Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0509/13
Data do Acordão:03/06/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:INDEFERIMENTO LIMINAR
PRESSUPOSTOS
ALÇADA
LIQUIDAÇÃO ADICIONAL
Sumário:I - Nos termos do disposto no art. 234.º-A, n.º 2, do CPC, aplicável subsidiariamente por força dos arts. 2.º, alínea e), e 281.º, do CPPT, admite-se a possibilidade de recorrer do despacho de indeferimento liminar proferido em processo de oposição à execução fiscal, ainda que o processo tenha valor inferior à alçada.
II - O indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.
III - Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3º, nº 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior.
Nº Convencional:JSTA000P17174
Nº do Documento:SA2201403060509
Data de Entrada:04/05/2013
Recorrente:A.......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A…….., melhor identificado nos autos, veio recorrer para Tribunal Central Administrativo Norte da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel de 29-5-2012, que rejeitou liminarmente a oposição ao processo de execução fiscal nº 1848-2011/01114387 que corre termos do Serviço de Finanças de Paredes, por dividas de IMT referente ao ano de 2008, no montante de € 523,00.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A. Não pode o recorrente sufragar o teor da Douta Sentença Recorrida, uma vez que, de forma alguma poderá considerar-se ser manifesta a improcedência da petição de oposição.
B. Resulta do texto da Douta Sentença recorrida notória contradição entre a fundamentação de facto e de direito.
C. Na verdade, começa a Douta Sentença recorrida por dar como provado que a liquidação dos autos é uma liquidação adicional de IMT, para depois concluir que o prazo de caducidade aplicável aos autos é o previsto no artigo 35º nºs 1 e 2 do CIMT, e portanto de oito anos.
D. Ora, prevê especialmente o artigo 31º nº 3 CIMT que para as liquidações adicionais resultantes de avaliação, entre outras, o prazo de caducidade é de quatro e não de oito anos.
E. Ao não aplicar o referido normativo, apesar de ter considerado a liquidação como adicional, a Douta Sentença Recorrida evidencia notória contradição.
F. Até porque é entendimento do recorrente ser aplicável ao caso dos autos o artigo 31º nº 3 do CIMT, sendo que à data em que a liquidação foi notificada ao recorrente, seja em 17/10/2011, há muito havia caducado o direito de liquidar.
G. Na verdade, nos termos do artigo 31º nº 3 do CIMT a liquidação só pode fazer-se até decorridos quatro anos contados da liquidação a corrigir.
H. Ora, contrariamente ao decidido na Douta Sentença recorrida se a liquidação de IMT precede o acto ou facto translativo dos bens, a falta de notificação do acto de liquidação dentro do prazo de caducidade, levou a que o acto de liquidação tenha sido praticado fora do referido prazo, facto que por integrar as condições de validade do próprio acto de liquidação pode ser alegado em vicio atinente á liquidação e constitui fundamento de oposição à execução.
I. Pelo que deveria o tribunal a quo deveria ter decidido pela procedência da oposição.
J. Razão pela qual deve a Douta sentença recorrida ser revogada e declarar-se procedente a oposição apresentada.»

2 – A Fazenda Publica não apresentou contra alegações.

3 – O recurso foi interposto no TCA Norte o qual, por acórdão exarado a fls. 96 e segs. dos autos, se declarou incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, por ter, como fundamento, exclusivamente matéria de direito e declarou competente para esse efeito o Supremo Tribunal Administrativo.

4 – Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre esta questão prévia, veio o recorrente concordar com a remessa do processo para este Tribunal.


5 – O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, argumentando em síntese que, a considerar-se a liquidação em causa como adicional, o prazo de caducidade não seria de 8 anos, mas sim de 4 anos, contados da liquidação a corrigir, nos termos do estatuído no artigo 31.º/3 do CIMT.

Sustenta ainda que a qualificação da liquidação em causa como primeira liquidação ou liquidação adicional não é manifestamente evidente, como o demonstra o facto dessa questão, numa situação, exactamente, similar, mas em que não houve indeferimento liminar, ter sido levada a apreciação pelo STA (Acórdão de 14 de Setembro de 2011-P. 0294/11, disponível no sitio da Internet www.dgsi.pt).
Concluindo que, embora a oposição possa merecer a improcedência, a mesma não é manifesta de molde a ser liminarmente indeferida, nos termos do disposto no artigo 209.º do CPPT.

