Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01818/15.5BELSB
Data do Acordão:02/13/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:ACTO ADMINISTRATIVO
FUNDAÇÃO
EXONERAÇÃO
Sumário:I - Uma fundação criada por pessoas colectivas públicas e pessoas de direito privado tem natureza privada se aquelas, isolada ou conjuntamente, não detiverem sobre a mesma uma influência dominante;
II - A exoneração do presidente do conselho de administração dessa fundação privada, ainda que feita por um membro fundador público, se baseada em norma dos estatutos respectivos e demais legislação aplicável às fundações privadas, não constitui um acto administrativo.
Nº Convencional:JSTA000P25608
Nº do Documento:SA12020021301818/15
Data de Entrada:09/20/2019
Recorrente:A...
Recorrido 1:PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A………… - com domicílio profissional na rua ………., nº…, …., Lisboa - demanda, «nesta acção administrativa especial» [AAE], o PRIMEIRO-MINISTRO [PM] e MINISTÉRIO DA PRESIDÊNCIA E DOS ASSUNTOS PARLAMENTARES [MPAP], pedindo a este Supremo Tribunal Administrativo [STA] que «declare nulo o despacho de 26.08.2013, que procedeu à revogação da sua nomeação», e que - cumulativamente - «seja provido no cargo para que fora nomeado» ou - caso assim não se entenda - sejam os demandados condenados a indemnizá-lo por danos patrimoniais devido à sua destituição ilegal - no montante de 91.653,00€ - e por danos não patrimoniais - no montante de 7.500,00€ - com juros de mora sobre tais quantias até seu integral pagamento.

Alega que em 29.10.2012 foi nomeado Presidente do Conselho de Administração da FUNDAÇÃO ……… por despacho do «Ministro-Adjunto e dos Assuntos Parlamentares», cargo de que tomou posse em 19.12.2012, tendo reorganizado toda a sua vida em função desse projecto; porém, passados cerca de 9 meses, o seu mandato de 4 anos foi interrompido a 26.08.2013 por despacho conjunto do Primeiro-Ministro e do Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, que o «exonerou».

Alega que esta «exoneração» consubstancia um acto administrativo ilegal, que induz a sua nulidade, por falta de competência dos seus autores para o efeito, por a sua nomeação ser um acto insusceptível de revogação - invoca os artigos 266º da CRP; 133º, nº2 alínea c), 137º, e 141º do «anterior CPA»; 3º, 161º, nº2 alíneas b) e c), 169º, nº2, e 148º do «actual CPA»; 16º e 25º, nº1, dos Estatutos da Fundação ………..

Alega, por fim, ter direito aos vencimentos, aos subsídios de férias e de Natal, e às despesas de representação - que deixou de receber - bem como a ser ressarcido de danos morais por ver afectada a sua imagem e honra profissional.

2. Veio contestar a «Presidência do Conselho de Ministros» [PCM], defendendo-se dos pedidos do autor por excepção e por impugnação, tendo suscitado, ainda, a questão prévia da falta de rigor na demanda porque, no seu entender - nos termos do artigo 10º nº2 do CPTA - era ela que deveria ter sido desde início demandada.

3. Não houve resposta do autor às excepções suscitadas [a da «incompetência material da jurisdição administrativa» e a da «caducidade do direito de acção»].

4. Foi dispensada a realização de audiência prévia - nº2 do artigo 87º-B, do CPTA.

5. Em sede de «despacho saneador», foi julgada improcedente a «excepção da incompetência material da jurisdição administrativa», bem como a excepção da «caducidade do direito de acção», e considerada como demandada, na acção, a «Presidência do Conselho de Ministros».

