Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0278/17.0BECTB
Data do Acordão:12/06/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:PROPOSTA
ASSINATURA
FORMALIDADE ESSENCIAL
DEGRADAÇÃO EM FORMALIDADE NÃO ESSENCIAL
Sumário:I – Enquanto no carregamento de “ficheiro fechado” o concorrente elabora a proposta localmente, no seu próprio computador, inserindo os documentos em ficheiros que introduz na plataforma electrónica depois de encriptados e assinados, no carregamento progressivo ou de “ficheiro aberto”, a que alude o n.º 5 do art.º 68.º da Lei n.º 96/2015, de 17/8, o ficheiro está em processo de carregamento até ao momento da submissão, não sendo a sua assinatura exigida até este momento.
II – Estando assente que se teria de considerar que a modalidade de carregamento era a de “ficheiro fechado”, em virtude de a plataforma electrónica utilizada no concurso não ter as potencialidades necessárias para permitir o carregamento progressivo nos termos do mencionado art.º 68.º, n.º 5, e resultando dos factos provados que, em violação do n.º 4 deste art.º 68.º, os ficheiros da proposta da adjudicatária só foram assinados electronicamente depois de carregados no portal, há que averiguar se a formalidade essencial omitida se degradou em não essencial por as funções da assinatura electrónica terem sido asseguradas.
III – Tendo-se provado que todos os ficheiros associados à proposta da adjudicatária foram assinados através de um certificado de assinatura electrónica a ela pertencente e garantindo a plataforma a possibilidade de aferir se uma cópia electrónica que dela tenha sido extraída corresponde ao documento original submetido pelo concorrente, é de concluir que o facto de os ficheiros não terem sido assinados na altura determinada pela lei, mas só em momento posterior, se degrada em formalidade não essencial.
Nº Convencional:JSTA00071009
Nº do Documento:SA1201812060278/17
Data de Entrada:09/03/2018
Recorrente:MUNICÍPIO DE PONTE SOR
Recorrido 1:A......,LDA E B.....,LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃO DO TCA SUL
Decisão:CONCEDE PROVIMENTO
Área Temática 1:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
Legislação Nacional:Art.º 68.º da Lei n.º 96/2015, de 17/8
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:



RELATÓRIO

“A…….., Lda.”, com sede no Parque Empresarial……., Lote.., em……., Proença-a-Nova, intentou acção de contencioso pré-contratual, contra o Município de Ponte de Sor e em que eram contra-interessadas a “ B……., Lda.” e a “ C………., Lda.”, pedindo a declaração de nulidade, ou a anulação, do acto de adjudicação à referida “B…….” do concurso público, com a Ref. A – 8/2017_2, para execução do fornecimento e prestação de serviços de “Musealização do Núcleo de Arqueologia Industrial do Centro de Artes e Cultura de Ponte de Sor”, bem como do contrato que entretanto tenha sido celebrado, e a condenação da entidade demandada a praticar um novo acto de adjudicação a seu favor.

Por sentença do TAF de Castelo Branco, foi a acção julgada totalmente improcedente.

Tendo a A. interposto recurso para o TCA Sul, este tribunal, por acórdão, de 28/6/2018, decidiu:
“ - Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida; e em substituição,
- Reconhecendo ocorrer uma situação de impossibilidade absoluta à satisfação da pretensão formulada pela Autora (ora recorrente), pela qual deve ser indemnizada, ordenar a baixa dos autos à primeira instância a fim de ser dado cumprimento ao disposto no art.º 45.º, n.º 1, al. d), do CPTA, com o competente convite às partes para acordarem no montante da indemnização devida no prazo de 30 dias, seguindo-se, na falta desse acordo, os ulteriores termos previstos no n.º 2 daquele artigo”.

