a este Supremo Tribunal conhecer nesta sede.
dd. A Recorrente não identificou como questão controvertida, nem suscitou a oposição entre decisões quanto a saber se a questão da competência deveria ou não ser de conhecimento oficioso, pelo que não pode ser equacionada na análise e decisão quanto ao preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do recurso.
ee. Sem conceder, a decisão fundamento não apreciou a questão da oficiosidade do conhecimento da exceção de incompetência, e nessa medida nunca se suscitaria qualquer oposição de julgados: tal questão nunca se colocou na decisão fundamento na medida em que a exceção de incompetência foi suscitada pela entidade demandada e por isso conhecida pelo tribunal arbitral.
ff. Perante o exposto, caberá reconhecer a inexistência de qualquer oposição ou questão fundamental de direito que tivesse sido objeto de decisão contrária ou contraditória nas duas decisões, pelo que não se mostram reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso, estando este Supremo Tribunal impossibilitado de conhecer do pretenso mérito do recurso.
Sem prescindir.
Da improcedência do recurso
gg. Não pode acolher-se o entendimento vertido na decisão fundamento, devendo prevalecer a posição sustentada nas decisões arbitrais a que alude a decisão recorrida e nas demais que firmaram o mesmo entendimento, no sentido da competência do tribunal arbitral para conhecer de um litígio relacionado com a CESE – contribuição extraordinária sobre o setor energético.
hh. Como foi reiteradamente sustentado em número considerável de recentes acórdãos do CAAD, o entendimento de que os tribunais arbitrais apenas seriam competentes, em matéria tributária, para a apreciação de litígios relativos a uma espécie de tributo – os impostos –, estando todos os demais subtraídos deste domínio, não é conforme à interpretação corretiva e atualista das disposições legais pertinentes.
ii. De acordo com o artigo 2.º do RJAT, a jurisdição e competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das pretensões respeitantes à ilegalidade de atos de liquidação de quaisquer tributos, evidenciando a intenção de compreender na sua esfera a generalidade dos litígios que possam surgir neste domínio e admitir, em termos latos, a vinculação concreta à sua jurisdição, incluindo, portanto, também a CESE.
jj. A faculdade conferida pelo artigo 4.º do RJAT, permitindo que a AT delimite a sua vinculação no âmbito da jurisdição e competência dos tribunais arbitrais, não se esgota numa única utilização, como seria a aprovação da Portaria n.º 112-A/2011, podendo o Estado vincular-se quanto a litígios que não se encontrem expressamente previstos naquela Portaria, com arrimo e nos termos do RJAT.
kk. O RJAT não restringe a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária, designadamente, em função da natureza dos tributos, nem delimita, à partida, essa competência para os litígios que oponham a AT no seu artigo 4.º, e a Portaria n.º 112-A/2011 não se encontra redigida em termos excludentes ou exaustivos quanto aos litígios a que o Estado se pode vincular.
ll. A liberdade de conformação da competência dos tribunais arbitrais que o artigo 4.º do RJAT admite, mediante a vinculação específica do Estado, não prejudica a disciplina e aplicação geral do RJAT, à luz do qual deverá ser considerada e exercida, desde logo, por referência ao disposto no seu artigo 2.º.
mm. As normas regulamentares constantes da Portaria n.º 112-A/2011 devem ser lidas em coerência e de harmonia com a respetiva lei habilitante, nos termos da qual os tribunais arbitrais são competentes para conhecer da ilegalidade de atos de liquidação de quaisquer tributos, independentemente da sua natureza.
nn. O Estado apenas poderá dispor quanto à vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais, nos termos e limites decorrentes do RJAT, o que implica conceder na possibilidade de se vincular, por instrumento próprio, à jurisdição e competência dos tribunais arbitrais num caso concreto que possa não se rever no teor literal do preceito do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, mas se reconduza aos termos gerais em que essa competência se encontra prevista no RJAT.
oo. A vinculação da AT quanto à competência do tribunal arbitral para litígios como o presente encontra respaldo na Portaria n.º 112-A/2011, que deverá ser interpretada em consonância com o disposto no artigo 2.º do RJAT, compreendendo a apreciação de litígios que tenham por objeto pretensões relativas a tributos cuja administração esteja cometida à AT.
pp. A Portaria em análise não manifesta nem supõe uma intencionalidade necessariamente restritiva face ao regime que, em termos gerais, se encontra previsto no RJAT, consagrando a titularidade dos poderes para administrar os tributos como limite lógico da vinculação da AT à jurisdição e competência dos tribunais arbitrais.
qq. A Portaria n.º 112-A/2011 deve ser interpretada de forma atualista, considerando as atribuições e competências atuais da AT, e atendendo ao regime que a legitima e funda o RJAT: como tributo cometido à administração da AT e não cabendo distingui-los em razão do seu tipo ou natureza, cumpre afirmar a competência do tribunal arbitral para conhecer da legalidade do ato de liquidação da CESE.
Sem conceder.
rr. A CESE, não obstante a sua designação, trata-se de um imposto sob administração da AT e, nessa medida, os litígios que a tenham por objeto poderão ser objeto de apreciação pelos tribunais arbitrais, caso se adote uma leitura restritiva do âmbito de vinculação da AT operada pela Portaria n.º 112-A/2011, no sentido de apenas visar impostos.
ss. Do contexto económico e político subjacente à criação da CESE, resulta claro que o que está em causa é um objetivo de consolidação orçamental, com especial vocação para resolver o problema da dívida tarifária do SEN, decorrência da opção política de garantir o preço de venda da energia produzida e de assegurar tarifas controladas, forçando a existência de uma diferença substancial entre o custo real da geração de energia elétrica e os custos recuperados pelas tarifas aplicadas em razão do consumo da mesma.
tt. A CESE é a única receita do Fundo que apresenta um grau mínimo de previsibilidade, aspeto com regulamentação mais desenvolvida na lei e central no campo da previsão das receitas do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético, asseverando a preocupação do legislador de ligar a CESE à redução da dívida tarifária do SEN, o que não se verificou na prática.
uu. Apesar do seu potencial, a CESE tem servido o propósito de arrecadação de receita destinada às despesas gerais do Estado, assumindo os contornos de um imposto especial sobre as empresas do sector energético, como imposição de uma participação acrescida por parte dos agentes do sector energético nos gastos gerais da comunidade, designadamente em matéria de redução do défice público.
