Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01133/09.3BELSB
Data do Acordão:02/06/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25563
Nº do Documento:SA12020020601133/09
Data de Entrada:11/28/2019
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A…………., com os demais sinais dos autos, intentou acção, sob a forma ordinária, de responsabilidade extracontratual, contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, pedindo a condenação do réu a indemnizá-lo, a título de danos patrimoniais, no valor a apurar em sentença, o qual à data de entrada da petição inicial se consubstancia em € 34.245,16, ao qual deverá acrescer o montante correspondente aos juros moratórios legais, desde a citação até efectivo e integral pagamento e, a título de danos não patrimoniais, um valor não inferior a €40.000,00.

Suscitada na contestação a excepção de prescrição veio a ser julgada procedente, no despacho saneador-sentença proferido em 28.09.2018.

Desse despacho foi interposta apelação por o autor não se conformar com o decidido, tendo o TCAS, [após notificação às partes para se pronunciarem sobre a hipótese de o tribunal conhecer em substituição, caso o recurso viesse a ser provido — despacho da relatora de 15.02.2019], por acórdão de 09.05.2019, concedido provimento ao recurso, revogado o despacho recorrido na parte apreciada (a prescrição) e, conhecendo, em substituição do pedido formulado na petição inicial, concedendo parcial provimento à acção, condenado o réu a pagar ao autor a quantia de € 3.500,00, absolvendo do demais o réu.

O Réu recorreu, nos termos do art. 150°, nº 1 do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo deste acórdão do TCAS, fundamentando a admissibilidade da revista na relevância da questão de direito substantivo, bem como de direito processual. Considerando que matérias importantes foram tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição administrativa como condição de dissipar dúvidas sobre o quadro legal, havendo necessidade de uma melhor aplicação do direito.

O Autor entende que a revista não deve ser admitida.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.


3. O Direito
O art. 150°, n° 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

A questão de direito que o Recorrente pretende discutir nos autos é a que respeita aos “Poderes do Tribunal de Apelação”, conforme epígrafe do art. 149° do CPTA, constituindo a solução do acórdão recorrido violação de norma processual, cuja interpretação e correcta aplicação torna necessária e imperiosa a intervenção do STA, face ao “erro grave em que incorreu o TCA Sul”, ao apreciar e decidir de mérito, violando o disposto no art. 635°, n° 4 do CPC porque, versando o recurso do autor apenas a prescrição, o MP não produziu alegações e conclusões sobre o mérito da pretensão, pelo que o acórdão recorrido seria nulo (arts. 716° e 668°, nº 1, al. d) do CPC, anterior versão), tendo conhecido de matéria de que não podia conhecer, incorrendo em excesso de pronúncia, uma vez que não deu cumprimento ao disposto no n° 5 do art. 149° do CPTA.
Mais alegando que não tendo o autor demonstrado os danos que sofreu patrimoniais ou não patrimoniais, não pode deixar de se considerar que o atraso na decisão concreta, não lhe causou qualquer prejuízo, uma vez que os arguidos no processo-crime (que não foi decidido em “prazo razoável”) não foram condenados nem pelos crimes de que estavam acusados, nem no pedido cível apresentado.

O acórdão recorrido, após ter decidido ser de revogar a sentença recorrida que julgou procedente a excepção de prescrição, pronunciou-se sobre a questão processual objecto deste recurso nos seguintes termos: «A procedência do presente recurso, implica, face ao estatuído no art. 149° n.° 3, do CPTA, que o tribunal conheça, em substituição, do pedido formulado pelo autor na petição inicial — (...) -, dado que a factualidade que se encontra assente o permite.
Quanto à oposição do Estado Português a que este tribunal de recurso conheça, em substituição, do pedido formulado na petição inicial, cumpre salientar que o estatuído no art. 149° n.° 3, do CPTA, se traduz num poder dever, isto é, numa obrigação para este tribunal de recurso.
Acresce que o Estado Português já teve oportunidade de se pronunciar sobre o pedido formulado na petição inicial através da contestação que oportunamente apresentou e, no que respeita ao contraditório suplementar previsto no art. 149 n.° 5, do CPTA, cabe sublinhar que o mesmo já foi assegurado por este Tribunal».
Sobre o mérito analisou os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, fazendo apelo às normas de direito interno e comunitário aplicáveis, nomeadamente, o art. 6°, n° 1 da CEDH e 2°, n° 1 do CPC 61 (actual art. 2°, n° 1 do CPC), tendo-se escrito o seguinte:
«Destas normas — conjugadas desde logo com o art. 22°, da CRP -, resulta que o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes da violação do direito a que os processos judiciais sejam decididos em prazo razoável.
Na aplicação da CEDH e na densificação dos respectivos conceitos tem, necessariamente de atender-se à jurisprudência do TEDH, como acima já salientado.
Nos termos da jurisprudência do TEDH, o prazo relevante para contagem razoável — no processo penal, natureza que assume o processo n.° 1294/00.7TALRS em causa nos autos — só começa a contar para o assistente a partir da constituição de assistente ou da dedução do pedido de indemnização cível, consoante o que ocorra em primeiro lugar, cobrindo todo o processo, incluindo as instâncias de recurso, terminando com o trânsito em julgado da decisão que fixa definitivamente o destino do processo — (...)».
Tendo concluído verificar-se a existência de uma violação objectiva do art. 6°, no 1 da CEDH, decorrente da verificação, no caso concreto, de um atraso na administração da justiça, e consequente preenchimento do pressuposto da ilicitude, entendeu ser de concluir que ocorre uma presunção de dano não patrimonial, isto é, que o processo penal em causa teve uma duração para além do prazo razoável causando ao autor um dano não patrimonial que este não está obrigado a provar, abrangendo essa presunção os seguintes danos: angústia, ansiedade, frustração, muito incómodo ou incerteza. Presunção, esta, que sendo ilidível, não foi ilidida pelo Réu.
Assim, considerando verificados todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, fixou o montante da indemnização decorrente de atraso da decisão de processo judicial (de 2 anos e 10 meses), por recurso à equidade, no montante de € 3.500,00.

Afigura-se-nos que a questão processual objecto da presente revista terá sido decidida pelo acórdão recorrido com acerto, já que foi observado o contraditório. Quanto à questão de fundo também parece que o tribunal a quo aplicou a jurisprudência tanto deste STA como comunitária sobre a matéria em apreço, estando juridicamente fundamentada através de um discurso plausível, pelo que não se justifica a reapreciação por este STA.
Assim, perante a aparente exactidão do acórdão recorrido não deve ser admitido o recurso, por não se justificar postergar a regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Sem custas.
Lisboa, 6 de Fevereiro de 2020. – Teresa de Sousa (relatora) – Madeira dos Santos – Carlos Carvalho.