Inconformado com tal acórdão, o Município de Ponte de Sor interpôs recurso de revista, para este STA, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:

A) O presente recurso de revista visa responder à seguinte questão jurídica fundamental: a teoria da degradação das formalidades essenciais em formalidades não essenciais (hoje convertida em regra legal — artigo 163.º, n.º 5, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo) deve ser, ou não, aplicada aos casos em que os concorrentes não assinam, com recurso a certificado de assinatura eletrónica qualificada, os documentos da proposta antes do respetivo carregamento na plataforma eletrônica em que decorre o concurso (assim incumprindo o disposto no artigo 68.º, n.º 4, da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto), mas o fazem já depois desse carregamento? E, em caso afirmativo, qual o resultado, nos casos descritos, do “teste” das finalidades preconizado pela aludida teoria/regra legal?


B) Esta questão jurídica fundamental cumpre qualquer dos requisitos de admissão do recurso de revista previstos no artigo 150.º, n.º 1, do CPTA.


C) Desde logo, o Acórdão recorrido — com um significativo voto de vencido — vai ao ponto de recusar in limine a aplicação da aludida teoria (hoje, regra legal), sem sequer cuidar de realizar o “teste” das finalidades visadas pela exigência formal ou procedimental.


D) Isto contraria abertamente a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a qual, por diversas vezes e de forma incisiva, tem aceitado a aplicação da aludida teoria aos atos dos particulares (como o são as propostas apresentadas no âmbito de procedimentos de contratação pública), inclusive quando esteja em causa a temática das assinaturas eletrónicas (cfr., v.g., Acórdãos desse Supremo Tribunal Administrativo de 3 de dezembro de 2015, processo n.º 01028/15, e de 30 de janeiro de 2013, processo n.º 01123/12).


E) Todavia, o facto de o Supremo Tribunal Administrativo já ter sido chamado a pronunciar-se sobre a aplicabilidade da teoria da degradação das formalidades essenciais em não essenciais no domínio dos atos dos particulares, incluindo em matéria de assinatura eletrónica, não torna a presente revista merecedora de menos relevância jurídica ou social ou menos necessária para uma melhor aplicação do direito, uma vez que esse Venerando Tribunal nunca teve oportunidade de decidir sobre a questão concretamente em apreço na presente revista (falta de assinatura eletrônica qualificada antes do carregamento dos documentos da proposta na plataforma).


F) Além disso, trata-se de questão com virtualidade de se expandir para outros casos similares, apresentando absoluta autonomia face ao caso sub judice: por um lado, é suscetível de se verificar em todos os procedimentos concursais (os quais, atualmente, e por força do CCP, são obrigatoriamente tramitados em plataformas eletrónicas); por outro lado, é muitíssimo provável que, atenta a variedade de plataformas eletrónicas disponíveis no mercado, cada qual com o seu específico modo de funcionamento, os concorrentes, por um lado, adotem este tipo de comportamento (omissão da assinatura antes do carregamento) e as entidades adjudicantes, por outro lado, decidam em sentido divergente (nuns casos excluindo as propostas, noutros casos não as excluindo) — o que faz prever a sua mais do que certa repetição no futuro.


G) Prova da suscetibilidade de a questão decidenda se vir a colocar repetidamente em casos futuros é justamente a circunstância de, até este momento, ela já ter sido suscitada em diversas ações judiciais: (i) ainda recentemente, foi apreciada pelo mesmo Tribunal Central Administrativo Sul, tendo sido alvo de uma decisão diametralmente oposta, apesar de os pressupostos de facto serem totalmente idênticos (cfr. Acórdão de 5 de abril de 2018, processo n.º 420/17.1BECTB); (ii) foi igualmente discutida ao abrigo de legislação anterior, a Portaria n.º 701-G/2008, de 29 de julho, mas com as mesmas coordenadas normativas (cfr. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15 de janeiro de 2015, processo n.º 11671/14, de 19 de maio de 2016, processo n.º 13093/16, e de 24 de novembro de 2016, n.º 13458/16, e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 6 de novembro de 2015, processo n.º 2610/14.0BEBRG, e de 4 de novembro de 2016, processo n.º 2836/15.9BEPRT); e, por fim, (iii) está atualmente em discussão em processos que correm termos, pelo menos, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (processo n.º 1158/18.8BELSB) e no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (processo n.º 467/18.0BESNT), sendo muito provável que também se coloque em processos em curso noutros tribunais administrativos.