vv. A CESE não cabe no campo dos tributos bilaterais ou sinalagmáticos, por não respeitar o princípio da equivalência, o qual concretiza, no campo daquele tipo de tributos, o princípio constitucional da igualdade.
ww. Os montantes exigidos em sede de CESE não o são para o exercício de uma atividade do Estado de que os sujeitos passivos em causa beneficiem em especial, não sendo sequer possível dizer que a atividade do Estado a financiar através da CESE é originada, específica ou genericamente, pela daqueles sujeitos passivos ou que se estabelece qualquer relação entre os operadores a quem a CESE é exigida e os objetivos que a mesma prossegue.
xx. A CESE não é um tributo sinalagmático porque não existe no seu funcionamento qualquer vantagem específica direta para os próprios sujeitos passivos, de modo a poder concluir-se pela existência de uma relação de correspetividade ou sinalagmaticidade entre a mesma e o serviço público prestado, sendo que o seu beneficiário direto é o bem público da sustentabilidade das finanças públicas, difuso, geral, universal e abstrato.
yy. A CESE não é um instrumento tendente a resolver o problema que o legislador, através dela, declara pretender resolver, porque não se trata de uma medida que possa assegurar a atenuação estrutural da dívida tarifária da eletricidade, já que não introduz qualquer alteração nas regras vigente que implicam a existência dessa dívida.
zz. A CESE destina-se a ser uma fonte de receita do Estado, a fim de continuar a assegurar o objetivo político central quanto à matéria em causa: proteger os consumidores finais de eletricidade do esforço de redução da dívida tarifária, impedindo o aumento dos preços em medida pelo menos aproximada à exigida por aquela redução.
aaa. Em virtude da própria natureza dos bens públicos que o Estado teve em mente na criação do tributo, a CESE não pode ser considerada um tributo sinalagmático, inexistindo correspetividade do pagamento da CESE com qualquer serviço ou benefício concreto.
bbb. A CESE não é a contrapartida de qualquer serviço concretamente prestado, nem tão pouco a contrapartida de qualquer benefício decorrente da atuação em determinado sector, pelo que a base tributável em causa foi escolhida como manifestação de capacidade contributiva (e não de equivalência), em linha com o que se verifica com os impostos.
ccc. O critério dos ativos em que assenta a CESE, típico dos impostos, é inidóneo para ser utilizado como base objetiva de um tributo bilateral e não apresenta qualquer relação com o objetivo declarado de financiamento de políticas de cariz social e ambiental, promovendo a eficiência energética.
ddd. A CESE viola o princípio da equivalência, com uma base de tributação objetiva e subjetiva que mostra a intenção de criação de um tributo desligado de qualquer ideia de sinalagmaticidade, assentando a previsão de isenções relacionadas com a capacidade instalada dos operadores na ideia de capacidade contributiva, geradora de tratamento desigual entre operadores.
eee. Não se conhecem quaisquer políticas dirigidas à sustentabilidade do sector energético que tenham sido financiadas pela receita da CESE, nem esta tem subjacente a sustentatibilidade do sector energético como bem público, prevalecendo as preocupações de consolidação orçamental e de abatimento dos créditos tarifários.
fff. A CESE não se enquadra no conceito de contribuição especial de melhoria porque não tem como causa a obtenção de vantagens económicas particulares originadas pelo exercício de uma determinada atividade administrativa.
ggg. A CESE não é uma contribuição especial por maior despesa, porque não é devida pelos particulares em virtude de os seus bens ou a sua própria atividade (por natureza ou pelos termos específicos em que é levada a cabo) originarem uma maior despesa das autoridades públicas: quem origina a “maior despesa” que a CESE visa financiar não são os operadores privados, mas o Estado, por força das respetivas opções políticas.
hhh. A CESE não é, genericamente, um tributo parafiscal, uma vez que o pagamento da mesma não tem como contrapartida uma atividade do Estado no sentido da melhor regulação, vigilância ou credibilização do sector: pelo contrário, a CESE é um instrumento de correção de um desequilíbrio fundamental da economia portuguesa.
iii. A qualificação da CESE não pode ser feita à luz de uma finalidade meramente virtual – o objetivo de financiamento de políticas de cariz social e ambiental do sector energético –, ignorando a efetiva finalidade que a mesmo cumpre – e que corresponde a uma finalidade específica de redução da dívida do SEN e a uma finalidade geral de consolidação das finanças públicas.
jjj. A CESE terá que ser dogmaticamente enquadrada no campo dos impostos: constitui o financiamento de uma atividade do Estado vocacionada para a satisfação de necessidades públicas – a consolidação orçamental do Estado, por um lado, e o financiamento da sua atividade no âmbito de um domínio, a dívida do SEN, que afeta genericamente todos os portugueses, por outro – assente mais na dimensão de solidariedade própria da figura dos impostos do que em qualquer vínculo de correspetividade, mais ou menos específico, mais ou menos difuso, o qual não é neste caso minimamente discernível.
kkk. A CESE deverá ser qualificada como um imposto especial sobre alguns operadores de um sector de atividade específico, aos quais, em face da sua particular capacidade contributiva, o Estado entendeu que devia exigir um esforço acrescido no processo de consolidação em curso, sem que a titularidade dos ativos tributáveis por parte dos sujeitos passivos da CESE permita concluir que estes sejam causadores ou beneficiários das políticas públicas de energia que ela visa financiar ou do défice tarifário que se pretende sanear.
lll. Como imposto que materialmente se proclama, a apreciação de uma pretensão que tem por objeto a ilegalidade do ato de liquidação da CESE está sujeita à jurisdição dos tribunais arbitrais, resultando a vinculação da AT quanto à sua competência diretamente da Portaria n.º 112-A/2011.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser liminarmente indeferido, por inadmissível ou, caso assim se não entenda, julgado totalmente improcedente, por não provado, com todas as consequências legais.
Mais requer, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça que seria eventualmente devida a final.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de não ser de tomar conhecimento do recurso, em síntese e sem prejuízo de infra se fazer a explanação completa dos motivos, por entender que não se perfilharam nas decisões arbitrais soluções opostas, pois tanto as situações de facto, como a matéria de direito são diferentes, acrescendo que só as decisões arbitrais que conheçam do mérito é que são susceptíveis de recurso para o STA.
*

