Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0349/09 |
Data do Acordão: | 06/03/2009 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ISABEL MARQUES DA SILVA |
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL RECURSO ADMISSIBILIDADE TEMPESTIVIDADE COIMA |
Sumário: | I - Para além dos casos previstos no artigo 83.º do RGIT, é admissível em casos justificados o recurso em processo de contra-ordenação tributário com base em fundamentos previstos no artigo 73.º Lei-Quadro das Contra-Ordenações, aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, sendo um dos casos em que tal manifestamente se justifica - pois que em causa está a garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva (artigos 20.º, n.º 1 e 268.º n.º 4 da Constituição da República) e a vertente judicial do direito de defesa do arguido no processo de contra-ordenação (artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República) - aquele em que a impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima foi rejeitada; II - Nos termos do artigo 63.º daquela lei, também subsidiariamente aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, do despacho do juiz que rejeite o recurso por extemporâneo há recurso, independentemente do valor da coima aplicada; III - Se em face de uma notificação pouco clara se suscitam dúvidas quanto ao termo inicial do prazo indicado para a interposição do recurso, tem o mandatário judicial do arguido o ónus de as procurar esclarecer, tanto mais que para tal bastaria consultar o preceito legal expressamente indicado na notificação e do qual resulta de modo inequívoco tanto o prazo como o termo inicial da sua contagem, não lhe sendo lícito pretender, com fundamento na pretensa obscuridade da notificação, ter direito a mais prazo para recorrer do que aquele que a lei confere a todos; IV - É de 20 dias contados da notificação o prazo de que o arguido dispõe para interpor recurso da decisão administrativa de aplicação da coima (artigo 80.º n.º 1 do RGIT), havendo que contar este prazo nos termos do artigo 60.º da Lei Quadro das Contra-ordenações (ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados. |
Nº Convencional: | JSTA00065807 |
Nº do Documento: | SA2200906030349 |
Data de Entrada: | 03/27/2009 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL. |
Objecto: | DESP TAF PENAFIEL DE 2009/02/18 PER SALTUM. |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO. |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO. DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL. |
Legislação Nacional: | RGIT01 ART83 N1 N2 ART3 B ART80 N1. LOFTJ99 ART24 N1. DL 303/2007 DE 2007/08/24. CONST76 ART20 N1 ART32 N10 ART268 N4. CPC96 ART145 N5. DL 433/82 DE 1982/10/27 ART60 ART63 ART73. |
Referência a Doutrina: | JORGE DE SOUSA E OUTRO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO 3ED PAG577-578. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório- 1 – A…, LDA., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 18 de Fevereiro de 2009, que rejeitou, por intempestivo, o recurso por si interposto da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Valongo-Ermesinde que lhe aplicou uma coima de 474,83€, apresentando as seguintes conclusões:I – À Recorrente foi aplicada coima pelo Serviço de Finanças de Valongo; II – Decisão essa com a qual a arguida não se conformou e da qual recorreu, em tempo, para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel e da qual vem recorrer; III – que, por douta sentença de 18/02/2009 e notificada em 19/02/2009, decidiu não dar provimento ao apresentado recurso por considerá-lo extemporâneo; IV – alegou o Digníssimo Senhor Juiz do tribunal a quo que “no caso em apreço a recorrente foi notificada pessoalmente em 09/12/2008 pelo que o prazo legal para impugnar judicialmente a decisão administrativa de aplicação da coima terminou em 08/01/2009”; V – O contribuinte, aqui recorrente, recorreu judicialmente dentro do prazo que lhe foi comunicado no ponto 1) da dita notificação e esse prazo não terminava seguramente no dia 08/01/2009; VI – Não foi extemporânea a apresentação do mencionado recurso; VII – O Digníssimo Juiz a quo não teve em conta o conteúdo da notificação recebida pelo contribuinte, como estava obrigado; VIII – Não pode a Recorrente exercer o seu direito ao contraditório; IX – Ficou o contribuinte coartado nos seus direitos e garantias legal e constitucionalmente consagrados; X – Não teve a recorrente oportunidade de ver o mérito da sua pretensão devidamente apreciado; XI – ao assim não entender, a douta sentença ora recorrida violou os princípios da igualdade, da imparcialidade e do contraditório, devendo ser revogada, determinando-se a remessa dos autos ao digníssimo tribunal a quo, para que aprecie o mérito do pedido. Termos em que, deve a douta sentença recorrida ser revogada determinando-se a remessa dos autos ao digníssimo tribunal a quo para que aprecie o mérito do pedido. 