H) Está em causa neste recurso o não cumprimento, pela proposta da Contrainteressada B……, da formalidade imposta pelo artigo 68.º, n.º 4, da Lei n.º 96/2015.


I) Resulta da factualidade dada como assente pelas instâncias que (i) por um lado, alguns dos documentos que integram a proposta da Contrainteressada B……. não foram assinados, com recurso a certificado de assinatura eletrónica qualificada, antes de serem carregados na plataforma onde decorreu o concurso (Vortal), e que, (ii) por outro lado, todos os documentos daquela proposta foram assinados, com recurso a certificado de assinatura eletrónica qualificada, depois de carregados no portal Vortal.


J) Não se ignora que todas as formalidades previstas na lei são, em princípio, essenciais (cfr. por todos, SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo. Editora Danúbio, Lisboa, 1982, p. 386, e “O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa”. Cadernos de Ciência da Legislação, n.º 9/10, janeiro/junho 1994, p. 142). Cfr., ainda, na jurisprudência, os Acórdãos desse Supremo Tribunal Administrativo de 6 de setembro de 2001 (processo n.º 787/10) e de 19 de fevereiro de 2003 (Pleno; processo n.º 40793).


K) Todavia, não é menos verdade que, fruto dos comandos ínsitos no princípio da proporcionalidade e da primazia da materialidade subjacente (vertente da boa fé) e mercê da “instrumentalidade das formalidades à prossecução de fins ou propósitos que as ultrapassam” (cfr. PAULO OTERO, Direito..., p. 569), se torna necessário averiguar, ante a violação de uma determinada formalidade, se a mesma é suscetível de ser degradada em não essencial.


L) É entendimento unânime da jurisprudência e da doutrina administrativistas (agora com expresso acolhimento legal no artigo 163.º, n.º 5, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo) que uma formalidade legalmente estatuída, sendo à partida essencial, degradar-se-á em não essencial se a sua preterição ou omissão não tiver impedido a realização dos objetivos ou finalidades que mediante ela o legislador pretendeu produzir ou alcançar.


M) A aplicação desta teoria, hoje convertida em regra legal, a um caso concreto depende, tão-só, da descoberta, por via interpretativa, dos fins visados pela norma que prescreve a formalidade violada e da subsequente realização do “teste” das finalidades.


N) Embora gizada para os atos administrativos, a aludida teoria tem sido aplicada, sem hesitações, a casos em que são os atos dos particulares (por exemplo, propostas apresentadas em procedimentos de contratação pública) que não cumprem uma determinada exigência formal ou procedimental (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos deste Colendo Tribunal de 17 de janeiro de 2001, no processo n.º 4429, de 30 de janeiro de 2013, no processo n.º 01123/12, e de 3 de dezembro de 2015, no processo n.º 01028/15).


O) Conforme decorre do voto de vencido aposto no Acórdão recorrido, no caso concreto, os fins visados pela exigência procedimental consignada no artigo 68.º, n.º 4, da Lei n.º 96/2015 “são os efeitos estatuídos no artº 7º nº 1 als. a), b) e c) DL 290-D/99, alterado pelo DL 88/2009 (RJDEAD), decorrentes das três presunções legais concretizadas nas (i) função identificadora, (ii) função finalizadora ou confirmadora e, (iii) função de inalterabilidade relativamente aos ficheiros e/ou documentos instrutores da proposta contratual carregados na plataforma, mediante a aposição da assinatura electrónica qualificada e encriptados mediante a submissão” (sublinhado no original). Cfr., ainda, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 3 de dezembro de 2015, proc. n.º 01028/15, e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 27 de abril de 2012, no processo n.º 00619/11.4BEAVR; e, na doutrina, Luis VERDE DE SOUSA, “Alguns...”, pp. 69 e 70, SARA Augusto MATOS, PEDRO SANTOS AZEVEDO, “Breves...”, p. 45.