Os autos vêm à conferência do Pleno corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

a) A atividade da Requerente consiste na produção de eletricidade de origem térmica, operando a Central ... – central a ciclo combinado a gás natural.

b) A 20.01.1993 foi atribuída à ora Requerente uma licença vinculada de produção de energia elétrica na Central ..., nos termos do n.º 2 do art. 11.º do Decreto-Lei nº 99/91, de 2 de março.

c) Antes da atribuição da referida licença, foram publicados anúncios, no Diário de Notícias de 21 de janeiro de 1991 e em imprensa internacional, nomeadamente no Financial Times, convidando as empresas interessadas a apresentarem propostas para a aquisição e operação da Central ... .

d) Aos interessados foi disponibilizada a documentação tida por necessária para elaborarem as suas candidaturas, nomeadamente os documentos intitulados Parte I – Programa; Parte II – Base da Licença de Produção de Energia Elétrica, anexos aos autos e que aqui se dão por reproduzidos.

e) De tais documentos (Parte I – programa da consulta) consta, nomeadamente, o seguinte:

- As entidades competindo a esta consulta são convidadas a apresentar uma proposta de condições para aquisição dos 2 primeiros grupos da Central, e uma proposta para fornecimento da electricidade produzida por estes grupos à B... (…) (ponto 1.7)

- As entidades consultadas são ainda convidadas a apresentar uma proposta de referência para o fornecimento da electricidade produzida pelo 3Q e 4Q grupos da Central, que servirá de base para as futuras negociações com vista ao estabelecimento do contrato de compra da energia relativo a estes grupos, as quais ocorrerão imediatamente antes do início da respectiva construção (ponto 1.8).

- À entidade consultada seleccionada em resultado desta consulta, será assegurada pelo Governo Português a transmissão da licença de produção de energia eléctrica, relativa à Central ..., com vista à celebração com a B... dos contratos de compra desta Central e de fornecimento numa primeira fase da energia eléctrica produzida pelo 1Q e 2Q grupos, por um período de vinte e oito anos.