6. Embora convidadas a tal, as partes não apresentaram alegações - artigo 91º, nº5, do CPTA.

7. Colhidos que foram os «vistos» legais, importa apreciar e decidir a acção.

II. De Facto

Como pertinentes para o julgamento da causa consideramos provados os factos seguintes:

1- O autor – A……….. - foi membro da Junta Directiva, e da Comissão Executiva, e presidente do Conselho Fiscal do Clube de Futebol ……..; foi vogal, vice-presidente e presidente da Federação de ……. de Portugal; foi presidente da Confederação ………; foi membro do Conselho Nacional ……….; membro do Conselho Fiscal da Federação Europeia de …… - pacífico nos autos;

2- Foi premiado pelo Comité ……. - documento nº1 junto com a petição inicial;

3- Recebeu, por duas vezes, o prémio Mérito Desportivo - Alto Prestígio C…. pela Confederação ………. - documento nº2 junto com a petição inicial;

4- Recebeu diploma de mérito da Federação Moçambicana de …… - documento nº3 junto com a petição inicial;

5- Recebeu um Special Award of Honour pela European …….. Federation - documento nº4 junto com a petição inicial;

6- Recebeu o ….. Badge of Merit in Gold pelo Conselho da Federação Internacional de …….. - documento nº5 junto com a petição inicial;

7- Recebeu «Medalha de Mérito Desportivo e Colar de Honra ao Mérito Desportivo» do Governo Português - Despacho ..., in II série do DR nº….., de 28.11.2008;

8- No ano de 2011 foi galardoado com o The European Olympic ….. Award - documento nº6 junto com a petição inicial;

9- Em 29.10.2012 foi nomeado como Presidente do Conselho de Administração da Fundação ……… por despacho do Ministro-Adjunto e dos Assuntos Parlamentares nos seguintes termos: «Nos termos do disposto no nº1 do artigo 25º dos Estatutos da Fundação ………, a qual se encontra legalmente constituída - tal como consta do Diário da República, III série, nº…., de 16 de Novembro de 1995 - e com personalidade jurídica reconhecida - nos termos da Portaria …., do Ministério da Administração Interna, publicada no Diário da República, II série, nº…., de 02.04.1996 - é nomeado presidente do conselho de administração da referida Fundação o Senhor A………..» - documento nº7 junto com a petição inicial, e documento nº3 junto com a contestação;

10- Tomou posse a 19.12.2012 - documento nº8 junto com a petição inicial;

11- Nesse momento manifestou o espirito de missão e dedicação com que abraçava o projecto - documento nº9 junto com a petição inicial;

12- E reorganizou a sua vida de modo a poder aceitá-lo - pacífico nos autos;

13- Durante o tempo que esteve em exercício demonstrou muito empenho no desenvolvimento do mesmo - pacífico nos autos;

14- Em 26.08.2013, por «despacho conjunto do Primeiro-Ministro e do Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares», o autor foi exonerado do cargo para o qual havia sido nomeado - conforme dito no ponto 9 - nestes termos: «Nos termos do disposto no nº1 do artigo 25º dos Estatutos da Fundação …….., legalmente constituída - conforme consta do Diário da República, III série, nº….., de 16 de Novembro de 1995 - e com personalidade jurídica reconhecida - pela Portaria nº…., publicada no Diário da República, II série, nº…., de 2 de Abril de 1996 - é exonerado o presidente do conselho de administração da Fundação …….. A………….» - documento nº11 junto com a petição inicial;

15- Esta exoneração causou ao autor stress, revolta interior, desânimo, dificuldades em dormir, e angústia - pacífico nos autos;

16- Conteúdo do Balancete Analítico - Contabilidade Geral que constitui o documento nº1 junto aos autos com a contestação - dado como reproduzido;

17- São dezasseis os membros fundadores da Fundação …….. - pacífico nos autos.

III. De Direito

1. Como decorre do relatório e da factualidade provada, o autor defende que a sua «exoneração» do cargo para o qual fora nomeado [ponto 9 do provado] e exercera durante escassos 8 meses e 9 dias [pontos 10 e 14 do provado] consubstancia um «acto administrativo ilegal», que deve ser declarado nulo com fundamento na falta de competência dos seus autores para o produzir, uma vez que a sua nomeação se mostra - em seu entender - insusceptível de revogação - invoca os artigos 266º da CRP; 133º, nº2 alínea c), 137º, e 141º do «anterior CPA»; 3º, 161º, nº2 alíneas b) e c), 169º, nº2, e 148º do «actual CPA»; 16º e 25º, nº1, dos Estatutos da Fundação ………..