P) Neste domínio (o da exigência legal de aposição de assinatura eletrónica qualificada nos documentos constitutivos da proposta), o intérprete não tem de empreender qualquer esforço interpretativo para identificar a ratio por detrás da formalidade imposta pelo artigo 68º, nº 4, da Lei n.º 96/2015: é o próprio legislador que a revela.


Q) Todas as três funções legalmente atribuíveis à aposição de assinatura eletrônica qualificada antes do carregamento foram igualmente alcançadas no caso dos autos — como o serão em casos que partilhem da mesma factualidade -, por via da aposição da mesma assinatura eletrónica quando os documentos já se encontravam carregados na plataforma.


R) Quanto à função identificadora, não se coloca qualquer dúvida, uma vez que o certificado de assinatura utilizado pela Contrainteressada B…… para assinar os documentos da sua proposta permite, como resulta da factualidade dada como assente pelas instâncias, identificar o signatário (Rui Manuel da Palma Gonçalves).


S) Pode afirmar-se o mesmo relativamente à função finalizadora. na medida em que, tratando-se de uma assinatura qualificada, o certificado permite relacionar o signatário com o concorrente: aquele tem poderes para vincular este.


T) Relativamente à função de inalterabilidade — aquela que, à partida. poderia parecer mais problemática —, também se mostra alcançada. porque, uma vez aposta a assinatura dos documentos na própria plataforma (como sucedeu no caso dos autos), o “original” desses documentos — isto é, o ficheiro tal e qual ele foi carregado e assinado na plataforma — já não pode mais ser alterado.


U) Uma vez decorrido o prazo para apresentação das propostas, uma proposta carregada e submetida na plataforma, e aí assinados os respetivos documentos com recurso a um certificado de assinatura eletrónica qualificada, não mais pode ser modificada, pretendendo com isto dizer-se que (i) o conteúdo dos documentos que a constituem é insuscetível de ser alterado/editado na própria plataforma, que (ii) os documentos que a compõem não podem ser eliminados nem substituídos por outros e, por fim, que (iii) não podem ser aditados documentos que não integrassem a proposta ab initio.


V) Transcorrido aquele prazo, dá-se a cristalização da proposta tal como ela foi submetida na plataforma: quaisquer alterações que possam ser introduzidas nas cópias descarregadas dos documentos jamais poderão ser “transportadas” de novo para “dentro” da plataforma.


W) Decidir como o Acórdão recorrido decidiu significa, como é mais do que evidente, que uma proposta deve ser excluída por não ter sido assinada, não obstante estar assinada...!


X) Ao decidir como decidiu, sem cuidar de averiguar se, no caso concreto da falta de assinatura dos documentos das propostas antes do seu carregamento na plataforma eletrónica, as finalidades visadas com essa exigência legal consignada no artigo 68.º, n.º 4, da Lei n.º 96/2015 foram ou não alcançadas por outra via, o Acórdão recorrido, ao não aplicar a teoria da degradação das formalidades essenciais em não essenciais, hoje até já convertida em regra legal (artigo 163.º, n.º 5, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo), violou os princípios da proporcionalidade, da boa-fé na vertente da primazia da materialidade subjacente e do aproveitamento dos atos administrativos de que aquela teoria é corolário.




A A. contra-alegou, tendo enunciado as seguintes conclusões:

1. No entender da ora Recorrida, in casu não estão preenchidos os pressupostos previstos no artigo 150.º do CPTA, pelo que o recurso de revista não deve ser admitido.


2. A questão que o Recorrente pretende ver apreciada já foi respondida pelo Supremo Tribunal Administrativo, em especial, no seu douto Acórdão de 3 de dezembro de 2015, processo n.º 01028/15 (ainda que por referência ao regime constante da Portaria n.º 701-G/2008), do qual decorre, sem margem para grandes dúvidas interpretativas, o entendimento de que o modo de assinatura estabelecido na lei constitui formalidade essencial.