Nessa altura a entidade consultada formalizará a constituição da sociedade que irá adquirir e explorar a Central, submetendo-se a legislação em vigor no país· para o exercício desta actividade. (ponto 1.11).

f) Em cumprimento do que então dispunha o art. 85º do Tratado de Roma (relativo à proibição de acordos restritivos da concorrência e suas exceções), o acordo celebrado entre a B..., então empresa detida integralmente pelo Estado, e a Requerente foi sujeito a aprovação pela Direção-geral da Concorrência da CEE, a qual obrigou à alteração de várias das disposições constantes do projeto inicial.

g) A concordância com a versão final de tal acordo ficou expressa pela Comunicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias – Caso IV/34.598 – Central ..., em 23 de Abril de 1996.

h) De tal Comunicação consta, nomeadamente, o seguinte: The selection of the Generator has been the result of a call for tenders at an international level. The Generator was selected as the winning candidates a result (inter alia) of bidding a price for capacity over the term of the PPA which offered the most competitive cost of power to B… and to B… costumers of all the candidate consortia.

i) Tal acordo inseriu-se no objetivo de criar concorrência no mercado de produção de energia elétrica, abrindo-o à iniciativa privada.

j) Foi efetuado um procedimento de inspeção interno à Requerente, que originou as liquidações ora impugnadas.

k) No quadro de tal inspeção, a Requerente forneceu documentação que, a seu ver, comprovaria estar isenta do pagamento da contribuição em causa, a qual foi remetida à DGEG, para que esta, no âmbito da sua competência técnica na matéria, emitisse parecer.

l) Foi elaborada, pela DGEG, a informação n.º 287/2018, de 03.08.2018, a qual remeteu para a informação n.º 71/2016, anteriormente elaborada, a qual versava sobre a mesma situação, ainda que relativamente a diferente exercício.

m) Esta informação concluiu como se segue: A exceção prevista na alínea d) do artigo 4.º diz respeito a licenças ou direitos contratuais atribuídos na sequência de concurso público, e salvo melhor opinião o procedimento evidenciado pelas empresas não nos parece configurar a figura do concurso público previsto no Código de Contratação Pública.

n) Mais, refere tal informação que todas as centrais do Decreto-Lei n.º 240/2004, de 27 de dezembro, celebraram o Acordo de Cessação antecipada do CAE (Contrato de Aquisição de Energia) ao abrigo deste diploma e atualmente com CMEC (Contrato para a Manutenção do Equilíbrio Contratual) não suscitaram a isenção ao abrigo da alínea d) do artigo 4.º da CESE, situação que apenas ocorreu para estas duas centrais (a Requerente e outra) que não celebraram esse Acordo, mantendo os respetivos CAE.

o) No ponto III de tal informação, intitulado “repercussões e implicações da isenção de pagamento ou não da CESE por parte dos centros electroprodutores titulares de CAE” (entre os quais aparece expressamente mencionada a Requerente), que aqui se dá por reproduzido, é feito um alerta para o facto de tais titulares poderem, por força de tais contratos, requerer o recálculo da respetiva remuneração, caso se verifique um acréscimo de custos decorrentes de alterações legislativas, de modo a que sejam colocados na mesma situação em que se encontrariam caso não tivesse ocorrido tal alteração legislativa. É aí, ainda, analisada a e situação que se geraria caso titulares de CAE pedirem o recálculo das respetivas remunerações contratuais em resultado de obrigação de pagamento da CESE.

p) Esta informação foi sancionada pelo Senhor Diretor-geral da DGEG, como se segue: Concordo com o exposto na presente informação. À consideração do Senhor Secretário de Estado a homologação sobre o entendimento da DGEG de que não existe informação recolhida que comprove a existência de concurso público, pelo que não se deve considerar que estes Centros Eletroprodutores titulares de CAE, A... (…), estão isentos ao abrigo do disposto na alínea d) do artigo 4.º da CESE.

q) A 13.08.2018, o Senhor Secretário de Estado da Energia despachou a informação DGEG n.º 287/2018, nos seguintes termos: Visto. Deve a DGEG fornecer à AT todos os elementos necessários à boa decisão sobre esta questão.

r) Nos termos do novo n.º 12 do art.º 7.º do RCESE, a DGEG passou a enviar à AT, até 31 de janeiro de cada ano, a lista dos sujeitos passivos que exercem as atividades elencadas no art.º 2.º do RCESE, bem como eventual enquadramento no art.º 4.º do mesmo regime. Em tal lista a Requerente figura como sujeito passivo não isento, sendo que não houve alteração de circunstâncias factuais entre o exercício em causa nos presentes autos e aquele (s) a que se refere tal lista.

s) De várias intervenções públicas de membros de sucessivos Governos resulta o entendimento destes de que o Contrato de aquisição de Energia (CAE) relativo à Central ... resultou de um concurso público (audição parlamentar do então Ministro da Indústria e Energia, Eng. C..., em 4 de julho de 2018 e entrevista do Dr. D..., na altura Secretário de Estado da Energia, publicada, a 3 de julho de 2018, pelo Observador).

t) Da proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2019 constava uma norma visando restringir o leque dos operadores isentos da CESE.

u) Tal proposta foi entendida, pela imprensa à época, como visando obrigar alguns produtores de energia, entre eles, especificamente, a Requerente, ao pagamento da CESE, de que estariam isentos.

v) Tal proposta não foi aprovada.

w) A A... solicitou, em 26/11/2019, a prorrogação do prazo para o exercício do direito de audição prévia, ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT).

x) Tal requerimento foi indeferido nos seguintes termos: O prazo que a Lei Geral Tributária (LGT) concede, que varia entre 15 e 25 dias, tem que ser necessariamente conciliado com os prazos que a própria Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tem nos termos da lei, designadamente pelo Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) e pelo art. 45º da LGT, sob pena de preclusão do prazo de caducidade do direito à liquidação.

y) Apesar de a Requerente, no entender da AT, ter exercido o seu direito para além do prazo concedido, foi o mesmo considerado na versão definitiva do RIT.

z) A Requerente solicitou que lhe fosse fornecida cópia da lista dos sujeitos passivos, elaborada pela DGEG em cumprimento do novo n.º 12 do artigo 7.º do regime jurídico da CESE, lista essa expressamente mencionada no RIT.

aa) A AT recusou tal pedido, invocando para tal a garantia dos restantes contribuintes, incluídos na lista elaborada pela DGEG, em termos de sigilo e confidencialidade e de forma a prevenir a perversão dos normativos legais em vigor (cfr. p. 29/41 do RIT).