2 – Não foram apresentadas contra-alegações. 3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal pronunciou-se nos seguintes termos: Objecto do recurso: despacho que rejeitou a impugnação judicial de decisão de aplicação da coima por intempestividade. Pese embora o valor da coima aplicada ser inferior a ¼ da alçada dos tribunais judiciais de primeira instância (1.250,00 euros) – Art.º 24.º n.º 1 da LOFTJ na redacção do Decreto-Lei 303/2007 de 24.08 – afigura-se-nos que a decisão sindicada é recorrível porquanto se trata de um caso em que a impugnação judicial foi rejeitada, estando em causa o próprio direito do arguido à tutela judicial (arts. 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da Constituição da República) – cf. neste sentido Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, RGIT, anotado, 1.ª edição, pag. 469. Quanto ao mérito do recurso: a nosso ver deve ser confirmado o julgado recorrido. Resulta do art.º 80.º do RGIT que as decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objecto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação (suspende-se aos sábados, domingos e feriados, e transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte se, no último, não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso – art. 60.º, n.ºs 1 e 2, do R.G.C.O.), prazo esse que consta da notificação que foi efectuada ao recorrente. E nem seria preciso constar. Decorre do imperativo legal, que o recorrente não pode alegar desconhecer, que o recurso deve ser interposto no prazo de 20 dias após a notificação da decisão de aplicação da coima. Nestes termos somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se o julgado recorrido. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. - Fundamentação – 4 – Questões a decidirComo questão prévia, há que decidir da admissibilidade do recurso, pois que o valor da coima aplicada se encontra aquém do valor da alçada. Caso se conclua ser de admitir o recurso, haverá, então que cuidar da sua tempestividade. 5 – No despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel objecto do presente recurso estão fixados os seguintes factos: 1. A recorrente foi notificada da decisão por carta registada com aviso de recepção, recebida em 09/12/2008 (fls. 13, 14 e 14 verso). 2. A impugnação judicial da decisão administrativa foi remetida por email e deu entrada no serviço de Finanças de Valongo – Ermesinde em 12/01/2009 (fls. 15). 6 – Apreciando 6.1 Questão prévia – Da admissibilidade do recurso Estabelecem os números 1 e 2 do artigo 83.º do RGIT que o arguido e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, ou para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo se o fundamento exclusivo do recurso for matéria de Direito, excepto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória. No caso dos autos não foi aplicada sanção acessória e a coima aplicada é no valor de € 474,83, inferior, pois, à alçada dos tribunais tributários (correspondente a um quarto da alçada estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância – ou seja, 1250,00 euros – cfr. o artigo 24.º n.º 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto). Admite-se, contudo, que em casos justificados se receba o recurso com base em fundamentos previstos no artigo 73.º Lei-Quadro das Contra-Ordenações (LQC), aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, sendo um dos casos em que tal manifestamente se justifica – pois que em causa está a garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva (artigos 20.º, n.º 1 e 268.º n.º 4 da Constituição da República) e a vertente judicial do direito de defesa do arguido no processo de contra-ordenação (artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República)1. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA/MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 3.ªed., Lisboa, pp. 577/578 (nota 7 ao art. 83.º do RGIT). - aquele em que a impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima foi rejeitada, situação prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 73.º da LQC e que se configura nos autos, pois que o despacho recorrido rejeitou a impugnação da decisão administrativa de aplicação da coima, com fundamento na sua intempestividade (cfr. sentença a fls. 36 dos autos). Acresce que, nos termos do artigo 63.º da LQC, também subsidiariamente aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, do despacho do juiz que rejeite o recurso feito fora do prazo há recurso, recurso este que não depende do valor da coima aplicada. Assim, não obstante o valor da coima aplicada se situar abaixo do valor da alçada dos tribunais tributários, decide-se admitir o presente recurso com fundamento na alínea d) do n.º 1 do artigo 73.º e no n.º 2 do artigo 63.º da LQC, aplicáveis ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT. 6.2 Da tempestividade O fundamento para a rejeição pelo tribunal “a quo” do recurso interposto da decisão administrativa de aplicação da coima foi a sua intempestividade, pois que o prazo para a interposição do recurso é de 20 dias após a sua notificação (artigo 80.º, n.º 1 do RGIT), este prazo não é um prazo judicial (pelo que não se lhe aplica o n.º 5 do artigo 145.º do Código de Processo Civil), o arguido foi notificado da decisão em 9/12/2008 mas a impugnação da decisão só deu entrada no Serviço de Finanças de Valongo-Ermesinde em 12/01/2009, ou seja, já depois de expirado o prazo para a impugnar, que teria terminado em 08/01/2009 (cfr. despacho recorrido a fls. 35 e 36 dos autos). Contra este entendimento reage a recorrente, que não pondo em causa que recebeu a notificação em 9/12/2008, vem alegar, em suma, que o prazo de 20 dias que nesta lhe era indicado para interpor recurso judicial se contaria após os 15 dias de que dispunha para efectuar o pagamento voluntário da coima (números 23 e 24 das alegações de recurso, a fls. 56 e 57 dos autos), pelo que teria em tempo apresentado a sua defesa. Vejamos. A notificação da decisão administrativa da coima, a fls. 13 dos autos, consiste num texto pré-formatado que, efectivamente, não é um modelo de clareza nem no que respeita ao prazo para interposição do recurso nem quanto a outros aspectos. É certo que dele não resulta a indicação inequívoca de que o prazo de 20 dias para recorrer se conta da notificação, mas também não resulta inequivocamente que tal prazo se conte findo o de 15 dias para requerer o pagamento voluntário. Consideramos que a dúvida quanto ao termo inicial da contagem do prazo seria legítima em face da pouca clareza do texto na notificação, mas havendo dúvida havia o ónus de a ver esclarecida, esclarecimento este de muito fácil obtenção pois que a notificação indica de forma expressa o preceito legal aplicável (o artigo 80.º do RGIT), deste resulta de modo inequívoco tanto o prazo como o termo inicial da sua contagem, acrescendo ainda que a arguida se faz representar no processo por advogado, que está funcionalmente obrigado a conhecer a lei. Não lhe é, pois, lícito pretender, com fundamento na pretensa obscuridade da notificação, ter direito a mais prazo para recorrer do que aquele que a lei confere a todos. É, pois, de 20 dias após a notificação o prazo de que o arguido dispunha para interpor recurso da decisão administrativa de aplicação da coima (artigo 80.º n.º 1 do RGIT), havendo que contar este prazo nos termos do artigo 60.º da LQC (ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados. Feitas as contas, conclui-se que o prazo para interposição do recurso terminou efectivamente no dia 8 de Janeiro de 2009. A decisão judicial que assim o considerou e em conformidade rejeitou por extemporâneo o recurso não merece, pois, qualquer censura, devendo ser confirmada. O recurso não merece provimento. - Decisão - 7 - Termos em que, face ao exposto, acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.Sem custas. Lisboa, 3 de Junho de 2009. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pimenta do Vale - Lúcio Barbosa. |