3. E, tal como sucedeu naquele douto aresto, também neste caso o Recorrente não alegou, nem demonstrou - sequer com “certeza absoluta” - que o proposto modo “alternativo” (subsequente ao carregamento) da assinatura dos documentos equivale à assinatura aposta antes desse carregamento na plataforma eletrónica.


4. Em todo o caso, ao contrário do que sustenta o Recorrente, no que ao mérito diz respeito, o douto Acórdão recorrido não merece qualquer reparo ou censura.


5. Tal como se sustenta no douto Acórdão recorrido, a violação do disposto no artigo 68.º, n.º 4 da Lei n.º 96/2015 (reconhecida pelo próprio Recorrente) consubstancia a inobservância de uma formalidade essencial insuscetível de degradação em mera irregularidade.


6. Logo, perante um regime imperativo sobre uma formalidade essencial, impõe-se concluir que a falta de assinatura prevista na lei implica necessariamente a exclusão da proposta.


7. O entendimento sustentado pelo Recorrente assenta numa efetiva violação da norma prevista no n.º 4 daquele artigo, o qual exige a prévia assinatura dos documentos antes do seu carregamento.


8. Se, nos casos em que não existe a possibilidade de edição de documentos, o legislador determinou que os documentos devem ser previamente assinados - mediante a aposição de certificado eletrónico qualificado no próprio computador do utilizador -, não pode considerar-se essa falta já depois de os documentos terem sido carregados na plataforma.


9. A interpretação e aplicação das normas legais que impõem a assinatura eletrónica dos documentos que compõem a proposta (designadamente as previstas nos números 4 e 5 do artigo 68.º da Lei n.º 96/2015) não pode ser feita de forma a acobertar modos de assinatura de documentos da proposta diversos do expressamente prescrito.


10. E muito menos podem ser desconsideradas com recurso ao princípio de que as formalidades essenciais se degradam em meras irregularidades quando o fim legal tenha sido supostamente atingido, pois, como se referiu, tal exigiria a certeza absoluta de que o modo alternativo de assinatura equivale rigorosamente, para os referidos fins, à assinatura eletrónica prévia que a lei exige (alegação e prova que não foram feitas pelo Recorrente).


11. A imposição de prévia assinatura dos documentos, prevista no artigo 68.º, n.º 4 da Lei n.º 96/2015, tal como as demais exigências legais relativas à assinatura de ficheiros eletrónicos em plataformas de contratação pública constitui uma formalidade essencial (ou ad substantiam) - cfr. neste sentido, veja-se igualmente, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de janeiro de 2013, Proc. 1123/12., disponível in www.dgsi.pt.


12. Se o legislador definiu que, nos casos em que os documentos são carregados como definitivos na plataforma (isto é, sem a possibilidade de edição prevista no n.º 5 do artigo 68.º), os mesmos devem ser previamente assinados mediante a aposição de assinatura eletrónica avançada, então é porque considerou que essa é uma exigência relativa à segurança e certeza do procedimento desmaterializado, em vista de evitar possíveis disputas ou divergências acerca da apresentação, autoria e integridade de conteúdo dos documentos.


13. Como decorre da análise da letra e da ratio dos números 4 e 5 do artigo 68.º da Lei n.º 96/2015, é evidente que assinatura prévia e assinatura após o carregamento não são a mesma coisa, pois esta só é admissível nos casos em que a plataforma eletrónica permite, além do carregamento progressivo de ficheiros, a sua permanente alteração/edição até ao momento da submissão da proposta.


14. Ora, não ficou provado que a plataforma sub judice assegurasse aos interessados essa possibilidade de edição e, como tal, toda a segurança eletrónica inerente à mera aposição da assinatura dos documentos no momento da submissão da proposta.


15. Em suma, não existe fundamento legal ou outro para deixar de aplicar a causa de exclusão da proposta das Contrainteressadas, expressamente prevista no artigo 146.º, n.º 2, alínea |) do CCP, por não se tratar de exigência formal que, atentos os seus fins de segurança e transparência, possa ser considerada excessiva ou contrária aos princípios e objetivos gerais de proporcionalidade e livre acesso aos mercados públicos.