Pede, assim, a respectiva declaração de nulidade da sua exoneração e a reposição da situação anterior à mesma, ou, caso esta não seja possível, ou conveniente, a sua indemnização pelos danos patrimoniais - 91.653,00€ - e não patrimoniais - 7.500,00€ - resultantes da exoneração ilegal.

2. Antes de prosseguir na análise das questões suscitadas na acção, vejamos as normas pertinentes do regime jurídico chamado a intervir.

A «Lei-Quadro das Fundações» [Lei nº24/2012, de 09.07, na versão aplicável, isto é, antes da alteração feita pela Lei nº150/2015, de 10.09], diz no artigo 4º, que as fundações podem assumir um dos seguintes tipos:

a) Fundações privadas, criadas por uma ou mais pessoas de direito privado, em conjunto ou não com pessoas colectivas públicas, desde que estas, isolada ou conjuntamente, não detenham sobre a fundação uma influência dominante [nº1];

b) Fundações públicas de direito público, as fundações criadas exclusivamente por pessoas colectivas públicas [nº1].

c) Fundações públicas de direito privado, as fundações criadas por uma ou mais pessoas colectivas públicas, em conjunto ou não com pessoas de direito privado, desde que aquelas, isolada ou conjuntamente, detenham uma influência dominante sobre a fundação [nº1].

E explica que se considera existir esta influência dominante sempre que ocorra:

a) A afectação exclusiva ou maioritária dos bens que integram o património financeiro inicial da fundação [nº2];

b) Ou o direito de designar ou destituir a maioria dos titulares do órgão de administração da fundação [nº2].

Relativamente à sua «criação» estipulam assim os artigos 15º, 24º, 50º da Lei-Quadro em referência:

15º [nº1] - As fundações privadas podem ser criadas por uma ou mais pessoas de direito privado ou por pessoas de direito privado com pessoas colectivas públicas, desde que estas, isolada ou conjuntamente, não detenham sobre a fundação uma influência dominante.

24º - As fundações privadas podem adquirir estatuto de utilidade pública verificando-se, cumulativamente, os seguintes requisitos […]

50º - As fundações públicas só podem ser criadas pelo Estado, pelas regiões autónomas ou pelos municípios, isolada ou conjuntamente [nº1]. As fundações públicas estaduais ou regionais são instituídas por diploma legislativo [nº2], e as municipais são instituídas por deliberação da assembleia municipal [nº3].

Quanto ao «regime jurídico» aplicável às fundações públicas - de direito público e de direito privado - estipula o artigo 52º da mesma lei:

52º - As fundações públicas regem-se pelas normas constantes da presente lei-quadro e demais legislação aplicável às pessoas colectivas públicas, bem como pelos respectivos estatutos e regulamentos internos [nº1]. São, designadamente, aplicáveis às fundações públicas, quaisquer que sejam as particularidades dos seus estatutos e do seu regime de gestão: a) O Código do Procedimento Administrativo, no que respeita à actividade de gestão pública […] b) O regime jurídico aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas; c) O regime da administração financeira e patrimonial do Estado; d) O regime da realização de despesas públicas e da contratação pública; e) O regime das incompatibilidades de cargos públicos; f) O regime da responsabilidade civil do Estado; g) As leis do contencioso administrativo, quando estejam em causa actos e contratos de natureza administrativa; h) O regime de jurisdição e controlo financeiro do Tribunal de Contas e da Inspecção-Geral de Finanças [nº2].

Por sua vez, colhemos dos «Estatutos da Fundação ………» - documento nº10 junto com a petição inicial - o seguinte:

Artigo 1º - A Fundação ……… é uma instituição de direito privado e utilidade pública, que se rege pelos presentes estatutos e, subsidiariamente, pela legislação aplicável às fundações.

Artigo 3º - Tem como objecto social apoiar o fomento e o desenvolvimento do desporto, particularmente no domínio da alta competição.