6 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

7 –- Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto:
A) O oponente apresentou a petição inicial da oposição que consta de fls. 5 e 6, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
B) O oponente foi notificado em 17/10/2011 da liquidação adicional do IMT devido pela aquisição em 28/7/2004 da fracção autónoma correspondente à Habitação 301 do prédio sito à Rua ………, …….., em Vila do Conde, inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 6638, pelo valor de 75 000,00€, a que respeita a dívida exequenda (fls. 53 a 55 e confissão do oponente)
C) A data limite de pagamento voluntário da dívida exequenda foi 4/12/2011 (fls. 7).
D) A petição inicial da oposição foi apresentada em 16/4/2012 (fls. 24).
Na petição inicial da oposição o oponente invoca como fundamento da oposição a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade (alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT).
8. É o seguinte o teor do despacho recorrido, na parte relevante para a decisão do presente recurso:
«No caso em apreço está em causa uma divida de IMT, devida pela aquisição de um prédio urbano resultante da avaliação do prédio, nos termos do art. 12.º, n.º 1, do CIMT, na sequência da entrega da declaração Mod. 1 de IMI, aquando da primeira transmissão após a entrada em vigor do CIMI, que atribui um valor patrimonial tributável ao prédio de 106.150,00€.
O art. 35º, n.ºs 1 e 2, do CIMT previam e prevêem:
“1 - Só pode ser liquidado imposto nos oito anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficou sem efeito, sem prejuízo do disposto no número seguinte e, quanto ao restante, no artigo 46º da Lei Geral Tributária.
2 - Sendo desconhecida a quota do co-herdeiro alienante, para efeitos do artigo 26. º, aos oito anos acrescerá o tempo por que o desconhecimento tiver durado.”.
Daqui decorre, que o CIMT fixa um prazo de caducidade diferente da LGT. O prazo de caducidade do IMT é de 8 anos a contar da data da transmissão ou da data em que a isenção de IMT ficou sem efeito.
De acordo com os documentos juntos aos autos e a própria confissão do oponente, a transmissão do prédio que deu origem à liquidação da divida exequenda ocorreu em 28/7/2004 e a liquidação da dívida exequenda foi notificada ao oponente em 17/10/2011, pelo que entre uma data e outra não decorreram seguramente 8 anos.
Assim, é manifestamente evidente que não ocorreu a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade (arts. 35º, n.º 1, do CIMT e 204º, n.º 1, alinea e), do CPPT).
Acresce que no caso em apreço, ainda que se considerasse que a oponente está a invocar caducidade do direito e não a sua falta de notificação, que constituiria fundamento de impugnação judicial (ali. 99.’ do CPPT), nem sequer podia colocar-se a possibilidade da eventual convolação da oposição em processo de impugnação judicial (artº 98º, n.º 4, do CPPT e 97º, n.º 3, da LGT), porque entre o termo da data limite de pagamento voluntário da dívida (4/12/2011) e a data da apresentação da petição inicial da oposição (16/4/2012) decorreram mais de 90 dias.
Logo, em caso de eventual convolação o processo de impugnação judicial sempre ocorreria a excepção dilatória insuprível de caducidade do direito de acção (art. 89º, nº 1, alínea h do CPTA), o que determinaria a rejeição liminar da petição inicial, nos termos do art. 234º-A do CPC, pelo que a eventual convolação deste processo em processo de impugnação judicial constituiria a prática dum acto inútil (ali 137º do CPC), proibido por lei.
Assim, não sendo legalmente admissível a sua convolação, a oposição tem de ser rejeitada liminarmente por ser manifestamente improcedente (ad. 209º, n.º 1, alínea c), do CPPT).»

9. Da admissibilidade do recurso.
Impõe-se uma nota prévia quanto à admissibilidade do recurso.
Com efeito apesar do valor do processo (586,39 €) ser inferior ao valor da alçada, o recurso será admissível atento o disposto no art. 234.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil (Redacção da Lei 29/2009, aplicável ao caso subjudice.), aplicável por força dos arts. 2.º, alínea e), e 281.º, do Código de Procedimento e Processo Tributário, porquanto a decisão recorrida é um despacho liminar.
Nos termos do referido normativo «é sempre admitido recurso até à Relação, com subida nos próprios autos, do despacho que haja indeferido liminarmente a petição de acção ou o requerimento de providência cautelar»
É certo que o art. 234.º-A, n.º 2, do CPC, se refere a «recurso até à Relação», mas, «deverá entender-se, no contencioso tributário, que o recurso deverá ser interposto para o STA ou para o tribunal central administrativo territorialmente competente, conforme o seu fundamento seja ou não exclusivamente matéria de direito, pois é isso que determinam as regras de repartição de competência entre estes tribunais, definidas nos arts. 32.º, n.º 1, alínea b), 33.º, n.º 1, alínea b), 41.º, n.º 1, alínea a), e 42.º, n.º 1, alínea a), do ETAF de 1984 e arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF de 2002; com efeito, para além de estas regras de competência serem especiais para o contencioso tributário, o uso daquela expressão «até à Relação», e não da expressão «para a Relação» revela que o que se pretendeu foi limitar a um grau a possibilidade de recurso e não propriamente alterar as competências dos tribunais que resultem das suas normas estatutárias; por isso, ao aplicar analogicamente aquele [art. 234.º-A, n.º 2, do CPC] ao contencioso tributário, deverão fazer-se as adaptações que resultam do estatuto dos tribunais tributários» - cf. neste sentido Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, Áreas Editora, 6ª edição, vol. IV, pag. 423 e 424.