Na decisão fundamento proferida no processo n.º 248/2019-T, foram dados como provados os seguintes factos:

I. A Requerente, que desenvolve a atividade de produção de eletricidade de origem térmica, é titular da licença vinculada de produção de energia elétrica para a central termoelétrica de ciclo combinado a gás natural da ..., em ..., atribuída em 20.1.1995, conforme cópia do título junto como doc. n.º 2 à PI e a fls. 44 e segs. do PA, em que se refere que o “Director-Geral de Energia atribui, nos termos do n.º 2 do Artigo 11.º do Decreto-Lei nº 99/91, de 2 de Março, à A..., SA (…), licença de produção de energia eléctrica para a central termoeléctrica de ciclo combinado a gás natural” que “tem a natureza de licença vinculada, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 99/91 de 2 de Março”.

II. A referida licença foi atribuída na sequência de procedimento designado “Consulta para construção e operação de uma Central de ciclo combinado a gás natural para produção de energia eléctrica”, lançado em 14 de Agosto de 1990 para instalação na ... de uma central a gás natural de ciclo combinado (cfr. o programa da consulta a fls. 24 e seguintes do PA, o despacho n.º 80 a fls. 39 e segs. do PA e docs. n.ºs 4 e 5 à PI).

III. A Requerente foi questionada, em 19.01.2015, pela Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) da AT, em face da não apresentação, relativamente ao período de 2014, da declaração modelo 27 relativa à CESE e do não pagamento dessa contribuição, para justificar a omissão, tendo respondido, via e-mail da mesma data, que: “a A... está isenta do pagamento da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, ao abrigo da alínea d) do Artigo 4.º do Artigo 228.º da Lei 83 C de 2013”, o que determinou nova notificação, em 28.7.2015, para remeter à UGC “quaisquer elementos/documentos que façam prova da justificação aduzida (…), os quais deverão sustentar/justificar os fundamentos conexos com a isenção de pagamento da referida contribuição extraordinária, nos termos propugnados pela empresa” (cfr. as descrições constantes do RIT, pp. 6-7).

IV. Em 9.9.2015 foi realizada uma reunião que envolveu a Requerente, a B..., SA, representantes da AT e representantes da Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG), em que ficou estabelecido que a Requerente procederia à apresentação da documentação que comprovaria, na sua perspetiva, a aplicação da isenção prevista na al. d) do art. 4.º do RCESE, apresentação esta que foi concretizada em 29.09.2015, conforme carta da Requerente junta a fls. 16 e segs. do PA e indicação do RIT, p. 7.

V. Após insistências da UGC à DGEG (cfr. a descrição do RIT, p. 8), foi emitida a Informação DGEG n.º.../2018, de 03.08.2018, que colocou à consideração do Secretário de Estado da Energia a homologação da Informação DGEG n.º .../16, de 10.02.2016, o qual exarou em 13.8.2018 despacho com o seguinte teor: “Visto. Deve a DGEG fornecer à AT todos os elementos necessários à boa decisão sobre esta questão” (cfr. a Informação indicada constante do Anexo I ao RIT).

VI. Na Informação DGEG n.º .../16, de 10.02.2016 (anexa à informação DGEG n.º .../2018), que foi objecto de despacho de 10.2.2016 pelo Diretor-geral da DGEG, com o seguinte teor: «Concordo com o exposto na presente informação. À consideração do Senhor Secretário de Estado a homologação sobre o entendimento da DGEG de que não existe informação recolhida que comprove a existência de concurso público, pelo que não se deve considerar que estes Centros Eletroprodutores titulares de CAE, B... e a A..., estão isentos ao abrigo do disposto na alínea d) do artigo 4.º da CESE”, consignou-se o seguinte em sede de “Conclusão” (cfr. pp. 10-11 da referida Informação constante do Anexo I ao RIT):

“Todas as centrais que ao abrigo do Decreto-Lei n.º 240/2004, de 27 de dezembro, celebraram o Acordo de Cessação antecipada do CAE ao abrigo deste diploma e atualmente com CMEC (Contrato para a Manutenção do Equilíbrio Contratual) não suscitaram a isenção ao abrigo da alínea d) do artigo 4.º da CESE, situação que apenas ocorreu para estas duas centrais que não celebraram esse Acordo, mantendo os respetivos CAE.