Artigo 14º - São seus órgãos sociais: a) O Conselho de Fundadores; b) O Conselho de Administração; c) O Conselho Fiscal; d) O Conselho Consultivo.

Artigo 15º - O mandato dos órgãos sociais é renovável e tem a duração de quatro anos [nº1]; Os titulares dos mesmos serão pessoas singulares, designadas pelos fundadores, por um período de quatro anos [nº2].

Artigo 16º - No caso de renúncia, impedimento permanente ou morte do titular de algum órgão será a respectiva vaga preenchida pela forma prevista nestes estatutos para a designação do titular […].

Artigo 17º - O Conselho de Fundadores é constituído por todos os membros fundadores;

Artigo 19º - Os membros do Conselho de Fundadores têm direito a um voto e, exceptuando os casos previstos nos estatutos ou na lei, as deliberações são tomadas por maioria, dispondo o Presidente de voto de qualidade no caso de empate.

Artigo 20º - Compete ao Conselho de Fundadores [além do mais]: […] f) Eleger os Vice-Presidentes do Conselho de Administração […].

Artigo 24º - O Conselho de Administração é composto por sete membros, tendo um presidente, dois vice-presidentes e quatro vogais.

Artigo 25º - O Presidente do Conselho de Administração é nomeado por despacho conjunto do Primeiro-Ministro e do Ministro da Tutela do Desporto [nº1]. Os Vice-Presidentes são eleitos pelo Conselho de Fundadores de entre os seus membros, por maioria absoluta de votos dos membros presentes [nº2].

Artigo 26º - Os vogais do Conselho de Administração são designados pela forma seguinte: a) Um pelo Instituto do ………; b) Um pelo Comité ………; c) Um pela Confederação ………; d) Um pela ………., S.A.

3. Na tese do autor, a sua exoneração consubstancia um acto administrativo que deverá ser declarado nulo por violar o princípio da legalidade, por se traduzir na revogação ilegal da anterior nomeação, bem como no exercício de poder sem a necessária competência para o efeito.

Segundo defende, o artigo 25º dos Estatutos da Fundação ………. não atribui qualquer poder para exonerar, e, nos termos do seu artigo 16º, os titulares dos respectivos órgãos apenas poderão deixar de exercer funções por renúncia, por impedimento permanente ou por morte. Assim, ao exonerá-lo com fundamento no dito artigo 25º, os autores do acto violaram o princípio da legalidade previsto no artigo 266º da Lei Fundamental - segundo o qual «1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. 2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé» - e no artigo 3º do CPA - «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos, e em conformidade com os fins para que os mesmos lhes foram conferidos» - o que o torna nulo por aplicação da alínea b), do nº2, do artigo 133º, do CPA - «2. São designadamente actos nulos: […] b) Os actos estranhos às atribuições dos ministérios ou das pessoas colectivas referidas no artigo 2º em que o seu autor se integre». Note-se que o autor convoca a actual alínea b) do nº2 do artigo 161º do CPA, mas a verdade é que a versão aplicável será a anterior à reforma de 2015 [DL nº4/2015, de 07.01].

Diz ainda que o acto de exoneração se traduz na revogação da sua nomeação e que, por isso, será nulo, nos termos da alínea c) do nº2 do artigo 133º do CPA - «2. São designadamente nulos: […] c) Os actos cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime». É que, a seu ver, o acto de nomeação, que não foi assinado pelo Primeiro-Ministro, não chegou a ser corrigido ou ratificado, razão pela qual não existe. Além disso, esse acto, a existir, só poderia ser revogado nos termos do artigo 141º do CPA - «1. Os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida. […]».

Toda a construção da tese do recorrente assenta, pois, no pressuposto «de que a sua exoneração constitui um acto administrativo». Foi, aliás, atendendo a tal pressuposto basilar da pretensão formulada pelo autor que se julgou, em sede de despacho saneador, a jurisdição administrativa materialmente competente.