16. Por tudo o exposto, é por demais evidente que não assiste qualquer razão à Recorrente, devendo o respetivo recurso de revista ser julgado improcedente, com todas as legais consequências.

Pela formação de apreciação preliminar a que alude o art.º 150.º, do CPTA, foi proferido acórdão a admitir a revista.

Pela Exma. Srª. Procuradora-Geral-Adjunta, foi emitido parecer, onde se concluiu que o recurso não merecia provimento.

Sem vistos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

FUNDAMENTAÇÃO

I.MATÉRIA DE FACTO

Nos termos do n.º 6 do art.º 663.º do C.P.C., dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto considerada provada pelo acórdão recorrido.

II. O DIREITO.

A sentença do TAF entendeu que, por não se ter provado que a plataforma electrónica utilizada pelo Município permitia a edição dos documentos aí carregados, deveriam os concorrentes, em obediência ao disposto nos nºs. 4 e 6 do art.º 68.º da Lei n.º 96/2015, de 17/8, ter assinado, mediante assinatura electrónica qualificada, os ficheiros e os formulários que integravam estes antes de ter procedido ao seu carregamento naquela plataforma. E apesar de estar demonstrado que a adjudicatária só assinou os ficheiros e formulários após estes estarem carregados no portal, dever-se-ia considerar sanado o vício verificado, por aplicação dos princípios da justiça e da razoabilidade e uma vez que, no momento da submissão da proposta, veio a ser associada a tais documentos a mesma assinatura que deveria ter sido aposta antes do respectivo carregamento.
Posição contrária veio a ser perfilhada pelo acórdão recorrido, o qual, após transcrever parte do Ac. deste STA de 3/12/2015 – Proc. n.º 1028/15, considerou que o citado art.º 68.º, n.º 4, estabelecia claramente que a aposição de assinatura electrónica qualificada deveria ser feita em cada um dos documentos previamente ao seu carregamento na plataforma electrónica, o que, não tendo sucedido na situação em apreço, consubstanciava a inobservância de uma formalidade essencial insusceptível de se degradar em mera irregularidade e implicava a exclusão da proposta da adjudicatária.
Na presente revista, o recorrente alega que o acórdão recorrido se limitou a afastar a aplicação da teoria da degradação das formalidades essenciais em não essenciais sem averiguar se no caso concreto as finalidades visadas com a exigência legal consignada no mencionado art.º 68.º, n.º 4, foram alcançadas por outra via e considera que a proposta da adjudicatária não deveria ser excluída por a formalidade em causa se degradar em não essencial, dado que a mesma assinatura que deveria ter sido aposta antes do carregamento veio a ser aposta após esse carregamento na plataforma, assegurando-se, assim, os interesses específicos subjacentes à sua exigência que se reconduziam a garantir que os documentos eram da autoria do signatário, que a eles se pretendera vincular e que o seu conteúdo não fora alterado após a assinatura.
A única questão a decidir é, assim, a de saber se, por recurso à teoria das formalidades não essenciais, hoje consagrada no art.º 163.º, n.º 5, al. b), do CPA, aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 7/1, se deve afastar a exclusão da proposta da contra-interessada “B…….”, por os objectivos subjacentes à exigência decorrente do n.º 4 (e n.º 6) do art.º 68.º da Lei n.º 96/2015 terem sido alcançados com a assinatura electrónica dos ficheiros aquando da submissão dessa proposta.
Vejamos.
O citado art.º 68.º, sob a epígrafe “carregamento das propostas”, estabelece o seguinte, nos seus nºs. 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 15:
“1 – As plataformas eletrónicas devem permitir o carregamento progressivo, pelo interessado, da proposta ou propostas, até à data e hora prevista para a submissão das mesmas.
2 – O carregamento mencionado no número anterior é feito na área reservada em exclusivo ao interessado em causa e relativa ao procedimento em curso.
3 – A plataforma eletrónica deve disponibilizar ao interessado as aplicações informáticas que permitam automaticamente, no ato de carregamento, encriptar e apor uma assinatura eletrónica nos ficheiros de uma proposta, localmente, no seu próprio computador.