A B... e a A... estão sujeitas ao pagamento da CESE uma vez que se encontram na situação prevista na alínea a) do artigo 2.º da CESE (Incidência subjetiva) por serem titulares de licenças de exploração de centros electroprodutores, a central termoelétrica a carvão do ... (B...) e a central de ciclo combinado a gás na ... (A...).

A exceção prevista na alínea d) do artigo 4.º diz respeito a licenças ou direitos contratuais atribuídos na sequência de concurso público, e salvo melhor opinião o procedimento evidenciado pelas empresas não nos parece configurar a figura do concurso público previsto no Código de Contratação Pública”.

VII. Na decorrência da Ordem de Serviço n.º OI20180..., foi realizada à Requerente, pelos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, ação de inspeção interna, de âmbito parcial, em sede de CESE respeitante ao ano de 2014 (cfr. RIT, p. 5).

VIII. No âmbito desta ação inspetiva, a Requerente foi notificada através do ofício n.º ... de 13.11.2018, para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição por escrito ou oralmente, sobre o Projeto de Correções da Inspeção Tributária respeitante à CESE referente ao período de 2014, o qual foi exercido por escrito em 28.11.2018, em que a Requerente expressou a sua discordância relativamente à correção proposta e pediu o reconhecimento da isenção de CESE (cfr. RIT, pp. 14 e segs., bem como o documento de exercício do direito de audição prévia e o Projeto de Correções do Relatório de Inspeção, ambos a fls. não numeradas do PA).

IX. Pelo RIT junto ao PA, de que a Requerente foi notificada pelo Ofício n.º..., de 29.11.2018, e que aqui se dá por reproduzido, foi promovida uma correção técnica quanto à CESE relativa ao ano de 2014 no valor de €958.850,17, que assentou, designadamente, na seguinte motivação (cfr. RIT, p. 5): “Encontrando-se a A... sujeita e não isenta de [CESE], nos termos do disposto na al. a) do art.º 2.º do [RCESE], verificou-se que a mesma não procedeu à entrega da declaração modelo 27 (...) e, concomitantemente, ao respetivo pagamento, para o período de 2014. Efetuado o apuramento em questão pela [AT], tendo por base os elementos constantes no relatório e conta do ano de 2014, apurou-se uma CESE em falta no valor de €958.850,17”.

X. A Requerente foi objeto da liquidação da Contribuição Extraordinária Sobre o Setor Energético (CESE) com o n.º 2018..., datada de 03.12.2018, relativa ao período de 2014, com data limite de pagamento em 11.01.2019, no montante de €958.850,17, constando da demonstração da liquidação a seguinte fundamentação (cfr. doc. n.º 1 junto à PI):

“Liquidação oficiosa efetuada nos termos do n.º 7 do artigo 7.º do regime da contribuição extraordinária sobre o setor energético (...) motivada pela falta de liquidação pelo sujeito passivo, prevista no n.º 2 do art. 7.º do regime da contribuição extraordinária sobre o setor energético.

A presente sujeição à contribuição extraordinária sobre o setor energético decorre da aplicação da alínea a) do artigo 2.º e do artigo 3.º do referido regime, em virtude de o sujeito preencher os pressupostos da incidência daqueles normativos.

O valor da contribuição a pagar resulta da aplicação da taxa prevista no n.º 2 do artigo 6.º daquele regime, no qual se subsume a base de incidência prevista no artigo 3.º”.

XI. Relativamente à liquidação indicada no número anterior, a Requerente foi igualmente objecto da liquidação de juros compensatórios e de juros moratórios com o n.º 2018..., no montante total de €151.672,35, com data limite de pagamento em 11.01.2019, constando da demonstração da liquidação a seguinte afirmação em sede de fundamentação (cfr. doc. n.º 1 junto à PI): “Juros calculados nos termos do preceituado no artigo 10.º do regime da contribuição extraordinária sobre o setor energético e do artigo 35.º da Lei Geral Tributária (LGT) por ter sido retarda a liquidação de parte ou da totalidade do imposto ou por se ter verificado atraso na insuficiência do pagamento, por facto imputável ao contribuinte”.

XII. A Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo, conforme indicação do sistema de gestão processual do CAAD, em 04.04.2019.