Aí foi dito, e relembramos, o seguinte:

[…]

«2. Como tem sublinhado inúmeras vezes o Tribunal de Conflitos, a competência material afere-se em função da configuração da relação jurídica controvertida, ou seja, em função dos termos em que é deduzida a pretensão do autor na sua petição inicial, incluindo os respectivos fundamentos.

Destarte, a competência em razão da matéria é questão que se resolve face ao modo como o autor estrutura a causa, como exprime a sua pretensão em juízo, sem cair na tentação de antecipar, para este momento, a qualificação jurídica dos factos ou a indagação do direito [ver AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, processo nº08/14].

Numa análise objectiva da estruturação da presente causa, resulta, sem sombra de dúvida, que o autor impugna um pretenso acto administrativo - despacho conjunto do PRIMEIRO-MINISTRO e do MINISTRO DA PRESIDÊNCIA E DOS ASSUNTOS PARLAMENTARES, de 26.08.2013, que o exonerou do cargo de Presidente do Conselho de Administração da Fundação ……… - e pede em juízo a sua declaração de nulidade e a reposição da situação anterior, ou, pelo menos, a condenação dos réus a indemnizá-lo por danos patrimoniais e não patrimoniais, com juros de mora.

Como causa de pedir, alega que esse acto administrativo - assim o entende - é ilegal, por falta de competência dos seus autores para o produzir, e por configurar, no fundo, a revogação de um acto administrativo - a sua nomeação - irrevogável. Além disso, acrescenta, trata-se de uma ilegalidade que lesou os seus direitos e gerou prejuízos patrimoniais e não patrimoniais na sua esfera jurídica, e que pretende ver indemnizados.

Os demandados invocam a incompetência material da jurisdição administrativa essencialmente por entenderem que não está em causa um acto administrativo, e isto porque a «Fundação ………» é de direito privado e utilidade pública e nela o Estado não tem uma influência dominante [artigo 4º nº2 da Lei 24/2012, de 09.07]. Deste modo, dizem, a designação dos membros da fundação rege-se pelos seus estatutos e pelo direito privado, e não por normas de direito administrativo [artigos 212º, nº3, da CRP; 1º, nº1, do ETAF; 3º, nº1, e 46º do CPTA].

3. Resulta assim - atento o «critério» apresentado nos dois primeiros parágrafos do ponto anterior - que a questão de saber se o despacho impugnado configura acto administrativo é uma questão de fundo, cujo juízo se repercute na procedência ou não da AAE. Por agora, olhando apenas à pretensão desenhada pelo autor na petição inicial, e aos fundamentos que apresenta, impõe-se concluir pela competência absoluta deste Supremo Tribunal para julgar o litígio.»

[…]

Impõe-se agora, assim o manda a boa metodologia do caso, começar por aferir a natureza administrativa ou não do acto de exoneração em causa, pois que, da resolução desta questão, dependerá a utilidade de prosseguir na apreciação dos vícios invocados pelo autor, e que são vícios próprios do acto administrativo.

4. Tudo começa por saber que tipo de fundação é a «Fundação ……….».

Constatamos que os seus estatutos a definem de instituição de direito privado e utilidade pública [artigo 1º nº1]. E muito embora possa haver fundações públicas de direito privado [artigo 4º alínea c) da «Lei-Quadro» das Fundações], o certo é que a aquisição do estatuto de utilidade pública apenas faz sentido, em princípio, relativamente às fundações de tipo privado [artigo 24º da «Lei-Quadro» das Fundações].

Além disso, constata-se que a «Fundação ………» tem, entre os membros fundadores, pessoas colectivas públicas - o «Estado», representado pelo Instituto ……., e o «Município da Maia» - e pessoas de direito privado - «Comité ………» [de cujos estatutos se colhe ser uma associação privada, de utilidade pública, com total independência face ao Governo]; «Confederação ………» [de cujos estatutos se colhe ser uma pessoa colectiva de direito privado, com natureza associativa, que congrega as federações desportivas nacionais]; «……….., S.A.»; «………»; «……..»; «………»; «………..»; «……….»; etc. - importando verificar, pois, se as pessoas colectivas públicas detêm - isolada ou conjuntamente - uma influência dominante sobre ela nos termos das alíneas do nº2, do artigo 4º, da «Lei-Quadro» das Fundações.