4 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando o interessado realizar o carregamento, na plataforma eletrónica, de um ficheiro de uma proposta, este deve estar já encriptado e assinado, com recurso a assinatura eletrónica qualificada.
5 – As plataformas eletrónicas podem conceder aos interessados a possibilidade de os ficheiros das propostas serem carregados de forma progressiva na plataforma eletrónica, desde que encriptados, permitindo a permanente alteração dos documentos até ao momento da submissão.
6 – O formulário principal e outros formulários a preencher no âmbito do procedimento devem ser disponibilizados ao interessado, por descarga de XML, para alojamento local, no respetivo computador, sendo aplicável, neste caso, o disposto nos nºs. 3 e 4.
15 – Durante o processo de carregamento, as plataformas eletrónicas devem assegurar aos interessados a possibilidade de substituírem ficheiros já carregados por outros novos, no âmbito do processo de construção de cada proposta”.
Resulta deste preceito que há duas modalidades de carregamento das propostas: a normal, a que se referem os transcritos nºs. 1, 2, 3, 4, 6 e 15, geralmente denominada de carregamento de “ficheiro fechado” e a prevista no n.º 5 do mesmo normativo, denominada de carregamento progressivo ou de “ficheiro aberto”.
Na primeira modalidade o concorrente elabora a sua proposta “localmente, no seu próprio computador”, inserindo os documentos em ficheiros e preenchendo os formulários disponibilizados que introduz na plataforma electrónica (na área que em exclusivo lhe está reservada) depois de estarem encriptados e assinados electronicamente, podendo esses ficheiros – embora já completos – serem substituídos por outros novos, ou pura e simplesmente retirados ou aditados, enquanto não houver lugar à submissão, permitindo-se, assim, que o concorrente adapte a proposta aos atributos que um estudo mais aprofundado lhe mostre ser necessário, sem pôr em causa as exigências de celeridade da fase da apresentação das propostas quando o seu termo se aproxima. Por sua vez, no carregamento progressivo, permite-se o envio para a plataforma de ficheiros abertos – encriptados mas não assinados – onde vão sendo incluídos documentos que, não estando finalizados, também podem ser alterados na própria plataforma electrónica até ao momento da submissão da proposta que é quando a assinatura electrónica é aposta (cf. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira in “Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, 2011, págs. 681 e 897-899). Assim, enquanto na primeira modalidade o ficheiro fica carregado, devendo, por isso, estar previamente assinado electronicamente, na segunda, porque está em processo de carregamento até ao momento da submissão, não é de exigir a sua assinatura antes deste momento.
Mesmo no carregamento com base em ficheiros fechados, a submissão da proposta só se efectiva com a sua assinatura electrónica, sendo este o momento em que ela se considera completa e apresentada a concurso. Assim, como referem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira (ob. cit., pág. 903), apesar de todos os ficheiros e formulários já irem assinados, a lei exige a assinatura da própria proposta para que eles saiam do estado de pendência procedimental em que se encontravam e sejam agora apresentados à entidade adjudicante, ficando o concorrente finalmente vinculado ao compromisso aí assumido, pelo que é essa assinatura que assegura que a apresentação da proposta como um todo é fruto de um acto voluntário do concorrente. Portanto, no caso em apreço, não é por os ficheiros informáticos e formulários apresentados pela “B…….” não se encontrarem assinados antes do seu carregamento na plataforma que ela deixa de se considerar vinculada ao que deles consta, o que demonstra a irrelevância do incumprimento dessa formalidade em relação à firmeza do compromisso que assumiu.