*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se é admissível o pedido de uniformização de jurisprudência pretendido, uma vez que a decisão arbitral recorrida, perante o mesmo enquadramento, quer de facto, quer de direito, decidiu em sentido oposto ao da decisão fundamento, tendo concluído no sentido da competência do CAAD para aferir da legalidade de contribuições financeiras, in casu a Contribuição Especial para o Sector Energético (CESE), enquanto a decisão fundamento se pronunciou pela declaração de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral.
Examinemos.
Trata-se de uma uniformização de jurisprudência acerca da competência do CAAD para aferir da legalidade de contribuições financeiras, no caso a Contribuição Especial para o Sector Energético.
Refere o MP que não se perfilharam nas decisões arbitrais soluções opostas, pois tanto as situações de facto, como a matéria de direito são diferentes, acrescendo que só as decisões arbitrais que conheçam do mérito é que são susceptíveis de recurso para o STA (vide Acórdãos nºs. 0180/15, de 02/12/2015, 0726/14, de 20/01/2016 e 0275/15, de 16/03/2016), o que não foi o caso nos presentes autos, uma vez que a decisão recorrida não chegou a conhecer da questão de incompetência nem se pronunciou, com cariz decisório, sobre o tema e a decisão fundamento concluiu no sentido da declaração de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral.
No douto Parecer faz-se essa demonstração de modo insofismável:
“(…)
Na verdade, enquanto a decisão fundamento se pronuncia sobre a competência do CAAD, em razão da matéria, para conhecer da legalidade e consequente anulação da liquidação da Contribuição Extraordinária para o Sector Energético (doravante CESE) e respectivos juros compensatórios do ano de 2014,
Concluindo pela declaração de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, o que implica uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa e que conduziu à absolvição da instância da Fazenda Pública,
A decisão recorrida não chegou a conhecer da hipotética questão de incompetência nem se pronunciou, com cariz decisório, sobre o tema da competência,
Tendo decidido pela procedência da pronúncia arbitral requerida pela ora Recorrida e anulado a liquidação de CESE e juros compensatórios do ano de 2015.
Ou seja, apreciou directamente a causa de pedir e o pedido em que se funda a ação principal, tendo emitido juízo próprio quanto aos argumentos aduzidos pelas partes com relevância decisória para o desfecho da lide.
Assim, na decisão fundamento foi suscitada a questão da excepção da incompetência do tribunal arbitral, o que implicou o seu conhecimento pelo tribunal arbitral,
Enquanto na decisão recorrida não foi suscitada qualquer questão prévia de excepção, pelo que as decisões não foram emitidas no mesmo contexto fáctico jurídico,
Sendo que as considerações enunciadas na decisão recorrida quanto à eventual questão da competência do tribunal arbitral não assumiram natureza decisória, pelo que não podem ser desvirtuadas com o propósito de forçar uma oposição inexistente para efeito de recurso.
Nesta conformidade, salvo o devido respeito por melhor opinião, as situações de facto na decisão arbitral recorrida e na decisão fundamento não são idênticas;
A matéria de direito apreciada na decisão recorrida e na decisão fundamento não são idênticas;
Consequentemente, não se perfilharam nas decisões arbitrais soluções opostas, pois tanto as situações de facto, como a matéria de direito são diferentes.
Na verdade, não há dúvida de que, como resulta do artigo 25.º, n.º 2, do RJAT, só as decisões arbitrais que conheçam de mérito são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo,
Quando estejam em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido por algum dos tribunais centrais administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág. 227.). E é também neste sentido que tem vindo a pronunciar-se este Supremo Tribunal nas diversas vezes que tem sido confrontado com a questão (cf. os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2/12/2015, proferido no processo n.º 180/15, de 20/01/2016, proferido no processo n.º 726/14 e de 16/03/2016 proferido no processo n.º 275/15, todos disponíveis em www.dgsi.pt).”
Fazendo apelo remissivo à fundamentação deste último acórdão, entendemos que não pode ser outra a solução a dar ao caso posto.
Na verdade decorre do discurso fundamentador desse douto aresto:
“(…)
3.1. Como se referiu, o presente recurso vem interposto, ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 25º do DL nº 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), da decisão arbitral proferida em 3/2/2015, no processo nº 356/2014-T instaurado na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado por A…………….., S.A., invocando a recorrente que existe oposição de acórdãos entre a decisão arbitral e o acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do STA, em 5/2/2015, no processo nº 01775/13, bem como o acórdão do TCA Norte, em 30/9/2014, no processo nº 00144/01-Porto.
3.2. Nos termos do disposto no citado nº 2 do art. 25º do RJAT (DL nº 10/2011, de 20/1) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
(…)
Ora, (…) no que concerne ao requisito atinente à apreciação de mérito, o nº 2 do art. 25º do RJAT claramente dispõe é a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é que é susceptível de recurso para o STA, quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo TCA ou pelo STA.
Como, aliás, também tem sido jurisprudência uniforme do STA.
Exara-se, na verdade, no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 2/12/2015, proc. nº 0180/15:
«Ou seja, só há recurso da decisão arbitral para o Supremo Tribunal Administrativo quando aquela decisão seja sobre o mérito da pretensão deduzida.
É o que resulta inequivocamente da letra da lei que, não sendo o único elemento a considerar na tarefa hermenêutica, é o que constitui o seu ponto de partida e «[c]omo tal cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei» (J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 182. O mesmo Autor, na pág. 189, explicita: «A letra (o enunciado linguístico) é, assim o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.º, n.º 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. Pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto “falhado” se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação».), como resulta do disposto no n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.
Aliás, o próprio RJAT, no artigo imediatamente anterior – o 24.º, que tem como epígrafe “Efeitos da decisão arbitral de que não caiba recurso ou impugnação” – prevê a possibilidade da decisão arbitral pôr termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão (cfr. n.º 3) e estipula os efeitos dessa decisão, conforme o não conhecimento do mérito seja ou não imputável ao sujeito passivo (Sobre esses efeitos, vide CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, 2015, pág. 444.).
Assim, a nosso ver, não há dúvida de que o RJAT, no art. 25.º, n.º 2, só prevê recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões de mérito (Neste sentido, também JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág. 227).
E bem se compreende que assim seja. Na verdade, perante a decisão de absolvição da instância, o sujeito passivo não verá precludido o seu direito. Vejamos:
Diz o art. 13.º, n.º 4, do RJAT: «A apresentação dos pedidos de constituição de tribunal arbitral preclude o direito de, com os mesmos fundamentos, reclamar, impugnar, requerer a revisão, incluindo a da matéria colectável, ou a promoção da revisão oficiosa, ou suscitar pronúncia arbitral sobre os actos objecto desses pedidos ou sobre os consequentes actos de liquidação, excepto quando o procedimento arbitral termine antes da data da constituição do tribunal arbitral ou o processo arbitral termine sem uma pronúncia sobre o mérito da causa».
Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «[a] parte final desta norma sugere que a preclusão de direitos do sujeito passivo que deriva da apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral é condicional, renascendo os direitos precludidos se o procedimento arbitral terminar antes da data da constituição do tribunal arbitral ou o processo arbitral terminar sem uma pronúncia sobre o mérito da causa» (Idem, pág. 179.).
É certo que nos casos – como parece ser o presente – em que a decisão arbitral puser termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto imputável ao sujeito passivo, não se reiniciam os prazos para o exercício dos referidos direitos. É o que resulta, a contrario, do disposto no n.º 3 do art. 24.º do RJAT, que dispõe: «Quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos actos objecto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral».
Nesses casos, não havendo reinício dos prazos para impugnar judicialmente e reclamar graciosamente com fundamento em vícios geradores de mera anulabilidade (Se o fundamento da impugnação judicial ou da reclamação graciosa for vício gerador de nulidade, o exercício dos respectivos direitos não está sujeito a prazo, como decorre do disposto no art. 102.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (no mesmo sentido o art. 162.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, que corresponde ao anterior art. 134.º, n.º 2).), os respectivos direitos, em regra, já estarão esgotados.
Mas, tal não significa a perda do direito. Como também nota JORGE LOPES DE SOUSA, nestes casos de não conhecimento do mérito imputável ao sujeito passivo, «normalmente, haverá também possibilidade de promover a revisão oficiosa do acto tributário, que pode ser efectuada, em regra, no prazo de quatro anos ou a todo o tempo se o tributo não estiver pago, nos termos do art. 78.º da LGT.
Para além disso, será de aplicar subsidiariamente, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o regime previsto no art. 89.º, n.º 2, do CPTA [a que hoje corresponde o n.º 8 do art. 87.º], em que se estabelece que «a absolvição da instância sem prévia emissão de despacho de aperfeiçoamento não impede o autor de, no prazo de 15 dias contado da notificação da decisão, apresentar nova petição, com observância das prescrições em falta, a qual se considera apresentada na data em que o tinha sido a primeira, para efeitos da tempestividade da sua apresentação»» (Ob. cit., págs. 179/180.).
Por isso, bem se compreende a opção legal de não permitir o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo das decisões arbitrais que puseram termo ao processo arbitral sem pronúncia sobre o mérito da causa.
Ou seja, mesmo admitindo que na decisão arbitral proferida nos autos, que foi de absolvição da instância, o não conhecimento do mérito seja imputável ao sujeito passivo (recordemos que o motivo da absolvição da instância foi a declaração da nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial), não pode considerar-se que o direito dos Recorrentes esteja irremediavelmente comprometido.»
O sentido desta jurisprudência, que aqui se continua a sufragar é, no essencial, transponível para o presente caso.
Em conclusão geral e definitiva e na esteira da jurisprudência firme deste STA que vem de respigar-se, sendo manifesto que a decisão do CAAD não conheceu do mérito, não se verificam os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no nº 2 do art. 25º do RJAT e no art. 152º do CPTA, pelo que o presente recurso não pode ser admitido.