E a resposta deverá ser negativa. Vejamos.

Efectivamente, da análise do balancete analítico junto aos autos pela Presidência do Conselho de Ministros, com a contestação [ponto 16 do provado], verifica-se que o património inicial da mesma é de 3.872.189,42€ e que os fundadores que têm a natureza de pessoas colectivas públicas - unicamente o Estado Português e o Município da Maia - entraram com o total de 1.646.032,37€ [isto é, 1.496.393,00€ do Estado, através do IPDJ, e 149.639,37€ do Município da Maia], quantia que resulta claramente aquém de metade do património inicial. Ou seja, os fundadores privados - «Comité …….», «Confederação ………..», «…….»; «……»; «……»; «……»; «……»; «…….»; etc. - participaram com uma quantia superior aos fundadores públicos, daí resultando a não verificação do «primeiro critério» da influência dominante na fundação das pessoas colectivas públicas que a integram - alínea a) do nº2 do artigo 4º da «Lei-Quadro» das Fundações.

Mas também não se verifica o «segundo critério» para tal efeito previsto na dita «Lei-Quadro» - b) do nº2 do artigo 4º - consistente no direito dos fundadores públicos designarem ou destituírem a maioria dos titulares do órgão de administração da Fundação. E isso mesmo resulta da apreciação, e conjugação, dos artigos 17º, 19º, 20º, e 24º a 26º, dos respectivos «Estatutos».

É que, dos sete membros do Conselho de Administração [artigo 24º] - presidente, 2 vice-presidentes, e quatro vogais - o Estado Português apenas nomeia o seu presidente [nº1 do artigo 25º] e - estando presente - tem um voto, no âmbito do Conselho de Fundadores - que é composto por todos os membros fundadores, num total de dezasseis - na eleição de cada um dos dois vice-presidentes, o mesmo acontecendo com o Município da Maia [artigos 25º, nº2, 17º, 19º e 20º]. Os 4 vogais são eleitos conforme diz o artigo 26º: a) Um pelo Instituto do ………; b) Um pelo Comité ………..; c) Um pela Confederação ………..; d) Um pela ………, S.A.

Ressuma, pois, que às duas pessoas colectivas de direito público que integram, enquanto membros fundadores, a «Fundação» em causa, não assiste o direito de designar ou destituir a maioria dos titulares do seu Conselho de Administração.

Estamos, por conseguinte, perante uma fundação privada, criada, em conjunto, por pessoas colectivas públicas e pessoas de direito privado, cujo regime jurídico se extrai dos seus estatutos e do direito privado aplicável, mas não cabendo no âmbito de previsão do artigo 52º da «Lei-Quadro» das Fundações [supra-citado]. E nem mesmo a atribuição de utilidade pública altera esta conclusão uma vez que esta última norma se aplica exclusivamente, como de modo claro dela consta, a «fundações públicas».

5. Deste modo, o acto de exoneração do autor baseou-se, como nele mesmo se diz, no artigo 25º dos Estatutos desta fundação privada. Ou seja, o autor que foi «nomeado» pelo Estado Português - mediante «despacho conjunto do Primeiro-Ministro e do Ministro da Tutela do Desporto» - foi por ele exonerado ao abrigo daquele mesmo poder, que é de direito privado, mas não ao abrigo de poder jurídico-administrativo, como seria indispensável à possibilidade de configurar tal acto como acto administrativo [ver artigo 148º do CPA].

Não tem qualquer utilidade, por conseguinte, prosseguir na apreciação de vícios imputados a um «acto administrativo» que pura e simplesmente não existe.

Por esta razão fundamental, e em conformidade com o já decidido no âmbito do despacho saneador, deverá a entidade demandada ser absolvida desta instância uma vez que nela formulou pedido baseado na prática de acto administrativo.

O que se decidirá.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos absolver a entidade demandada da instância.

Custas pelo autor.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2020. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Cláudio Ramos Monteiro.