Tendo as instâncias considerado, sem contestação na presente revista, que, por a plataforma electrónica utilizada não ter as potencialidades necessárias para permitir o carregamento dos ficheiros nos termos do mencionado art.º 68.º, n.º 5, se deveria entender que a modalidade de carregamento das propostas dos concorrentes era a denominada de “normal” e resultando dos factos provados que os ficheiros da proposta da adjudicatária e os formulários só foram assinados electrónicamente depois de carregados no portal e não localmente no seu próprio computador, como exigiam os nºs. 3, 4 e 6 daquele art.º 68.º, o que há que averiguar é apenas, como já referimos, se a formalidade omitida – essencial, por legalmente prescrita – se degrada em não essencial, em virtude de o resultado que o legislador tinha em vista quando impôs a assinatura electrónica dos ficheiros antes do seu carregamento ter acabado por ser atingido.
O art.º 7.º, n.º 1, do DL n.º 290-D/99, de 2/8, na redacção resultante do DL n.º 88/2009, de 9/4, prevê que a aposição de uma assinatura electrónica equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel e cria a presunção de que: a) a pessoa que apôs a assinatura é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa colectiva titular da assinatura electrónica; b) a assinatura foi feita com intenção de assinar o documento electrónico; c) o documento electrónico não foi alterado desde a aposição da assinatura.
Correspondendo estas presunções legais aos fins prosseguidos pela exigência da assinatura electrónica qualificada, é de entender que esta tem uma função identificadora, finalizadora ou confirmadora e de inalterabilidade.
Assim, o que há que apurar é se estas funções foram asseguradas pela assinatura electrónica dos ficheiros na plataforma aquando da submissão da proposta.
Ora, estando provado que todos os ficheiros associados à proposta da adjudicatária “B…….” foram assinados através de um certificado qualificado de assinatura electrónica àquela pertencente, é de concluir que estão preenchidas as referidas funções identificadora e finalizadora, por não haver dúvidas quanto à autoria daqueles ficheiros e à vinculação de quem assinou o seu conteúdo.
Quanto à função de inalterabilidade, o que importa averiguar é se o facto de os ficheiros não conterem uma assinatura electrónica qualificada quando são carregados na plataforma permite garantir que após a sua assinatura o respectivo conteúdo não foi alterado.
Pretendendo salvaguardar-se com esta função da assinatura que haja uma forma segura de saber se algum documento foi alterado após o momento da abertura das propostas, a circunstância de as plataformas electrónicas estarem obrigadas a “manter os documentos no seu formato original, devidamente conservados” (art.º 31.º, n.º 2, da Lei n.º 96/2015), de forma a que seja possível identificar “o documento enviado, bem como a entidade e o utilizador que o enviou” [al. c) do n.º 3 do citado art.º 31.º] e de elas terem de registar “tentativas com sucesso ou fracassadas de modificação de dados” [art.º 50.º, n.º 5, al. h), da Lei n.º 96/2015] e de garantirem a existência de cópias de segurança “protegidas contra modificação com recurso a mecanismos de assinatura digital” (n.º 4 do art.º 52.º da Lei n.º 96/2015), demonstra que há sempre a possibilidade de aferir se uma cópia electrónica que tenha sido extraída da plataforma corresponde ao documento original que foi submetido pelo concorrente.
Assim, ainda que fosse possível extrair dos ficheiros carregados na plataforma cópias electrónicas, sempre a plataforma permitiria averiguar a inexactidão dessa cópia relativamente ao original.
Portanto, a omissão da formalidade resultante de os ficheiros não terem sido assinados no momento determinado pela lei, mas só em momento posterior, degrada-se em formalidade não essencial.
Procede, pois, a presente revista, devendo ser revogado o acórdão recorrido e ordenada a baixa dos autos ao TCA-Sul, para aí se proceder ao conhecimento da matéria vertida nas conclusões 23.ª a 35.ª das alegações da A. no recurso que interpôs para esse tribunal, referentes ao vício de violação da cláusula 11.ª do Caderno de Encargos julgado improcedente pela sentença (cf. art.º 679.º, do CPC, que exclui a aplicação ao recurso de revista do disposto no n.º 2 do art.º 665.º do mesmo diploma).


DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conceder provimento, revogando o acórdão recorrido e ordenando a baixa dos autos ao tribunal recorrido para os fins que ficaram referidos.
Sem custas.

Lisboa, 6 de dezembro de 2018. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – António Bento São Pedro.