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Há que ponderar a concessão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo da faculdade prevista na segunda parte do n.º 7 do art. 6.º do RCP, norma que dispõe: «nas causas de valor superior a €275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Constitui Jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo a de que a dispensa do remanescente da taxa de justiça tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
No caso sub judice, o acórdão ocupou-se apenas da questão de saber se o acórdão arbitral recorrido estava em contradição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo invocado como fundamento do recurso e, tendo concluído negativamente – que não se verificava a existência de decisões antagónicas quanto à mesma questão fundamental de direito, não se verificando, pois, os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no art. 25.º, n.º 2 do RJAT e no art. 152.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) –, decidiu no sentido de não tomar conhecimento do recurso.
Podemos, pois, considerar que o facto de o recurso não ter ultrapassado essa primeira fase, de verificação da oposição de julgados, justifica a menor complexidade susceptível de autorizar a dispensa do pagamento da taxa de justiça.
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3. Decisão:

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA em não tomar conhecimento do recurso.

Custas pela recorrente com dispensa do remanescente da taxa de justiça.

Comunique-se ao CAAD.
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Assinado digitalmente pelo relator (José Gomes Correia), que consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os restantes Conselheiros que integram a formação de julgamento.
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Lisboa, 22 de Setembro de 2021

José Gomes Correia (Relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.