10. Do mérito do recurso:
A questão objecto do presente recurso consiste em saber se incorreu em erro de julgamento a decisão recorrida ao indeferir liminarmente a oposição por entender que à liquidação sindicada (de IMT) é aplicável o prazo de caducidade de oito anos previsto no artº 35º nº1 e 2 do CIMT e não o prazo de quatro anos, como defende a recorrente, invocando para o efeito o nº 3 do artº 31º do CIMT e argumentando que se trata de uma liquidação adicional.
A decisão recorrida (fls. 57 e 58) rejeitou liminarmente a oposição, por manifesta improcedência, uma vez que sendo o prazo de caducidade do tributo de 8 anos, a transmissão do imóvel ocorreu em 28 de Julho de 2004 e a liquidação da dívida foi notificada ao oponente em 17 de Outubro de 2011, portanto dentro do prazo de caducidade de 8 anos.

É contra o assim decidido que se insurge o recorrente argumentando que de forma alguma poderá considerar-se ser manifesta a improcedência da petição de oposição e que será aplicável ao caso dos autos o artigo 31º nº 3 do CIMT, concluindo que à data em que a liquidação foi notificada ao recorrente, ou seja em 17/10/2011, há muito havia caducado o direito de liquidar.

Vejamos, pois, se se verifica fundamento para o despacho de indeferimento liminar.
Dispõe o artº 209º, nº 1, als. b) e c) do Código de Procedimento e Processo Tributário (rejeição liminar da oposição) que, recebido o processo, o juiz rejeitará logo a oposição por não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º e por ser manifesta a improcedência.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo já, por várias vezes, expressou o entendimento de que o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.
Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e razoavelmente indiscutível que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC (Redacção então em vigor.)) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» - cf. neste sentido o Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 26.09.2012, recurso 377/12, de 16.05.2012, recurso 212/12, de 12.01.2011, recurso 766/10 e de 24.02.2011, recurso 765/10, todos in www.dgsi.pt.
No caso apreço entendemos que improcedência da pretensão do oponente não é tão clara e indiscutível que justifique um despacho de indeferimento liminar.
Da análise global daquela petição inicial é indubitável que o recorrente invoca como fundamento da sua pretensão a falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade, por ter sido notificado de uma liquidação adicional de IMT e não de uma primeira liquidação, sustentando que o prazo de caducidade de liquidação é o previsto no artº 31º, nº 3 do CIMT (arts. 11º a 15º da petição inicial, a fls. 25 e 26) e dando a conhecer o efeito jurídico que pretende obter que é a extinção da execução.
E de facto a liquidação em causa, efetuada em consequência da avaliação do imóvel aquando da primeira transmissão após a entrada em vigor do CIMI, foi qualificada pela administração tributária como liquidação adicional – vide fls. 5 – sendo que a própria decisão recorrida refere tal liquidação como adicional na alínea B) do probatório – cf. fls. 57.
A questão da qualificação da liquidação como adicional ou como primeira liquidação, é relevante porque se se entender que se trata de uma liquidação adicional o prazo de caducidade não será de 8 anos, mas sim de 4 anos, contados da liquidação a corrigir, de harmonia com o disposto no artigo 31.º nº 3 do CIMT.
Ora no caso presente, como bem nota o Ministério Público, a qualificação da liquidação em causa como liquidação adicional ou como primeira liquidação não é manifestamente evidente, sendo aliás questão que já foi levada à apreciação deste Supremo Tribunal Administrativo em caso similar, mas em que não houve indeferimento liminar - cf. Acórdãos de 14 de Setembro de 2011-P. 0294/11, disponível no sitio da Internet www.dgsi.pt).
Acresce que a decisão recorrida nem sequer aborda, expressamente, a questão da qualificação da liquidação em causa, como liquidação adicional ou como primeira liquidação, e suas consequências em termos de falta da sua notificação dentro do prazo de caducidade

Daí que se entenda que, embora a oposição possa, eventualmente, merecer a improcedência, a mesma não é manifesta de molde a ser liminarmente indeferida, nos termos do disposto no artigo 209.º do CPPT.
A decisão recorrida que assim não entendeu, não pode ser confirmada, pelo que procede o recurso.

11. Decisão:

Termos em que, face ao exposto, Acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido, devendo o processo baixar ao Tribunal “a quo” para conhecimento do mérito da oposição deduzida, se a tal nada mais obstar.

Sem custas.

Lisboa, 6 de Março de 2014. - Pedro Delgado (relator) - Valente Torrão - Ascensão Lopes.